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€\ Guilherme Boulos i Por que ocupamos? Uma introdugaéo a luta dos sem-teto Aro10 Natalia Szermeta Jost Afonso da Silva Rewsto Eni Lin Arr DE Cava Chrysantbo Figuireds Covra10 como Avron WilrmenteQemaiion Aon onetime semntconn ia Copyright© Guilherme Castro Boulos 6075/1 — 1000 ~ 72 = 2012 © comeilo desta obra € de responsabilidad o(s) Autor(es), Propricttigs) do Dieeto Astoc Dados Internacionais de Catalogagio na Publicasto (CIP) (CAmara Brasiteien do Livto, SP, Boulos, Guilherme Beast) Por que ocupamos? : Uma introxtugio 4 luta dos sem-teto / Guilherme Boulos. Seortecci, 2012. ISBN 978.85.366.26: io Paulo 1. Direito de habitacio 2. Moradia 3. Movimento dos Sem-Teto 4. Movimentos sociais - Brasil 5. Politica habitacional - Brasil 6, Problemas sociais 7, Trabalhadores - Brasil. Titulo, |. Brasil: Trabalhadotes sem-teto : Movimentos Socitis: Sociologia 305,5620081 Scortecci Editora Caixa Postal 11481 -Sio Paulo -SP -C pro Eprroriat Scorrecct P05422-970 “Telefax: (11) 3032-1179 e (11) 3052-6501 wuwscorteccicombe editors@scomecci.com.bt Livraria ¢ Loja Virtual Asabega \wursaasabeca.com.be Dedicatoria Este liveo é dedicado aos companheiros de lita do MTST eda Resisténcia Urbana, que tém lutado contra a corrente nesses tempos dificeis, Em especial, ’ Meméria do companheiro Silvétio de Jesus, que ensinou o que nenhum livro poderia ensinar: simplicidade popular © conduta revolucionatia, Por que ocupamos? Prefiicio HA duas boas razdes para se ler este pequeno livie, A pri meita é porque trata de um assunto da maior importineia € esti muito bem escrito, Fundamentado em dados suscetivels de fell verificacio por quem assim deseje, o livro mostm 4 profund injustica que esti sendo cometida com milhoes dle familias de trabalhadores, Gente que trabalha duro a vida inteit © que ne consegue adquirir uma casa para morar. Além de denunciat exit aberracio, o livto expe, com grande clareza, as causay do pra blema. © conhecimento dessa realidade é essencial pant quem deseja compartilhar da luta da classe trabalhadora conta a dlownil: nagio burguesa A segunda boa razio para se lee Por gue ocupumos? & que Wek autor vive a luta dos sem teto pessoalmente. Sei disso por expe rigncia prépria. Dadas a minha posicio politica e as conextos que tenho com as autoridades da Repablica sou a primeita pes soa que Guilherme Boulos procura para intermediar negociacoes entre os ocupantes e as autoridades encarregadas de exceutar 0 mandados de despejo. Os resultados dessas negociacdes nem sempre sio intteis, como o recente caso do Pinheirinho, Muitis vezes, consegue-se que 0 Estado dé um tempo para que os sein teto demonstrem a justica da ocupacio. Nesses casos, sem fill um, os trabalhadores comprovam a constitucionalidade de pun pretensdes. Infelizmente, uma Justica de classe tei er ht formalidade da lei ordinavia para frustrar os objetivos da Coit tuicao Federal. Guilherme Boulos, professor consciente dow deveres ath cos de quem recebe o beneficio da educagio superior, milf em um movimento social tio importante quanto 0 MST) 0 que ese realiza no campo, o MTST realiza na cidade, Nesse mister, Boulos tem sofrido violéncias fisicas ¢ processos judlieials, COMO ABO, Por que ocupamos? z tna desocupacao do Pinheitinho, Isto adiciona paixao e autentici- dade as suas palavras. Certamente, apés a Ieitura desse grande pequeno livro, voce teri vontade de unir-se a ele ¢ aos trabalhadores nessa luta. E, creia, sera muito bem vindo. Plinio de Arruda Sampaie Sao Paulo, 28 de ferereio de 2012 Guilherme Boulos Sumario Introdugio Capitulo 1 problema da moradia no Brasil, Capitulo 2 Que cidade € essa? win ad Capitulo 3 As ocupagdes urbanas Capitulo 4 Quem sio os sem-teto?. 50 Capitulo 5 Organizacio coletva ¢ poder popula .. 59 Anexo Pinhcirinho ~ O estado a servico da especulagio 6 Indicagdes para aprofundar a reflexio ” Introdugdo Ocupar terras vazias, na cidade ou no campo, 1 atividade bem vista por muita gente. Alguns eritieam por serem proprietitios e temerem que suas proprias tertas sejam acupadas ‘Outros ~ a maior parte — criticam por serem levados a pensar assim pelo discurso dominante: “Invadir 0 que & dos outtoyl”, O dono trabalhou muito pra chegar a ter essa tertal O wenn toto tem que trabalhar também pra ter a dele!”, “Sio vagabundoj!” @ por ai vai, ‘Mas ser mesmo assim? Sera que os grandes proprietitiog de terra trabalharam para conseguir seu patriménio? Ou ainda, Heth que 0 sem-teto, mesmo trabalhando a vida toda, consegue sn moradia com que ganha de salirio? Afinal, quem sito esses sein teto, que ocupam terras e param ruas com suas manifestagiies? ‘A proposta deste pequeno livro é responder a essas ques tes ¢, assim, entender um pouco melhor o que leva milhares de familias trabalhadoras a se levantar e Iutar por um pedago de chao. Logo no Brasil, onde chio é 0 que nio fala, Para ajudar a responder a essas questdes, utiliza dados, grificos e anilises sobre a formacio das cidades blema da moradia no Brasil. Os textos utilizado: 0 final, como sugestio de leitura a quem quiser aprofuncar-se no tema. Mas 0 maior material que alimenta esta an ticipacio na luta dos sem-teto, em especial com os compat 108 do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTS) © dn uma nosvitios » indicados Resisténcia Urbana — Prente Nacional de Movimentos, aos qual dedico este texto. Porque ocupamos? uw capitulo 1 O problema da moradia no Brasil Flagrnte da stwasio preciria de moradlia, em Osasc (SP), © Brasil tem tantos problemas sociais que As venen NG conseguimos ter a dimensio da gravidade de cada wim deli: falta de moradia é um dos problemas mais sérios do pals, © Iti sil esti entre os paises com maior déficit habitacional de tnMniley a0 lado de outros como india e Africa do Sul, Déficit habitacional é 0 nome que se ct pant a quantidade: de casas que faltam para atender todos aqueles que reels HO pais. E yo (ntimero de familias que niio tem casa) ¢ 0 qualitative (aime 10 de familias que moram em situacio extremament® inadeqnua da), Estes dois dados juntos formam o quia do problema stem dois modos de definicio deste «léfieit o quantitatl habitacional brasileiro. Por que ocupamos? B O iiktimo estudo feito pela Fun 2008), que é utilizado off © déficit habitacional qua ‘io Jodo Pinheiro (2007/ mente pelo Governo, mostra que ‘tativo no Brasil é de 6.273.000 fa- milias, 0 que representa cerca de 22 milhdes de pessoas que niio tem casa, Os sem-teto slo, portanto, mais de 10% da po- pulagio do pais, Como vive toda F precis ssa gente? ar de lado a vis , primeiramente, de 10 equivoca- la de que sem-teto sio somente aqjueles que moram na rua, em situagio de extrema miséria e mendieiineia. Esse grupo é aquele que chegou ao limite da degridagio eausada pela falta de mora dia, pelo desemprego ¢ outros males do sistema capitalista. 2 maioria dos sem. », nllo esta em situagio de rua ¢ teabalha, ainda que muitas vezes na informalidade e sem direitos assegurados. O mesmo estudo que citimos mostra que, destas 22 mi Indes de pessoas,cerca de 39% vivem em situagio de coabitacio pram de favor na easa de parentes, onde ocu pam algum pequeno eémodo, Outros 32% tém um vo com aluguel, 0 suum le consumir 0 basico para so ve 1 aluguel representa na senda familiar que vive em casas brevivéncia pelo peso. tH outros em eortig ainda uma pi solutamente precarias ¢ stay silo ax condigdes de vida em que se mos sem-teto no Brasil no dissemos, © problema se completa com o chamade deficit habitacional qualitativo, que refere-se a inadequacio das condigdes basicas para una vida dina, Este nimero € maior que © anterior: sio quase 15,307.46 familias nesta situagao, isto cerca de 53 milhdes de pessoas, Ou seja, quase 1/3 dos brasilei- 05 sofrem com a falta das eondigdes minimas de moradia digna. Que condigdes siio esvas? O maior destes problemas, que afeta quase 10,5 milhdes de familias (sempre segundo ox dados oficiais) é a falta de infraestrurura e servicos basicos a uma moradia: luz létrica, gua encanada, esgoto ¢ coleta de lixo, Para que se tenha uma idéia da 4 Guilherme Boulos uividlade do problema, mais da metade (54%) das familias da fogiio norte do pais vivem na earéncia permanente de pelo me- How um destes servigos basicos. mesmo nas partes mais rie: lo pais o problema é alarmante. A regiio metzopolitana do Rio ide Janciro tem mais de 800,000 familias nesta condicao. Outro problema grave relacionado & inadequaglio de mo- fudias € 0 adensamento excessivo de pessoas numa tinica resi- déncia. Cerea de 1,5 milhao de casas abrigam mais de 3 pessoas por cdmodo, em geral comodos pequenos. E uma de cada tré's lessas casas super-povoadasencontra-se na cidade mais rica do [pais, Sto Paulo, A este problema ainda se soma, no pais, quase | fnillido de moradias que simplesmente nao tém banheiro. Mas vamos parar ¢ pensar: Quais os brasileiros que fe parte destes nimeros assustadores? Ser que no ha coleta de lixo e gua en s condo, ninios de luxo da Barra da Tijuea, no Rio? Seri que falta hanlel yo em alguma mansio do bairro do Morumbi, em Sho Paulo? fh elaro que nao. Os beasileiros que sofrem com o problema dk soja pela falta, seja pela in: a rervicos bisicos — sao os trabalhadlores mais pobies em especial faqueles que vivem nas periferias urbanay, On diskos moan) 90% das familias que nao tém easa no Trail viver Com Fendt menor que 3 salétios minimos por més No caso dos servicos bisicos, « desigualiade ¢ inerivel © Fstado deveria garantir a todos as mesnay eondighes, lnlepen dentemente de onde moram as peswoas ou de qunnte yualinin, No ¢ isso que eles dizem? Mas a realidade ¢ bem diferente, Veja a tabela a baixo. alia easny oun auninnel de Por que ocupamos? 