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O carater social do valor ‘The social character of the value CARCANHOLO, Reinaldo. Marx, Ricardo e Smith: sobre a teoria do valortrabalho.Vitéria: EDUFES, 2012, 248p, Por Marina Machado Gouvéa* |. Tudo, tudo o que existia / Era ele quero fazia Ele, um humildle opersrio / tim perio que faba Tercera pros] [.2) Mas ele désconhecia/ Esse fio extraordinario: Que o operstio faz a coisa 1 a coisa faz 0 operario.(Vinicus de Moraes) Esta resenha estaria melhor comegada com Cardenal, Mejfa Godoy ou Roque Dalton. Reinaldo certamente teria gostado. Mas a rese- nhadora ndo encontrou outros versos que expressassem tio bem o sig- nificado social, flos6fico e politico da nao reduco da dialética do valor a uma teoria de determinacao de pregos relativos. O significado do estudo da teoria do valor desde a ética do trabalho e a partir da inexorivel cen- talidade deste no processo de reprodugao social. O significado da com- preensio da producao e distribuigao de mercadorias como relagdes sociais, historicamente estabelecidas. assim chamada “teoria do valor-trabalho” nao é um objeto de estuclo décil, de facil aproximacao. Menos 0 sao seus meandros, seus deba- les, suas controvérsias. Elemento fundamental na Economia Politica dita Classica (elaborada até o século XIX), a concepgdo de que o trabalho seria a fonte da riqueza ~ assumida a partir de distintas vis6es — foi deixada de la- ionamin: Poesors cre ra Unversade Federal da nea atino-Americana (UNILA) deutranda entconami Poli emacional [UFR] epesqusadordo Labora de Estudos Maristas ose Ricardo Tole Itesta-CkConespondéncl Al Rui Ferota, 1688. ar do IquaguPR- CEP 5U67-970.cmainagoures Sproicome Revita da Faculdade de Senvigo Social ds Universidade do Estado do Rod anelro 219 itd Om PUGS do pelas correntes teéricas que se tornaram hegemonicas ao final daquele século, Nao por acaso, em uma época de amadurecimento do capitalismo, que atingia sua fase imperialista. Nao por acaso, apés 0 marcado desen- volvimento da concep¢ao do valor trabalho realizado por Karl Marx, cuja elaboragao teérica abarca consequéncias politicas tais que tomnaram extre- mamente dificil a concilia¢ao entre uma anélise do valor feita sob a dtica do trabalho (que passa necessariamente a se centrar neste como fonte da riqueza social) e a defesa de posicdes politicas abertamente reacionarias.. Em "Marx, Ricardo e Smith: sobre a teoria do valortrabalho”, Reinaldo Carcanholo inverte nao apenas o titulo da famosa obra de Claudio Napoleoni (1978)', mas a ordem da andlise. A partir dos debates sobre a relagao entre riqueza e nalureza do valor, sobre a questio da determinagao da magnitude do valor e sobre sua relacdo ou nao com um sistema de pre- 05, sdo contrapostas teses centrais das concepcdes de Karl Marx, David Ricardo e Adam Smith, reivindicando 0 cardter social do valor ea com- preensao do capitalismo como conjunto de relacdes sociais. Dentro desta perspectiva, apresentada logo no primeito capftulo, Carcanholo atribui a uma leitura ricardiana a identificagao entre 0 conceito de preco de producao proposto por Marx e o conceito de prego relativo de reproducao ou de equilfbrio (na qual aquele aparece como uma espécie de “valor de troca de equilibrio” expresso monelariamente, 0 que inclusive menospreza transferéncias de valor entre fracdes de classe). O autor esta belece, assim, a caracterizacao desafiadora de uma porcao significativa da anilise sobre a teoria do valor tida como marxista no Brasil como sendo de influéncia ricardiana - amplamente definida — e resgata, ao mesmo tempo, o sentido da teoria do valor sob a 6tica da reproducao social eda totalidade, tratando-a como teoria da produgao e da apropriacao da riqueza (0 conceito de trabalho produtivo em Marx é problematizado em profundidade no segundo capitulo). Sob este ponto de vista, defende-se que o tratamento da teoria do valor (ou da dialética do valor, como a denomina em outros tex- tos) se encontra ao longo de todo O Capital e é cerne e contedido de toda a teoria econdmica marxista sobre o capitalismo. “Apart de um profundo mergulho- realizado no terceiro capftulo — sobre as concepgoes de Ricardo acerca de riqueza, valor e precos rela- tivos, 0 autor audaz e provocativamente nomeia a necessidade politica de quantificar a taxa de lucro (construindo uma teoria do valor que se configure imediatamente