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O. INTRODUÇÃO
A pessoa humana é um ser pensante. Devido a esta capacidade, ela consegue pensar e
reflectir criticamente o pensado. Por isso, ela iniciou uma caminhada reflexiva, no
sentido de conhecer o mundo, Deus e conhecer-se a si próprio. Quer dizer, ele tornou-
se sujeito e objecto da sua reflexão, de seu estudo. Desta reflexão, nasceram questões
muito relevantes e até enigmáticas como, por exemplo, o que é o ser humano? O que
é o mundo? O que é Deus?
Este trabalho está estruturado em cinco partes: a primeira e segunda partes iremos
discutir as perguntas sobre o ser humano (liberdade e transcendência), e sobre o
mundo: Concepções cosmogónicas. Na terceira encontraremos a relação o ser humano
- Deus, numa perspectiva cristã. Na quarta parte, a religião e ética: diferentes tipos de
ética. E, por fim, a quinta parte trataremos de como consultar e citar as fontes
principais desta cadeira.
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Esta inquietação mostra que só o ser humano põe e impõe a si mesmo estas questões
porque manifestamente está votado a interrogar-se sobre si mesmo, sobre a natureza
e sobre o que o rodeia.
Vamos, desde já, ver como a Mundividência Cristã, em suas variadas perspectivas, por
exemplo, a tradicional africana, filosófica, islâmica e católica, tentar dar respostas
àquelas questões essenciais e, ao mesmo tempo, enigmáticas.
O ser humano é força viva, a força suprema, a mais poderosa entre todos os seres
criados, porque ele domina os animais, plantas, minerais, e tem consciência da sua
existência e daquilo que faz. Ele é capaz disto pois é depositário de uma partícula do
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poder divino. Por isso, o ser humano ocupa o centro da pirâmide vital, o que significa
que a toda a criação está orientada para ele.
a) Corpo
b)O sangue
c)O coração
O elemento espiritual faz com que a vida humana esteja sempre posta em relação com
a vida do além. Este elemento espiritual, além de animar e mover o ser humano, é
eterno. Tudo isto é perceptível na vida tradicional africana. A população bantu define o
coração em dois sentidos.
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Sentido Positivo: o coração é o pensamento, memória, sentimento, sensação,
interioridade, sensibilidade, amor, apetite, paixão, pena, atenção, carácter, disposição,
pressentimento, tendência, intenção.
Posto isto, fica explicado que o coração encerra toda a riqueza do ser humano. Este
coração diferencia-se do coração físico da pessoa humana.
Ligado a este ponto do coração, Altuna sustenta ainda que o delicado humanismo
bantu: hospitalidade, calor humano, solidariedade, agradecimento e cortesia revela o
refinamento do murima. Assim, o grande desejo, desta população, é possuir um
coração “poderoso”, magnânimo, sensível, pois ele define e valoriza o ser humano.
Analisar o coração é o mesmo que analisar a totalidade do ser humano, conclui o autor
em citação.
d)Alma espiritual
Entenda-se, aqui, por alma o princípio imaterial de vida. Partindo desta definição,
podemos sublinhar com Altuna que, para a população bantu, o coração é um princípio
essencial do ser humano, origem da inteligência, liberdade e personalidade humanas.
Por outro lado, esta população acredita numa alma, num princípio incorpóreo,
qualidade, essência, que faz do ser humano diferente do animal. Assim, o corpo é
movido pela alma, mediante o sopro vital. Da alma dependem as manifestações vitais,
sensações, sentidos, pensamentos, consciência, a ética.
Segundo o autor que estamos citando, a ética bantu tem origem na sua ontologia (ser)
e religião. A ética bantu é antropocêntrica porque o centro da pirâmide vital, a pessoa
humana, dá significado ético a todas as acções. Altuna considera a essência da moral
bantu como sendo uma moral da sociedade e do comportamento, razão pela qual,
pode ser denominada como uma ética dinâmica. Ele justifica sua afirmação,
apresentando duas razões:
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Primeiro, porque a ética africana define o que um indivíduo faz e não o que é.
Segundo, reciprocamente, um indivíduo é o que é, em virtude do que faz. O ser
humano por natureza nem é bom nem mau. Ele é aquilo que faz. O ser humano é bom
ou mau em função da sua conduta. O maior mal, a acção mais imoral é o atentado
contra a vida humana.
ii)Preceitos
Na sua apreciação crítica, Altuna diz que a ética bantu é omissa e imperfeita porque,
na prática, ela limita-se ao âmbito da comunidade. Não consegue transcender os
limites da parentela e do grupo.
Mas este ser humano vive no Mundo e o próprio mundo o circunda e lhe provoca
inquietações no fundo de seu coração. Tais inquietações necessitam de respostas. Por
isso, o próximo passo será uma tentativa para responder a questão: O que é mundo?
2.O Mundo
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viventes), animais e plantas; seres não vivos (pedras e minerais) têm em si uma força
vital, entre si se comunicam e, assim, resulta o equilíbrio do Universo.
O mundo visível está integrado por forças pessoais e impessoais. A força pessoal é o
ser humano, centro da pirâmide, por ser o único existente activo, inteligente, sensível
amante e capaz de aumentar a sua vida e de dominar as forças inferiores.
Para a população bantu, segundo Altuna, existem dois mundos: visível e invisível.
Mundo visível: este é composto por chefes de reinos, tribos, clã, família, especialistas
da magia, anciãos, a comunidade, a pessoa humana, animais, vegetais, fenómenos
naturais e astros.
Mundo invisível: este é também formado por Deus, Fonte da vida; fundador do
primeiro clã humano, fundadores de grupos primitivos, heróis civilizadores; espíritos
(génios); antepassados qualificados: chefes, caçadores, guerreiros, especialistas da
magia; antepassados da Comunidade.
Estes dois mundos não estão independentes, porque Deus marcou para todos os seres
a lei da inter-acção e interdependência do dinamismo vital, resultante da lei de
participação. Entre os seres existe uma misteriosa inter-acção de vida, que os sustenta.
Por consequência, no universo nada se move sem influir com seu movimento em
outros seres; nenhum ser criado existe independente dos demais; vive receptivo e
exposto a um aumento ou diminuição da sua vida. Só Deus não pode ser influenciado.
E é este Deus que vai ser objecto de discussão no número a seguir.
A população bantu é religiosa, monoteísta radical, isto é, acredita num só Deus, o Ser
Supremo, o Criador de tudo quanto existe, visível e invisível.
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Para uma compreensão, podemos tomar um povo concreto, como exemplo, dentro
desta grande família bantu, para nosso estudo, do qual teremos a visão global de Deus.
Este povo se chama amakhuwa. Posto isto, pode-se perguntar: o que é Deus, para
amakhuwa? Como tentativa de responder a esta questão, usaremos sobretudo o livro
de Francisco M. Lerma (O POVO MACUA E A SUA CULTUR. Ministério da educação, IICT,
Lisboa, 1989.). E para clarificar o nosso estudo, falaremos de etimologia de Deus, de
Deus Criador, de sua existência, de seu culto e oração. Para isso, tomaremos, como
exemplo, o termo MULUKU, Deus em português.
3.1.Etimologia
Unidas estas três partículas, componentes da palavra MULUKU, notamos que ela
indica aquela realidade onde o importante tem sua consistência (firmeza). Significa o
centro, a origem e unificador de tudo quanto existe.
Portanto, como se nota, Deus, para a população macua, é aquele que mantém o
mundo unido; é ele a união do mundo, o centro do universo, que conserva a ordem e o
dinamismo de todo o Cosmos. Se Ele é a origem do mundo, então é o seu criador.
A palavra Muluku ocorre com muita facilidade na conversa normal deste povo,
mediante exclamações comuns, provérbios, enigmas e contos. Nas orações principais
de sacrifícios tradicionais macuas, antes de se nomear os antepassados, invoca-se,
sempre Deus, com esta expressão ou outras semelhantes: Xontte Muluku… (Por favor,
Deus…).
Na cultura tradicional macua não há escola formal, onde se possa aprender noções
relativas a Deus. A escola é a própria consciência tradicional, que foi ditando ao ser
humano que Deus é o seu Criador. A escola é a própria vida, a escola é a própria
tradição cultural macua e africana, na qual o Ser Supremo faz sentir sua presença. O
enigma da própria vida e da existência ensinou e continua ensinando ao ser humano
que ele não pode ser origem de si mesmo. E a partir disto concluiu que existe um Ser
Supremo, do qual tira sua origem e a de outras criaturas.
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Assim para a população bantu, Deus é o Criador, o inicio da vida, a origem de todo o
processo vital. Sem Muluku, nada teria origem. Ele não só é a origem de tudo quanto
existe, mas também a garantia de continuidade da vida, de tudo quanto existe, visível
e invisível.
Esta verdade, Deus Criador, se encontra igualmente nos outros povos africanos. Por
isso, Paulo VI, em sua Carta Apostólica, Africae Terrarum, nr. 8, afirma que a ideia de
Deus, como causa primeira e última de todas as coisas, é o elemento comum
importantíssimo na vida da cultura tradicional africana.
3.3.Culto a Deus
Na visão de Altuna, a população bantu não rende a Deus um culto oficial, público e
institucionalizado. Na religião tradicional africana não há templos, altares, oferendas e
sacrifícios públicos, festas, sacerdócio; nem precisa de lugares, momentos fixos ou
tempos dedicados ao culto e adoração a Deus. Volta para Ele e adora - O sempre que
sente necessidade disso. Não é necessária liturgia oficial ou ritos prescritos pois, na
religião tradicional africana, cada pessoa humana pode ser, simultaneamente, fiel e
sacerdote do culto privado. Esta situação levanta uma pergunta: por que esta ausência
de culto oficial e público?
Para Altuna, há esta ausência porque a população bantu entende Deus como sendo
Imenso, Omnipotente, que enche tudo, e por isso está próximo do ser humano em
qualquer lugar e tempo. Assim, confinar a adoração a lugares e momentos, seria pô -
Lo em dúvida e limitá– Lo.
3.3.1.Oração
Ainda conforme o autor em citação, Altuna, os bantu rezam porque têm consciência da
sua situação na pirâmide vital. A sua fé é uma opção pela vida. O facto de se sentir
submerso numa incessante acção vital com repercussões na vida privada e social, o
bantu deve agradecer, suplicar, reparar e atender às potências pessoais criadas e à
Potência incriada. Por isso, ele reza por e para a vida, valor supremo e fim último da
pessoa humana. Para a população bantu, segundo Altuna, a oração recria a harmonia
desejada, pois previne o perigo, consolida a vida, corrige a desordem, repara a ofensa
e intercede pelas necessidades.
Todos os lugares e qualquer tempo podem servir para oração, lugares de cultos e
momentos de fé activa. Nesta perspectiva, a oração aparece como o elemento
principal pelo qual a pessoa humana bantu crente comunica com o seu Deus.
Mediante a oração, a população bantu percebe que é possível haver um diálogo entre
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dois seres: o divino e o humano. Mas como é entendida a existência de Deus, entre a
população bantu?
Nesta perspectiva, embora Deus pareça viver “afastado” da vida e da vivencia das
pessoas humanas tal como fazem as pessoas mais importantes da comunidade, ele
está “próximo” das pessoas e tem em mente tudo o que se passa com suas criaturas.
Muluku erimu, onnikhunela elapo yothene. (Deus é como o céu, cobre toda a
terra).
Muluku khanaliyala an’awe. (Deus não se esquece de seus filhos e filhas).