15 Na regio nordeste, 82% dix fitmilias que ganham menos que2 alirios minimos sofrem com a caréncia de servicos, mas r 10 das que ganham mais que 10 salitios, 0 nimero desce ra 2%! FE quem acha que isso 6 Ocorre no nordeste esti enga » metropolitan de Sto Paulo, a mais rica do pais, as coisas nilo sito 1 (67% das familias com menos ws situagiio; no caso das familias com 4). © 0 problema da moradia reflete ura profunda, Qu tem nome ¢ endete¢d slo os trabalhadores mais pobres, que mo- ‘ram nas periferias das eldades, ipsa ldgiea da desigualdade se mos- tra nua © crua quando vemos o nlimero de iméveis vazios no px ito dite de 2 salatios softer €o mais de 10 Vernos com 880 4 desigualdade soc m sofre com essas condicdes Muito para poucos, Pouco para muitos. Ao conitrio do que parece, nao faltam casas no Brasil, Ha mais casas do que familias para morar nelas, Mas, como vimos, existem milhdes de pessoas sem-teto, Estranho isso, no & 16 Guilherme Boulos Vamos relembrar: so 6.273.000 de familias que nao tet fas no pais, Problema muito grave, principalmente quando mesma pesquisa nos mostra que existem 7.351.000 de iméveis varios, sendo que 85% deles teriam condigdes de serem imedia famente ocupados por moradores. Ou seja, Yi mais casas sem pence do que gente sem casa m tese, nenhum imével precisaria ser construido para resolver © problema Apenas em tese, porque a maior parte dessas ca abitacional do Brasil, vazias = sem falar nos tertenos ociosos, onde nio ha edificagio — esta us mios de um pequeno grupo de grandes capitalis Inham muito deixando as coisas do jeito que esto, Vere les atuam e a forga politica que tém no capitulo sey 1 importante lembrar que esses milhdes de iméveis vario filo incluem a chacara ou o apartamento da praia, que Agu que pa familias de renda média conseguisam adquirir por mei de seu tabalho. Sto apenas os iméveis permanentemente desoeupadoy fem sua grande maioria us A contradicao é gritante. F, se pensatn Jos para especulagiio imobiliiti, os bem, vennay que ela nfo ocorre s6 em relagio ao problema da monudin, O Hail & tum dos maiores produtores de alimento do nwindo 6, 10 NAN, mithdes passam fome, Poderiamos pens Hxemplos de uma lig ‘0 dircito dos trabalhadores. Em nome do diseito & propedal de alguns poucos, se nega o direito A a milli, it ony exemple a em que o direitos dos tices yp Hl win Moradia: Direito ou Mercadoria? ‘Todo cidadio tem o dircito 4 momdia dignn Hl pelo menos © que diz 0 artigo 6° da Constituigio Federal do Bias Direito significa algo que deveria ser yaraniidlo de inaneltit iiria a todos, sem distingio. A responsabilidad de yarantir os & do Estado, que, para isso, cobra impostoy « realiza cria realizat) investimentos, igu 0 direi (ou de Por que ocupamos? 7 Se a moi la deveria ser g Jigna fosse tratada de fato como um direito antida a todos pelo Estado, sem distingao de renda ou regio. Ora, i » atuita” ynificaria garantic moradia “s = ou melhor, subsidiada ~ aos que mais precisam. Ke nilo é bem isso o que ocosre. A falta de moradia e a precariedade dos servigos basicos afeta apenas o: trabalhadores, em especial 0% mais pobres. A distingdo entre di Vemos, porém, ( rcito para o rico e dito para opobre é evidente Bntender a monidia como diteto significa pensa-la a parts da necessidade € do 1 Ao contritio, a légica capitalista domi —a partir do Para o capital, pouco importa se hi gente preeisandle sle moradia, imporea se ha quem ance trata a mioradia = @ todos os “direit socia valor medio em dinheito, © valor de toc possa payar por ela et donos de terra loria, independente das Ww fouse assim, seria inexpli tantas casas vazias ao lade de tant gente sem-teto, A me necessidades socials. Se vel have: ada Gdigna), além disso, & dos t uum item de luxo. O mercado habit nw mereadoria muito cara para a maioria Ihadores | leit Durante muito tempo, foi quase val b camente por ser profundamente ¢litizado, Voltou-se para aten- det a chamada classe médlia « 1 teas das grandes cidades. Exsses segmentos sociais sempre eneontrmam eréditos bancérios e em preendimentos mais ou menos compativeis com seus bolsos trabalhadores restava o eterno alypuel e, principalme: loteamentos ¢ ocupacdes nay petiferias urbanas. Esta mereantilizacin do diteito realiza os lucros de impor- tantes grupos econdmicos, No «iso dt moradia, se o Estado cum- ofl as grandes construtoras prot ileino se caracterizou histori Aos se seu dever de parantila a todos, os especuladores de terra e un, Ona, o mesmo se p outros direitos: Se o Fistado jy io publica de qua- lidade a todos, as escola ¢ fculdasdes privadas deixariam de existis 18 Guitberme Boulos ‘A mesma coisa ocorreria aos plinos de saiide se 0 servigo pili ‘60 de satide fosse como deveria ser. E naioria, mas favorece a classe mais tica. E. 0 Estado, que deveria im, ttansformar o direito em mercadoria prejudicn a Janantir os direitos, o que faz em relagio a isso? Vamos ver. O BNI: Primeiro Programa Habitacional do Brasil Os programas habitacionais desenvolvidos pelo Estado brasileiro nao representaram jamais um contraponto a l6gica de elimi fo carater excludente ¢ metcantil desta légica. Nar programas habitacionais relevantes ao longo de toda sun histo tia; 0 BNH (Banco Nacional de Habitagio), durante a ditadurt mil Jo Minha Casa, Minha Vida, a partic lo gover ino Lula, Vejamos bre O BNH pretendia ser, no inicio, uma forma de dar I to golpe de 1964 A jn seria transformant © Htylie 10 da moral -omo dircito. Ao contsirio: aprofundaram lidade, o Estado brasileiro desenvolveu apenas de eo tao fal mente 0 significado destes proyeMnins dade a0 governo dos mulitares, dep ta, expressa inclusive em documente Ihador em proprietétio (de wn in vel) ¢, wsnim, janie slenpatia joe ancipopallar shay sniitanes vay do DINE vetadis woe ei vn Tes de fe ‘eattondonon soarial de 1 valor dos mais pobres 20 governo repte ‘Mas neem isso fez. As inic pobres — seja no caso dos projetos de destavel fnciro ou no €aso das Cohabs ~ re Isso ocorreu por conta «a BNH. Nao havia praticamente nada de subsllin, tie completo do imovel tinha que ser pago pelo mutuiiio de prog ma. Além disso, as prestacdes cram elev mas do crédito bancirio privado, O que iso 4u Quer dizer que o BNH niio fez nada diferente de ain hanieo ape foi o a view banciria © emp guiainy ws HOF privado ou de uma grande empreiteita, Seu objetive Jucro com a produgio e financiamento de moradias, \ moradia, Por que ocupamos? 19 tratada pelo proprio Estado como mercadoria, permaneceu sen. do privilégio dos que podiam pagar alto por ela Os niimeros no mentem: das cerca de 5 milhdes de casas financiadas pelo BNH, apenas 2! nnadas a familias com re la menor que 5 salitios minimos. E. isto correspondeu a somente 12% do total de recursos aplicados pelo Banco. E muito pouco! (On seja, o BNE financiow casas para a classe média © no para os trabalhadores mais pobres que, como vimos, represen tam 90% do déficit habit dat lucto, nunca parantie 0 diveito & moradia Depois da faléncia do BNH, em 1986, o pais ficou mais de 10s sem ter qualquer politien habitacional importante. Ate », vein © Minha Casa, Mi Iver todos os problemas ional, Seu maior objetivo sempre foi v que, no governo do presidente-oper nha Vida, com a promennn de te Seri? Vamos ver passo a passo como as coisas acontecerart Minha Casa, Minha Vida; quem ganba com isso? iN 20 Guitberme Boulos O programa foi langado em fevereiro de 2009, alguns me fies depois da explosfio da maior crise econdmica deste século (2008), nos Estados Unidos. © estouro desta etise teve como Pavio exatamente o mercado imobiliério norte-americano. Fo- fimn vendicas muitas casas nos Estados Unidos a crédito, com pres excessivamente altos, por conta da espectlacdo imobi Iliria. Com o valor dos terrenos li em cima, muitas empresas ¢ ancos viram ai uma oportunidade de engordar mais ainda seus Iieros: emprestavam dinheiro a quem queria comprar uma casa, fomando o proprio imével como garantia de pagamento. Como, valor das casas crescia cada os capitalistas © problema ¢ que muitos destes compradores, em get Li vez mais, 0 negécio era atraente balhadores norte-american , no tinham como pagar as pret bes. Por isso, algumas empresas ¢ bancos — que ji tinbaln panho Muitos milhdes de délares ~ decretarum faléncia. Aw cavity dels tam de ter compradores; muitas familias foram despeachiy ju Acasa era a garantia do empréstimo; ¢ a etise se alasttous 3 claro que o buraco desta crise é muito mais enubalsal Mas 0 que nos interessa aqui € que, depois de 2008, of lnveth Mentos na construcio civil eairam brutalmente 10 inne Wale Os bancos deisaram de oferecer crédito ¢, nom eHultG HN We empresas capitalistas produzem net os taballishaten COmIphANn © que isso tem a ver com o Minha Cain Minha Vidal Oi, por estas razdes, 2009 caminhava para ser UH MK EOI) POKE Iuctos — provavelmente com prejuizos e até fildnelis — pyabn jenn des empreiteiras do Brasil. E. neste ponto chejanidas a6 pratide fator que motivou a proposta do Minha Cay, Minha Vila pelo governo. © programa foi desenvolvido com o objetivo central de salvar o capital imobilidtio, injetando R§M bilhies en Fetes piiblicos para as empresas privadas. F2 neste ponte dedi eert0: as empresas do ramo puxaram a alta da Bolsa de Valores de Sio Por que ocupamos? 21 Paulo em 2009 ¢ atrairam interesses no mundo todo, Hoje, 75 s do pais estio nas mios de investidores estrangeirost Assim, as empreiteiriy recebers no presente de R§34 bi imples: 0 governo di conatndi € © governo apresenta os com- Ihdes paca aliviar sua erise, O sistema & dinheiro, a empreite pradores, Ou seja, nilo hi ne hum tisco para 0 capitalista nem nnecessidade de gastos com a vend (corretores, propaganda, ct) E tudo com dinheiro puiblien, Mas alpuns companheites poderiam questionar: Mesmo que favoreca as empreiteir , ost Construindo moradia para quem precisa ¢ resolvendo 0 défieit habitacional, nao é Isso foi o que La Heconeiliagio entre o capital ¢ 0 tra afirmou o entio presider 10 falar que 0 Minha Casa, Mi nha Vi balho”; ou seja, atenderia 9 interesses de todos, sem conflito O problen da sepreseniava UN € (jue w tealidadle ndo é como o discurso. verdade, 10 defini come met entral atender os interesses dc capital, o programa manteve a mesm do BNE, F llgiea que vimos no casc yi atendida, cerca 75% do re curso © 60% day babitagdes do programa foram destinadas « familias com renda maior do que 4 sakirios minimos, exatamen. te porque ~ se tratando de imdyels mais earos ~ as empreiteiras mais Apenas 40% a udiny do programa sao para familias com renda menor do que 4 walitios minimos, 0 que represent: menos de 10% do déficit habitacional nesta faisa de renda. Bum filio que inter Além disso, ao deixar ni menos is eonstentoras, iow las nptesas todo o pro: cesso de projeto c construgio, surginim as piores aberracdes. Os conjuntos habitacior féricas, com pouca infraestrutur menos para sio tam ys em regides muito per: jf que os terrenos ai custam s emprcitciras, \ qualidade e tamanho das moradias 6s piores possives, Para as familias com menos de 3 22 Guilherme Boulos salirios, o parimetro do tamanho das casas € de 32. metros conhecidas “caixas de fésforo” populares. Por outro lado, ¢ fato que o programa representou um ava {go importante em relacdo & quantidade de subsidio para a aquisi {glo da casa. O volume de subsidios que envolveu, especialmen: {e para as familias com menos de 3 salatios, é expressivo e inédi- 10, Mas isso, como vimos, se combina com localizagio ruim, qua- Jidade precitia e quantidade muito insuficiente das moradias para ‘oy mais pobres. Lula nao conseguiu conciliar o capital com o trabalho. As sim como nem o mais habil desenhista pode fazer um circulo ‘quadrado. Mas conseguiu uma outra conciliacio, a que sealmen {e pretendia com o programa: conciliou a garantia de impressio nantes doat 4 nas eleicdes de 2010, com milhdes de votos de trabalhadores, {que acreditaram na propaganda de que seria sua yew de moral dlignamente. Em conclusio, vemos que 0 Minha Cant, Minha Vil le campanha das empreiteiras para sun sucess profundou, ao invés de combater, a Higiea da moradia Conn mereador ao come nn delta, |Aprofundou também o prineipio «le que pole seve mony male un lar Incr, ¢ cm regides cada vex mais perifériews nos leva ainda a outea conchigie, Ade gue io basta simplesmente construir conjuntos habiwelannll: Met mo se aumentasse o recurso do proganna pot fanibay Mii fi Minha Casa, Mint Vida bres — como prometeu a segunda faye ¢ — permaneceriam grandes obsticulos, Hing) ter a especulagio imobiliiria, que fi valori¢nr autificlalinente 0 ppreco dos terrenos e, assim, joga os mals pobes pant anal Lone de vida (infrvestrutura, digoa, Hi na Logie de € se garantie outras condigoes bvisiea servicos, lazer, etc) no se pode falar em 2 isto exige uma transformacio profil Por que ocupamos? 