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ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO INFORMAGOES N. 001/2016 - AGU Interessado: CAMARA DOS DEPUTADOS Assunto: DENUNCIA CONTRA A PRESIDENTA DA REPUBLICA, POR CRIME DE RESPONSABILIDADE, Excelentissimo Senhor Presidente da Camara dos Deputados ¢ Excelentissimo Senhor Presidente da Comissao Especial da Camara dos Deputados competente pata a anilise da dentincia, “O fato de set o impeachment processo politico nao significa que cle deva ou possa marchar margem da lei.”! A Excelentissima Senhora Presidenta da Republica, representada pelo Advogado-Geral da Unio, nos termos do art. 131 da Constituigao e do inciso V do art. 4° da Lei Complementar n° 73, de 10 de fevereiro de 1993, vem apresentar, em resposta a Mensagem n° 04, de 17 de marco de 2016 — comunicada por meio do Aviso n° 04/2016 (em anexo) € que se reporta a Mensagem n° 45, de dezembro de 2015 (em anexo)-, dentro do ptazo fixado de dez sessdes dessa Casa Legislativa (contando-se como primeira sessio a realizada no dia 18 de marco de 2016), manifestagao a respeito da Deniincia por Crime de Responsabilidade n° 1, de 2015, RD, Paulo. O impeachment. 3* ed. Sio Paulo: Saraiva, 1992, p. 146 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO (em anexo), de autotia dos cidadios Hélio Peteita Bicudo, Miguel Reale Jiinior ¢ Janaina Conceigio Paschoal, lida no Plenario da Camara dos Deputados no dia 3 dezembro de 2015, juntamente com © despacho (em anexo) que Ihe deu tramitagio 1) CONSIDERACOES INICIAIS 11) AS CONDICOES DE ADMISSIBILIDADE DO PROCESSO DE “IMPEACHMENT” NO ESTADO DEMOCRATICO DE DIREITO A Repiblica Federativa do Brasil “constitui-se em Estado Democritico de Direito”. E 0 que estabelece, in verbis, a nossa vigente Constituicio Federal, logo na sua primeira disposicio normativa. Lutas, angiistias ¢ tertiveis softimentos pavimentaram um longo caminho percorrido para que pudéssemos chegar, finalmente, a esta historica afitmacio constitucional. Muitos morream, padeceram nos cceres ditatoriais, foram torturados, exilados ou tiveram suas vidas artuinadas, até que, finalmente, 0 impétio absoluto da lei e da vida democratica passou a reger a iluminar a vida de todos os cidadaos brasileiro. Vivemos, hoje, felizmente, sob a égide de um auténtico Estado Constitucional, que em muito suplanta a feicio estrita ¢ limitada da expressio “Estado de Direito”, a0 menos nos moldes em que teoricamente foi concebida, a partir do final do século XVIII, em varios paises do mundo ocidental (Rechtsitaat, Etat de Droit, Stato di Diritto, Estado de Derecho, ow a anglo-saxdnica “rule of lan?” que pata alguns a ela se equivale). Se nos Estados de Direito, todos — governantes ¢ governados - devem estar submetidos & lei, nos “Estados Constitucionais” ou “Estados Democriticos de Dircito”, 0 elemento democratico foi introduzido, nio apenas para travar 0 poder (fo check she power)”, mas também para atender & propria “necessidade de legitimagio do mesmo poder (fo hgitimize State power)”, Inteira razio assiste, pois, a0 ilustre Ministro Luis Roberto Battoso quando chegou a firmar peremptoriamente: OTILHO, J,]. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constinuigio, 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 100 2 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO “a Constituigio de 1988 é o simbolo maior de uma histéria de sucesso: a transigio de um Estado autoritirio, intolerante e muitas vezes violento para um Estado democritico de direito. Sob sua vigéncia, vém-se realizando eleicées presidenciais, por voto direto, secreto e universal, com debate politico amplo, participacio popular e alternincia de partidos politicos no poder. Mais que tudo, a Constituicio assegurou 20 pais a ‘estabilidade institucional que tanto Ihe falton a0 longo da repablica””. E de acordo com essa dimensio juridica, valorativa © histérica que devemos interpretar e comprcender todos os institutos e regras que disciplinam o exercicio do poder estatal ‘na Constituigio Federal de 1988. Como ensina o ilustze constitucionalista portugués J.J. Gomes Canotilho: “Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos nio metafisicos, temos de distinguir claramente duas coisas: (1) uma é a da legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do proceso de legislagio no sistema juridico; 2) outra & a legitimidade de uma ordem de dominio ¢ da legitimacio do exercicio do poder politico. O Estado ‘mpolitico’ do Estado de Direito nio dé resposta a esse iimo problema: donde vem o poder. $6 0 principio da ‘soberania popula’ segundo o qual ‘todo 0 poder vem do povo’ assegura e garante © dircito igual patticipasio na formacio democritiea da vontade popular. Assim, 0 principio da soberania popular concretizado segundo procedimentos juridicamente regulados serve de ‘chamneisa’ entre o Estado de Direite’ ¢ © Estado Democritico’ possibilitando a compreensio da moderna fStmula Estado de direito democritico”* Sera, assim, um grave equivoco constitucional e democratico, busca de qualquer compreensio juridica e politica das regras que tipificam os crimes de responsabilidade ¢ disciplinam © proceso de impeachment da Presidenta da Repiblica, em nosso pais, com esquecimento involuntirio ou desatencio proposital a esta realidade axiolégica subjacente ao texto da nossa vigente lei maior. $ BARROSO, Luis Roberto. A Constituicio Brasileira de 1988: uma introdugo. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilat Ferteirs; NASCIMENTO, Carlos Valder do. Tratado de Dizeito Constitucional, vol.1. Sio Paulo: Saraiva, 2010. p. 17 CANOTILHO, op. it, p. cit. ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO A Constituigio Federal de 1988 acolhe a forma de governo presidencialista. Por isso, a0 contraio do que existe nos paises que adotam a forma de governo parlamentarista, ow mesmo a forma mista (“parlamentar-presidencial”), nio estabelece a nossa Constituigéo mecanismos de controles politicos ptimétios entre o Chefe do Poder Executivo — que acumula a funcio de chefe de Estado e de governo~ ¢ 0 Parlamento (Congreso Nacional). A Presidenta da Repiblica nao tem o poder de determinar a dissolugio do Congreso Nacional, da mesma forma que nao pode ser desligada da sua fung’o por uma mera avaliagao politica da inconveniéncia de sua permanéncia pela maioria dos membros do Poder Legislativo, No Brasil, a Presidenta da Reptiblica tem a legitimidade democritica para o exercicio das suas atribuigées conferida dizetamente pelo povo (att. 1°, parigrafo tinico, da Constituicéo Federal), por voto diteto secreto, para um mandato de quatro anos (art. 82 da Constituicio Federal). Como proprio do regime presidencialista, este mandato é cercado de garantias constitucionais voltadas a assegurar a plena estabilidade do seu exercicio, em face da acumulacio da Chefia de Estado de Governo. As hipéteses de perda do mandato presidencial, materializadas através do proceso de impeachment, como nao poderia deixar de sex, sio excepcionalissimas ¢ se afirmam em Ambito absolutamente restrito ¢ com aplicagio autorizada apenas a situagdes graves ¢ excepcionais de protegao da ordem constitucional, como ocorre, ng, com a intervengao federal (art. 34, da C.F), 0 estado de defesa (art. 136, da C.F), € 0 estado de sitio (art. 137, da C.F). Desse modo, a exemplo destes institutos mencionados, o impeachment apenas pode ser autorizado, no seu processamento, em hipétescs de excegao constitucional ¢ unicamente quando a gravidade dos fatos indicarem a inexisténcia de meios ordinatios de salvaguarda da ordem jutidica vigente Tora-se absolutamente impensivel afirmar-se, assim, que em um regime presidencialista insetido no ambito de um Estado Demoeritico de Dircito, metas situacdes episédicas de impopularidade governamental, per se, possam set tidos como motivos ou causas legais ¢ legitimas capazes de ensejar a perda do mandato de uma Presidenta da Repiblica. As premissas democraticas ¢ de direito que embasam © dio sustentagdo 20 nosso sistema constitucional nao admitem jamais esta possibilidade*, A Constituicio Federal de 1988 deixou claro em suas proptias determinagdes normativas a dimensio absolutamente restritiva e excepcional da responsabilizacio criminal e politica da Presidenta da Repiblica. Ao maximo, buscou evitar que acusacdes infundadas ou situagdes de invalidade desprovidas de gravidade extrema ¢ incapazes de atingir os alicerces centrais, que estruturam a nossa ordem juridica democritica possam vir a ensejat abalos 4 estabilidade institucional decosrente do exercicio do mandato da Chefe de Estado e de Governo. Partiu, assim, do pressuposto de que, no Presidencialismo, a aplicagao de certas sanges A pessoa da chefe do Poder Executivo, ou mesmo a extingio do seu mandato por meio de uma decisio juridica, serio sempte medidas trauméticas e ensejadoras de possiveis abalos institucionais ¢ sociais, verificaveis em maior ou em menor grau, de acordo com as citcunstincias, politicas e histéricas em que venham a ocorrer. F, por isso, seri sempre preferivel que a ordem juridico-democratica estabelega remédios que evitem efeitos perversos pata males que possam receber um tratamento menos traumstico. Esta tealidade valorativa de protecio 4 Chefe de Estado e de Governo, pata bom resguardo das proprias instituigdes, é a raz0 juridica © politica que explica e justifica a regea protetiva prevista no art. 86, § 4°, da nossa lei maior. Afitma este dispositive que: “Art. 86. (.) § 4". O Presidente da Repiiblica, na vigéncia do seu mandato, néo pode ser responsabilizado por atos estranhos a0 exercicio das suas fungdes”. Ao assim prescrever, a Constituigio atibui a Presidenta da Repiblica uma imunidade processual que Ihe assegura © regular exercicio de suas funcdes constitucionais, 5 Cumpre observar que a opeio pelo parlamentarismo foi expressamente rejitada em plbiscito realizado em 21 de abril de 1995, em cumprimento a determinacio contida no art. 2°do.Ato das Disposigdes Constitucionsis Transtécias, alterado pela Emenda Constitucional n® 2, de 1992. Na ocasito, a maoria dos eeitores brasietos votou pela adogao da forma tepublicana e do sistema de governo presidencilista, De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral, © pirlamentarismo obteve apenas 24,87% dos votos. Disponivel em: huip://svarsatse