As expressões, acima, mostram que Deus está presente na vida das pessoas humanas,
como causa primeira e última da sua existência, garantia da sua força ou união vital
entre os membros da comunidade, visível e invisível. Aquelas expressões mostram
ainda que a população bantu, em geral, e a macua, em particular, experimenta na sua
vida a necessidade absoluta de uma força super humana, que dê à própria vida e à
sociedade garantias de sua subsistência. Mas este Deus é uno e único. Por isso, falando
da existência de Deus entre a população bantu, Pe Altuna sustenta ser o monoteísmo
bantu uma realidade inquestionável e o mais iminente valor da Religião Tradicional
Africana (R.T.A.). Assim, a existência de Deus é tão certa, continua o autor acima, para
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a população bantu, que a pode levar à revelação primitiva, a confirmação da história
universal.
Chegados aqui, pensamos ter tentado dar resposta àquelas três questões, inicialmente
colocadas. Você, como nyungwe, sena, nyanja, ronga e outros grupos, que formam o
mosaico cultural moçambicano, agora pode também tentar responder àquelas três
questões essenciais, a partir da visão cultural do povo a que pertence. A sua reflexão é
bem - vinda, porque vai enriquecer-nos. Mas, desde já, lhe convidamos, para juntos
passarmos à perspectiva filosófica.
II.PERSPECTIVA FILOSÓFICA
Iremos tratar nesta perspectiva filosófica o que a Filosofia, enquanto Ciência humana,
afirma sobre a pessoa humana, o mundo e Deus. Iremos ainda com a mesma
expressão tentar dar resposta filosófica, embora não cabal, àquelas três questões
essenciais e enigmáticas.
Nesta perspectiva, vamos usar os termos ser humano, pessoa humana como
sinónimos. Teremos a oportunidade de discutir aquilo que faz de nós pessoas humanas
ou seja o que é que nos distingue, filosoficamente, dos outros seres que não são
pessoas humanas?
1.1.Definição de Pessoa
Há dentro da Filosofia várias definições do ser humano, razão pela qual poderemos
encontrar, neste nosso estudo, várias definições, desde a Antiguidade a época
moderna. Neste sentido, para alguns pensadores da actualidade, o conceito de Pessoa
deve ser abordado sob duas vertentes, mas partindo da questão: Quem sou eu?
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Vertente clássica: esta vai cingir-se a alguns filósofos, da Antiguidade e de Idade
Média, como Cícero, Boécio e São Tomás.
Há, nestes últimos dois filósofos (Boécio e Tomás), algo comum: referência à individuo
subsistente, coeso, uno, total, e de natureza racional. A natureza racional confere ao
ser humano a capacidade de saber que sabe, consciência de ter consciência. Esta
racionalidade subentende na Pessoa uma dimensão espiritual.
Immanuel Kant (1724-1804): Este filósofo concebe ainda o ser humano como
necessitado por ele ter necessidades, enquanto pertence ao mundo sensível, e nesse
aspecto, a sua razão tem uma missão de se ocupar dos seus interesses, elaborando
máximas práticas com vista à felicidade desta vida e de uma vida futura (cf. PISSARRA,
MÁRIO et alli. Rumos da Filosofia. 10ª, edições Rumo, 1ª ed. 1993: 311).
Karl Marx (1818-1883): Para este filósofo, a pessoa humana é, ao mesmo tempo,
social e natural, portanto meramente material, sem a dimensão espiritual e
transcendental, já que tudo no universo do real, incluindo o ser humano, se reduz à
matéria.
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A pessoa humana como um ser social: a sociedade é a união perfeita do ser
humano com a natureza, a verdadeira ressurreição da natureza.
A pessoa humana como um ser natural: O ser humano é directamente um ser
natural, porque ele sofre, condicionado e limitado como animais e plantas.
(Opus cit. p. 315).
O trabalho, essência da pessoa humana: Esta é o produtor e o produto de seu
trabalho. A essência da pessoa humana está em seu trabalho ( homo faber). O
espelho para ver quem é o ser humano é o seu trabalho. O ser humano é o
criador de si mesmo.
J.P.Sartre: “o estudo do ser humano trouxe-nos muitos conhecimentos, mas não nos
deu a conhecer o ser humano na sua totalidade”.
Karl Jaspers: na mesma linha, este autor manifesta o que poderíamos denominar de
desilusão, dizendo que “o ser humano é profundamente mais do que o que pode saber
acerca de si mesmo” (Opus cit. p. 316).
Chegados a esta parte, podemos afirmar que, todas estas direcções definitórias acima
referenciadas, levam-nos a concluir que o ser humano é essencialmente diferente do
animal.
A diferença decisiva entre o animal e o ser humano está já na própria pergunta: O que
é o ser humano? Por aquilo que sabemos e experienciamos, até este momento, só o
ser humano possui a capacidade de fazer questionamentos e o animal irracional não.
A questão acima colocada indica - nos que apenas o ser humano é o único ser que se
indaga; que se questiona, que procura conhecer a essência da sua própria natureza;
que faz de si mesmo um problema; que reflecte sobre suas sensações, ideias e acções.
Tudo isto resulta do facto de esta pessoa humana ser pensante.
Eis então alguns elementos ou qualidades que tornam o ser humano diferente do
animal irracional.
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Razão/raciocínio: conforme Urbano Zilles, a primeira definição referente a pessoa
humana parece a de ser vivo dotado de raciocínio. Entenda-se, aqui, por raciocínio,
segundo o autor acima, citando Franz von Kutschera, a capacidade e disposição de o
ser humano poder orientar-se no que objectivamente é certo, verdadeiro, bom e belo.
Diz, ainda, o autor em citação que a razão é a possibilidade de seguir o certo, a
liberdade de decidir-se por aquilo que se reconhece como certo.
Partindo desta consciência, que mostra ao ser humano sua grandeza e sua
fraqueza/miséria, ao mesmo tempo, Blaise Pascal, citado por Urbano Zilles, atesta: “O
ser humano parece um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante.
Uma gota de água basta para matá-lo. Mas mesmo assim, ele sairá mais nobre do que
aquilo que o mata porque sabe que morre e sabe a vantagem que a água tem para
ele”.
Insatisfação incessante: O ser humano não se satisfaz com o que existe a ser redor.
Por isso, ele rompe os limites que o cercam, transformando o meio ambiente em que
vive. Para viver e bem viver, a pessoa humana precisa de trabalhar e adaptar o mundo
que o circunda. Ela precisa de trabalhar a terra, para melhorar cada vez mais a sua
vida. Por esta razão, para ela a vida não só significa estar aí mas também bem-estar,
bem-viver.
Religiosidade: Feuerbach, citado por Bruno Odélio Birck, afirma que a “religião baseia-
se na diferença essencial que existe entre o Homem e o animal. Os animais não têm
nenhuma religião” (In GHELLER, Erinida G.(org.) CULTURA RELIGIOSA: O Sentimento
religioso e sua expressão. 2002:9). É surpreendente ver Feuerbach, considerado o pai
do ateísmo, no século XIX, reconhecendo a religiosidade como sendo o critério de
distinção entre o ser humano e o animal. Isto mostra que não é possível eliminar no
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ser humano aquela necessidade de buscar uma razão e esperança para viver, mas um
viver com sentido. E a verdadeira religião oferece ao ser humano uma razão última,
um sentido fundamental para a existência do ser humano.
Falando desta diferença entre o ser humano e o animal, o autor acima diz ainda que,
“as abelhas se comunicam, as formigas providenciam seu alimento e os macacos
catam piolhos mas, nenhum deles reza ou realiza qualquer culto a Deus (Opus cit p. 9-
10). Mas por que razão, o ser humano não vive sem religião?
Urbano Zilles, como que a responder a esta questão, diz o seguinte: “o problema
religioso toca o ser humano em sua raiz ontológico. (…) Quer isto dizer que, a religião
tem a ver com o sentido último da pessoa, da história e do mundo” (FILOSOFIA DA
RELIGIÃO: 1991: 6).
Battista Mondin: o ser humano é homo somaticus: dimensão corpórea. Neste sentido,
o ser humano é homo vivens, loquens, politico, culturalis, socialis, faber, ludens
(lazer), religiosu e espiritual.
Animal irracional: Este, com instintos altamente especializados que lhe garantem a
sobrevivência, a ajustar-se ao que encontra ao seu redor. Ele contenta-se em viver
com o objectivamente necessário para existir. Por isso, ele não precisa de técnica.
Apesar de a razão poder ser considerada como a primeira qualidade que define o ser
humano e constituir um dos elementos qualificativos, que diferenciam o ser humano
do animal, ela não é absoluta, tem limites.
Entenda-se, aqui, por limite, conforme Abbagnano, “o último ponto além do qual não
existe parte alguma da coisa e aquém (parte de cá) do qual estão todas as partes dela”
(DICIONÁRIO DE FILOSOFIA, 2007:708).
Ignorância: o primeiro limite é a nossa ignorância e a das outras pessoas. Quer dizer,
no dia após dia, percebemos a distância entre o que reconhecemos como certo e o
que fazemos na nossa vida prática.
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1.4. O ser humano, um enigma
Por enigma entenda-se, aqui, algo que é descrito em termos obscuros, ambíguos, e
que deve ser decifrado. É dentro desta definição, onde se enquadra o ser humano
como mistério. Na verdade, dificilmente o ser humano se compreende a si mesmo. Por
isso, embora conheça sempre o Universo e, com a sua inteligência, penetre o espaço
cósmico e microcósmico, o ser humano permanece o grande enigma para si mesmo.
Por esta mesma razão, podemos concordar, outra vez, com Karl Jaspers, citado por
Mário Pissarra (et alli), segundo o qual o “Homem é fundamentalmente mais do que o
que pode saber acerca de si próprio” (RUMOS DA FILOSOFIA: Introdução à Filosofia.
10º Ano, Ed. RUMOS: 1993: 316).
Santo Agostinho: Muito mais antes, este Santo, procurando entrar dentro de si, na
ânsia de compreender o grande problema em que se tinha colocado para si mesmo,
disse: “O ser humano é magna quaestio” (cf. Confissões IV, 4). Também João Paulo II
reconhecendo o ser humano como mistério destacou o seguinte: “Uma das fraquezas
mais vistosas da moderna civilização é a incapacidade moderna das Ciências Humanas
para darem resposta adequada ao mistério do ser humano”.
O ser humano vive sempre inquieto. Ele se questiona constantemente sobre o que ele
é, donde vem e para onde vai. Devido a esta realidade, ele vai procurando dar resposta
a si mesmo, de várias formas, mas jamais encontra respostas definitivas e cabais. Por
consequência, esta situação faz do ser humano cada vez mais inquieto e o obriga a
entrar cada vez mais no seu drama. Este drama humano se manifesta por algumas
expressões como a finitude, a contingência, a fragilidade (expressão metafísica),
temporalidade, mortalidade, o mal físico e o sofrimento (expressão física).
a) Finitude
O ser humano se sente finito. E ser finito significa que, por sua natureza, o ser humano
é um ser contingente e, por isso, não é necessário. Como não é necessário, ele é um
ser que é, mas que podia não ser. Para o ser humano o ser é algo que acontece, porém
podia não acontecer (contingência). Neste sentido, se pode dizer que o ser humano
existe acidentalmente.
Diante desta vivência, o ser humano sente que o seu ser não está completamente sob
a sua autoridade e seu controle, não está na autonomia absoluta e independência
total. O ser humano sente que depende grandemente de um Outro, que é um Ser
necessário: um ser que tem de ser, que não pode não ser, que não pode não existir. E
somente a partir desse Outro é que o ser do ser humano tem firmeza ontológica,
solidez e segurança.