23 Capitulo 2 Eswmpla Sigrqqnio a Cidade do Capi Parainipois © Morumbi (SP). A vida nas grandes cidades brasileitas costuma ser defini- da por meio de termor cia”, “congestic social”, e por ai v De fato, as ch partes do mundo ~ tornar cadtico e da desig enos Comuns: * aos”, “violén. alta dle planejamento”, “contras 1» metrOpoles — no Brasil e em outras i¢ simbolos do desenvolvimento taldade social, O “eaos” esti por toda parte, oméveis, que eid ver s em meio a tanto congestionamento; na violénc da barbiiie, que opde na maiotia dos easos pobres contra pobres; ‘no crescimento populacional uth nna quantidade de a movem menos sem limites, que transfor. mou, por exemplo, a regio mettopolitana de Sio Paulo num 24 Guilherme Boulos amontoado de mais de 20 milhdes de habitantes. Si0 muitos 0 sintomas do “caos”, Mas é preciso lembrar que este caos obedece a uma logica fembora seja uma légica profandamente irracional ¢ voltada so interesses de uma minoria, Ao conhecermos um pouco sobre como as ci fam a ser 0 que sio hoje vemos melhor quem ganha e quem pet dle com 0 “caos”. ides che Como as cidades se desenvolveram Hi mais ou menos 70 anos atris, em 1940, as duay malo’ tes cidades brasileiras (Sio Paulo € Rio de Janeiro) tinham ponea mais que 1 milhao de habitantes cada uma, A maior parte dt Populacio ainda vivia no campo e a industrializacio ~ que fl aque atraiu milhdes de trabalhadores para as cidades ~ sina eit va-em seu inicio no pais. (Os trabalhador urbanos jé viviam mal: em cornigay (0 modos de aluguel ¢ nas chamadas vilas operirias, que eeu COM juntos de casas que as empresas “ofereciam” soy empregaie (que pagavam com parte de seu salitio). E ja naquela época os trabalhadores faushim Wily pat We Ihores condicées de moradia. A primeira grande litt OaNhuelila fem relacio a essa questio foi entre 1917 ¢ 19, com Hainiglies dda Liga dos inquilinos, contea despejos ¢ o valor dog ligt Ok sem-teto buscaram organizar uma greve de alugudial Hate 48 © 47 também ocorreram grandes movimento, UH) HipeelAl eM Sio Paulo ¢ no Rio de Janeiro, com as moans (iViNENGOO Mas naquele periodo havia uma grande diferengi ey Hela lo a cidade de hoje. A periferia praticamente wie exlatity Oh trabalhadores moravam em bairros centri, paoilinos do Lael abalho e também proximos di Com o crescimento da populagio, tl de ccawan doe tea Wu doyenvolveu vila 96; jogo os um projeto para matar dois coelhes 1h Por que ocupamos? 25 trabalhadores para regides distantes, eles tiraram os pobres do seu convivio e ainda criaram um negocio milionatio. Como se deu isso? ‘Veremos este processo a partir do exemplo de Sio Paulo, sobre 0 qual foram feitos importantes estudos, como os de Lucio Kowarick, Raquel Rolnik ¢ Her Sader: De todo modo, proceso de formagio da periferia 1 Sito Paulo tem muitas semelhancas ances cides do Brasil e da. América Latina Como vimos, até 1940 06 trabathadores moravam nos bair- 0s centrais. A periferia nilo existia, Eram chacaras ¢ fazendas, s6 mato, Nesta época, cerca de 75% dlos iméveis de Sao Paulo eram habitados por inquilinos, isto 6, easas de aluguel, nos bairros cen- tenis da cidade. Os grandes proprietittioy de terrenos ¢ casas entraram em acto. Com o apoio de govern, fizeram © que chamaram de uma “limpeza” no centto: demoliram eortigos, despejaram favelas € aumentaram com 0 de outras valor dos aluguéis, que se tornou invidvel para maior parte dos trabalhadores, Ao mesmo tempo, abriram loteamentos clindestings em dreas distantes ~ onde nao havin nada ~ para vender 4 lotes ao trabalhadores. Sem ter outta alternativa, os trabathadores compravam es- tes lotes, tendo ainda jie wnat os finals de semana para construir com ay propriay mos. Tanto para comprar o lowe como para construir, muitos tinham que xe endividar. Além disso, fo- dares com infiwesteutura precéria (gua, eletri- cidade, asfalto) © sem qualquer setvigo piiblico (satide, creche, escola, etc.). Para possibilitar que os trabullhadlores chegassem ao traba- Iho, 0 governo ~ que deixava os proprietitios ¢ loteadores agirem livremente — chegava depois com infraestrutura basica, como eestradas e linhas de Snibus. final, os patrOes precisavam ter seus ‘empregados na empr cexplori-tos e lucrar. Mas o melhor a a por vit. Os proprietérios utli- zaram uta malandragem que os fez ganhar ainda mais. Ao abtir ‘05 novos loteamentos, deixavam sempre uma grande érea ram jogados em | ia, 26 Guilberme Boulos rr. _thite o local do loteamento e o centro da cidade. Grat “dle tert, no meio do caminho, que ficavam ali, sem serem loteados. les pedlagos: Por exemplo: faziam um loteamento onde hoje é o Campo sntro ao Campo Limpo. Mas por qué? spo, na zona sul de Sio Paulo. E deixavam imensas areas va- no Butanta, Vila Sénia, Morumbi e outros bairros que ligam cei A resposta veio com o tempo, Depois do loteamento clan- " dlestino, 0 governo — pressionado pelos proprietitios — levava ia cstrada, uma linha de 6nibus, rede de agua ¢ de energia elé jea até a regio. Mas, para que toda esta estrutura che é baitro mais distante, precisariapassar pelos bairros que estio caminho. Isto é, a estrada que vai 20 Campo Limpo passa pelo, “Butanta, assim como a rede de agua e cletricidade. E dai? Ora, com todos estes beneficios, os terrenos d los vazios no meio do caminho se valorizavam muito © 06 pre prietécios podiam loteé-los a um prego mui "0 “tnalandragem é especula avam ¢ ainda deixam os terrenos vazios, esper ello momento para vendé-los a pregos clevados, nquante Inie 08 Irabalhadores sic jogados ao softimento etn reyioes sislantes vem nada. Assim formaram-se as periferias Whitt Quem ganhou e quem perdeu con bi? Os donos de terra, especuladores 6 Jotendores anita de 3 maneitas principais: > mai ve clown imobi Os especuladores deh 1) Venda de lotes: Os proprietitios, muiiay yexes pilelion de terras pablicas, pegavam grandes direas que CHT FURIE & Joteavam como terreno urbano, que tem ain valor multe als ato. Assim, transformaram terra em Ouro € ganhianiin Millie em cima das suadas economias dos tribalhadoren. 2) Valorizagao de terrenos intermediirion: Ap areas que fl ‘eavam no meio do caminho dos novos loteamentas foram yendi- das mais tarde a precos inacreditaveis. Hxatamente Por que ocupamos? 27 puideram ser habitadas por trabalhadores. Sio os chamados bai ow de classe média ou da prépria burguesi. 3) Valorizagio das areas centrais: Ao tirar os pobres ¢ de- molir as casas mais antigas ¢ precirias das regides centrais da cidade, 0 valor dos iméveis destes bairros subi muito, O trabs- Ihador deixou de poder pagar um aluguel no centro, que viroa propriedade exclusiva dos ricos. Nesta hist6ria toda, os trabalhadores s6 perderam, Foran expulsos das melhores éteas, jogados em regides sem estrutura 2 distantes do local de trabalho. A partir dai comecow a se definir de modo claro a separacio da cidade dos ricos com a cidade dos Pobres. De um lado, os baitros centrais, de outro a periferia. A Especulagao Imobilidria hoje Quem pensa que essa histéria toda acabou © que hoje a situagio é outra est muito enganado. Daquele periodo pra ei, a situagio s6 se agravou e a especulacio imobiliiria se tornou ain- da mais forte. E © que pior: tem cada vex mais 0 apoio do " Guilberme Boulos Bistado, que deveria garantir condigdes de vida digna aos aba thadores urbanos. Nio precisa de muito discurso para saber que os pobres ‘eontinvam morando nas periferias. E, em perifer listantes. Basta ter olhos pra ver. Retomando 0 ¢: Paulo: os loreamentos clandestinos da década de 1970 ocorte ss cada vex mais emplo de Sito fam cm bairros como © Campo Limpo; hoje, 0 Campo Limpo Yen se tornando um bairro mais caro ¢ os trabalhadores estio kendo jogados para outras cidades (Taboao da Serra, Eimby Itapecetica da Serta e sabe-se li onde mais!). O mesmo ocor hha zona leste da cidade, com bairros como Vila Matilde ou hnha e atualmente com Itaquera. A especulacio le para ainda mais longe. © fato € que o capital imobiliério — os donos de tern 6 9s Jjtandes construtoras— nunca foram tio poderosos no Brasil Com nos dias de hoje. Basta observarmos os dados da valorigaghy dog iméveis nas grandes cidades € do crescimento dos emproeill mentos imobilidtios no pais todo. Dados que tomamiy «is jf pias instituiedes do mercado imobilistio, como o Covel Tho Regional dos Corretores de Iméveis) e o Secov' (Sindie uti Alt Habitacio © Condominios). ‘Tomemos o caso da capital federal, Brasilia won) lideduley as pesquisas de valorizagio da terra e dos iméveis entie ay UN les brasileiras. Em 2007, quem pretendia compra Mit OAM Bt Asa Norte, bairto valorizado da capital, payavi id HOHE GUE R$4.000 por metro quadrado. Muito caro, nia OF PANE ON especuladores, nao. Em 2010, este valor ji hayit subiIO pint mais de R$9.000 por metro. Mais que o dobro! Hi Sanat! No Rio de Janeito, a situacio nio ¢ diferente His apart mento no Leblon ou em Ipane Ipo.950 por metro quadrado. Para que se wenla vin ila de que thse significa, quase 60 mil cariocas tomar 4e milioniition = Isto & ssaram a ter mais de R§1 milhio = simplemente pra terem em regides valorizadas, Nilo preelanmon pensar muito Por que ocupamos? 