jus br/cleicncs/plchisctos.c.roferencdos/plebiscito-de-1993, Acessado em 01 de abril de 2016, 5 DVOCACIA-GERAL DA UNIAO consagrando uma inequivoca garantia institucional voltada, por dbvio, nio a protesio da pessoa fisica da Chefe do Executivo, mas & seguranca do proprio regime presidencialista. As persecucdes criminais ¢ de natureza estritamente politica que porventura pudessem ser contra ela promovidas, ‘no que concerne a atos estranhos ao exercicio do mandato presidencial, ficario suspensas, pouco importando se sio anteriores ou no ao seu inicio. Todavia, no ambito de um Estado Democratico de Direito, seria contraditorio e inrazodvel que restasse consagtada a irresponsabilidade absoluta do Presidente da Republica em relagio aos atos que pratica no exercicio da sua competéncia, rememorando verusta ¢ ultrapassada concepcao ("the king can do vo wrong"). Se, por um lado, © regime presidencialista impée garantias que permitam a estabilidade institucional do exercicio da chefia de Estado ¢ de Governo, de outro, © limite ao exercicio do poder presidencial também deveri ser afirmado, nos casos excepcionais ‘em que 0 comportamento presidencial, de forma grave e dolosa, possa atingir fortemente as vigas mestras que sustentam a ordem constitucional. Afinal, “para que no se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposicio das coisas, o poder refreie 0 poder’ No campo penal, por forca do exposto, a responsabilidade da Presidenta da Repiiblica, ao longo do exercicio do seu mandato, é relativa ¢ excepcional. Aplica-se apenas 208 atos praticados no exetcicio da sua fun¢io ou em razio dela (in officio ou propierofcium), no exercicio do seu mandato. Exclusivamente nestes casos poder softer a persecutio criminis, mas a instauracio do respectivo proceso criminal depender de autorizagio de dois tercos dos membros da Camara dos Deputados (art. 51, 1, da Constitui¢io Federal), competindo ao Supremo Tsibunal Fedetal 0 seu regular processamento ¢ julgamento (art. 102, I, “”). Contudo, em nenhum caso, enquanto no sobrevier sentenga condenatéria, poderd ser preso (art. 86, §3°, da Constituicio Federal). Coerentemente, a mesma situacio de excepcionalidade veio afirmada no texto constitucional em telacio 4 responsabilidade politica da Presidenta da Reptblica, capaz de propiciar, diante da ocorréncia de certas situagdes fiticas, a abertura, o processamento ¢ 0 julgamento de um proceso de impeachment ®SMONTESQUIEU, CLS. Do Espéilo das Leic wol1. Sio Paulo: Saraiva, 2012. p. 190. ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Determina o art. 85 da nossa Catta Constitucional que a responsabilizacio do chefe do Poder Executivo apenas poderi ocotrer nos casos de crimes de tesponsabilidade, entendendo-se por estes “os atos do Presidente da Republica” que “atentem contra a Constituigdo Federal”. Uma vez incorrendo a Presidenta da Reptiblica nestes delitos, seri processada e julgada pelo Senado Federal (processo de “impeachment”), “limitando-se a condenacio, que somente sera proferida por dois tercos dos votos do Senado Federal, & perda do cargo, com inabilitagio por oito anos, para exercicio da funcio publica”, conforme preconizado no art. 52, I, e parigrafo tinico da Constituicio Federal Embota o art. 85 da nossa lei maior tenha, em sete incisos, feito uma referéncia a estes crimes de responsabilidade, acabou por esclarecer, em seus prdprios termos, que esta mencio se deu em carter meramente exemplificativo. De fato, esta atibuigio foi deferida a uma lei especial (Lein® 1.079, de 10 de abril de 1950). Todavia, 20 assim proceder, nic deixou de delimitar 0 nosso legislador constitucional, neste mesmo dispositivo, com absoluta clareza, que a liberdade para a tipificagio destes delitos, seja para o legislador ordindrio, seja para o eventual exegeta das normas constitucionais ¢ legais, nio seria irrestrta. Isto porque, deixou induvidoso: a) que somente poderiam ser definidos como crimes de responsabilidade capazes de ensejar a responsabilizacio da Presidenta da Repéblica, condutas tipificadas em lei. Aplica- se, pottanto, a esta pasticular espécie de delitos o brocardo axllum crimen sine tipo (nio ha crime sem. a tipificacio legal da conduta); b) que a propria lei ou seus intéxpretes nao poderiam pretender tipificar quaisquer tos inregulares ou ilegnis praticados por drgios ou outros agentes do Poder Piblico como “crimes de responsabilidade”. Deveras, a norma constitucional é clara ao afirmar que apenas podem ser caracterizados como delitos desta natureza atos que sejam dirctamente praticados pela Presidenta da Republica (a cxpressio acolhida no precitado art. 85 é, in rerbis, “atos do Presidente da Republica”, identificando, assim, © Gnico sujeito passivel de, com sua conduta pessoal, possibilitar a tipificacio de tais atos delituosos); ©) que a propria lei ou seus intérpretes no poderiam pretender tipificar como “crimes de responsabilidade” quaisquer atos irregulares ou ilegais praticados pela Presidenta da 7 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Repdblica. Estes atos, para receberem tal qualificagio, devem se revestit da condigio de serem indiscutivelmente um “atentado 