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b) Contingência
c) Fragilidade
a) Temporalidade
Eis aqui o drama humano: o conflito entre o seu desejo profundo de transcender o
tempo, eternizando-se, e a realidade de ver a sua vida inevitavelmente a ser devorada
pelo tempo que não perdoa.
b) Mortalidade
c) O mal físico
O mal, na Filosofia clássica, é tudo o que constitui privação de bem, em seres, aos
quais por natureza é devido. Assim, a doença, por exemplo, é um mal. A guerra, a
injustiça, a opressão, um acidente, a morte, a catástrofe são males.
d) O sofrimento
O sofrimento, embora seja visto, muitas vezes, ligado mais ao mal físico, possui sua
expressão moral. Assim, o sofrimento moral pode resultar da dor física, na medida em
que ele é interiorizado pela consciência humana. Mas pode também ser independente
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dele. Por exemplo, um sofrimento pode ser causado ou por um desgosto, ou por uma
profunda frustração ou opressão, pela morte de alguém muito querido.
É verdade que os animais também sofrem, a seu modo. Todavia o seu sofrimento se
difere do humano, pois ele se reduz ao sofrimento objectivo, sensitivo, enquanto o
sofrimento humano assume uma dimensão interior, subjectiva, de alma, de “coração”.
Depois desta exposição, constatamos ainda que não conseguimos definir, de modo
satisfatório, o ser humano, responder cabalmente aquela questão enigmática. Por isso,
podemos concordar com Nietzsche, que após uma busca descomedida para entender
o ser humano e não tendo satisfeito seu desejo, concluiu: “O ser humano é o animal
que não se define nunca” (In GUERRA, L. Maria. TEMAS DE FILOSOFIA, 1980: 11).
2.O Mundo
Por mundo entendemos, aqui, como conjunto de tudo quanto existe, inclusivamente a
Terra onde vive o ser humano. O desejo de conhecer o que o mundo é, como ele
surgiu, levou alguns filósofos a que formulassem teorias ligadas à natureza, como os
abaixo mencionados.
Por que água é o princípio (arqué) de todas as coisas? Tales responde dizendo: o
“alimento e as sementes dos animais e das plantas são húmidos. A terra flutua sobre a
água” (MARÍAS, Julián. HISTÓRIA DA FILOSOFIA, 2004: 15-16).
Anaximandro: para este, “o princípio primeiro deve ser alguma coisa indeterminada
(ápeiron). Este princípio é imortal e incorruptível” (cf. Opus cit, p.16). E o que é o
mundo?
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Aristóteles (384-322): o mundo é a constituição, estrutura da totalidade. O mundo é a
ordem imutável do universo (In ABBAGNANO, Nicola. DICIONÁRIO DE FILOSOFIA, 2001:
727).
3.Deus
Cada povo vai construindo, ao longo da sua caminhada na história, sua visão sobre
Deus. E, muitas vezes, esta visão é feita com base em vários sistemas, sejam eles
religioso, moral, político, social e até filosófico, que pode ser cristão ou pagão. E é esta
última filosofia, a que vamos nos ocupar, agora.
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Aristóteles: Para este filósofo, “Deus é forma pura, actualidade completa porque nele
não existe nenhuma potencialidade não realizada. Por isso, Deus é a causa primeira do
movimento, sem ter sido causado por coisa nenhuma. Em conclusão, Aristóteles diz
ainda que Deus é pensamento, ideia pura ou acto puro, que tem a si mesmo como seu
único objecto de conhecimento” (cf. Opus cit p. 3285-3287).
João Paulo II considera a expressão filosofia cristã, em si mesma, legítima, mas toma
atenção para que não se dê margem a equívocos. Neste contexto, para este autor,
com a expressão filosofia cristã, não se pretende aludir a uma filosofia oficial da Igreja,
já que a fé enquanto tal não é uma filosofia. Mas, com aquela designação, deseja-se
sobretudo indicar:
1. Um modo cristão de filosofar, uma reflexão filosófica concebida em união vital com
a fé.
Santo Anselmo (1033-1109): Deus é o mais alto pensamento possível. id quo nihil
majus cogitari potest (aquilo de que de maior nada pode ser pensado). E diz mais: “o
mais alto pensamento possível não pode existir apenas, ele corresponde a um ser
existente”. Portanto, para este autor, há uma correspondência entre o pensamento e a
realidade.
Santo Tomás: Este pensador tenta dizer aquilo que Deus é, em cinco moldes, a partir
daquilo que ficou conhecido por cinco vias da existência, como segue abaixo:
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Para mais aprofundamento, aconselhamos a leitura das cinco vias sobre a existência
de Deus, criação de São Tomás, (In. MARÍAS, Julián. HISTÓRIA DA FILOSOFIA,
2004:184).
Quanto à sua natureza, o mesmo autor diz ainda que “Deus é uno, incorpóreo,
perfeito, infinito, imutável, eterno, sendo, essencialmente, inteligência e vontade” (cf.
opus cit, Vol 19, p.10940).
A partir do que acima dissemos, podemos dizer, em forma resumida, que Deus é a
Fonte e o Garante de tudo quanto existe. Ele é o Artífice do mundo.
A discussão que acabámos de fazer sobre aquilo que o ser humano, Deus e o mundo é,
trouxe-nos uma compreensão relativa a estas três realidades, nas perspectivas africana
e filosófica. E o que a perspectiva islâmica diz sobre aquelas três realidades: o ser
humano, Deus e o mundo?
III.PERSPECTIVA ISLÂMICA
Sentido original: O termo Islam deriva da raiz árabe Salama, que significa paz,
pureza, submissão, obediência.
Sentido religioso: o mesmo termo Islam significa ainda submissão voluntária à
vontade de Allah e obediência à sua Lei.
Assim, a relação existente entre estes dois sentidos – original e religioso – é forte e
evidente, pois só mediante a submissão voluntária à Vontade de Deus e obediência à
sua Lei, o ser humano crente pode desfrutar da verdadeira paz e pureza duradoiras.
Posto este significado, podemos questionar ao Islam: O que é, para ele, o ser humano?
Criatura: O ser humano é criado por Deus, a fim de cultivar a terra e enriquecer a vida,
de conhecimentos, virtudes, finalidades e significados. O conhecimento faz parte
integrante da sua personalidade e do seu ser. É o conhecimento que confere à pessoa
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humana, à qualidade de vice-rei do seu Criador e o direito de exigir respeito e
obediência a Deus.
Dignidade e honra: O ser humano é um ser digno e honrado. A sua dignidade resulta
do facto de ele ser penetrado pelo espírito do seu Criador. Esta dignidade é um direito
natural do ser humano, de qualquer pessoa humana, o ser mais honrado da terra.
2.1.Natureza externa
Esta é formada pela vida pessoal, familiar, social, económica, política e internacional.
Vida Familiar: Para o Islam, a família é um grupo social humano, cujos membros estão
unidos por laços de consanguinidade e/ou relações conjugais. Estão inclusos na vida
matrimonial os direitos e obrigações do marido - esposa e vice-versa; os direitos e
obrigações dos pais – filhos e vice-versa. O bom tratamento dos empregados, dos
outros membros da família, dos conhecidos e vizinhos está estreitamente relacionado
com a vida familiar (cf. ABDALATI, Muhammad. O Islão em Foco, 1995: 176-187).
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Vida política: O sistema político do Islam é único, na sua estrutura, funcionamento e
na sua finalidade. Para apreciá-lo é preciso saber que ele assenta-se em princípios
abaixo:
Cada acção individual do muçulmano deve inspirar-se e guiar-se pelo Corão,
que é a constituição que Deus escolheu para os seus verdadeiros servidores
(Corão, 5: 47-50).
No Estado islâmico, a soberania pertence a Deus e ao povo. Este exerce-a por
autorização d’Ele, para impor a sua Lei e cumprir a sua vontade (Corão, 67:; 4:
58; 5:20).
A finalidade do Estado Islâmico é garantir a justiça, segurança e protecção a
todos seus cidadãos, sem distinção.
2.2.Natureza interna
Para esta religião, o mundo é uma entidade em transformação, criada pela vontade de
Deus Criador e sustentada por Ele, para certas finalidades. As correntes históricas
verificam-se conforme a sua vontade e seguem leis bem estabelecidas (cf. opus cit, 86-
90).
No Islam a vida emana (origina-se) de Deus. Ela é uma fase de transição, após a qual
tudo voltará para seu Criador. Portanto, a vida neste mundo não é finita nem é ela
mesma uma finalidade (cf. opus cit, p.91).
Na verdade o mundo que nós habitamos foi criado por Deus. Mas o que o Islam afirma
sobre Deus que vai anunciando, em várias partes deste globo terrestre?
Muhammad Abdalati sustenta ser o verdadeiro nome desta religião, o Islam, e os seus
adeptos designados de muçulmanos. Assim, o termo árabe Allah significa o Deus
único, Eterno, Criador do Universo, Senhor de todos os senhores, e Rei de todos os
reis. Allah é a Grande Força, o Grande Artista, que cria as mais encantadoras obras de
arte e produz tudo para uma certa finalidade na vida. Esta Força é a mais forte de
22
todas as forças, e este Artista é o maior de todos os artistas. Após esta comparação,
este autor coloca a definição de Allah (Deus) nestes termos.
a) Deus é o Criador de tudo quanto existe. Ele é a Força Activa e o Poder Efectivo
dentro da natureza. Para sustentar sua ideia de Deus Criador, o autor em
referência cita o Corão, que diz: “Allah fez a noite para ti, para poderes
repousares e o dia para veres. (…). Assim, é Allah, o teu Senhor, o Criador de
todas as coisas. (…). Louvado seja Allah, Senhor dos mundos” (40: 61-64).
b) Allah: é o Senhor Supremo do mundo inteiro. Ele é só Um, o Absoluto, Ser que
não gerou nem foi gerado, e nada se assemelha a Ele (cf. Corão, 112).
c) Allah: é o Clemente, o Misericordioso, o Protector, o verdadeiro Guia, o Senhor
Justo e Supremo, o Criador, o Vigilante, o Primeiro e o Último, o Consciente, o
Conhecedor, o Sábio, a Testemunha, o Glorioso, o Atento, o Capaz e Poderoso,
o Generoso, o Paciente, o Benevolente, o Rico, o Independente, o Redentor, o
Apreciador, o Juiz, e a Paz (cf. Corão, 57: 1-7; 59: 22-24; 3: 31; 11:6; 35: 15; 65:
2-3).
d) Allah é Excelso e Supremo, mas fica sempre ao pé de quem pensar n’Ele com
piedade. Ele responde às suas orações, ajuda-o e ama quem O ama e perdoa-
lhe os pecados. Ele ensina ao ser humano a ser boa pessoa, a afastar-se do mal.
Terminamos de apresentar a visão islâmica sobre a pessoa humana, o Mundo e, por
fim, Deus. E o que a Igreja diz no que concerne às mesmas realidades?
IV.PERSPECTIVA CRISTÃ
Desde o início, deste nosso estudo, estávamos discutindo as perspectivas, tradicional
africana, filosófica e islâmica, na tentativa de responder àquelas três questões, que
sempre suscitam debate, sobre a pessoa humana, o mundo e Deus. Vimos que aquelas
perspectivas deram respostas, segundo sua visão e natureza. A partir de agora, vamos
concentrar a nossa atenção na perspectiva cristã, portanto naquilo que a Igreja
Católica afirma, referente ao ser humano, ao mundo e a Deus.
É importante explicar, desde já, que a discussão relativa ao ser humano, Deus e mundo
deve necessariamente obedecer ao desenvolvimento destes conceitos. Quer isto dizer
que devemos partir do Antigo Testamento ao Novo até a Igreja.