2 para saber que estes novos milionfrios nfo vivem na Rocinha ou nos bairros pobres da zon este da cid Em Sio Paulo, os niimeros sito assustadores. Uma casa lo- calizada no Jardim Europa pode ser vendida a R$17.900 por metro quadrado. Mais: 0 valor médio do aluguel na cidade cresceu 146% 86 em 2010. F esta valorizagio mio atinge apenas bairros da elite (como 0 Jardim Europa). O metro quadrado em Perus esti em R$4.540 e R$3.730 no Campo Limpo, que é o distrito com maior concentragio de favelas da cidade, Alguém poderia questionar que esta valorizacio na perife. lores, ue pod seu patriménio, Mas isso quuaie nunea € verdade, porque a maior ria é boa para os trabalh m com isso aumentar parte das casas em baitros perifériens ¢ irregular, nao tem escri- tura. A valorizagio, pelo contri, torn os trabalhadores destas regides alvo constante de despejos que visam a construcio de novos empre Sem falar no aumento dos aluguéis, que 20 part reygidew mais periféricas s capitalistas. Sem burguesia investe e lucra dle vidi de 85% dog brasileiros. O investimento cexpulsa ox inquill As cidades site umn grande negéeio py quem esnt no caninbe, © espa 270% de valoriza- imobilidtio em Sto Paulo chegow a atingir at cio n 2010, rentabilidicle maior que qualquer aplicagio finan- cia do pals, Comm ne periodlo que vimos de formacao das peri- forias, ganham com # eypeculigio aqueles que j4 tem muito & perdem os trabalhadore, Citamos 3 gr eididoy brasileiras. Mas esta realidade centre urbanos do pais. Podesfamos pode ser vista em todos « citar Belo Horizonte, Recife ou Salvador, que tiveram tizacao igu hi, Dentre me se mostra numa pesquisn felt pelo instituto Global PropertyGnide, que apontou o Brasil como @ lider mundial da especulacio imo: bilidria em 2010, com uma média de 33,5° € por acaso que nosso pais esta também da desigualdade social ma valo- mente outras cidades. Isto de valorizacio. Nio ere 0s lideres mundiais 30 Guitberme Boulos we monte de aimeros serve part mostrar que os donos dle {wrra ¢empreiteiros nunca ganharam tanto. Mas paremos um pouco Jpaza entender como isso ocorre eas consequéncias desta situ A alianga entre Estado e Capital imobilidrio i Como se deu este crescimento tio grande dos empreendi- Imentos imobiliérios no Brasil nos iiltimos anos? De onde vem tanto dinheiro? mmo pode um pedaco de tetra que era vendido por 10 [passar a valer 20 no outro dia? Ser magica? ‘Vamos analisar estas questoes. O crescimento do mercado imobiliatio ¢ da especulagio ten Vitios motivos. Um deles é 0 ctescimento do crédito, o aumento’ dos financiamentos para que a classe média possa comprar tn Weis. Se por um lado, isso pode ser visto como, possibilitar a uma parte dos trabalhadores © acess « 1naip peal bom = pe {os — por outro lado, eria um endividamento eterno, com) presi fgBes a serem pagns até o fim da vida, Vimow o que aconteest HOH Bstados Unidos: os trabalhadores financiarann easy, lo CONN quiram arcar com as dividas ¢ acabaram despejadios © yen tele ‘Outro motivo desta explosio speculative fol # enneenitlt pouciulasirnay tnyion, Now ald mos anos, varias construtoras se Fundian, eHiande i) HOHOPO lio. As grandes construtoras, muitas delay eontroladns jh Por Ot nha Wolsa de Valores, tive: rutin teen ie clddadley 1 vaelan portance hoje a glo das empresas imobilidti pital estrangeiro, ao venderem agi fam condicées financeiras de compra brasileiras. Boa parte das lessas poucas empresas. “Tendo o controle das terras tornarani-se do Hest telnpe construtores ¢ especuladores. Passaram a ganhiar duplanente’ pa valorizacio especulativa dos terrenos ¢ nu constiuigies dos imo vyeis, Puderam impor livrem Ate SEU PREGOS Por que ocupamos? I Mas nenhum destes fatores teria sido possivel sem a prin- cipal razio da forca do capital imobil com o Estado brasileiro, em todos 08 1 io no pais: sua alianga , desde as prefeituras © cimaras de vereadores até o governo federal. no é nova, Os donos de terra sempre tiveram muito poder na politica brasileira. 56 lembrar dos coronéis lati- fundiitios, no campo, ou da forma como cresceram as cidades. Na formacio das periletias, o papel do Estado foi decisivo, tanto 20 permitir os lotcamentos clandestinos quanto ao levar, sob medida infraestrutura que valorizou as dreas dos especuladores, De li pra ci, esta allanga 86 se fortaleceu. Os donos de terra / grandes empreiteitos construiram com os politicos que 9 esqjuema em que todos ganham, menos, € claro, © povo ttubalhador, Huneiona assim: os politicos preci- Heide suas miliondrias campanhas clei torais © permanecerem no poder, Os empreiteiros precisam de © mais. Ffcil de resol- nhas eleitorais e os po- rem, slevolyem © presente, com tous us favo- iw Esta aliane: governam o Estade sam de dinheiro par fi favores dos governox para lucrarem ma ver! Os empreiteitos financlam ay ¢ litiee ‘Ao essen? Varnos listar apenas alguns principais: Que favores 1) Dar dinbeito pablice aos ¢ de obras publicas (rodoviny, pontes, avenidas, casas, etc), mui- tas vezes superfaruradas, ( um fest para Ga nham demais com issol Vimos que o Minha Gata, Minba Vids despejou de uma vez s6 R$33 bilhiies na mio de empreiteiros. preitciros: A contratacio mpreiteira 2) Levar infracstr para dreas da especulacio: Neste método, bastante conhecido, o Estado leva uma série de melhorias para regides onde os grandes empreiteitos (que financiaram a campanha do governante) tém terrenos, Assim, estes terrenos se valorizam e gatantem lucros maiores, 32 Guilherme Boulos rr 3) Despejos e remogdes de comunidades: Quando os tra balhadores insistem em morar em lugares valorizados, através de ‘cupagdes antigas, os capitalistas pressionam o Estado para des pejar a comunidade. Sempre que consegue vencer a resisténcia los moradotes, o Estado despeja. E, quando muito, oferece con Juntos habitacionais nas areas mais periféricas. Logo apés o des Delo, frequentemente comecam a ser erguidas torres de condo. minios luxuosos na regifo. 4) Mudancas na legislagio: Existem no Brasil leis que regu Jam 0 uso do solo urbano, como o Estatuto das Cidades ¢ 0s Pla nos Diretores. Quando estas Ieis entram em conflito com o inte esse do capital sio, frequentemente, “ajustadas”. Um terreno des tinado para moradia popular vira, do dia pra noite, dren comerelal ‘0u residencial de alto padrio, conforme o interesse etn jogo Publicado no Jornal Fotha de Sao Paulo Por que ocupamos? 33 Assim, os governantes mostram que sabem retribuir favo- res, Até porque sempre a proxima eleigio... E, para garan- tir seus interess ppreiteiros no brincam em servigo. Sio, de longe, os maiores financiadores de campanhas cleitorais do pais, segundo dados do proprio ‘Tribunal Superior Eleitoral. E assustadot: Maly da metade (exatamente 54%) dos de- putados federais © senadores eleltos em 2010 receberam “doa- ges” de grandes construtoras As mais “gencrosas” foram a Camargo Correa, que triplicou suas “doagoes cm relacio a 2006, chegando a R§80 milhOes; ea Andrade Gutierrez, com R$58 rilhdes. As grandes empreiteitis sozinhas representaram 25% de todos os gastos com eampanha eleitoral no Brasil. E isto s6 em doagdes registradas, sem eontar o famoso ¢ gordo Caixa 2. F, para mio ter risce de perder, financiam todos os Iados, da disputa, Foram elas as maiores “doadoras” tanto da campa- nha presidencial de Dil Rousset (PT) como da de seu adver- sirio, José Serta (PADI), Nilo interessa o partido, apenas 0 xetor- sho de quem ganhar este retornn & sempre certo, Houve um caso escandalo- soem 2011, de uma empreiteirn de Maringa (PR), que aumentou ‘em 12 veres seus vontiaton com 0 governo federal apés ter dado sgenerosas doagdes a politicos que vieram a ocupar cargos impor- tantes no governo. 12 vexed! Nao podemos esquecer que essas retribuigdes sio feitas sempre com dinheito pibliee, "Assim, tendo os politicos de plantio a favor de seus inte- resses € aS terms varias e1N sak MADS, Os especuladores ¢ em- piciteiros tornam-se ay yerdadeios donos das cidades. Abocanbam dinheito piblice, rulam eis, determinam despejos ¢ luctam sem qualquer limite, Moldam a cidade de acordo com seus interesses e prejudicam os trabulhadores em nome de seus lucros. Esta é a cidade em que vivemos. 4 Guilherme Boulos Cidade do Capital ‘A consequéncia de tudo isto é um modelo de cidade pro. lamente desigual ¢ opressor, Fa Cidade do Capital. Muitos \diosos ctiticos pensaram ¢ escreveram sobre a forma como ‘eapitalismo desenvolveu as cidades. Por isso, vamos apontar Jui somente uma das caracterfsticas fundamentais deste mo- lo urbano: a segregacio, causada pelo dominio dos interesses dos. ‘A Cidade do Capital é segregada. Palavra dificil, mas que trabalhtador urbano jé viveu na pele. “Segregada” quer dizer abor warada, dividida. Quantos trabalhadores ji nfo sofrera ns humilhantes da policia ao estarem em b tas vezes no vimos no noticiitio moradores de rua sende pancados ou mottos no centro de alguma cidade? O nome di € sepregacio. FE como se, na cidade, existissem du ‘eados pobres. E & vimos come W eHpe Gio imobaltaria fez surgit as periferias, A prriferhay 6AM PAN 5, verdadeiros depdsitos de pobres, O que « buries semnpt luis, ¢ hoje as cidades permitem, & que os pobreg He HALEN CHIE Jonge dos olhos deles e sem incomodi hoy. ara isso constroem muros, i se epallaninn por (ila Wi randes cidades brasileiras os tais “eondonninioy fecha, que silo torres de apartamentos Iuxuosos, cereaday pat altoy MMI ‘com cerca elétrica ¢ segurancas armados, MMi pobre 90 enti pele ‘elevador de servico e sempre muito viginslo polis elimens de ‘seguranca. No Rio de Janeiro, o governo etiow um sister ale Me sf ainda mais escancarado. Passou a erguer muta ens tart diy favelas, sem a autorizagao dos moradores, separanddeo8 do resto da cidade. Titica que faz lembrar os campos de eoncentragho, ‘erpuidos pelos nazistas no século pasado, cidacley! a clo Heo ‘vez mais separadas, Por que ocupamos? 