4 Constituiga0”. Ou seja: nao podem ser quaisquer violagdes a regras constitucionais, legais ou regulamentares, mas atos que pela sua intensidade, gravidade © excepcionalidade atentem contra principios essenciais da nossa ordem constitucional, de modo a subverté-la profundamente; 4) que a propria lei ou seus intétpretes niio poderiam tipificar como “ctimes de responsabilidade” quaisquer atos praticados pela Presidenta da Repdblica fora do “exercicio das suas fungdes” na “vigéncia do seu mandato”, por forca da ji refetida tegra estabelecida no artigo 86, § 4", do mesmo diploma constitucional. Deste modo, também ficaram excluidas desta ipificagio delituosa os atos de autoria da Chefe do Executivo que porventuta tenham sido por ela praticados em petiodo anterior, ou se reputem estranhos 4 sua funcio mesmo que praticados durante a vigéncia do seu atual mandato’; ©) que a propria lei ou seus intérpretes nfo poderiam tipificar como “crimes de responsabilidade” atos meramente culposos, ou seja, atos que nao revelem uma real e grave agao dolosa da Presidenta da Repiblica contra a ordem constitucional estabelecida. Deveras, careceria de completo significado constitucional imaginar-se que nio setiam apenas atos dolosos. 0 passiveis de setem tipificados como capazes de ensejar um ato extremo de afastamento de um chefe de Estado e de Governo. A mera conduta negligente, imprudente ou imperita da Chefe do Executivo no podera nunca, no sentido jutidico adequado da expressio, em face da sua prépria excepcionalidade sistémica, vit a qualificar um vetdadeiro “atentado a Constituigao Federal”. A ideia de penalizar drasticamente aquela que foi investida da condicio de ser a primeira mandatatia na nacio, em um regime presidencialista, s6 pode passat por gravissima conduta torpe, alicergada em mi-fé que a todos repugna e em odiosa intengio imoral ¢ Sobre a impossibilidade de responsabilizacdo politico-administeativa do Presidente da Repiblica por atos praticados antes do inicio do mandato: STF-MS n. 26.176-5/DF ~ sel. Min, Sepiilveda Pertence, Diitio da Justca, Segao I, 6 out, 2006, pig. 74 Nessa decisio o relator ressaliou que: dos ainda candidatos (...) que, asim, aio poderiam configuat crime de respons Direito Constitucional, 3". Ed. Ads, 2014, Pig. 503, caso desvela pormenor inafastivel: a demineia apresentada & relativa a atos bilidade”. ef. Alexandre de Moraes, 8 ita, Quem age com mera culpa, ¢ ndo com dolo, poderia até infringir a Constituigao, ‘mas jamais “atentar contra ela”, no grave sentido axiolégico em que o termo é definido no texto da nossa lei maior’. Hi que se obsetvas, portanto, que em consonancia com o sistema presidencialista que adotou, a Constituicio Federal de 1988 delimitou claramente 0 univetso restrito de admissibilidade dos denominados “crimes de responsabilidade” que podem sutorizar a abertura de um processo de impeachment. B, a0 assim fazer, assegurou definitivamente a concepeio de que tais delitos fio possuem apenas uma natureza unicamente “politica”, tampouco amplamente “discricionaria”. Sio, na verdade, verdadeira s "infracées juridico-politicas” cometidas diretamente por uma Presidenta da Repiiblica e no exercicio do seu mandato, conforme majotitariamente define a doutrina dominante nos dias atuais. AA afirmagio de serem os “crimes de responsabilidade” infragdes de natureza “jutidico-politica” traz uma importincia absolutamente relevante para esse conceito que, por sua , guarda uma conexio intrinseca com a adogio do sistema presidencialista por um Estado Demoetitico de Direito (Estado Constitucional), na conformidade do ji exposto. Em larga medida, este conceito expressa, nos seus proptios limites e contornos constitucionais, a excepcionalidade da sua prefiguracio juridica ¢ democratica, como forma de garantia da estabilidade institucional em ‘umm regime presidencialista, Deveras, ao se afirmar que possuem intransponivel natureza “jutidico-politica”, teconhece-se que os crimes de responsabilidade exigem para a sua configuracio in concreto, ou seja no mundo dos fatos, a ocotténcia de dois elementos ou pressupostos indissocidveis e de indispensével configuracio simultinea para a procedéncia de um processo de impeachment. Um é © seu pressuposto juridico, sem 0 qual a apreciacio politica jamais podera ser feita, sob pena de ofensa direta ao texto constitucional. © outro é o seu pressuposto politico, que em momento 8 Note-se que esta idea, inteiramente decorrente da anilise do préptio texto constitucional, também se eoaduna com © que ji era previsto desde a Lei 1.079, de 1950, que disciplina os erimes de responstbilidade ¢ © processo de impeachment, Em seu texto, inexiste previsio para a configuracio culposa destes delitos. ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO algum poderi ser considerado pelo Poder Legislative, em um regime presidencialista, sem a real vetificacio fitica da existéncia do primeito. O pressuposto juridico é 2 ocotréncia, no mundo fitico, de um ato, sobre o qual ndo pairem diividas quanto a sua existéncia juridica, diretamente imputivel & pessoa da Presidenta da Republica, praticado no exercicio das suas fungdes, de forma dolosa, 20 longo do seu mandato atual, tipificado pela lei como crime de responsabilidade, ¢ que seja ainda de tamanha gravidade juridica que possa vir a ser qualificado como atentatério a Constituigao, ou seja, capaz de por si materializar uma induvidosa affonta a principios fundamentais ¢ sensiveis da nossa ordem juridiea, O pressuposto politico ¢ a avaliacio discricionatia de que, diante do ato praticado € da realidade que o envolve, configura-se uma necessidade intransponivel de que a Presidenta da Repiiblica seja afastado do seu cargo. Em outras palavras: que o trauma politico decorrente da intertupgio de um mandato legitimamente outorgado pelo povo seja infinitamente menor para a estabilidade democritica, para as instituicGes e para a propria sociedade do que a sua permanéncia na Chefia do Poder Execativo, Desse modo, portanto, diante de tudo 0 que jé foi exposto, a propria definigio dos crimes de responsabilidade como inftagdes “jutidico-politicas”, afasta, de plano, a possibilidade de que uma Presidenta da Reptiblica softa um processo de impeachment pela meta avaliagio discticiondria de que seria “inconveniente” para o pais a sua permanéncia no exercicio das fungdes para as quais foi regular ¢ legitimamente eleito. Repita-se: nossa Constituigio no adotou 0 regime parlamentarista, ou outro que a ele se assemelhe. No presidencialismo, para a interrupgio do mandato do Chefe de Estado e de governo exige-se a ocotténcia de um pressuposto juridico, fatico, tipificado com todas as caracteristicas acima apontadas. Sem que isto ocorra nio haveré motivo ou justa causa pata que seja admitido, processado ou julgado ptocedente um pedido de impeachment. Donde concluir-se que somente diante de uma realidade em que os dois Pressupostos acima apontados - 0 juridico € 0 politico - se facam simultaneamente presentes é que ser possivel falar-se na intettupcio legitima de um mandato presidencial, pela ocorréncia de 10 )VOCACIA-GERAL DA UNIAO. 1um verdadcito crime de responsabilidade, sem ofensa i Constituicio e a0 que caracteriza um Estado Democritico de Dircito em um regime presidencialista. Fora disso, o impeachment se dati com clara ofensa e ruptura da ordem jutidica e democratica vigente. E nesse contexto que devemos compreender a curiosa discussio que se trava no Ambito da opiniio publica brasileira, ¢ amplamente explorada por meios de divulgacio, quanto a um proceso de impeachment ser um “golpe de Estado” ou nao. Em face dos principios que afirmam ser o Brasil um Estado Democritico de Diteito que adota o regime presidencialista e do que dispde a Constituicio Federal de 1988, 20 que tudo indica, essa discussio parece se revestir, data venia, da condicio de uma falsa polémica. FE. obvio ‘que se uma Presidenta da Republica, em nosso pais, praticar conduta desabonadota que configure 08 ptessupostos jutidicos e politicos da tipificagio de um crime de responsabilidade, o processo de impeachment poder ser admitido, processado e julgado, em total acordo com a Constituigio © as nossas leis em vigor. A nossa ordem juridica terd sido respeitada e no haveri, pot dbvio, nenhum deszespeito is regras que catacterizam um Estado Demoetitico de Diteito. Nesse caso, naturalmente, um impeachment jamais poderia ser visto como ou equiparado a um golpe de Estado. Seria uma solugio para um grave problema institucional, inteiramente resolvido dentro dos mandamentos constitucionais vigentes. Todavia, o mesmo nio se dati, por ébvio, se presses politicas ¢ sociais vierem a Propor um processo de impeachment em que no se configura, com um minimo de juridicidade, a ocorréncia de um crime de responsabilidade, por faltarem, as escincaras, os pressupostos exigidos para a sua configuracio constitucional. Nesse caso, os atos juridicos praticados na busca da interrpefo do mandato presidencial estario em colisio aberta e escancarada com o texto Constitucional e, caso efetivados, qualificario uma dbvia ofensa ao Estado Democtitico de Direito uma inexorivel ruptura institucional. E inteiramente adequado, assim, que uma acio desta natureza seja vista como um verdadeito “golpe de Estado”, praticado com desfacatez e a mais absoluta subversio da ordem juridica e democritica. 1 E comum utilizar-se a exptessio “golpe de estado”, em todos os continentes (“Coup Etat”, ‘Staatsreich”), para definit-se as situagdes em que ocorte a deposicio, por meios inadmitidos pela ordem juridica, de um governo legitimo. Embora, no plano histérico, seja mais comum a materializacio de golpes pela forca das armas, também nao se pode ignorar que, muitas vezes, € ‘em especial nos dias que se seguem, tais ruptutas institucionais sto usdidas ¢ executadas sob 0 aparente manto da “legalidade”. Isto ocortera sempte que, sob a alegaco retérica da ocoréncia de situacdes que de fato no se verificam ou niio justificam de direito a cassacio de um mandato presidencial, buscam- se subterfiigios juridicos, argumentos infundados e descabidos para a apatente legitimaco juridica da deposicio de um governo, sem que exista qualquer base constitucional para tanto, Nesses casos, no serio utilizados tanques, bombardeios, canhdes ou metralhadoras. Seto usados