Para a Bíblia, o ser humano é criatura de Deus, indivisível (uno) e capaz de relações. É
um ser criado com o qual Deus entra em diálogo de aliança. Contudo, no Antigo
Testamento, a humanidade está centrado em Adão e, no Novo, está centrado em
Cristo, a medida do ser humano perfeito.
23
a) Antigo Testamento
Para Calmeiro Matias, a Bíblia distingue no ser humano dimensões diferentes, que
constituem uma totalidade vital da complexidade da vida humana. Esta complexidade
é expressa mediante uma série de palavras fundamentais, como são o ser humano-
nefesh, leb e basar (O HOMEM NOS PLANOS DE DEUS, 1987: 8-11). O ser humano-
nefesh: O termo nefesh tem dois significados.
Sopro vital de Deus: Com o conceito de criação surge a noção de que o ser humano
possui, no ser interior, o sopro vital de Deus. Este sopro faz dele um ser original no
grupo dos seres vivos. Conforme o livro de Génesis, o «Senhor Deus formou/criou o
ser humano do pó da terra e insuflou-lhe pelas narinas o sopro vital (ruah) e o ser
humano tornou-se um ser vivo» (Gn. 2. 7). Portanto, o ser humano é nefesh, isto é,
uma interioridade habitada e dinamizada pelo Espírito de Deus. Através da sua
interioridade, o ser humano passou a ser visto como um ser com capacidade de
relações de aliança. Por isso, Deus entra em diálogo com o ser humano e faz com ele
uma aliança/pacto (cf. Gn. 2,16-17).
Quando Deus retira seu nefesh (sopro vital) do ser humano, este morre e por
consequência deixa de comunicar-se e de dialogar (Job 34, 14-15). Neste sentido o ser
humano-nefesh é o humano vivo e animado pelo sopro vital, mas dependente de
Deus.
O espaço interior dos intuitos mais secretos (Jz 16, 15-17). Só agrada a Deus o
coração misericordioso e fraterno (Am 5, 21-25; Os 6,6). O coração
A fonte das disposições secretas que só Deus pode sondar (Sl 44, 22; Jer 17,
95).
A fonte da sabedoria humana (Sl 90, 12). Mas Deus detesta os corações, que
elaboram planos perversos (Prov 6,18).
Portanto, dizer coração bom ou mau é dizer o ser humano bom ou mau (cf. Jz 18, 20;
Dt 28, 47). O ser humano pode tentar ocultar a maldade do seu coração, mas Deus
sonda e julga o coração perverso (Sl 7, 9-13; 16, 7-9; Jer 11, 19-20; 12, 1-13). O ser
humano com mau coração é responsável por esse facto e infiel a Deus. Não há pessoa
24
humana boa ou má por natureza. Ela faz-se má ou boa pelas atitudes e opções que faz
no seu coração. Lembre-se do que dissemos sobre o coração, na perspectiva
tradicional africana.
Pela ruah o ser humano-basar fica interligado com toda a humanidade pelo mesmo
Espírito, porque ruah é, na perspectiva de Calmeiro Matias, o princípio relacional que
conduz o ser humano à comunhão com Deus e com os outros (cf. opus cit, p.13). Mas
após o Exílio, o ser humano-basar é fragilidade. É pecador (Is. 31, 1-3; Gn 17, 5-7).
O ser humano novo/interior: Falando do Homem novo, São Paulo diz: “Se alguém está
em Cristo é uma nova criatura, pois o ser humano velho, distorcido pelo pecado, foi
vencido em Cristo. N’Ele inicia o Homem novo” (2Cor. 2,17). Assim, o nascimento do
ser humano novo supõe a morte do velho. Trata-se, em suma, do ser humano novo
que está emergindo no nosso interior, como um processo de espiritualização.
O Homem novo/interior, que se deixa dinamizar e modelar pelo Espírito, tem como
frutos, a caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão,
temperança (Gal. 5, 22).
25
O ser humano velho/exterior: Este está corrompido, por todas as paixões. Ele está
dominado pela lei da violência, a lei do mais forte, do mais esperto, do predomínio, da
exploração das outras pessoas. O Homem velho guia-se pela lei de idolatria, dos
malefícios, da impureza, da desonestidade, inimizades, contendas, ciúmes, rixas,
discórdias, invejas, homicídios, embriagues, orgias/desordem, adultério (Gal. 5, 19).
O ser humano imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26-30): Este Deus é criador, quer
dizer Ele, para fazer surgir coisas, não precisa de material pré-existente, mas do nada,
ex nihilo. A sua palavra basta para surgirem as coisas: “Que a terra produza verdura… A
terra produziu verdura, erva com semente…” (Gn 1, 11).
Partindo disto, chega-se a conclusão de que o ser humano, pelo facto de ser imagem
de Deus e, também por ter sido confiado a tarefa de “…dominar a terra” (Gn 1,28)
significando isto aperfeiçoar, humanizar a terra, ele passou a ser co-criador de Deus.
Portanto, quando o ser humano realiza qualquer trabalho dignificante, conforme a
vontade de Deus, ele está necessariamente cumprindo um dever, para que o próprio
ser humano seja dignificado e Deus glorificado.
Já que o ser humano, pelo facto de ser imagem e semelhança de Deus, ele é, por isso
mesmo, seu co-criador. Neste sentido, quem renuncia a ser imagem e semelhança de
Deus?
Orígenes (c. 185-c.250): Este vê o ser humano como um composto de uma alma
preexistente e do corpo. Para este pensador, no nosso estado presente, o nosso corpo
é animal. Mas é a partir deste corpo animal que vai nascer um corpo espiritual.
Enquanto animal, o corpo não merece qualquer valorização especial. É fonte de
pecado. Só a alma é a imagem de Deus.
Orígenes tinha uma visão negativa do corpo humano, da sexualidade. Por causa disto,
ele castrou-se, convencido de estar a cumprir o celibato (cf. opus cit.).
27
Tertuliano defende o princípio de deixar o corpo com seu aspecto natural, como
acontece nos animais. Portanto, para ele o ser humano é este corpo e alma, mas
dominado pelo pecado.
Na óptica de Calmeiro Matias, Tertuliano não sabia que o “bebé humano, abandonado
à natureza, não se humaniza” (O HOMEM NOS PLANOS DE DEUS. 1987:75).
Santo Agostinho: Este destaca dois princípios autónomos: alma e corpo. A alma mora
no corpo e orienta-o. Assim, o ser humano é um corpo animado por uma alma
espiritual. O corpo é concebido como um perigo para a alma. Para se evitar este
perigo, que pode ser causa de condenação eterna para a alma, o corpo deve ser
castigado com jejuns e penitência (cf. opus cit. p.78). Estamos outra vez diante de uma
visão negativa com relação ao corpo humano.
São Tomás: Este recusa a visão negativa de Agostinho com relação ao corpo. Por isso
traça seu posicionamento nestes termos:
O ser humano resulta de dois princípios diferentes: Os pais e Deus. A alma, diz
Tomás, é a forma do corpo. Assim o ser humano é uma unidade substancial,
que está fundamentada nos aspectos, físico e espiritual. Ela, a alma, é essência
do ser humano.
O corpo e a alma jamais se separaram, mas esta possui funções independentes
do corpo, embora ela não seja uma realidade espiritual separada do corpo,
utilizando-o como princípio autónomo. A alma é o princípio informador do
corpo, mas a acção deste depende sempre da alma (cf. opus cit, p.78-79). Está
aqui uma visão que subordina o corpo à alma.
28
visível, o céu e a terra” (Opus cit). Este autor coloca a pessoa humana no centro de
tudo quanto existe.
O ser humano, criatura de Deus: O Concílio Vaticano II sustenta que, a pessoa humana
por ser uno, composto de corpo e alma, sintetiza, em si, pela sua natureza corporal, os
elementos do mundo material. Por essa razão, ela deve considerar o seu corpo como
bom e digno de respeito, porque criado à imagem e semelhança de Deus (GS 12; 29).
Mas pela sua interioridade, a mesma pessoa humana transcende o universo das coisas.
Esta transcendência constitui o conhecimento profundo que ela atinge quando reentra
no seu interior, onde Deus, que sonda os corações (1Reis 16,7; Jer 17, 10) o espera, e
onde ela sob o olhar do mesmo Deus, decide da própria sorte (cf. GS 14). Portanto, a
pessoa humana é o senhor e centro da criação. Por isso, o Concílio Vaticano II
sentenceia: “Tudo quanto existe sobre a terra deve ser ordenado em função do ser
humano, como seu centro e termo” (GS 12).
Embora dotado destas qualidades, este ser humano erra. Porém, apesar de errar, ele
conserva sua dignidade pessoal (GS 28). Na visão da Igreja, Deus é o fundamento e
protecção da dignidade humana. O ser humano busca incessantemente a Deus,
porque tem uma inquietação religiosa (GS 41), resultante dos problemas que espera
resolvê-los. Ele pode conhecer a Deus tanto pela fé como pela razão (DV 6). Apesar
destes problemas, que podem ser traduzidos em temores, o ser humano possui
esperanças.
29
Temores e esperanças: Para a Igreja contemporânea, hoje, o ser humano vive, num
mundo de profundas e rápidas transformações provocadas pela inteligência e
actividade criadora do ser humano. Podemos chamar esta situação de verdadeira
transformação social, cultural, mas com reflexos também na vida religiosa. Estas
transformações trazem igualmente efeitos negativos ao próprio ser humano, como,
por exemplo, a continuação ainda de, actualmente, milhares de pessoas humanas
atormentada pela fome, miséria, analfabetismo, agudos conflitos políticos, sociais,
económicos, raciais, ideológicos, religiosos, étnicos, com o perigo duma guerra de
armas nucleares, que tudo destrua. Mas apesar destas situações que ameaçam a vida
humana e a das outras espécies, há ainda sinais de esperanças, a partir dos quais
podemos afirmar que o mundo não vai descarrilar.
30
Obrigações e direitos: Mas este ser humano tem também obrigações e direito
de procurar a verdade, sobretudo em matéria religiosa. Ele deve buscar e
abraçar a verdade, de colaborar para o bem comum, de trabalhar, de
desenvolver a sua cultura, de votar com liberdade, de respeitar os direitos dos
demais (DH 7).
Em suma, para a Igreja contemporânea, o ser humano está agitado entre a esperança
e a angústia, esta manifestada pelo sentimento de opressão e inquietação (GS 4).
Apesar destas situações, a pessoa humana continua valendo não tanto pelos bens que
tem, mas por aquilo que é. Portanto, não são tanto os bens do mundo que contam,
mas o bem da pessoa, o bem que é a própria pessoa, porque ele é imagem e
semelhança de Deus.
Cada grande religião apresenta uma visão do mundo, elabora uma concepção total das
coisas e do ser humano; propõe valores e normas de conduta e oferece respostas a
questões existenciais. Todavia, uma visão religiosa do mundo é sempre transcendente
e aberta para algo maior.
É dentro desta visão religiosa que assenta a narrativa do Génesis, que é sobre a
criação do mundo. O centro desta narrativa está a afirmação de que o mundo é obra
de Deus, que é boa e com sentido. A visão religiosa do mundo decorre da revelação e
da fé. A fé não se propõe pesquisar o divino, mas busca seu significado existencial e
seu papel para a nossa vida. Nada sabemos sobre o processo da criação, porque não
há descrições objectivas nem explicações de fenómenos naturais. As imagens da
narrativa, contudo, revelam uma visão do mundo como uma ordem racional e uma
atitude de responsabilidade por ela diante do mundo e de Deus.
31
saber de diferentes vertentes como, por exemplo, as ciências, a história, a literatura, a
arte e teologia (cf. GS 62).
Dizer que Deus é criador, significa que Ele é a origem de todas as coisas. Implica, além
disso, a ideia de senhorio, mas no centro do projecto criador de Deus está o ser
humano. É pensando no ser humano que Deus cria as coisas.