como uma teoria dos precos) como determinante da origem do fracasso da teoria do valor proposta por Ricardo. Assim, a constataco de que no capitalismo os pregos ndo podem ser diretamente proporcionais 0 trabalho incorporado em cada mercadoria (que tem em Marx sua formu lin ns Sih ida, Mao Cees sul sri cdl perce ecnencn, publica n970 inetrazido ao portugues am 1976 Acivateve numa ed goes eos consitay como bibogafiabisics a ening {3 Economa otiea no rs 220 evista da Faculdede de Servigo Social da Urivesidade do fsa do Rio de lanero igs OM Palka lacdo mais bem elaborada) passa a funcionar como critério de aproximaco e distanciamento entre os autores analisados. Apoiando-se nestes apon- tamentos e fazendo caminho ao andar, nos iltimos trés capitulos do livro,o viés ricardiano das interpretacdes correntes sobre Adam Smith também é destacado, sublinhando a defesa de que uma correta reinterpretagao de suas teses levaria a0 maior reconhecimento do papel de Smith como ante- cessor de Karl Marx, fator que teria sido subestimado inclusive por Marx, na medida em que este — possivelmente também com motivagoes politicas = conferiu maior importancia a critica da obra de Ricardo e teria terminado por atribuir a Smith seus préprios objetivos e perguntas, criticando ~ & exemplo do proprio Ricardo — as teses de Smith a partir de problematicas que nao parliam dos mesmos pressupostos. Na opinido de Carcanholo, a subestimacao do papel de Adam Smith e a superestimacdo do papel de David Ricardo por Marx teriam aberto espaco para o prestigio posterior de interpretagées ricardianas, Prtefpssim, Reinaldo Carcanholo uma vez mais se insere na tradiglo marxista da critica tendo como ortodoxia o método, dentro da acepcao adotada por autores gigantescos como Rosa Luxemburgo [1903] (2011) Ao se aventurar a tratar originalmente de maneira especialmente provo- cativa temas polémicos ¢ interpretagées consolidadas, 0 autor foge de uma ortodoxia formal e esvaziada, langando mao da mesma coragem, criali- vidade e maturidade te6rica que ja haviam sido demonstradas, por exemplo, na proposi¢ao da categoria “lucros ficticios” como elemento fundamental para a compreensao do papel do capital ficticio, especulativo e parasitario, na reprodugao social do capitalismo contemporaneo - Cf. Carcanholo & Nakatani (1999) e Carcanholo e Sabadini (2009). Por outro lado, ao criticar interpretagdes reducionistas do significado da teoria do valor em Marx € apontar uma interpretacdo ricardiana como responsdvel pela origem de parte expressiva destas, 0 autor contesta justamente “a falta de rigor con- Ceitual e metodolégico e um pretenso enriquecimento do marxismo, que 6, na realidade, sua negacao” (MARINI, 2005). O excelente texto de Reinaldo Carcanholo se opée, portanto, tanto ao dogmatismo quanto ao ecletismo —definidos por Ruy Mauro Marini, orientador do doutoramento do autor na UNAM, como os dois principais erros nos quais tém incorrido os marxistas latino-americanos -, aliando 0 mais enearnicado igor metodoldgico & ousadia e recolocando a cen. tralidade de questées essenciais para a luta politica: Onde e por quem é produzida a mais-valia?; Como e por quem se da a apropriacao desta; Quem forma a classe trabalhadora e como definir o sujeito histérico? As perguntas suscitadas pela leitura refletem 0 posicionamento critico do autor ~ sempre claro e delimitado em sua obra, independente do alto grau de abstracao da andlise. Tal posicionamento, como aponta a pré- pria dedicatoria do livro, & certamente fruto de sua rica trajetoria politica, tendo colaborado durante toda a vida com organizacées populares ¢ revo- Revita da Facldade de Senco Social da Unvesdade do ftedo do Rio de Janelro 221 itd Om PUGS lucionérias de distintos cortes e matizes, em varios paises. De fato, Reinaldo Carcanholo decidiu se dedicar profundamente ao estudo da Economia Poli tica a partir de seu primeiro exilio, no Chile forcoso devido a sua militancia no Brasil no periodo que sucedeu o golpe civil-militar de 1964. Reunindo ensaios ¢ artigos escritos ao longo de vinte anos, 0 livro de que ora tratamos materializa um velho sonho do autor e sintetiza um esforco tedrico de mais de quarenta anos. Reflete excepcional poder de andlise, ao ser capaz de esmiucar com perspicadcia controvérsias centrais acerca do valor trabalho de maneira relativamente didatica e sem abrir mao da exposig’o de