argumentos jusidicos falsos, mentizosos, buscando-se substituir a violéncia das ages armadas pelas palavras ‘ocas ¢ hipéctitas dos que se fingem de democratas para melhor pisotear 2 democracia no momento em que isto servir a seus interesses. Invoca-se a Constituigio, apenas para que seja ela rasgada com elegiincia e sem ruidos. Superando-se entio a falsa polémica, pode-se dizer que um processo de impeachment, no Brasil ou em qualquer Estado Democritico de Direito do mundo que adote sistema presidencialista de governo, pode ser ou nio um “golpe de estado”, conforme as circunstiineias que o caractetizem ¢ 0 definam. Nio serd um “golpe” se ocorzerem, de forma induvidosa, os pressupostos constitucionais excepcionais que legitimariam a justificada interrupeio do mandato do Chefe de Estado e de Governo. Ao tevés, como “golpe” se qualificart quando inexistirem, de fato ¢ de diteito, as razdes constitucionais para a afitmasio do impedimento da Presidenta da Repiblica, e este vier a ser confirmado sem nenhuma legitimacio democritica, mas sob uma apaténcia de legalidade hipécrita e infundada, Afirmar-se que "um impeachment nunca ser um golpe porque esti previsto na Constituicio" é sem sombta de duivida, ignorar com pretensa ingenuidade que um texto constitucional vigente pode set respeitado ou no. AAs normas juridicas sempre afirmam o que “deve ser” nfo o que, de fato, “seri”. Se elas afitmam que um processo de impeachment apenas 12 C ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO “deve ser” realizado dentro de certas condicées, isto pode ocorrer ou nio dentro da tealidade histética que esta por vir. Se ocorret, haverd a legitimacio do afastamento presidencial ¢ da assungio de um novo governo, na medida em que o “dever sex” adequou-se a0 que “é”. Se nto ocorrer, haverd um verdadeito ¢ indiscutivel golpe de estado, uma vez que o que “deve ser”, no mundo dos fatos, nao ocorreu, Nesse caso, as palavtas retéricas de justificagao 4 violéncia travestida de legalidade nio impeditao a ocotréncia de real e substantiva ruptura institucional, com todos os traumas politicos, sociais, inclusive no plano internacional, que dela podem advir. Um golpe dessa natureza, caso prospere, seguramente, jamais seri esquecido ou perdoado pela historia democritica de um povo. Em primeiro lugar, porque a banalizagio da utilizagio de um instrumento excepcional como 0 impeachment trati, inexoravelmente, uma profunda inseguranga democritica € jutidica a qualquer pais que porventura venha a seguir esse temeririo caminho. Que governo legitimamente eleito nio poder set destituido, em dias futuros, se for acometido de uma momentanea crise de impopularidade? Que pretextos infundados nio poderio ser utilizados, sem quaisquer espécies de freios juridicos e democtiticos, para viabilizar um ataque oportunista e mortal a um mandato presidencial legitimamente obtido nas urnas? Que oposigdes parlamentares nio buscario a desestabilizacio politica, independentemente do agtavamento que isso traga 4 economia © as condigdes sociais do povo, na busca de um assalto répido ao poder, fora da legitimagio das urnas? Que seguranga tetio investidores e governos estrangeiros diante de um pais que utiliza Pretextos juridicos e uma falsa retorica para afastar um governante que nio tem, a bem da verdade, contra seu comportamento nenhuma efetiva acusagio geave minimamente demonstrada? Em segundo lugar, ha ainda que se perguntar: em face da auséncia da configuracio constitucional plena, capaz de qualificar a ocorséncia de um verdadeito ctime de responsabilidade praticado por uma Presidenta da Repiiblica, de onde se retitari a legitimidade para que um novo Presidente assuma a Chefia de Estado e de Governo apés um impeachment? Do povo, que nio 0 escolheu dirctamente para esta funcio, por dbvio, nio seta. Da constituicio que nio reconhece o real impedimento do eleito, a nio ser por manipulagdes construidas como pretextos para uma deposicio ilegitima? Também nio sera. 13 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO. Lembrando aqui as jé anteriormente citadas palavras do festejado constitucionalista Portugués JJ. Canotilho, podemos dizer que um verdadeito ¢ legitimo Estado Democritico de Direito (Estado Constitucional) estar assentado em “fundamentos metafisicos” se negar o Principio da “soberania popular”, seja negando-o por afastar sem base Constitucional um presidente democraticamente eleito pelas urnas, seja por empossar um novo Presidente, sem voto € sem ampato na Constituigio, Nao haverd nem legitimidade para a destituigio do governo que sai, ‘nem para a posse do que entra. De um clissico aforismo originado em Sio Jerdnimo (Ep. 69,9) se poder’, de fatos como estes, extrait uma dura licao histérica: “Quale principio talis est clawsula”? Em terceito e tltimo lugat, torna-se oportuno lembrar que nao ha argumentos falsos ou construsdes juridicas fraudulentas que sobrevivam & matcha inexorivel do tempo e As duras paginas da histétia que setio escritas sobre quem eventualmente, pot seus interesses ‘menores, tenha violentado ou tentado violentar a existéncia de um verdadeiro Estado Democritico de Direito, Cedo ou tarde, a