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INTRODUGAO ‘A que se devem os mal-entendidos que cercam a ar- te dos anos 1990, sendo a uma falha do discurso tesrico? Criticos e filésofos, em sua imensa maioria, nao gostam de abordar as praticas contemporaneas: assim, elas se man- tém essencialmente ilegiveis, pois nao é possivel perceber sua originalidade e sua importancia analisando-as a par- tir de problemas resolvidos ou deixados em suspenso pelas geragies anteriores. £ preciso aceitar o doloroso fato de que certas questées nao sio mais pertinentes ~e, por extensio, demarcar quais delas so assim consideradas atualmente pelos artistas: quais sio os verdadeiros interesses da arte ‘contemporanea, suas relagdes com a sociedade, a historia, a cultura? A primeira tarefa do critico consiste em recons- tituir 0 complexo jogo dos problemas levantados numa de- terminada época e em examinar as diversas respostas que Ihes séo dadas. Muitas vezes, a critica conten‘a-se em in- ventariar as preocupagdes do passado apenas para poder 10 NICOLAS BOURRIAUD Jlamentar a auséncia de respostas. Ora, a primeira pergunta em relagao as novas abordagens refere-se, evidentemente, a forma material das obras. Como entender essas produ- ses aparentemente inapreensivels, quer sejam processuais ‘ou comportamentais ~ em todo caso, “estilhacadas” se- gundo os padrées tradicionais -, sem se abrigar na hist6ria da arte dos anos 1960? Citemos alguns exemplos dessas atividades: Rirkrit Tiravanija organiza um jantar na casa de um colecionador € deixa-Ihe o material necessério para 0 preparo de uma sopa tailandesa. Philippe Parreno convida pessoas para Praticar seus hobbies favoritos no Primeiro de Maio, nu- ma linha de montagem industrial. Vanessa Beecroft ves. te cerca de vinte mulheres, que o visitante s6 enxerga pelo vio da entrada, com roupas iguais e perucas ruivas, Mauri- zio Cattelan alimenta ratos com queijo Bel Paese e os ven- de como miiltiplos, ou expde cofres recém-arrombados. Numa praca de Copenhague, Jes Brinch e Henrik Plenge Jacobsen instalam um 6nibus capotado que, por emula- fo, provoca um tumulto na cidade. Christine Fill empre- fa-se como caixa de supermercado e mantém uma sala de gindstica semanal numa galeria. Carsten Holler recria a formula quimica das moléculas secretadas pelo eérebro humano em estado amoroso, monta um veleiro de plas tico inflével ou cria tentilhdes para lhes ensinar um novo canto. Noritoshi Hirakawa publica um pequeno classifica do num jornal, a procura de uma jovem que aceite partici- ESTETICA RELACIONAL uu par de sua exposicao. Pierre Huyghe chama pessoas para ‘a montagem de um elenco, coloca uma televisdo a dispo- sigo do piblico, expde a foto de operdrios trabalhando a alguns metros do canteiro de obras... Muitos outres no- mes e trabalhos se somam & lista: em todos esses casos, a partida mais animadamente disputada no tabuleiro da arte se desenvolve em fungio de nog6es interativas, conviviais, e relacionais. Hoje, a comunicagéo encerra os contatos humanos dentro de espacos de controle que decompdem o vinculo social em elementos distintos. A atividade artistica, por sua ver, tenta efetuar ligagdes modestas, abrir algumas passa gens obstruidas, por em contato niveis de realidade apar- tados. As famosas “auto-estradas de comunicagéo”, com seus pedagios e espagos de lazer, ameagam se impor como 08 tinicos trajetos possiveis de um lugar a outro no riundo humano. Se por um lado a auto-estrada realmente permi- te uma viagem mais répida e eficiente, por outro ela tem 0 defeito de transformar seus usudrios em consumidores de quilémetros e seus derivados. Perante as midias eletréni- cas, 0s parques recreativos, os espacos de convivio, a pro- liferagio dos moldes adequados de socialidade, vemo-nos pobres e sem recursos, como 0 rato de laboratério conde. nado a um percurso invariével em sua gaiola, com peda- 0s de queijo espalhados aqui e ali. Assim, 0 sujeito