Este Deus fez tudo em seis dias, descansando no sétimo dia (Gn 2,2-3). Este Deus
Criador, criou o ser humano à sua imagem e semelhança. Ele é imagem e semelhança
de Deus, por duas razões:
Essência divina (Gn 1,27): Porque ele é um ser capaz de se relacionar
amorosamente com os outros seres humanos em dinâmica de aliança. Isso é
possível graças à essência divina.
Aliança matrimonial (Gn 2,24): Porque ele é um ser capaz de se relacionar
amorosamente com os outros seres humanos em dinâmica de aliança
matrimonial.
32
Este Deus promete a Abraão uma protecção, bênção e uma terra. Deus vai cumprir sua
promessa, mas a sua realização exigirá um trabalho árduo por parte de Israel, seu
povo.
33
Conforme Nicola Abbagnano, a “revelação é a manifestação da verdade ou da
realidade suprema aos seres humanos”. Este autor distingue duas formas de
revelação: a histórica e natural.
Assim, para o autor em citação, é “histórica a revelação que toda a religião positiva
adopta como fundamento. Ela consiste na iluminação com que foram agraciados
alguns membros da comunidade, cuja tarefa teria sido encaminhar a comunidade para
a salvação” (DICIONÁRIO DE FILOSOFIA, 2007:1013).
Em seu número 240s, o Catecismo da Igreja Católica afirma que Jesus revelou que
Deus é Pai num sentido inédito: não é apenas enquanto criador, mas é Pai
eternamente em relação ao seu Filho único, o qual, reciprocamente, só é Filho em
relação ao Pai: «Ninguém conhece o Filho senão o Pai, nem ninguém conhece o Pai
senão o Filho, e aquele a quem o Filho o queira revelar» (Mt 11,27).
O Catecismo, ainda em citação, diz que antes da sua Páscoa, Jesus anuncia o envio de
um «outro Paráclito» «Defensor», o Espírito Santo. Agindo desde a criação (Gn 1,2),
mais tarde tendo falado pelos profetas (Is 11,2), o Espírito Santo estará junto dos
discípulos e neles (Jo 14,17), a fim de os ensinar e os guiar para a verdade total (Jo 16,
13). Sustenta ainda o mesmo Catecismo que a origem eterna do Espírito revela-se na
sua missão temporal, pois Ele (Espírito Santo) é enviado aos Apóstolos e à Igreja, tanto
pelo Pai, em nome do Filho, como pelo Filho em nome próprio, após seu regresso ao
Pai (Jo, 14, 26; 15,26, 16,14).
34
É bom esclarecer, desde já, que existem varias concepções cosmogónicas
(cosmologias), como há vários povos no mundo. Quer isto dizer que cada povo possui
sua visão relativa a origem do mundo e suas respectivas leis. Uns povos, como os
ocidentais, dizem ter ideias sobre a origem do mundo bem elaboradas, porque
fundadas na ciência, cujas leis dependem de prova e de racionalidade. Enquanto
outros povos, considerados primitivos, tem suas cosmologias ancoradas na magia, no
misticismo, com sua interpretação baseada somente na visão religiosa do mundo.
Apesar de os dois grupos – os cientistas e os considerados primitivos – usarem
métodos diferentes, alguns estudiosos admitem que ambos buscam o controlo do
mundo natural. Mas o que há-de ser Cosmologia?
1.Conceito
Há vários conceitos relativos a Cosmologia, mas neste nosso trabalho vamos nos
concentrar somente em dois deles, tomados como exemplo.
Como se sabe, qualquer ciência deve necessariamente ter a fase inicial, a partir da qual
começa a se desenvolver. Do mesmo modo, a Cosmologia também teve fases,
conforme abaixo esboçamos.
2.Fases da Cosmologia
35
Primeira: Esta se chama fase de transição do mito à especulação. É caracterizada pelo
abandono do mito e pela tentativa de encontrar uma explicação racional ou natural do
mundo. Esta fase é representada pela filosofia pré–socrática, tendo sido a primeira
corrente filosófica a rejeitar a concepção geocêntrica, acreditando que a Terra e todos
os outros corpos celestes se movem em torno de um fogo central chamado Hestia. Era
o aparecimento da primeira doutrina heliocêntrica, defendida mais tarde por Aristarco
de Samos (século III a.C.).
Quarta: Por fim, esta é a fase de grandes mudanças, que começou na segunda década
do século XX. Estas mudanças resultam de dois factores de transformação:
Entre estas duas realidades, há uma relação, razão pela qual no passado, os cientistas
e teólogos se guerrearam bastante, devido aos termos, criação e evolução. Por que
houve esta situação? Será que há uma incompatibilidade entre os dados da ciência e
os da Sagrada Escritura. Na verdade, uns eram pela criação, outros pela evolução.
Eram posições inconciliáveis. Mas quem tinha razão, neste aceso debate?
37
Na tentativa de responder a estas questões, podemos recorrer a Urbano Zilles, (PIERRE
TEILHARD DE CHARDIN: Ciência e Fé, 2001:201-221), segundo o qual, Criação e
evolução se referem ao cosmo, que é uma realidade perceptível. Os dois conceitos
respondem a duas perguntas diferentes: a) O que é criação? b) E o que se entende por
evolução? Mas, tentando dar respostas às questões atrás colocadas, o mesmo Zilles
sublinha o seguinte:
A criação nos fala da origem absoluta das coisas e dos viventes, relacionada
com seu destino último. A criação é um conceito mais vasto. A criação do
nada, EX NIHILO, sem matéria preexistente, é um conceito bíblico, de
natureza metafísica e religiosa. Portanto, não é matéria científica.
A evolução evoca o período entre esses dois termos. Ela é, antes de tudo,
uma categoria científica e de natureza ontológico – cientifica (Opus cit.
p.202).
1.Criação.
Na visão de Abbagnano, ˝em todas as línguas, essa palavra tem sentido muito
genérico, indicando qualquer forma de causalidade produtiva do artífice, do artista ou
de Deus˝ (DICIONARIO DE FILOSOFIA, 2007:256). É justamente este ultimo sentido,
Deus como causa de tudo quanto existe, a que vamos discutir, mas tendo como base a
Bíblia.
1.1.Antigo Testamento
Para Calmeiro Matias a fé na criação é uma aquisição teológica tardia na história
bíblica. Os hebreus começaram por falar do Deus da Aliança, segundo o seu credo (Cf.
Dt.26, 5–9). A noção da Criação entra no pensamento bíblico, só depois do exílio. Ela
surge como oposição ao duplo princípio (oposição do bem ao mal, da luz às trevas) dos
persas. A Palavra e a Ruah de Yahwé constituem as duas forças que dão origem a tudo.
Não existe outro Deus senão Yahwé. Tudo o que existe é obra de suas mãos (Cf. Is. 40,
26; 44, 24–28; 48, 13–16). Mas o ser humano está no centro, é o ápice desta criação.
Tudo está orientado para o ser humano, com o qual Deus fez aliança. O ser humano é
o único interlocutor de Deus.
38
1.2.Novo Testamento
Para o Novo Testamento, Cristo Ressuscitado é o centro de toda a criação (Cf. Act.
4,24–30; 1Ped 4,19). Cristo é o princípio da nova Criação (2C0r. 5, 17). Como o ser
humano foi constituído cabaça da Criação, assim também Cristo foi constituído cabeça
da humanidade. Por esta razão, em Cristo a criação atinge o seu ponto mais alto (Cf.
2Cor. 5,17). Em Cristo Deus renovou todas as coisas: «O que estava sentado no trono
disse: Eu renovo todas as coisas» (Cf. Apoc. 21, 5a).
Foi explicado acima de que o ser humano é o ápice da criação e é o único interlocutor
de Deus. Mas onde reside todo este privilégio, que coloca o ser humano acima de toda
a criação? Será que há nele algo de original, de específico em relação aos outros seres
vivos? O passo a seguir vai nos ajudar a responder a estas questões.
39
sentimentos arquivados e estruturados pelo sistema psíquico. O cérebro criado pela
informática não tem capacidade de contemplar, acolher, perdoar, comungar com os
demais e desabrochar em poesia… ( O HOMEM NOS PLANOS DE DEUS:
Posto o problema - criação ou evolução? - desta forma, podemos dizer que já não há
razão para continuar a existir tal dilema. Contudo, persiste a pergunta ligada à relação
entre estes dois termos, a criação e evolução. E a pergunta pode ser esta: O que veio
depois de quê? Para responder a esta questão, é importante lembrarmos que, para
haver evolução, é necessário que exista algo já criado. O vazio, o nada, não pode
evoluir. Mas também é importante lembrarmos que, a necessidade da evolução é
inerente à própria criação, toda a criação deve necessariamente evoluir pois, segundo
Urbano Zilles, “na realidade nada prova que o ser humano tenha chegado ao termo da
evolução de si mesmo” (PIERRE TEILHARD DE CHARDIN: Ciência e Fé, 2001:203).
O fundo da mente humana nos diz que Deus introduziu, na criação, o processo
evolutivo, pois aquela e evolução parecem dois conceitos complementares. A evolução
dinamiza a criação. Elas resultam da vontade criadora de Deus. O Criador quis que
todos os seres por Ele criados evoluíssem, mas cada um à sua medida.
40
CAPÍTULO III: RELAÇÃO ENTRE FÉ E RAZÃO
Na actualidade, está crescendo cada vez mais o número de pessoas descrentes. Esta
incredulidade é um fenómeno de ordem geral, que está se agravando sempre mais,
nos nossos tempos, por causa de várias causas, cuja deficiente formação religiosa
desempenha um papel muito grande.
Por isso, essas pessoas descrentes podem, conscientemente, pensar que a razão, a
ciência, não tem nada a ver com a fé. Também se encontram, na mesma barca,
aquelas pessoas que dizem que a Igreja não deve falar das ciências empíricas nem da
política. Pelo contrário, essas pessoas não dizem que os cientistas e políticos não
devem igualmente falar nem usar aquilo que é da pertença da Igreja. Mas, a Igreja é
pela paz, reconciliação, harmonia, porque ela é Mãe, razão pela qual acolhe e conserva
todas as pessoas de boa vontade.
Partindo do que acima colocamos, o titulo relação entre a fé e a razão nos levar à
pergunta: «a Ciência se opõe ao sentimento religioso, ou seja a razão é contrária à fé?»
Ou ainda, o quê a fé tem a ver com a razão? As respostas à estas questões, vamos
tentando dar ao longo do debate desta questão – fé e razão – cuja origem é Deus.
1.Conceito
A fé é:
Uma dimensão humana, que possibilita ao próprio ser humano chegar mais
longe que a razão no conhecimento da realidade.
41
Esta dimensão que leva o ser humano ao conhecimento de realidades que a
razão, por si só, não podia descobrir.
Uma atitude interior da pessoa que acredita.
Ligado ao que acima dissemos, o Catecismo da Igreja Católica (nº 153s) diz que a fé é:
Um dom de Deus; uma virtude sobrenatural infundida por Ele. Entenda se,
aqui, por virtude a disposição de praticar o bem e evitar o mal.
Um acto humano, que não é contrária à liberdade nem a inteligência humana.
Não é contrária à dignidade humana acreditar no que outras pessoas nos dizem
sobre si, mesmas, e de suas intenções e confiar nas suas promessas, como, por
exemplo, quando um homem e uma mulher se casam, para assim constituírem
uma comunhão de família (LACOSTE, Jean–Yves, Dicionário Critico de Teologia,
2004:718).