historia costuma ser sempre impiedosa com os que engendram eat” violagdes constitucionais na busca personalista de um “Coup d’ E a histéria quem sempre da a sentenca final 1.2.) A LEGITIMACAO DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO PARA ATUAR NA DEFESA DE PRESIDENTA DA REPUBLICA EM PROCESSOS DE “IMPEACHMENT” Dividas no podem existir quanto 4 indiscutivel legitimagio legal da Advocacia- Geral da Unio para, por meio do seu titular, atuar na defesa da Exma. Sra, Presidenta da Repiblica neste presente processo de impeachment. A legislacio brasileira e a otientagio consolidada de anos no exercicio das atividades cotidianas deste importante 6rgio da Unio no deixam a menor diivida a tespeito. Tal principio tal fim’ 14 ‘a UO ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Diz o art. 131 da Constituicio Federal, in vorbis: “Ast. 131. A Advocacit-Geral da Unio € a instituigio que, dirctamente ou através de drgio vinculado, representa a Unio, judicial extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organizagio. ¢ funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento do Poder Executivo” Este dispositive constitucional deixa claro, induvidosamente, que além da em nome da prépria Unio, para todos os Poderes da Repiblica. consultoria e do assessoramento jutidico prestados ao Poder Executivo da Uniio, as atividades de epresentacio juclcial ¢ extrajudicial devem ser prestadas, pela Advocacia-Geral da Unio (AGU), Nessa linha, a Lei Complementar n° 73, de 1993, assim dispée sobre as ‘competéncias da AGU: “Art. 1, — A advocacia-Geral da Unio é a instituicio. que tepresenta a Unio judicial e extrajudicialmente. Parigrafo tinico. A AdvocaciaGeral da Unido cabem as atividades de consultoria e assessoramento jutidicos do Poder Executivo, nos termos dessa Lei Complementar ) Art, 4°, ~ Sio attibuigdes do Advogado-Geral da Unio: T- ditigir a Advocacia-Geral da Unio, superintender e coordenar suas atividades e orientar-lhe a atuagio: ) Do Advogado-Geral da Unio “Att. 36, Si atsibuicdes do Advogado-Geral da Unio, Srgio mais clevado de assessoramento juridico do Poder Executive: G) ‘V-- apresentar as informacdes a serem prestadas pelo Presidente da Repiiblica, relativas a medidas impugnadoras de ato ou omissio presidencial. () 15 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO XXV — avocar quaisquer matétins “juridicas de interesse da Unio, inclusive no que conceme a sua representagio extrajudicial” Nese sentido, é de todo correto afirmar-se que 0 Advogado-Geral da Uniiio, ao representar a Uniiio, representa 0 proprio Estado brasileiro. E. sob essa dtica, naturalmente, também, sera desnecessirio estabelecer qualquer diferenca entre o Estado ¢ 0 governo brasileiro, haja vista que este é um instrumento daquele, motmente no émbito de uma ordem juridica que adota o sistema presidencialista de governo, onde a Chefia de Estado e a Chefia de Governo deferida simultaneamente a um tnico érgio unipessoal do proptio Estado, qual seja, a Presidéncia da Republica. Questo importante que apesar da obviedade do seu equacionamento, a0 menos ad Manual de Representacio Judicial de Agentes Piblicos da Procusadosia-Geral da Unido e Manual de Representacio Estmjudical de Omgios e AgentesPiblicos dh Consolor. Geral" da Unito. Disposivls em buted /agugosbe/page/ content lalta/at-contulo/ 395573, Acesndo em 02 de ai de 2046 23 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO Constituicio da Republica ¢ as nossas leis. E 0 que nos ensina a nossa douttina e o que vem sendo praticado ao longo dos anos por este importante Stgio da advocacia publica brasileira 13) A DELIMITACAO DO OBJETO DO PRESENTE PROCESSO DE IMPEACHMENT Ofertada a dentincia por suposta pritica de crime de responsabilidade contra a Presidenta da Repiblica, o Presidente da Camara, Deputado Eduardo Cunha, no dia 2 de dezembro de 2015, entendeu por recebé-la patcialmente, rejeitando, de plano, a maior parte dos argumentos apresentados pelos cidadios que a subscreveram. Cumpre observar que a rejeicio de demincias desta natuteza por parte do Presidente da Camara encontra total ampato na nossa legislacio, a partir de clara orientagio jurisprudencial estabelecida pelo nosso Supremo Tribunal Federal. Com efeito, nas diversas oportunidades em que foi chamado a se pronunciar e a decidir sobre o processo de impeachment de Presidente da Reptiblica, veio a nossa Suprema Corte a teconhecer explicitamente esta possibilidade. Como acentuado pelo Ministro Carlos Velloso, por ocasiio do julgamento do Mandado de Seguranga n° 23.885-2, citando parecer do entio Procurador-Geral da Repiblica Geraldo Brindeito, ¢ irrefutivel “que o processo por crime de responsabilidade contempla um juizo preambular acerca da admissibilidade da demtincia. Faz-se necessétio reconhecer ao Presidente da Camara dos Deputados 0 poder de rejeitar a dentincia quando, de logo, se evidencie, por exemplo, ser a acusacio abusiva, leviana, inepta, formal ou substancialmente. Afinal, cuida-se de abrir um Processo de imensa gravidade, um processo cuja simples abertura, por si s6, significa uma crise”, E 0 contetido desse dever-poder do Presidente da Camara dos