ideal da sociedade dos figurantes estaria reduzido a condigdo de consumidor de tempo e de espago, pois o que nao pode ser n NICOLAS BOURRIAUD comercializado esté fadado a desaparecer. Em breve, as re- lagdes humanas ndo conseguirdo se manter fora desses es Pagos mercantis: somos intimados a conversar em volta de uma bebida e seus respectivos impostos, forma simbéli ca do convivio contempordneo. Vocés querem bem-estar e aconchego a dois? Entéo provem nosso café... Assim, o es ago das relagdes habituais é 0 que se encontra mais dura~ mente atingido pela reificacao geral. Se quiser escapar a0 dominio do previsivel, a relagéo humana - simbolizada ou substituica por mercadorias, sinalizada por logomarcas - precisa assumir formas extremas ou clandestinas, uma vez que 6 vinculo social se tornou um produto padronizado, Num mundo regulado pela divisao do trabalho e pela superespecializagio, pela mecanizagéo humana e pela lei do lucro, aos governos importa tanto que as relagdes hu- manas sejam canalizadas para vias de saida projetadas pa- 1a essa finalidade quanto que elas se processem segundo alguns principios simples, controlaveis e repetiveis. A “se- Paragio” suprema, a que afeta os canais relacionais, cons- titui a ditima etapa da transformagéo rumo a “sociedade do espetéculo” descrita por Guy Debord. Sociedade em que as relages humanas nao séo mais “diretamente vivi- das", mas se afastam em sua representacao “espetacular” E aqui que se situa a problematica mais candente da arte atual: Serd ainda possivel gerar relagdes no mundo, num campo pratico — a historia da arte ~ tradicionalmente des- tinado a “representagio” delas? Ao contratio do que pen- sava Debord, para quem 0 mundo da arte nao passava de ESTETICA RELACIONAL 2B ‘um depésito de exemplos do que seria preciso “realizar” concretamente na vida cotidiana, hoje a pratica artistica aparece como um campo fétil de experimentagies soca ‘como um espago parcialmente poupado a uniformizaao dos comportamentos. As obras que sero aqui tratadas es- bogam varias utopias de proximidade. (Os textos a seguir foram publicados em revistas, prin- cipalmente Documents sur VArt, ou em catlogos de expo- sigBes', e passaram por alteragdes e reelaboragdes. Outros sio inéditos, Além disso, ao final desta coletanea de en- saios hé um glossério que o leitor pode consultar quando aparecer alguma noréo problemética. Para facilitar a com- pteensdo da obra, sugerimos que ele consulte desde ja a definigo da palavra “Arte”. 17s partes eng Gate pends pea ist Chimdres 192) Relation gran publicado no catlogo da bina de a qecontempordnea de yon 0955). AFORMA REL ACIONAL atividadeartistica constite® nao urna esséneia irmuté vel, mas tu jogo cujas fOr rodalidades e fungoes 6% quem conforme as €Pocas © OS contextos socais. Atarela do cerftico coneiste em estudé-la no presente. U im certo aspe to do programa da modernidade js ets ttsleene encer- vedo (amas nfo 0 espirito (UE animava ~insistarmos NESE ‘nto em nssos FeMPOS pequeno-burgueses): Bose esgo- erento esvaziou 0 contesio idos critérios de julgamento cestético que nos foramn Tegedos, mas continuarnn® & apli- eos ao praticas ariscaa Sha (0 novo nao é mais um cxitério, a ndio ser enize O° detratores ultrapassados 32 2° te moderna que retém do detestado presente apenas 200 Jo que sua cultura tradicionalista Ihes ensinou ® abominat ra arte do passado- Para cTias ferramentas mais eficazes ¢ pontos de vista mais adequados, € importante apreendet Me eransformagoes atualments &) curso no campo social, captar 0 que ft mudou © 9 que continua a muder Como 16 NICOLAS BOURRIAUD entender os comportamentos artisticos manifestados nas exposigées dos anos 1990, e seus respectivos modos de pensar, a ndo ser partindo da mesma situagio dos artistas? As praticas artisticas contemporaneas € seu projeto cultural A modernidade politica, nascida com a filosofia das Luzes, baseava-se na vontade de emancipacao dos indivi- duos