1.1.Conteúdo da fé
A fé é uma dimensão humana, porque o ser humano não pode relacionar – se com
seus semelhantes sem esta dimensão da fé. Sem a fé a vida de relações tornava – se
impossível. O conteúdo da fé é aquilo que nos é revelado e nos faz entrar na posse de
dados que não podíamos possuir pela razão, que tem todo o direito de interrogar o
conteúdo comunicado e aceite. A este respeito Calmeiro Matias diz: «O conteúdo da
fé, no que diz respeito ao diálogo com as Ciências, assenta sobretudo no que concerne
ao plano criador de Deus: a origem da vida, do mundo, do ser humano, e o sentido da
existência humana» (O HOMEM NOS PLANOS DE DEUS, 1987:110).
1.2.Função da fé
42
plenitude aos acontecimentos e descobertas que o homem vai realizando” (O
HOMEM NOS PLANOS DE DEUS, 1987:112). Acrescido isto, os crentes têm a missão de
prestar atenção aos acontecimentos da história, confrontá–los com a revelação de
Deus e reformular constantemente esta fé, a fim de que o Evangelho seja sempre
actual e actuante.
Enquanto as ciências:
Analisam os fenómenos naturais e a interacção existente entre eles.
Analisam e relacionam os fenómenos observados e procuram inseri–los num
sistema coerente.
Procuram a realidade mediante a observação directa, da criação de hipóteses
e da experimentação que as confirma ou nega.
43
estas vinco vias, aconselhamos a leitura de Julian Marías, HISTÓRIA DE
FILOSOFIA, São Paulo, 2004).
As Ciências ajudam à fé a se reformular em linguagem nova, ultrapassando o
tecido cultural e linguística, com que se revestiu desde o passado.
As conquistas cientificas proporcionaram a fé uma transformação profunda na
área da criação. É preciso entender bem isto. Não se trata de modificar o
conteúdo da fé na criação, mas de proceder uma correcção na linguagem e
nos conceitos tradicionais em que estes eram formulados. E reformular a fé
significa, na linha de Calmeiro Matias (O HOMEM NOS PLANOS DE DEUS:
Antropologia Teológica, 1987:112), anunciar com uma nova linguagem o
património permanente e dinâmico da revelação. Para isto, se deve caminhar
na fidelidade à fé. E a fidelidade à fé exige um esforço permanente de
reformulação, para que a Palavra de Deus continue oferecendo aos seres
humanos, um sentido que eles possam entender.
2.Razão
É frequente ouvirmos que esta pessoa tem razão. Também se costuma falar de que
esta pessoa usa a razão. Estas afirmações mostram que há diferentes formas de razão.
Mas, o que entendemos por razão?
44
2.1.Conceito de razão
Não é fácil conceituar a razão, pois ela possui vários significados, conforme colocámos
acima. Mas, podemos tentar dar resposta à questão, o que é razão? recorrendo o
autor em referência, segundo o qual, a razão é:
A força que liberta dos preconceitos, do mito, das opiniões enraizadas mas
falsas e das aparências, permitindo estabelecer um critério comum para
conduta do ser do humano em todos os campos.
É a força que possibilita a libertação dos apetites que o ser humano tem
em comum com os animais, submetendo-se a controle e mantendo-os na
justa medida.
Está aqui, na visão de Cícero citado por Nicola Abbagnano (2007:970) a “única
diferença que nos distingue do bruto, por meio do qual podemos conjecturar,
argumentar, rebater, discutir, levar a termo e concluir, comum a todos”. Na mesma
linha vai Leibniz, citado por Nicola Abbagnano (2007:971), que diz que a “razão
pertence ao ser humano e somente ao ser humano”.
Na história da filosofia, a razão, no sentido filosófico, foi bastante discutida para ajudar
as pessoas a fazerem leitura das coisas e dos acontecimentos, de forma racional. Se
não vejamos:
Aristóteles e Platão: Estes opõem a razão à sensibilidade, que é fonte das crenças
comuns e aos apetites que o ser humano tem em comum com os animais”.
45
Séneca: A razão é imutável e firme no seu juízo porque não é escrava, mas senhora,
dos sentidos. A razão é igual à razão, assim como o justo ao justo, portanto também a
virtude é igual à virtude porque a virtude outra coisa não é senão a recta razão”.
São Pedro, na sua primeira epístola, chama a atenção os cristãos para “saberem dar as
razões da sua fé” (1Pd 3,15). Em jeito de explicar esta relação entre a fé e a razão, João
Paulo II recorre às funções da teologia fundamental e a fé:
46
A fé saberá mostrar plenamente o caminho a uma razão em busca sincera da
verdade. Deste modo a fé, dom de Deus, apesar de não se basear na razão,
decerto não pode existir sem ela; ao mesmo tempo, surge a necessidade de
que a razão se fortifique na fé, para descobrir os horizontes aos quais, sozinha,
não poderia chegar.
Para Urbano Zilles, em seu livro FÉ E RAZÃO NA DOUTRINA SOCIAL CATÓLICA, Santo
Irineu de Lião (120-200) encontrou uma linha de pensamento que, sem identificar fé e
razão e sem ainda subordinar uma à outra, busca uma plausibilidade racional para a fé.
a)Ordem natural é produto da razão humana e tem suas leis e métodos próprios.
Em suma, para São Tomás, há uma colaboração mútua, entre a fé e razão, pois a
revelação pode orientar a razão, e esta pode trazer benefícios à fé, colocando-se a seu
serviço para esclarecer, explicar, e defender os mistérios da revelação. Desta mútua
colaboração nasce uma ciência tipicamente cristã, a teologia.
47
2.4.Algumas formas de relação fé e razão
b) Harmonia: Em sua Carta encíclica, Fides et Ratio, João Paulo II disse: “a fé requer
que o seu objecto seja compreendido com a ajuda da razão, por sua vez, a razão no
apogeu da sua indagação, admite como necessário aquilo a fé apresenta” (FR, 42).
Portanto, este autor sublinha a inexistência de qualquer causa para conflito fé e razão,
desde que estas duas dimensões do ser humano sejam seguidas, entendidas e usadas
com humildade e sabedoria.
A respeito desta ruptura, João Paulo II indicou os primeiros autores cristãos que, para
ele, destacaram a autonomia à razão: “Santo Alberto Magno e S. Tomás, embora
admitindo uma ligação orgânica entre a filosofia e a teologia, foram os primeiros a
reconhecer à filosofia e às ciências a autonomia de que precisavam para se debruçar
48
eficazmente sobre os respectivos campos de investigação”. Infelizmente, diz ainda o
autor em citação, “a partir da baixa Idade Média, essa distinção legítima entre os dois
conhecimentos transformou-se progressivamente em nefasta separação (…)
chegando-se, de facto, a uma filosofia separada e absolutamente autónoma dos
conteúdos da fé (FR, 45).
Em sua primeira Carta encíclica Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 15; 286, o
autor acima indicara algumas consequências desta separação entre a fé e a razão, ao
dizer:
“O homem de hoje parece estar sempre ameaçado por aquilo mesmo que produz, ou seja,
pelo resultado do trabalho das suas mãos e, ainda mais, pelo resultado do trabalho da
sua inteligência e das tendências da sua vontade. Os frutos desta multiforme actividade
do homem, com grande rapidez e de modo muitas vezes imprevisível, passam a ser não
tanto objecto de "alienação", no sentido de que são simplesmente tirados àqueles que
os produzem, como sobretudo, pelo menos parcialmente, num círculo consequente e
indirecto dos seus efeitos, tais frutos voltam-se contra o próprio homem. Eles são de
facto dirigidos, ou podem sê-lo, contra o homem. Nisto parece consistir o acto
principal do drama da existência humana contemporânea, na sua dimensão mais
ampla e universal. Assim, o homem vive mergulhado cada vez mais no medo. Teme
que os seus produtos, naturalmente não todos nem a maior parte, mas alguns e
precisamente aqueles que encerram uma especial porção da sua genialidade e da sua
iniciativa, possam ser voltados de maneira radical contra si mesmo”.
49
Contudo, e como que a concordarmos com aqueles dois autores, Santo Alberto Magno
e S. Tomás, esta separação proporcionou, por um lado, à razão humana a afirmação da
sua independência, diante do dogma e, por outro, mostrou a impossibilidade de
demonstrar racionalmente o conteúdo da revelação.
João Paulo II, diante desta ruptura entre a fé e a razão, lembra, apela e adverte as
pessoas nestes termos:
Podemos concluir com João Paulo II, segundo o qual não há motivo para concorrência
entre a fé e a razão, pois:
“…uma implica a outra, e cada qual tem o seu espaço próprio de realização. Aponta
nesta direcção o livro dos Provérbios, quando exclama: «A glória de Deus é encobrir as
coisas, e a glória dos reis é investigá-las» (25, 2). Deus e o homem estão colocados, em
seu respectivo mundo, numa relação única. Em Deus reside a origem de tudo, n'Ele se
encerra a plenitude do mistério, e isto constitui a sua glória; ao homem, pelo
contrário, compete o dever de investigar a verdade com a razão, e nisto está a sua
nobreza (FR, 17).
Além disso:
“…a razão e a fé constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se
eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do Homem
o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que,
conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio”
(cf. Ex 33, 18; Sal 2726, 8-9; 6362, 2-3; Jo 14, 8; 1 Jo 3, 2).
50
Acabámos de discutir o capítulo da relação entre a fé e a razão. Mas é importante
reconhecer que esta situação aconteceu dentro do uso da liberdade, razão pela qual
os seres humanos, autores deste comportamento, não podem estar isentos de
responsabilidade, pelo sucedido. O capítulo que se segue vai tratar destas questões:
Liberdade e Responsabilidade do ser humano.
51
dimensão política e os seus limites. Em segundo lugar, faremos a discussão relativa à
responsabilidade, a começar pelo seu conceito para terminar nos tipos de
responsabilidade. E, por fim, tentaremos mostrar a ligação existente entre a liberdade
e responsabilidade.
I. Liberdade Humana
Falar da liberdade humana é difícil, porque este conceito abarca várias dimensões da
vida humana. A título de exemplo, podemos mencionar a liberdade moral, política,
económica, religiosa. Também podemos falar da liberdade como a autodeterminação,
entendida como ausência de condições e limites; liberdade como necessidade,
também ligada a autodeterminação. E, por fim, a liberdade como possibilidade ou
escolha conforme a qual a liberdade é limitada e condicionada. Por essa razão, vamos
conceituar este termo, liberdade, à luz das ciências humanas.
1.Conceito de liberdade
G.Durozoi e A. Roussel definem a liberdade como “estado do ser que apenas obedece
à sua vontade, independentemente de qualquer constrangimento exterior” (o ser
humano livre é o contrário de um escravo) (DICIONÁRIO DE FILOSOFIA: dicionários
temáticos, 2000:236). Por seu turno, João A. Konzen, à luz das ciências humanas, diz
ser “liberdade a possibilidade de realizar aquilo que se decide, sem constrangimento
por circunstâncias exteriores” (ÉTICA TEOLÓGICA FUNDAMENTAL, 2001:111). Esta
definição se expressão com o termo ter liberdade ou ser livre: Eu sou livre, se posso ou
não fazer o que eu quiser, isto é, se nada me impede de fazer o que decidi.
2. Liberdade na Bíblia
O tema liberdade foi também reflectido por autores sagrados da Bíblia, tanto no
Antigo Testamento como no Novo.
Entre os pensadores da Igreja Antiga, que reflectiram sobre a liberdade, podemos citar
Irineu e Agostinho.
Santo Irineu: Para este, só Deus é absolutamente livre. Ele, por si mesmo, e livremente
e por sua própria iniciativa, fez e ordenou todas as coisas.