Deputados no proceso de impeachment ficou muito bem delineado no julgamento do Mandado de Seguranga n° 20.941-1 (em anexo), em cuja ementa do acdrdiio se 1é que aquela autotidade parlamentar é conferida competéncia, “no processo de ‘impeachment’, para o exame liminar da idoneidade da 24 ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO dentincia popular, que nio se reduz & verificacio das formalidades extrinsecas ¢ da legitimidade de denunciantes ¢ denunciados, mas se pode estender, segundo os votos vencedores, a tejeicio imediata da acusacio patentemente inepta ou despida de justa causa” E o voto condutor desse decisum, da lavea do Ministro Sepiilveda Pertence, explicita que “cabe ao Presidente da Camara dos Deputados receber ou rejeitar a dentincia”, ¢ que “este recebimento nio é um recebimento burocritico, um ato de protocolo: € recebimento, na extensio que tem ~ e, ai, acolho as premissas da maioria, que entende que isto ¢ uma dentincia - do recebimento de uma dentincia”. No mesmo sentido as palavras do saudoso Ministto Paulo Brossard, segundo o qual, a “semelhanga do Juiz que pode rejeitar uma deniincia, ou uma inicial, o Presidente da Camara também pode. O Presidente da Camara tem uma autoridade que ¢ inerente a sua propria investidura, tem o dever de cumprir a Constituicio, as leis em geral, € © Regimento, em particular que é lei especifica. (..) Ele exerce singular magistratura”, Desse entendimento firmado pelo Supremo ‘Tribunal Federal decorre a possibilidade de o Presidente da Cimata dos Deputados vir a rejeitar, parcialmente, a noticia de crime de responsabilidade apresentada contra 0 Presidente da Republica 4 ‘Camara dos Deputados, tal como pode fazé-lo 0 magistrado em relagio & demincia ou a queixa- crime oferecida petante o Poder Judicifrio. Naquel hipétese, naturalmente, o Presidente desta Casa Parlamentar também cumpre o seu dever-poder de rejeitar, em seu ambito proprio de competéncia, acusagdes que repute ineptas, abusivas, baseadas em ilagées ou em meras suposigées. E, naturalmente, 20 assim proceder, submete juridicamente a Camara dos Deputados apenas o exame daqueles fatos que, a principio, parecem caracterizar crimes de responsabilidade praticados pela Presidenta da Repiblica. ‘Vé-se, pois, que a competéncia ea atuacio do Presidente da Cimara dos Deputados, dentro do juizo de admissibilidade no processo de impeachment da Chefe do Poder Executivo, niio tem o tinico objetivo de impedir o prosseguimento de acusagdes sem 0 minimo de idoneidade € de indicios de autoria ¢ de matetialidade do delito, com a determinacio de arquivamento da peca 21 STF. MS 20941, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, Rel. p/ Acérdio: Min, SEPULVEDA PERTENCE, Tiibunal Pleno, julgado em 09/02/1990, publicado Dy 31/08/1992, 25 acusatéria que se apresenta inepta em sua totalidade. O exercicio daquelas atribuicdes, induvidosamente, também tem a finalidade de fixar e delimitar precisamente os fatos supostamente criminosos descritos na noticia formulada pelo cidadio ¢ que setio objeto de anilise ¢ deliberagao pela Camara dos Deputados. Resta assentado e induvidoso, assim, que 2 decisio inicial de recebimento da demincia do Presidente da Camara dos Deputados, lida na Sessio Plenitia seguinte & publicacto dessa decisio, que delimita definitivamente 0 objeto da acusagdo que seri analisado pela Comissio Especial destinada a emitir parecer sobre a questio. E esta decisio, portanto, que contera, de modo especifico, preciso e definitivo, os fatos sobre os quais 0 Presidente da Republica devera se manifestar, exercendo seu diteito fundamental ao contraditério € & ampla defesa (art. 5, LV, da C.F.). Claro, assim, que estas tegras disciplinadoras do juizo de admissibilidade realizado pelo Presidente da Cimara dos Deputados decorrem, de modo indiscutivel, do préprio entendimento pacifico do Supremo ‘Tribunal Federal sobre a matéria. E do mesmo modo, que tal compreensio, também, impée-se inexoravelmente em razio da necessidade de se garantir 20 Presidente da Reptblica acusado, em respeito ao principio constitucional da ampla defesa, 0 direito de vir a se defender de fatos determinados e nao de imputagdes vagas, incertas e imprecisas, inclusive de metas ilagdes € suposigdes, ou de quaisquer outras situagdes incapazes de gerar uma “justa causa” (ou motivo, como prefeririam os administrativistas) para a legitima promogio de um processo de impeachment, No caso presente, a decisao de recebimento da demiincia (em anexo), profetida pelo Sr, Presidente da Cimara dos Deputados no dia 2 de dezembro de 2015, ¢ lida no Plenitio da Cimara dos Deputados no dia 3 dezembro de 2015, como jé salientado anteriormente, rejeitou parcialmente as acusagdes constantes da noticia de crimes de responsabilidade apresentada & CAmara dos Deputados contra a Presidenta da Repiblica, nos seguintes termos: “10. Nio ha diivida de que todas as acusagdes formuladas pelos CIANTES sio gravissimas, mas, por outro lado, € igualmente certo também que muitas delas esto embasadas praticamente em ilagdes © suposicées, especialmente quando os DENUNCIANTES 26

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