35 Em Curitiba, um shopping, center entrou com pedido na justiga para poder barrar a entrada de jovens da periferia, vesti- dos no estilo hip hop. © argumento dos empresarios era que os jovens poderiam “‘constranger” 0s clientes. Este tipo de situagio ocorre todos os dias, ainda que sem orcem judicial, em varios shoppings e mereados diy pal: Em Sio Paulo, a prefeituta de José Serra construiu em 2005, na regio da famosa Avenida Paulista, as “eampas anti-mendigo”. Sio rampa », no mein da calgada, para evitar que moradores de rua possain dormir por ali, Na mesma linha, viri- ‘08 condominios de baittos burgueses criaram também a “lixeira anti-catador’”, fechande com endeados as lixeiras de suas calca- das, para evitar que ox Mabilhadores da reciclagem circulem em suas russ de cone No momento em que excrevo este texto, um grupo de co- merciantes ¢ monadates de tin bairto da classe média paulistana izou wn abaixo-gainado para tentar impedir a instalacio 1 alberue da prefeiture no bairto. Poneo tampo antes, um grupo de mondores de Higiendpolis, o bairro da burguesia tradi- ional de Silo Paulo, havi pressionado © governo para impedir a instalagho de una eMtagie de mettd nas redondezas. A alegagio deles era que 0 metté traria “yente diferenciada” (isto é, traba- Ihadores) para sew convivin, Por av Estas agen segreyadloras no slo excegao. Representam a rnua ¢ cru dla Cidhle do Capital: as cidades devem servie para dar lucro, mesmo que seja fs Custas de imensas perdas soci- ais para a maioria dos seus habitantes, O capitalismo transforma tudo em mercadoria, inclusive 0 espago em que as pessoas vivem, Como segregar valoriza, eles segregam. O interesse privado estit acima de tudo e impede que, nesta logica social, « oryanizagio slo espaco seja racional e igua- litétia, Acaba por produvit as eidhudes endticas em que vivemos, 36 Guilherme Boulos ‘Tomemos 0 exemplo do “transito cadtico Jes, que ¢ assunto difrio dos jornais. A cad recorde de congestionamento. Todos reelamam, pperguntam o porué. Em Sao Paulo, ¢ nt tidade atingiu em 2011 a marea de 7 milhies! No Rio de Janeiro, chegou 2 2 milhdes! ‘Ota, como se espera que as ruas estejam livres?’ Par mais venidas, tineis pontes que facam, no reyolveriin # silage. _O motivo é evidente: as grandes montadoras queen vender mils ¢ mais carros, Lucram com o aumet aygeationamentey, ale porque seus executivos tém helicGpteros. para arenilek WO jtAN: des empresirios do amo, o Estado deixa de investit Venladeltie mente em transporte piiblico — especialmente (eng @ HEH = {que setiam a solugio real para os congestionamentin fi mais uma vez 0 interesse privado na frente U6 iNGtenie social. E mais uma vez 0 Estado a servigo dos eqpitalishis: O papel do Pstado na conservacio de uma cidade vegregiilt © Ne damental. Basta analisarmos a diferenga inventes de wer vyigos pablicos no centro € nas perifer Ja vimos alguns dados sobre ¢ Vejamos outros mais agora: Em Belém, 69% das fhmiling (Hilt pobres (que vivem com menos que 3 salirion niall) nonlin tes das periferias, nao tém fornecimento aegis de setViGo# (égoa, esgoto, energia elétrica, coleta de lixo, ete). © Meni NN corre nos bairros onde vive aqucles que cern seri {GF ge 10 salitios; neste caso, 0 mimero é de 5%! Him Hariuleeiy diferenga é de 77% a 3%, Em Belo Horizonte, de G7" # Mot assim por diante em todas as cidades brapilelti {A Prefeitura de Sio Paulo disponibilian alga Mapas que dispensam qualquer comentitio. Vejam a diferenga entte eolets adequada de lixo no centro e na periferia da eld dia se bate um novo poucos se wero de autonnives da 0 doe no forne 1 question eapltil t Por que ocupamos? 37 AAs regides mais escuras mostram aonde falta muito; as mais , onde quase no fala, ‘A propria politica habitacional dos governos ~ come ja vie tno caso do Minha Casa, Minha Vida ~ arwplia ain mais esta -gacio. A légica é despejar os mais pobres que ainda vivem regides valorizadas e jogi-los em conjuntos habitaclonals Ho indio” das cidades. Este tiltimo mapa mostet « local 8 conjuntos da CDHU (Companhia Habiteional: Ivimento Urbano) ¢ da Cohab na cidade de Silo Pa As bolas maiores mostram as regides onde o servigo é mais precitio, Este outro mapa mostra as regides onde hi maior caréncia de eches na cidade: As regides mais escuras, é claro, sito aqueliy \struidos os empreendimentos para 0 tal q Como se isso nto bastasse, para manter of fia le nas periferias, o Estado tem se servielo ‘gestio militar da cidade. O tinico sexviga jy bem na petiferia é a policia, para oprinit, inar trabalhadores. Nos bairros petiféricos, em especial 1s de acordo com uma “lei de excegao”, um ade as casas que julga “suspeitas”, sem antes de perguntar; ulga e executa a pena de morte, sempre que quiser e sem qualquer punigio. Os jovens e negros sio as princi. pais vitimas dos abusos e do exterminio policial. A mesma poli que diz, “Sim, senhor” 20 arrogante filho de banqueiro do outro lado do muro, Quando a policia nao da conta, chamam o Exército, como no caso do Rio de Janeiro. Para cles, a favela é um tettitétio ini migo, contra o qual tem de se fazer guerra. Assim, os tanques entraram no Complexo do Alemio, n 2011. Mesmo lugar onde em 2007 a policia exterminou pelo menos 19 moradores numa cio militar. Um dos mortos foi uma crianga de 13 anos de idade Depoi 1a televisio ¢ dizem que os mottos eram “tra ficantes”. Pronto, esti resolvido! O Estado extermina livremen: andidos”, “trafican- te os pobres, com o argumento de que tes” ow seja lio que mais... A burpuesia aplaude, a midia fala bem c uma parte dos trabalhadores fica confusa, sem petceber que 0 proximo pode ser ek Foi o que ocorreu num bairro da periferia de Osasco (SP), em setembro de 2011, Um trabathador teve sua casa invadida pela Rota, tropa da Policia Militar de Sao Paulo, ¢ f porque pen executado m que fosse um bandido, Uma parente sua, apés © assassinato, declarou ni televisio que ele admirava © defendia a Rota, Até que chegou o dia em que foi morto por cla. a segregagilo da Cidade do Capital. [2 uma segrega- cio de classe: ricos ¢ pobtes, ¢ um de um lado. Para uns, a le dos shoppings, dos conde fechados e das belas ave- P: ura outtos, 2 cidade da polieia violenta, das moradias pre- arias, onde falta tudo, 0 Guilberme Boulos Capitulo 3 As ocupagées urbanas Visa da Ocypapio Chien Mendes (SP), organituda p Apesar da gravidade do problema da monadit no Hiyall € cidades pelo capital, as ocupayOo Ae Lal ive. da privatizagio d fos ainda sio tratadlas¢ nos € prédios vazios Nio s6 pelos proprictirios, o que jé era de se egpenit, May tan bém por uma parte dos pedprios tabalhadotes E muito comum, quando acontece nit OEP fou enti “hive € roubo, adores de bairros a Porque ocupamos? pobres, as vezes vizinhos das ocupacées, deixam de defender os hem-teto em luta por moradia e dignidade. Invadir 0 que é dos outros? Cesta ocasiti, quando © Movimento dos Trabalhadores Sem ‘Teto ocupou uma grande rea na periferia de Sio Paulo, um tra- balhador vizinho do terreno me disse 0 seguinte: “Nao acho cer- to 0 que voeés estio fazendo. Eu trabalhei muitos anos para con- seguir um lote ¢ etguer minha casa. Vocé acharia justo que, de- pois disso, viessem e invadissem meu lote ¢ me tirassem daqui? Ea mesma coisa”. ‘Vamos tentar dialogar com 0 que disse este companheiro. Seri que é a mesma coisa ocupar a easa de alguém ou um grande terreno vazio, usado para a especulagiio imobiliétia? Pensamos que no, O trabalhador que, de algum modo, conseguiu ter um terreno ou um » para morar ralou muito pra isso. Foi inclusive vitima do capital imobiliitio, que 0 jogou em bairros licos © que vendeu lotes desvalosi- zadlos, sugando todas ay economias de uma vida de trabalho mal pago. Outta coisa € 0 especulador, © grande proprietitio, Ele herdou terras, muitas veres terras que eram pablicas e foram griladas por sua familia, Ou ele proprio foi quem grilou, FI tua em acerto com os governt Intes © sem servigos pr nuitas veres nem imposto paga. Deisa suas terras vazias, esperando a ocasiio precos exorbitantes, Em geral, ele nem sabe 0 que € trabalho & muitas vezes nunca nem foi nos terrenos que tem. vendé-las por F bem diferente, ndo €? Nao conhego nenhum caso em que os sem-teto ocuparam o lote ou a easa de um trabalhador. As ‘ocupagdes de terra, em especial as que sito onganizadas por mo: vimentos populates, ocorrem em gr terrenos e prédios abandonados, em que o proprietirio ~ muitas vezes uma grande » Guilherme Boulos esa, que tem também varios outros terrenos ~ 0 utiliza para specular ¢ lucrar. Alguém poderia questionar: “Mas é dele, eh rabalbou p ;prar, ou os pais dele trabalharam, cle pode fiver o que quiser sua propriedade!” Vamos voltar no tempo 6 na histirid pata st que a situagio no é bem essa. A primeira forma de propricdade privaca da torts se Pras as Capitanias Hereditirias. Fssas Capitaniay forum ihnpow i por Portugal, que invadiu nossas terras em 10 eh sat Jes extensdes, que foram divididas pelo rei portugud aos arlatey tas da época. O objetivo era levar lucros pani Portull, Cm traciio de metais preciosos, madeira ¢ pela ayrieuliunh, Park 0, escravizaram e mataram os povos que viviam Ii Mlle 1k por aqui. As capitanias eram passadas para os herdeiroy dog jprliiel ‘tos beneficiados e assim por diante. Os donatiion ~ que Ohm OH donos das capitanias ~ podiam repassar as chamacin sonata ‘outros proprietirios, isto & davam a eles o direito de proprledliile sobre um pedago de terra. Embora os portugueses tenham ido embors hi mull iN po © as capitanias nfo existam mais, a base da proprledade di terra no Brasil tem sua origem ai. As tetras, que eniit Uniilil coletivamente pelos povos originarios, foram invadidin © id dos grandes ricos da época. Com a formacio das cidades, a situagho mike fol diferente: ‘As terzas foram repassadas e vendidas entre 1 full sas, que ainda utilizaram uma malandragem part que eram pablicas: a grilagem. A grilagem foi um mecanismo muito sudo —¢¢ ainda hoje tem algumas regides do pais ~ para os vicow invialifil #48 Apt ppriarem de terras puiblicas. Funciona assim; proxleigin Wnt ee tidio de propriedade falsificada, atestando que tal fannilia eta dona privatizadas de acordo com os interesses do yoweHt [i Por que ocupamos? 