53
sociedade: a legislação, o sistema económico, o regime político, a estratificação social,
o sistema de comunicação.
4.Limites da liberdade
Falar de limites da liberdade humana, significa trazer à luz as suas fronteiras e seus
condicionalismos. Quer dizer, a liberdade não é ilimitada nem incondicional, porque as
liberdades de cada pessoa humana situam-se no universo de liberdades de outras
pessoas humanas, com as quais convive no contexto social. Neste sentido, onde
terminam as liberdades de uma pessoa humana, começam as de outra.
II.RESPONSABILIDADE HUMANA
Por sua vez, Nicola Abbagnano, interessado na sua aplicação, no campo político, diz
que o termo responsabilidade surgiu, pela primeira vez, no século XVIII, concretamente
em 1787, em inglês e em francês, com significado político, em expressões como
“governo responsável” ou “responsabilidade do governo” indicativas do carácter do
governo constitucional que age sob o controle dos cidadãos e em função desse
controle (DICIONÁRIO DE FILOSOFIA, 2007:1009). O mesmo autor diz ainda que, “em
54
Filosofia, o termo foi usado nas controvérsias sobre a liberdade, e na visão deste autor
ora em citação, a noção de responsabilidade baseia-se na escolha e a noção da escolha
é essencial ao conceito de liberdade limitada” (idem). Este é sinal de que há uma certa
ligação entre a liberdade e responsabilidade, como tentaremos mostrar mais adiante,
mas a partir do seu conceito.
1.Conceito de responsabilidade
a)Actos do ser humano não são responsáveis, porque são inconscientes, espontâneos,
da natureza ou actos praticados sob coação, portanto, sem liberdade pessoal. A título
de exemplo, podemos citar o acto de coçar-se, de bocejar, dormir, etc.
b)Actos humanos ou morais ou ainda responsáveis são os que são praticados com
vontade decidida. Quer dizer, estes actos são praticados com consciência e liberdade.
Daqui resulta de que os actos humanos ou morais/responsáveis são aqueles praticados
com consciência ou consentimento/advertência e decisão livre. A consciência,
consentimento ou advertência e decisão livre são dois elementos constitutivos da
responsabilidade. João A. Konzen ilustra esta definição, com um exemplo prático,
dizendo:
55
ou por alguma coisa que lhe foi confiada” (1995:1240). Pode-se tratar de actos
praticados ou negligenciados, omissos. Neste sentido e segundo João A. Konzen “acto
ou comportamento responsável é aquele que pode ser imputado (atribuído) a uma
pessoa, e esta responde por ele e tem o dever de assumi-lo” (ÉTICA TEOLÓGICA
FUNDAMENTAL, 2001:107-108).
Como o ser humano não só possui a dimensão física, mas também é caracterizado pela
dimensão moral, a prática desses actos mostram-nos que existem dois tipos de
responsabilidade.
2.Tipos de Responsabilidade
Responsabilidade jurídica ou legal: Para Ciriaco Izquierdo Moreno, as leis positivas não
representam para a consciência, um dever moral, por serem prescritas pela autoridade
legislativa de uma sociedade. Mas, por quê assim acontece?
56
sociedade, responda diante de seus órgãos governamentais pela forma como cumpre
ou não livremente as leis, assumindo as consequências do seu comportamento.
Para Ciriaco I. Moreno, “a noção - entendida como ideia que temos de uma coisa – da
responsabilidade está ligada à escolha e à liberdade. Liberdade e responsabilidade
formam um binómio inseparável. Responder aos próprios actos: aí enlaçam vontade e
liberdade” (EDUCAR EM VALORES, 2002:244). Liberdade e responsabilidade são um
binómio inseparável, porque uma implica a outra.
57
CAPÍTULO V: CONSULTA E CITAÇÃO DAS FONTES PRINCIPAIS DE MUNDIVIDÊNCIA
CRISTÃ
1.Consulta e citação
Bíblia: Este livro sagrado dos cristãos tem dois Testamentos, Antigo e Novo. Para
efeitos de consulta, procura-se primeiro o nome do livro, depois, o capítulo e, por fim,
o versículo. A sua citação é feita assim: Ex.: Gn 2, 3 ou Lc 7,7. Quer dizer, primeiro, é
escrito o nome do livro, abreviado, de forma convencional, depois, vem o número do
capítulo e, por fim, o versículo ou versículos.
Concílio Vaticano II: Para consultar este documento conciliar, procura-se, em primeiro
lugar, o nome do documento, que em geral, vem em latim. Depois, vai-se ao número.
A sua citação é feita assim: Ex.: LG, 8; ou DV. Ou Concílio Vaticano II, Constituição
Dogmática Gaudium et Spes, 16, São Paulo, 2000.
58
Talvez seja fundamental lembrar aos interessados que este ser humano, que consulta
e cita alguns documentos, para fundamentar suas reflexões, é mortal. Por isso, no
capítulo seguinte, trataremos do ser humano e a morte.
59
CAPÍTULO VI: O SER HUMANO E A MORTE
A morte é uma experiencia humana inevitável e universal. Por esta razão, em todas as
culturas há um conjunto de cerimónias e actos que acompanham a morte e o morto e
que os vivos procurar seguir.
Talvez dentro deste tema, as perguntas pertinentes sejam estas: Por quê a vida nasce
com a morte? Como nos posicionar diante da morte? E como a morte é concebida em
África?
1.Conceito de Morte
O autor em citação sustenta ainda que a morte não se limita ao momento em que
param os sinais e funções biológicas, como a respiração e a circulação. Quer isto dizer
que a morte, para a pessoa humana, é um processo longo, que inicia antes da paragem
biológica e se prolonga após o enterro e do desaparecimento de sinais sensíveis. Neste
contexto, depois da morte física, vêm o desaparecimento do corpo engolido pela terra,
a cessação do relacionamento e comunicação directa, a nível dos sentidos, que
marcam o distanciamento irreversível entre o morto e os vivos. Todavia, a população
africana sabe que a morte não aparece ao acaso. Ela tem causas.
60
2.1. As causas da morte
Para a população bantu, a morte pode ser classificada como boa e infeliz.
4. A Relação morte-vida
A morte é relacionada à vida: a vida neste lado, aquela que o falecido gerou e que
agora deixa atrás de si; e a vida na outra vertente para onde ele vai. Mas, apesar da
morte, a vida continua de geração após geração.
62
5.A morte na visão bíblica
A Sagrada Escritura não este alheia à realidade da morte. Muitos autores e de várias
formas se debruçaram sobre ela. Tanto o Antigo como o Novo Testamento trataram
deste tema de morte, mas mostraram de forma visível que ela não tem a última
palavra na nossa vida. Portanto, de uma ou de outra maneira disseram existir a vida
além da morte.
Os dados bíblicos sobre a morte podem ser considerados ambíguos, porque por um
lado, a morte é como término natural da vida. Por outro, a morte é sentida como uma
prova, um enigma, uma não-salvação.
Para o israelita, a vida terrestre é um dom de Deus por excelência e viver idoso e
cumulado de dias (Gn 35,29) é o sinal da bênção de Deus. Abraão expirou: morreu
numa velhice, idoso e cumulado de dias (Gn 25, 8). Mas a morte atinge o corpo e a
alma. Assim, o ser humano tirado do pó retorna ao pó (Gn 2,7; 3,19; Sl 90,3; Jó 34,15).
Viver muitos anos é sinal da bênção especial de Deus.
Para Claude Geffré, a morte é o poder de pecado que faz, desse término, uma uma
interrupção absurda. O Novo Testamento vê em Cristo o vencedor definitivo da morte
e dos poderes que a provocaram.
63
Não há ressurreição sem a morte. O ser humano exterior e velho (Rm 6,6) tem de
morrer paulatinamente às forças de corrupção e pecado. Isto é condição para o ser
humano ir ressuscitando constantemente. É fundamental ao ser humano, diz São João,
renascer como ser humano novo, único que partilha da ressurreição de Cristo (cf. Jo 3,
3-8). Como fenómeno natural, a morte atinge somente o ser humano exterior, o
natural. O ser humano interior é assumido, plenificado em Deus.
Orígenes e Cirilo de Alexandria: A morte foi também um tema, que mereceu uma
reflexão, na Igreja, desde os primórdios da sua existência. Nesta reflexão sobressaem
duas figuras: Orígenes (185-2509 e Cirilo de Alexandria (380-444). Para estes, a morte
é uma consequência de pecado.
Concílio Vaticano II: Para a Gaudium et Spes a fé cristã ensina que a morte corporal, à
qual o ser humano teria sido subtraído se não tivesse pecado, será um dia vencida.
Trata-se, aqui, da morte física.
Catecismo da Igreja Católica de 1992: Para este catecismo, embora o ser humano
possuísse uma natureza mortal, Deus o tinha destinado à imortalidade.
Sartre: Para este filósofo, o ser humano está na vida como um condenado á morte,
pois deseja sempre e de forma ardente, a vida.
Alberto Camus: Este afirma que na morte, todos os sonhos são destruídos. Apesar
desta destruição, o ser humano deve evitar o desespero que conduz ao suicídio,
porque esta é uma fuga à realidade. Todavia, A. Camus reconhece que, embora a
64
morte, a solidariedade com os pobres, os que sofrem e os oprimidos tem sentido por
si. É fundamental uma frente comum contra a miséria e a morte violenta.
Pensamos que o nosso debate sobre o ser humano e a morte seria incompleto, se não
nos tivéssemos debruçássemos sobre os espíritos e os antepassados porque, para a
população negro-africana e conforme Odilo Cougil, “…sabemos que nas nossas famílias
os Antepassados e as relações entre os vivos e eles ocupam um lugar de preeminência.
Não há família sem Antepassados, não há acontecimentos importantes ou menos sem
invocação dos Antepassados” (in OS ANTEPASSADOS E SUA VENERAÇÃO: Actas da
Segunda Semana Teológica da Beira, 1997:6). Todavia, venerar os antepassados,
significando elogiá-los, não é nenhum mal, pois a própria Bíblia apresenta o
reconhecimento pelos bons feitos, quando diz: “Elogiemos os homens ilustres, nossos
antepassados, em sua ordem de sucessão” (Eclo 44, 1). Mas quem são os
Antepassados? E o que são os espíritos? Como distinguir os espíritos dos
Antepassados? E, por fim, como diferenciar o espírito bom do mau?
8. Os Antepassados e os Espíritos
Por antepassado se entende, aqui, segundo Ezequiel Gwembe, “alguém que durante a
sua existência entre vivos favoreceu a vida. Não só alguém que conservou bem a vida
que recebeu, mas também a transmitiu de modo abundante” (in OS ANTEPASSADOS E
SUA VENERAÇÃO: Actas da Segunda Semana Teológica da Beira, 1997:140).
65
Mas, é importante sublinhar que os antepassados são apenas venerados. Portanto,
esta prática de forma nenhuma implica que os antepassados são adorados. Só Deus é
adorado e apenas a Ele. E venerar significa manter um grande respeito, enquanto
adorar significa também prestar culto a Deus, amá-lO ao extremo.
Espíritos bons: Na visão de Ezequiel Gwembe, a “ fé africana diz que há bons espíritos,
que trazem boa sorte, na vida.
Espíritos maus: Diz ainda o autor em citação que os maus espíritos causam somente
desgraça.
66
CAPÍTULO VII: TECNOLOGIA
No livro de Génesis o autor sagrado afirma que, após criar o ser humano, Deus
descansou (2, 1-2). Este descanso de Deus pode simbolizar sua confiança no ser
humano. Neste contexto, pensamos que agora é a vez deste para trabalhar,
administrar a terra. Agora Deus age, neste sentido, mediante sua obra, sobretudo, o
ser humano. Por essa razão, Deus dotou-o de uma inteligência superior aos demais
seres do nosso planeta. Nesta perspectiva, entre as realidades terrestres, adquire
importância sempre a tecnociência ou seja a tecnologia, que é o objecto deste estudo.