uma particular e decidida interpretacao. Nesse sentido, seu escopo vai além da temética imediatamente identificdvel, inserindo-se, por exemplo, por sua forma, na hist6rica pro blematica da formulagao didética de materiais de critica materialista dia- \ética da economia politica que nao incorram em reducionismos fun- damentais. Também adentra, por seu contetido, 0 rol das obras que per passam teméticas de relevancia politica ineludivel, como a caracterizagao da teproducao social ampliada de capital em sua aparéncia e em sua esséncia, ou a caracterizacao concreta do padrao de reprodugao do capital em um dado local e em uma dada época—a qual nos vemos inevitavelmente convidados pela concepcao da teoria do valor como teoria da natureza da riqueza social na época capilalista. A atualidade do debate acerca da teoria do valor ultrapassa inclusive a caracterizagao do capitalismo em si, tendo se relacionado historicamente as famosas disjuntivas “socialismo ou mer- cado” e “emulacdo material versus consciéncia de classe”, vinculando-se, através delas, as experiéncias concretas de construgao socialista, © resgate do significado do trabalho humano no processo de producdo da riqueza social e a forma que este assume na época capitalista podem ser definitivamente apontados como fio condutor central do livro. Fis algumas de suas sagazes tematicas: a) a ja referida identificacao de not rias interpretagdes sobre os trés autores tratados no livro (inclusive inter pretacdes amplamente difundidas como sendo de corte marxista e, em especial, aquelas relacionadas a obra de Piero Sraffa) a um arcabouco ricar- diano; b) uma particular interpretacdo sobre a critica do proprio Marx as obras de Adam Smith e de David Ricardo, de acordo com a qual Marx teria dado demasiada importancia a este tiltimo, contribuindo, ele proprio, para © atual predominio de interpretacdes ricardianas e para a construgdo do prestigio com que conta esta postura teérica; c) a defesa - a exemplo de autores como Roman Rosdolsky ¢ Isaac Rubin — de uma interpretacao decididamente marxista que restabeleca a grandeza do valor como mag- nitude da riqueza social produzida e a nao redugao da teoria do valor em Marx a uma teoria dos precos relativos, recolocando, a partir de uma pers- pectiva ndo-ricardiana, a centralidade do trabalho como origem da riqueza social; d) a questao da definicao de trabalho produtivo — que decorre inexo- ravelmente de tal perspectiva e assume importancia ainda maior no atual 222 evista da Faculdede de Servigo Social da Urivesidade do fsa do Rio de lanero igs OM Palka momento do desenvolvimento do capitalismo mundial -, atravessando con tendas como o papel (indispensavel) dos trabalhadores assalariados nao diretamente vinculados & produg3o de mais-valia e a constitui¢0 do sujeito histérico, como a producao ou ndo de valor no setor de servigos, como gastos de circulacao produtivos ¢ nao produtivos, ou como as diferengas entre producao de mais-valia e exploracao; e) a reinterpretagao da obra de ‘Adam Smith a partir de uma visdo considerada como nao-ricardiana, com © intuito de reconstruir o Amago do debate sobre a teoria do valor-rabalho e seu significado politico, hist6rico e social; a problematizacao da relacao entre concep¢ao tebrica, disputa politica e ideologia, bem como a proble- matizacao da relagao entre ideologia e ciéncia, “Marx, Ricardo e Smith: sobre a teoria do valor-trabalho” resgala, portanto, o melhor do debate critico e do processo materialista dialético de critica no ambito da Economia Politica. Hoje, quando enfrentamos a disjuntiva histérica precipitada pela mais profunda crise do capitalismo vivenciada desde a Grande Depressdo de 1929, a importancia dos questiona- ments suscitados pelo livro de Reinaldo Carcanholo é maior que nunca. Somado ao excelente trabalho de edicdo e diagramagdo, bem como a elegante disposicao lateral das notas de rodapé — que nao devem ser postas de lado -, trata-se de uma obra destinada a tornar-se fonte bibliogratica indispensdvel nos cursos de Economia Politica e que deve certamente ser conhecida por todos aqueles que visem a compreender o capitalismo - em particular 0 capitalismo contemporaneo —, especialmente aqueles que querem compreendé-o para transforma-lo. Revita da Facldade de Senco Social da Unvesdade do ftedo do Rio de Janelro 223

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