4B dle um grande pedago de terra; depois, deixavam esta certidio uma caixa com grilos; apds algum tempo, retiravam 0 papel, que tinha um aspecto envelhecido (por conta da agio dos grilos). E, com isso, diziam ser uma certidhio muito antiga e verdadeira. Foi com esta malandragem que muitos proprictirios rou- baram terras publicas. Os mesmos proprictasios que denunciam quando os sem-teto ocupam “suas” terras. Dizem que os sem- teto € 08 sem-terra invadem © que € dos outros, Mas, na verdade, quem invadiu? Se olharmo: hist6ria, Veremos que os invasores foram os grandes propriet Ine, nile satisfeitos com 0 saque is ter- ras piblicas, continuam hoje fazendo acordos com os governos para usar mais recursox puiblicos em seu favor. Quando os sem- teto ou os sem-terrt OCupaM Una grande Area vazia nado estio fazendo mais do que tomar de volta 0 que é Por isso, & proeino diforeneiar os termos imasdo e ocypacio, » foo que fizeram oy portugueves e depois deles os gran- des proprietitios braileitos Ti grilar e roubar uma terra que é publica © que deveria ‘sinagie social, em beneficio da mai- 1. Oeupagio € algo bem diferente, Hi retomar a terra dos inva- sores, para que possa ser utilizada em favor da maioria, dos tra- balhadores. Fi transformar uma dea vazia, que s6 serve para a especulacio ¢ lucro de empresirios, em moradia digna para quem precisa, Entio, se é assim, por que as ocupago law fio vistas de for- ma negativa? Porque muitas veves os trabalhadores sao influen- ciados por uma visio fabricada pela midia, que tem horror a qual- quer forma de organizacio ¢ resisténela clos mais pobre: sentando a luta como “baderna”, “coisa de vagabundo”, “ lismo”, Midia esta que € controlada por grandes empresitios, al- gumas veres cles prdprios investidores do mercado imobilidtio, ow que tem dentre seus cli nunciantes as grandes cons- trutoras. Se beneficiam com este modelo de cidade ¢ por isso ” Guilherme Boulos buscam desqualificar a Iuta dos trabalhadores por diteitos sociais. Mentem ¢ iludem: defendem os verdadeiros invasotes ¢ erimi- nalizam as ocupagées de terra. Ocupar é crime? Um crime ocorre quando alguém toma unis age eontritia as leis que esto em vigor em um pais. [2 uma apie Heal Oqe no quer dizer que nao possa ser legitima, Con wsailit A lei nio é perfeita ¢ é feita pelos legisladores = MenMdOreN, deputados, vereadores ~ de acordo com interessey, MMM Yi) como ja vimos, estes interesses s6 beneficiam aos prdpnis leg ladores ¢ a classe social de que fazem parte expecta ween presas que os financiam. Vamos tomar um exemplo: o dircito de manifesting © le greve. Em virios paises e momentos de nossa histdtht Hilal pik direitos sociais ¢ fazer greve eram agées contrarias i leh, Portail to, consideradas como crime. Muitos foram presos, torunalin © até mortos por isso. E muitos continuam sendo. May musilestih lutar por uma vida mais digna, fazer greve sio aches lyplttniit, independentemente do que diga a lei. Ou seja, nem sempre sil 6 legitima ¢ 0 a ilegalidade é ilegitima, No nosso caso, as ocupagées de terras vazias sio no Brash 120 mesmo tempo, legitimas e legais. A principal das leis de nosso pais, a Constituicio Federal, afirma nos artigos 5 e 170 que toda ‘a propriedade tem que cumprir uma fungio social. O que € isso? Toda a propriedade tem que ter algum uso, se para mor dia, produgio ou qualquer outro que traga beneficin pars a soet edade. Os grandes terrenos e prédios vazios, usados ppt a wp culagio imobiliria, no tem nenhuma funcio social, Sun Limes funcao é encher o bolso de uns poucas proprictitios Isso significa que, a0 deixar as terras ociovin, 08 pyptll tirios esto agindo de forma ilegal ¢ criminona. Heveriai fer Por que ocupamos? oo | | punidos pela lei, Sabemos que isto nio acontece porque o Judi- ciitio — poder do Estado responsivel por assegurar 0 cumpri- mento da lei — usa a velha maxima dos “dois pesos, duas medi- das”. F cego na aplicagio das leis que favorecem aos pobres ¢ duro na aplicagao daquelas que interessam aos ticos. ‘Mas o fato é que, com base na Constituigio Federal do Brasil, os grandes proprietitios ¢ especuladores é que sio crimi- nosos. Neste sentido, por mais estranho que pareca ao discurso dominante, ocupar uma terns que nile tenha fungio social é fazer cumpris a le Ocupar no € etime, & un ditwito, Os trabathadores sem- {eto que ocupam esto exiginde 0 cumprimento da funcio social da propricdade ¢ reivindicanlo legitimamente © dizeito & mora- dia digna, também previsio pa Constituigao. Isso nao impedle que 0 Jusdielitio, a servico dos proprietiti- uiligat O4 tabulhadores, Nao sio poucos os luta- lores que softem pracesson € ald wlio presos. Sem contar a rapi- lez ¢ facildade com que 0% julzes determinam um despejo, em contraste con a demota que estes mesmos juizes levam para jul- gar 08 processos ((rabalhistas, por exemplo) que possam benefi- ciat os trabalhaclores, Mas despejat ou prendler militantes nao tem como por fim as ocupagoes de tert, Ocupar nilo ¢ uma escolha, é uma neces- sidade para muita gente, 1, mesmo com repressio, a necessidade sempre bate a porta, Ocupar é a tinica alternativa A légica capitalista de transformar moradia em mereadoria exclui muita gente. Do mesmo modo que nem todos podem com- prar certos produtos numa loja, muitos trabalhadores nao tém como adquirir uma casa. Mé porque, como vimos no capitulo 2, elas esto cada vez mais caras, % Guilberme Boulos Os programas habitacionais do Estado deveriam resolver este problema, Deveriam. Mas nio resolve, Vimos no capitulo 1 que todos el avancar no subsidio para familias com menor tenda = estio focados no atendimento de quem ganha mais que 3 walirioy mi rnimos, faixa que representa apenas 10% do «éficit habitacional brasileiro. A primeira versio do Minha Casa, Minha Vidu (MOMY 1) estabeleceu a meta de 1 milhao de Desnan, somente 400 mil pata familias com renda menor do que 3 saliriog, fl, em pou cos meses de cadastto aberto pelas prefeituras ao fediir de jy ‘estima-se que cerca de 18 milhoes de familias se Calaniiaranth, & grande maioria trabalhadores de baixa renda, “\ seul Verse do programa (MCMY 2), apesar de melhorar os niimene © fo porcio, no muda a proposta. A contradigio é clara; 1 milhao de casas e 18 mnilliiey de cadastrados! O que vio fazer os 17 milhdes restantenl Vamos resumir a situacio: inclusive o Minha Casa, Minha Vida = appesax de 1) A maioria dos trabalhadores nao conseyvie CONMON UHM asa no mercado, pelos valores clevacos impostos pela pope io imobilidtia. 2) Os programas habitacionais nio atenden Mlotl OF pecialmente entre os mais pobres, apesar de toda a propyanils: 3) Os aluguéis aumentam a cada dia, bem eine doe fill ces de inflacao, também por conta da especulagi, Multos tibiae Ihadores tém que tomar a dramética decisio no finil do més pagar o aluguel ou botar comida na mess, Diante disso, a tinica alternativa para milloes de farnili as trabalhadoras ¢ a ocupagio de terrenos e prédios varios, I Por que ocupamos? a7 preciso deixar claro: ndo é uma escolha, mas resultado da falta le oportunidades. E niio vem de hoje, Hi muito tempo que os trabalhadores recorrem 4 ocupacio pata conseguir um pedago de terra pata morat. Durante o periodo de maior erescimento das metropoles brasileiras (entre 1950 1990, aproximadamente), ocotteram milhares de ocupacdes urbanas pelo pais afora ‘Muitas dessas ocupacdes nfo foram organizadas por movi mentos populares. Foram iniciativas espontineas dos proprios wrabalhadotes, motivados pela necessidade de um teto para vi ver. Hoje, viirias dessas ocupagies sio bairros consolidados nas periferias urbanas, Basta andar pela periferia de qualquer grande cidade brasileira para vermos isso: as ocupacdes deixaram sua marca nas cidades e possibilitaram a muitos teabalhadores ter ‘eguido de outra acesso ao direito & moradia, que no te forma, Mas também ocorreram ¢ ocorrem as ocupagées organiza im forca principalmen- partir da década de 1980, com surgimento de vatios movi por mnoradia nas cidades brasileira deste periodo fot em 1987, c das por movimentos, Hissas agdes O grande marco ocupagio simultinea de deze- nas de terrenos, envolvendo cerea de 50 mil familias, pela Unito dos Movimentos de Moradia de Sio Paulo. :m 1997 surgiu o Movimento dos (MTST), que ¢ hoje o maior movimento de Iuta pela moradia do pais. O MTST adotou a titiea de construir grandes ocupacdes em terrenos vazios bana malhadores Sem Teto as periferiag , buscando com isso integrar a luta por moradia com a luta por seevigos e infraesteutura nos bairros mais pobres, Desde sua formacio, o MTST tem realizado ocupacdes que retinem milhares de familias, em varios estados do Brasil. Ao combater o capital imobili anga com o Estado atraiu inimigos poderosos e paga 0 prego por isso: reptessio, despejos violentos e aus cia de concessdes dos governos #8 Guilberme Boulos oe iu a Resisténcia Mais recentemente, a partir de 2007, sur Urbana, uma frente nacional que tevin combativos em luta por direitos sociais, por uma Reforma Urbana anticapitalista e contra a criminalizacio dos «tabalhadores € d movimentos populares. Os mavimentos populares de ocupagilo, por sunt forgi de mobilizacio, sao a expressio viva do problema dh Brasil. Representam a resisténcia ao modelo mereaniil e sere da Cidade do Capital. As da Jornada Naxiona conta os Despies, organiza elt RediN LITA Por que ocupamos? 0 Capitulo 4 Quem sao os sem-teto? E muito comum a visio de que os vem-ieto so aqqucles {que estio em situacio de rua, que dormem nas calcadas e encon: tram-se no limite da miséria. Obviamente, as pessoas que foram levadas pelo capitalismo a estas condigdes degradantes de vida sio sem-tetos. Mas niio so os tinicos. Alids, representam somen- te uma pequena parte dos sem-teto no Brasil. Como vimos no capitulo 1,0 niimero de sem-tetos em nos- so pais é assustadoramente alto, Vamos telembrar: Sio cerca de 22 milhdes de pessoas que nio tém casa, encontrando-se em si- tuacio de moradia de favor, barracos totalmente precatios ou pagando aluguel que — pela baixa renda familiar ~ inviabiliza a sohrevivéncia. Mlém disso, existem mais ou menos 53 milhoes de pessoas que vivem sem condicdes basicas de servico piblico ¢ infraestrutura em suas moradias. Assim, mais de 1/3 do povo brasileiro sofre diretamente com o problema da moradia. Por isso, reduzir os sem-teto so- mente iqueles que estio em situagio de rua é um grande erro. E nfo s6 um erro: é criar um mito de que os sem-teto sio uma excecio, um caso isolado e, desta maneira, deixar de reconhecer a gravidade do problema de moradia em nosso pais. Esconder «que uma parte importante dos trabalhadores brasileiros sofre com situagio preciria de moradia nas cidades. Por is todos aqueles afetados pelo problema da moradia, seja pela falta dela 41 por morarem nas condicdes mais precarias. Ahadores aq so entendemos que os sem-teto fio aqueles traba- em 0 capitalismo atacou de modo brutal, com suas w Guitherme Boulos irios, trabalho infor- : desemprego, baixos si mal, super-exploracio. Como vivem estes trabalhadore Um levantamento feito com mais de 5,200 fiuniliay sem: teto que participaram de uma ocupacio organiza pelo MUST ‘ha regio sul de Sao Paulo, em 2007, nos ajudit a yexponder esa ppergunta. A situacio de emprego dessas familias er a Heyulintes 26% eram trabalhadores formais, com registro em) CMLEiF Ob tros 27% eram teabalhadores informais, sem regiattiy, © 41% tavam desempregados, sobrevivendo de bicos que wparcelan de ‘vez em quando. ‘A renda mensal dessas familias trabalhadornh @68 (HOY te: 65% sobreviviam com até 1 salitio minimo, 32% yecebliny entre 1 ¢ 2 salirios minimos; 2% recebiam entre @ 6) qulinloy minimos; ¢ apenas 1% mais do que 3 sakirios minions Estes dados tornam quase desnecessiria a pergulitt di porqué esses trabalhadores entraram numa ocupaglie M6 (6 Reforcam o que ji haviamos dito no capitulo anterion «Hep 20 é a tinica alternativa de moradia para milhden de Wubi tes brasileiros. Ora, como pagar um aluguel ganhando 1 yaliriey AMAIA por més? Ou pior ainda, ganhando algum 96 quand gppiteue oportunidade de um bico? Estas questies rio (ON ep por isso, muitos trabalhadores constroem suit prop tin (PUM HO ‘ocuparem os terrenos € prédios deixados varie peli empieetlt cio imobilidria, Por que ocupamos? 