Mas o que se entende por tecnologia? Será que a Igreja tem palavra a dizer sobre esta
matéria?
As respostas a estas questões serão dadas ao longo de debate deste nosso tema. E
estes termos, tecnociência e tecnologia, serão usados neste estudo como sinónimos.
1.Conceito
Falar das vantagens da tecnologia, significa entrar no plano de Deus, que manifestou
sua vontade no começo dos tempos, de que o ser humano devia dominar a terra e
completar a obra da criação. Fazendo isto, ele irá, ao mesmo tempo, se aperfeiçoando
67
a si mesmo e, cumprindo igualmente a ordem de Cristo, de se consagrar ao serviço de
suas irmãs e seus irmãos.
Essa verdade é captada por pessoas sábias e humildes, porque notam que tudo o que
o ser humano faz para conseguir mais justiça, mais fraternidade, uma organização mais
humana das relações sociais, vale mais do que os progressos técnicos. E por quê
assim? Porque tais progressos podem proporcionar a base material para a promoção
humana, mas por si sós são incapazes de realizá-lo.
68
3. Desafios da Tecnologia ao ser humano
Por desafio entenda-se, aqui, aqueles problemas surgidos da má utilização da
tecnologia, como a própria história nos tem proporcionado.
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f. Alimentos transgénicos: O uso de novas biotecnologias para fins concernentes
à agricultura, como é o caso dos transgénicos ou seja alimentos geneticamente
alterados, despertam por um lado, entusiasmo/esperança e, por outro, hostilidade.
g. Perigo de terrorismo: Estas tecnologias aplicadas ao campo militar, por
pessoas e governos sem espírito humanístico, podem provocar catástrofe
humanitária. Basta nos lembrarmos das bombas atómicas lançadas, em 1945, por
norte americanos, sobre as cidades de Hiroxima e Nagasaki, as quais dizimaram
milhares e milhares de pessoas e destruíram cidades inteiras, que à memória nunca
vistas.
h. Possível ilusão: O triunfo da técnica tornou o ser humano, o soberano da
natureza, capaz de dominá-la. Quer dizer, a habilidade e a facilidade com que este ser
humano cria técnicas sempre novas e mais perfeitas provocou, nas actuais gerações,
uma confiança sem limites, no processo da caminhada humana, mais possibilidades de
levá-lo a frente até a realização do paraíso terrestre, a ponto de algumas pessoas
pensarem na feliz solução de todos os problemas e mistérios do ser humano. Esta
ilusão levanta uma pertinente questão: Será verdade que as ciências e a técnica
podem resolver todos os problemas e enigmas do ser humano? Como pode, por
exemplo, a tecnologia resolver o problema de uma pessoa ofendida, para que ela
esqueça aquela ofensa?
i. O perigo de idolatria: Há um risco de a tecnologia ser considerada como um
deus. Esta situação resulta do facto de que a única preocupação é o bem-estar, o
divertimento, o prazer e não os valores autênticos do espírito. Por isso, a ciência e a
técnica são, muitas vezes, acusadas severamente de terem causado a perda de muitos
valores fundamentais do espírito humano. São ainda acusadas de terem desumanizado
o ser humano, privando-o de sua liberdade, sociabilidade, relações interpessoais e da
privacidade.
70
4. Critérios no uso da tecnologia
Por critério se entende, aqui, e conforme Nicola Abbagnano, “uma regra para decidir o
que é verdadeiro ou falso, o que se deve fazer ou não” (DICIONÁRIO DE FILOSOFIA,
2007:259). É justamente esta regra a que os seres humanos, em geral, e o
tecnocientista, em particular, devem guiar-se na utilização de recursos naturais. Para
esta utilização, propomos os seguintes critérios.
5.Tecnologia e a Transcendência
Neste contexto, a tecnologia não prova nem nega a transcendência do ser humano
nem a existência de Deus. Das tecnologias não devemos esperar soluções globais,
como a questão de sentido para a vida ou sentido da História. Portanto, é preciso não
exagerar a força do conhecimento tecnológico para a transformação do mundo. O
mundo da tecnologia abre pequenas clareiras no mundo da vida. Portanto, o mundo
71
da vida humana é irredutível ao mundo da ciência. Neste sentido, este deve ser
integrado no mundo da vida humana.
O conhecimento científico não é absoluto, apenas ela é uma actividade das mais
importantes do ser humano, que partilha seus limites. O conhecimento humano,
incluindo o tecnocientífico é limitado, porque quem faz a ciência e desenvolve técnicas
é o ser humano. Nele há dinamismos que impulsionam para além de si mesmo. Por
isso, ele procura amigos, insere-se numa comunidade para realizar-se.
O ser humano luta contra tudo o que o limita: a fome, ignorância, a doença, o
sofrimento e contra a morte. Quer viver e viver bem. Para isso, tende apropriar-se de
bens materiais e do saber. Protesta quase tudo em nome do que ainda não é, isto é,
utopia. De certo modo, o ser humano é um eterno protestante, porque até o que já é
bom, ele quer melhorar. Nesta perspectiva, Santo Agostinho tinha razão ao dizer:
“Meu coração está inquieto, até repousar em Deus”. O dinamismo impulsionador da
transcendência, à luz da fé, chama-se Deus.
A tecnologia resolve alguns problemas, mas o ser humano é, ainda hoje como ontem,
um mistério. O mistério envolve todo o nosso ser. O mistério só se aceita ou se rejeita.
Quando excluímos a dimensão transcendente da vida humana, mutilamos a pessoa
humana. Por isso, os regimes políticos ou sistemas filosóficos, que pretenderam
eliminar esta dimensão, viram gorados seus intentos. A tecnologia e a ciência são
importantes e dignificam o ser humano. Mas não são tudo. Elas são muito importantes
que sem elas, hoje até a caridade, muitas vezes, se tornam ineficientes. Se, por
exemplo, um hospital não tiver recursos humanos qualificados e equipamentos
adequados, até o exercício da medicina sofre.
Para terminar, é fundamental sublinhar que Deus é sentido da nossa vida. Em vão
sonhamos um mundo mais fraterno, se não admitimos um Pai comum, um Deus para
todos. E atenção, quando os seres humanos negam a Deus como seu Criador, irão
querer usurpar seu espaço, para explorarem seus semelhantes, dando lugar para todo
o tipo de totalitarismos e manipulações. E as conquistas da tecnologia serão colocadas
ao serviço da violência, do terrorismo, da injustiça e de todo o tipo de maldade. Onde
72
os homens e mulheres aceitam a Deus, como sentido de sua vida, é possível viver-se
em fraternidade, em irmãos e irmãs. E é vivendo como irmãos e irmãs que se constrói
a paz e, por consequência, a felicidade. Mas viver feliz, não significa necessariamente
estar isento de sofrimento. Por isso, o capítulo que se segue vai tentar debater a
questão do sofrimento e da felicidade.
73
CAPÍTULO VIII. O SOFRIMENTO E A FELICIDADE
O título, acima, nos leva às estas perguntas: O que o sofrimento tem a ver com a
felicidade, de tal modo, os dois conceitos sejam relacionados desta forma? Será que a
pessoa humana pode estar sofrendo e dizer que está feliz? Quer dizer, a pessoa pode
sofrer e sentir-se feliz, ao mesmo tempo? E o que é o sofrimento? Por fim, o que é a
felicidade e qual o caminho certo e verdadeiro para que uma pessoa possa adquirir
verdadeira felicidade? Por outras palavras, como conseguir a felicidade? O prazer, a
posse de bens materiais, podem ou não trazer a felicidade, à pessoa humana?
As respostas a estas questões hão-de ser dadas, na medida em que iremos debatendo
este tema: sofrimento e a felicidade.
1. Sofrimento
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Mas esta maneira de pensar, foi paulatinamente sendo ultrapassada, razão pela qual
Ezequiel diz que no futuro cada qual sofrerá pelos seus próprios pecados (Ez 18, 19-
20).
Há exigência tremenda, segundo a qual deve-se distinguir entre dor e sofrimento. Para
se evitar confusão.
3.1.Dor
A dor, geralmente, é um factor fisiológico. Ela é sinal de alarme. Alerta para o facto de
algo não estar funcionando bem. E a possibilidade de dor representa uma perfeição
extraordinária do organismo. Outra coisa são as causas que provocam a dor. Contra
estas deve-se necessariamente lutar. É impossível partilhar-se a dor, mesmo que duas
pessoas sejam amicíssimas, o sofrimento, sim, pode ser partilhado. A dor pode ser
atenuada com medicação apropriada. É uma tarefa dos enfermeiros, serventes e
médicos e todos os funcionários da saúde.
3.2. O sofrimento
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“calor”, o amor verdadeiro, o carinho, o amparo, das outras pessoas amigas. Quando
faltam estas dimensões, a pessoa que está sofrendo pode cair no desespero. É devido
a esta falta que muitas pessoas infectadas e afectadas, pelo HIV e SIDA, sofrem. Elas
sofrem, não tanto porque estão com aquela doença, mas porque se sentem
abandonadas, marginalizadas, estigmatizadas. Muitas pessoas quando as vêm
meneiam a cabeça. Não são capazes de lhes dizer, se é possível, esta palavra: CONTE
COMIGO, MEU IRMÃO, MINHA IRMÃ. E este, conte comigo, deve ser realístico,
sincero, concreto, manifestado com gestos, palavras, actos reais e concretos.
E por quê desta necessidade de CONTE COMIGO? Primeiro, a pessoa que sofre
interroga-se sempre sobre o porquê do seu sofrimento. Segundo, e por consequência,
esta mesma pessoa que sofre e procura razões do seu sofrimento, só encontra
resposta para sua pergunta, em relações, com uma companhia amiga. Infelizmente,
ignoramos esta dimensão humana, seja com ou sem culpa.
Em conclusão, podemos dizer com Calmeiro Matias, que o sofrimento das outras
pessoas reside, na sua maioria, na nossa indiferença, desinteresse, esquecimento, e no
egoísmo. Apesar do sofrimento, o ser humano foi criado para a felicidade.
4. A felicidade
Para Calmeiro Matias, a felicidade não é uma coisa que se acha ou se perde. Não existe
felicidade como coisa feita. Ela deve ser necessariamente construída. Mas todo o ser
humano tem fome de felicidade.
Algumas pessoas confundem a fome de ser com o desejo de ter. Essa confusão é uma
perversão. Quer dizer, a felicidade não deve ser condicionada. Pode-se ter bens
materiais e não se ser feliz, e no contrário surgir uma pessoa feliz
76
qualNão difícil assistir a confusões entre amar e trocar prendas. Esta realidade não é
mais que dar coisas. A pessoa para ser humanizada, realizada, necessita de ser ela
mesma. E para isso, a pessoa precisa de ser aceite, apreciada e compreendida para se
aceitar e sentir gosto pela sua realização. É a aceitação, a compreensão e a valorização
de suas possibilidades e condicionamentos que possibilitam o ser humano para ser
mais. Se nó dizemos amar uma pessoa, então aceitemo–la como ela é, sem
procurarmos modificá–la nem instrumentá–la, para atendermos nossos interesses e
gostos. Esta atitude vai nos possibilitar a evitar o jogo de interesses individuais ou de
um grupo que domina as sociedades, nas quais o mais forte tenta esmagar o mais
fraco. E este tenta esmagar o mais forte para escapar à opressão. Esta situação coloca
muitas vezes algumas pessoas, numa posição de sofrimento.
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