dos povos: 0 progresso das técnicas e das liberda- des, o recuo da ignordncia e a melhoria nas condigées de trabalho deveriam liberar a humanidade e permitir a ins tauragao de uma sociedade melhor. Existem, porém, varias versdes da modernidade. Assim, o século xx foi paleo de uma luta entre trés visdes de mundo: uma concepgio ra- cionalista-modernista derivada do século xvi, uma filoso: fia da espontaneidade e da liberagao através do irracional @adaismo, surrealismo, situacionismo) € amas se opondo as forgas autoriérias ou utiltaristas que pretendiam mol- dar as relagdes humanas e submeter os individuos. Em vez de Ievar & desejada emancipagao, o progresso das técnicas | eda “azo” permite, através de uma racionalizagao geral do processo de produgao, a exploragio do hemisfério sul, a substituigao cega do trabalho humano pelas maquinas, além do recurso a técnicas de sujeigio cada vez mais sofis- ticadas. Assim/o projeto.emancipador modero foi substi- tudo por intimeras formas de melancolia.)<* ‘As vanguardas do século xx, do dadaismo a interna cional situacionista, inscreviam-se na linhagem desse pro- [BSTETICA RELACIONAL 17 jeto moderno (transformar a cultura, as mentalidades, as ccondigdes de vida individual e social), mas nao esquegamos ‘que ele era anterior as vanguardas e delas se distinguia sob muitos aspectos. Pois a modernidade nao se reduz a uma teleologia racionalista nem a um messianismo politico. Hé de se denegrir a vontade de melhorar as condiqdes de vida € de trabalho s6 porque malograram suas tentativas con- cretas de realizacio, repletas de ideologias totalitérias ou de visdes histéricas ingénuas? O que se chamava vanguar- da certamente foi desenvolvido a partir do “banho" ideols ‘gico oferecido pelo racionalismo moderno, mas, posto isso, 0 total- ‘seus pressupostos filoséficos, culturais e sociais s mente diversos. f claro que a arte de hoje prossegue nessa uta, propondo modelos perceptivos, experimentais, criti- cos e participativos, seguindo o rumo indicado pelos filé- sofos das Luzes, por Proudhon, Marx, pelos dadaistas ou por Mondrian. Se a opiniao piiblica tem dificuldade em re- conhecer a legitimidade ou o interesse dessas experiéncias, 6 porque elas nao se apresentam mais como prentincios de ‘uma inexordvel evolucao histérica: pelo contrério, elas se mostram fragmentarias, isoladas, sem uma visio global do ‘mundo que possa Thes conferir o peso.de uma ideologia. Nao foi a modernidade que morreu, e sim sua versio idealista e teleol6gica. ‘O combate da modernidade ocorre nos mesmos ter- mos do passado, exceto pelo fato de que a vanguarda dei- you de ir & frente como batedora, e a tropa imobilizou-se, temerosa, num bivaque de certezas. A arte devia preparar 8 NICOLAS BOURRIAUD ‘ow anunciar um mundo futuro: hoje ela apresenta modelos de universos possiveis, ‘Os artistas que inscrevem sua prética na esteira da tmodernidade hist6rica nao pretendem repetir suas formas nem seus postulados, tampouco atribuir & arte as mesmas fungbes queclaatribuia. Suatarefa ésemelhantedque)ean s-moderna,. @ Frangois Lyotard conferia arquitetura-p qual “se vé condenada a gerar uma série de pequenas m0" difcagSes num espago herdado da modernidade ea aban- donar uma reconstrucio global. do. espaco habitado pela humanidade”, Aliés, Lyotard parece indiretamente |2- mentar esse estado de coisas: ele define a situagdo de ma neira negativa, usando o termo “condenaada”, Ese, pelo Tontrrio, essa “condenacio” constituisse a oportunidade Fist6rica a partir da qual, nos itimos dex anos, vern Sur gindo a maioria dos mundos artistcos. que conhecemos? ssa “oportunidade” cabe em poucas palavras: aprender @ habitar melhor 0 mundo, em vez de tentar construt-lv a Par fir de uma idéia preconcebida da evolucao histérica. Em sutros termos, as obras jé no perseguem a meta de for- mar realidades imagindrias ou uut6picas, mas procuram

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