51 A vida ea voz dos sem-teto (Criameasem-tetocarrega sens perience durante dese “Onde estavam antes?” Esta é a pergunta que os governos tals gostam de fazer quando se deparam com uma ocupasio de terra, Partem do principio obvio de que antes de o reto viviam em algum lugar; upat, os sem- € dai retiram a conclusio de que nao Precisam de casa, porque podem voltar para o lugar de o: ram, Simples 0 raciocinio, nao é le vie Simples ¢ cinico. Os mesmos governos que no cumprem com © dever constitucional de garantir moradia dig Propdem aos trabalhadores que voltem aos seus bur do estes se levantam apés anos e ano a todos racos, quan os numa condic2o miserivel Os mesmos governantes que, de modo hipécrita, lamentam pe- las mortes num deslizamento em t area de risco pedem aos traba Ihadores que voltem as areas de tisco. : Onde estavam os trabalhadores antes de ocupar? §; 8S fespostas: em barracos pendurados nas modo de 2 por areas de risco; num cé- de um parente; despejados apés meses sem conseguir pagar o aluguel; sem espe Ica apOs esperar 20 ou a fila de algum programa habitacional; e por ai va Guilherme Boulos Mas ninguém melhor do que os prdptios sem: teto para fa larem de toda esta estoria. Por isso, colhemos guns ocupantes sobre o que os levou a partic cio. Trabalhadores trabalhadoras sem-teto, alguns javens ou: relatos de al tros mais idosos, que tém em comum a vida yatta © a neeessi dade de um teto para sua familia. \lém, é elaro, da cone que tiveram ao se levantar para lutar por s¢ direitoy, Norma (30 anos) Norma é uma baiana de Vit6ria da Conquista, Viveu na “terrinha” até os 2! pequena casa onde morava por conta das dificulladles finance ras, Casada desde 05 16 anos com ‘Toninho, a esta ality {A linha 3 dos seus 4 filhos, Por falta de alternativa, vier luMih (eit uma vida melhor em Sio Paulo, s anos de idade, quando teve que vende sguindo o doting de auton milhdes de nordestinos que, vencendo a distancit © 08 pReeon ceitos, construiram esta cidade Logo a0 che} 2007, investiu o qui venir com a venda da casa na compra de um lote na perilerla sil: Milenes foram embora 05 R$6.500 que tinha. ‘Trabuallava «istebiindes foal fleto no seméforo, curiosamente pantletos de empeeenliinent imobiliirios. Toninho ralava como ajudante ee pedveitii A conseguiram erguer uma casinha no lote que hayley Compnils Alguns meses depois veio a surpresa: unit owen le sles pejo, para eles ¢ as outras 11 familias que havian compande Jove naquele terreno. Revelou-se entio que 0 loteador eb iis pale, que, nesse momento, ja havia embolsado o clinhelts « kdl etn ra dali, Em poucas semanas foram despejadoy GOH AE AAO bastasse, apontados no processo judicial como eamplices do gtileiro € nao como vitimas. Apés perderem tudo, conseguiram ainda pagar ann aluyguel de R$350 no mesmo bairro. Mas por poueo tempo, Depois de 3 meses no aluguel, Toninho fi > desempreyado, Comegaram a Porque ocupamos? 53 trast o pagamento do aluguel e a ameaca de despejo veio junto com a de tomada das criancas pelo Conselho Tutelar, dadas as condicées precérias em que estavam vivendo, Norma entrou em depressio: “Foi o pior periodo da minha vida” — diz ela Nessa época foi avisada por uma das 11 familias que tam- bém haviam sofrido o golpe sobre uma ocupagio num grande ter- reno da regiio. “Deus me livre!” — foi sua primeira reagio, Achava ‘que isso era coisa de baderneiro e bandido, Assim, recusou 0 pri- meio convite. Mas, dias depois, com uma nova ordem de des devida ao atraso do aluguel, a realidade alow mais alto. Chegou na ocupagio desconfiada de tudo e de todos, Pas- sou muito sofrimento debaixo do barraco de lona preta, por mais de 6 meses. Mas as dificuldades ¢ a luta a aproximaram dos ou- tos ocupantes, Foi mud ndo de opiniao: “As veres a gente mora no baitro por anos e nto conhece nem o vizinho, Na ocupacio € hem diferente, Tive apoio dos eompanheiros” — avalia ela hoje. \ ocupagio permitin a Norma e sua familia nfo 6 um vem con) alg teto para vi dignidade, Mudou também sua visio sobre uma série de questoes: “H. muito sofrimento, mas nio s6, Antes eu achava que tudo isso era pilantragem, que se fazia urna mani \gao era porque tinha dinheiro envol- insinou que temos que lutar pelos nos- sos direitos, Hoje eu estou na linha de frente, para o que precisar, até porque a huta n outras coisas” — diz ¢ aba depois de ter a moradia. Tem muitas Seu Agripino (67 anos) Agripino é um senhor pacato e de fala mansa, que revela tno rosto e no tom respeitoso a experiencia de 67 anos de vida pelo menos 50 de trabalho duro. Hit mais de 30 anos trabalha como marceneiro, apen: tes disso, havia trabalhado quase 15 anos numa metalirgica. Como metaliingico, diz ele, “o salétio até que era bom, mas fui demitido 6 desses com registro em carteira, An- uw Guilherme Boulos porque tive um problema na coluna” Isto trabalhou como marceneiro, 0 que faz até ‘um bico na regiio de Iti, interior de Sio 1980, Depois, s6 woe (atualmente faz ilo), para comple mentar a rasa aposentadoria de 1 salirio 10s de trabalho até hoje nile. Cconseguiu ter sua casa. Morou durante muitos anos de fiver ie Mas, mesmo com seus 50) terreno de seu sogro. A principio, aio havia muy prolen depois de certo tempo seus cunhados comega ele: “les diziam que cue minha mulher nao ti mas 1a trypliear com now diveito de ficar li. Na verdade, nés tinhamos tanto dliteitt» quanti ey Hh ‘0 clima foi ficando muito ruim. A cada dia era umn problelis HAVO, piorava cada vez mais. Quase chegaram a mé éxpulialdlallalty domesnieo de milhaer de brasileiros que vivem de favor em casa de parents Neste periodo, ocorreram duas ocupaghes 1a fel nile morava, mas ele nfo foi. Tinha medo da policia, 1 Conia silt ainda poderia ser chamado no cadastro da Cohaly que fee em 1978, Hii 33 anos atris! Agripino chegou a ser ehainide Minit ‘vex, em 1999, mas tinha que ter R$3 mil de entida « Hel Heh sal de pelo menos R$800. F ele nfio tinha isso, Mv hoje yuan comprovante do cadastro feito em 78, mas ji niko yall Abe nenhuma expectativa de ser chamado: “Uma hora 4 gente minal Depois deste cadastro, cu jé tenho 3 filhos ¢ 9 no me deu a casa”. Cansado de esperar e no podendo mais spotty Diljal com os cunhados, Agripino teve que tomar una decyl QMin do, em 2007, ocorreu uma grande ocupagio perto de ane ¥ivhhy seus vizinhos vieram chama-lo. Desta ver revolyeu ih Antes de ‘montar seu barraco, andou pelo acampamente) © Conyersou LOM fas pessoas. Entio tomou sua decisio: “Pui bem reeebide por ade ticiper di aysembleia evi avimenti até hoje. ha cana, relata Agripino, expressando © dea mundo, até por quem nao conhecia. Pa que 0 negécio era sério, Fiquei ¢ est Gracas a Deus, agora estou conseyy Por que ocupamos? 55 “Gragas a Deus ¢ & luta” — completa ele. Mas nem tudo foram flores. Ageipino enfrentou uma resisténcia mais dura do que a policia: Dona Margarida, com quem é casado ha 41 anos. Margarida nunca aceitou sua ida a ocupagio, dizia que a policia ia bater em todo mundo e que isso no daria em nada. Insistia que se Agripino continuasse trabalhando poderia comprar uma ccasa para eles eos filhos, Agripino responde com simplicidade ‘muita Igica: “Trabalhei a vida inteita © ni consegui. Fiquet na fila do cadastro € mio conyegui: Por que eu ia conseguir agora?” O fato é que, depois de lutar bastante por 4 anos n0 movi- ‘mento, agora Agripino reeebeu uma Carta de Crédito, com a qual pode noraclia com subsidlio do governo. Ele e mais 350 sem-tetos do movimento, Até seu filho, que hoje paga alu- _gucl, mesmo sem ter condigdes, est pronto para pasticipar de uma prdxima ocupayiio, “Nao 36 ele = diz Agripino — tem tam- bem vizinhos e muita gente que ji no acredita mais nos cadas- twos do governo e que sabe que nao vai conseguir comprar casa, mesmo que trabalhe como um cio”. Pois é Agripino percebeu — por sua propria cxpetigncia — ‘que esta sociedade tem muros e que as oportunidades esto lon- ge de set jguais para todos. E do alto dos seus 67 anos da licio de disposicio em muito jovem. Tia Deda (51 anos) e Seu Zé (52 anos) Deda e Zé moram de aluguel numa casa desde 2006, Foi quando conquistaram 0 ausilio aluguel, apés terem participado da ocupacao de um grande terreno e realizado lutas que pressio- haram 0 governo a garantir este beneficio. A ocupacio foi despe- jada, com a promessa de que as familias permaneceriam no auxi- lio aluguel por um prazo de 2 anos, até a construcio das moradias dlefinitivas. Jé fazer 6 anos e as casas ainda no foram entregues. Mas Deda, Zé € outras centenas de familias que participaram 56 Guilberme Boulos desta ocupagio niio desistiram nem se acomodaram, Permane- cem no auxilio aluguel, mas sem deixar de pressionar 0% gover- nos pata que tenham suas moradias, Em 2005, quando entrou na ocupagio, Deda estava de- sempregada. Sem condigies de pagar um aluguel, favin servigo de diarista para uma senhora, em troca da possibilidade de viver ‘em um cémodo no mesmo terreno em que ess Seno MOHAN, Visiva depois de um casamento de mais de 20 anos © sem poder contar com seus parentes, ela nao tinha muitay opgée Disposl ¢f0 de trabalho nunca faltou. Além de diarista, jt wabalhion come vendedora de salgados, cozinheita profissional, vendedoni, den: tre virios outros bicos. Quando a proprietitia do terreno em que Vivit exiph nye quantia a mais em dinheiro, nio teve jeito, Eli nile padi payait Foi ento que soube da ocupa sora, Hicontron dois companheiros que a ajudaram a erguer seu barnict @ Ht eth frentou as dificuldades de um: duen enearn lum acampamento & porque realmente preeist, Ved sabe que & a Agua da chuva estourando a lona de seu barrie © molluande tudo? Pois é, sio muitas diffeuldades” ~ relembrn Deda Mas, apesar das dificuldades, ela logo se enturmnon & pay sou a ser conhecida em toda a ocupagio eomo Tia Deda, Kol umn periodo de sofrimento, mas de muito aprendizado e novas ami zades, Hoje afirma com orgulho: “Sou outra pessoa, A come pelo fato de que, gracas a0 movimento e am gente temos um lugar pra morar”. © barraco de Zé era bem proximo do de Deda na ocupa glo, Ainda no se conheciam, embora viessem de historias seme Ihantes. Na época com 45 anos, Zé estava com dificuldades pat arrumar emprego em sua fea, a construgio ¢ do, passou a fazer bico como flanelinha. Mas 0 para o aluguel, Foi despejado e consepu casa de amigos. Mas esses dias foram se estendendo € a situagao uta come estat Tura, eu e mu iL, Desemprega ro nto day: 1 abrigo por uns di Por que ocupamos? 57 ul flowidlo dificil “Teve dia que cheguei a dormis na rua. Chega V4 ik Cnt 86 pra dormir e depois saia. Mas no dew mais” Anrependia-se de nao ter participado de duas ocupagées tye havlam ocorrido no bairro, Na terceira, em meio a essa situ glo, naio deixou passar, Foi decidido e convicto de que conse- morada, S6 nio imaginava que, além disso, a de la casado, Nem Deda. Mas 0 fato é que, depois de al guns meses no terreno, tinham juntado seus trapos. ‘Zé relata como foi o encontro: “Passei pelo barraco dela ¢ la estava cozinhando feijio na entrada. Ai eu perguntei se tinha almoco pra mais um. Ela disse que s6 se eu levasse came. Eu fui no agougue e gastei o que tinha numa carne de primeira. Almo- amos junto”. juntos, fomos conversando ¢ dali a uns dias a gente estava Hoje, casados, 08 dois enxergam a experiéncia da ocupa do como uma virada na vida, Nao apenas por terem conseguido tum alivio na situacio de moradia (o ausilio aluguel) ¢ uma pers: pectiva real de terem sua casa. Mas fundamentalmente pelo aprendizado de luta que a ocupagio Ihes trouxe: “Hoje cu niio abaixo a cabeca pra ninguém. Sei dos meus direitos e vou até 0 fim.” — diz Deda. Ww Guilberme Boulos Capitulo 5 Organizagao coletiva e poder popular Assembla da Ocupasio Jodo Ciindido (SP), om 200% Os sem-teto, quando fazem uma ocupagiie, pHolendleN construcio de casas para aqueles que precisatn, Mas sealant pot construir outras coisas também. Mesmo quando eat ite Yom € sio despejados, ha conquistas muito importantes, ue MANEHN a vida daqueles que tiveram a coragem de se levantit «Iii Por seus direitos. A vivéncia coletiva numa ocupagio orantaada, ay formas novas de apropriagao do territério © o enjgajament ses ¢ mobilizacdes necessérias 4 conquista di moradia fave das Por que ocupamos? 59 Heupagdes um espaco de enfrentamento légica da Cidade do Capital. FE. constrocm uma referéncia de organizagio coletiva poder popular, Fazer Reforma Urbana com as préprias maos No discurso dominante, as ocupagdes sio colocadas como responsiveis pelo caos urbano ¢ a falta de planejamento das ¢- dades, Ei sua logica, seria preciso despejar muitas das ocupa 50es existentes ¢ reprimir a formagio de novas. Este ¢ 0 discurso € 4 pritica assumidos por quase todas as instincias de governo ‘no Brasil, sejam os governantes do DEM ou do PT, Mas a Iogica deste discurso ¢ invertida, além de tepresen- tar os mais evidentes interesses do capital imobiliirio, Invertida porque transforma em vilbes aqueles que foram as principais vi- timas do processo de erescimento urbano. As ocupagdes foram produtos dla falta de alternativa babitacional aos trabalhadores, imposta pelo interesse de luctos do mercado imobiliério e pela clitizagio (ou inexisténcia) dos programas habitacionais, (Os grandes proprietitios e © Estado foram e continuam sendo os responsiveis por um modelo irracional de desenvolvi- mento utbano. Os proprictirios, apenas preocupados com seu ganho especulativo, no tém qualquer constrangimento em er- guct enormes torres habitacionais que levam milhares de famili- as a regides onde a infraestrutura e os servicos ja sio completa- ‘mente precitios aos moradores jé existentes. Os governos, além de autorizarem os grandes empreendi- mentos sem restricOes ¢ com agilidade, nao exigem qualquer contrapartida, Os mesmos governos que prefetem construit ave niidas € pontes ao invés de trem ¢ metr6; e que constroem seus conjuntos habitacionais em regides no meio do nada, Estado ¢ proprietirios nio tém qualquer autoridade para usar 08 ocupantes pelo caos urbano. As ocupagdes si uma tesposta A logiea de cidade imposta pelo capital, em allanga com oy Guilberme Boulos os governantes. Resposta que representa :resisténcia dos traba- Ihadores a um sistema que os segreyga ¢ milo fa Uireitos fundamentais. Além disso, € preciso questionar © inagiiiitio’ domminante que identifica ocupacio € favela. As favelas silo, em geri, pro: dutos de ocupacdes nfo organizadas, onde vs enidones vivern nas piores condigdes e sujeitos a todo tipo de auyersidade, Ni guém quer morar numa favela. Qualquer polities habityeional ‘comprometida com os interesses populares deveris ler Hoi pth oridade a transformacio de favelas em morudlin digit, lovato infraestrutura e setvigos urbanos a estes bairtis wei dt FOMO- delagio do espaco. Mas nem toda ocupasio produz favela. Ay acupagies oF ganizadas por movimentos populares, além dle serein) wenuliail da falta de alternativa de moradia, trazem muitas ¥eAoh YMlONiy ligdes para uma nova légica de organizacio de veriiie Wwhaie: Muitas das experiéneias mais interessantes de questionInetis segregacio ¢ irracionalidade da cidade do capital [onamt © 90 produzidas nas ocupagdes ‘A ocupacao Anita Garibaldi, em Guarulhos (SP), [oye #0 projeto de implantagio urbana feito pelos trabuallialifon 61 [IME ceria com estudantes da Faculdade de Arquitetuta © Uiyanisne da USP. Tem ruas na medida correta, campo de fijehol © dint enorme Area social de convivéncia, hoje pareialinonte ouMpad por uma creche. Sem contar o barracio para wuemblelay dae motadores, etguido por eles proprios. (Os lotes da ocupacio Pinheirinho, em Sie Jol day Camnpiok (SP), so maiores do que os de qualquer outro halted weylien Foram também reservados na ocupacio, cuje inensis WATER EF antes usado para especulacdo imobiliria, lores sen 1utilly PAPA aqueles trabalhadores que tm uma atividadle qgrieols, A aeupa fo tem também local de assemblcia e nea dle convivineli® rante se * Bste texto foi eserito antes do massacre do Pinhi Sio Paulo, Ins ela Palin Naan dle Por que ocupamos? 61 Ipresentagi de teatro em aenpagio de sem-eto (SP), vn, _.\ primeira seciio de cinema que muitos tabathadores de Tabodo da Serra (SP) tiveram a oportunidade de assistit foi no int 10 Chico Mendes. Durante o perfodo em que tes estiveram na posse do terreno (2005/2006), antes de serem despejados, ocorreram regularmente secdes de cinema, “abaclos, além da formagio de uma biblioteca comu. nitaria, que possibilitor a Ieitura, Isso sem fal dla Ou nuitos um encontro ou reencontro com indas para as criangas, nos barracdes Comunititios por rua e em outtas iniciativas do género, que cos- tumam estar presentes em virias ocupagdes organizadas por movimentos populares, E evidente, porém, que as ocupacdes organizadas no sto uma ilha do Paraiso © nem poderiam ser. Nelas se enfrenta os mesmos problemas que no conjunto da periferia, M. Proposta de resisténcia, elas mostram que a ony anizagao coletiva Guilberme Boulos dos trabalhadores & capaz de fazer o que o Estado nito faz, B, apontam para a perspectiva de uma nova kigica de « nizac do territério, definida pelo interesse eoletivo da maioria © nio pela sede de luctos dos especuladores ¢ empreiteltos © nome que damos a isso é fazer Reforma Urbana com as proprias mos: apropriar-se do espaco urbano de acer Com it teresses coletivos, colhendo os frutos da or dos trabalhadores, s tado para exigic a conquista de nossos ditcitox m deixar, por outro lado, de enfientat 0 Lis Modelo de Organizacao Coletiva Da mesma forma que o capi mesmo 0 espaco da vida, em mercadc trabalhadores em consumidores passivos «le Nessa sociedade, cada um vale 0 quanto pay O trabalhador modelo para 0 Capital ¢ passivamente a vida dura que Ihe foi impo zi algam dia as mereadorias que nie foxamn Feitay jaan ele pe sat de feitas por ele. O trabalhador quieto, jue diy “alin, went" durante a semana e “amém” aos domingos, A ideologia dominante impde, com este model de Vidi prinefpio do “cada um por si”. Apresenta os problems is Holt ‘sOes como determinados por fatores individuals, Se wy seal dor nio tem uma casa & porque nao trabalhou 6 bisiAiiley 6 Ae quiser consegui-la, basta trabalhar mais, fiver honieyti OU He jucle que leva jonhande, eon qualificar para encontrar um emprego melhor Dessa mancira, os graves problemas sorials Ho appronentn dos como se fossem um problema individual de cada ann A a0 pacio organizada rompe com esta lopica ao ComMEUIE ANA exp fiéncia de acio coletiva dos trabalhadore’. ‘Ao ocupar uma terra, os trabalhadores ilo tin aunt alter nativa a no ser contarem uns com os outros part poderein con quistar sua moradia, Tanto a virdria quanto a derrota da ocupagio, Por que ocupamos? 63 He OcorFer, seri de todos. Esta situagio, que é propria a qualquer io coletiva (uma greve, por exemplo) roporciona experi éncias extremamente valiosas de organizacio, Desde a abertura das ruas, pass indo pela organizacio da coleta de lixo, até a forma de solucio dos problemas cotidianos podem representar, numa ocupa um aprendizado de decisio € trabalho coletivo As cozinhas comunit s das ocupagdes talvez sejam o maior ‘exemplo disso. Nos acampamentos do MTST hi um esforco no sentido de garantir pelo menos uma cozinha para cada grupo de 50 100 £ proprios moradores ¢ no trabalho yoluntatio, em sistema de revezamento. Aqueles que, por alg exemplo), nao podem contribuir familias. Estas cozinhas funcionam com base na doa¢io dos m motivo (de trabalho, por \s tarefas coletivas entram com. Des. Com es iniciativa, cria-se um vinculo sdlido de tra- balho coletivo e, ao mesmo tempo, assegura-se que nin m passe fome na ocupacio. O que esti'em jogo & a construgio de solucSes coletivas para os problemas que afetam a todos, eat tall ear Tay) Coginha coetva na Ocupagta Jodo Cindido (SP); uma das 36 cos funciona nesta ocupagio, inhas que oa Guilberme Boulos = Além disso, ao realizar regularmente assembleias para a tomada de definigdes sobre as questées da comunidade © a0 de finir coletivamente as regras para o uso do espago = com todos 05 limites que isso tenha — os ocupantes saem «lt posigity politica dle completa passividade, que marca a demoericia burguesn Muitas ve cicio de decisio coletiva proxli ann resultado duradouro, a0 formar novos militantes pari s lula do trabalhadores no Brasil. Sio aqueles que, com eita exppeniénein perceberam que podem Iutar para decidir também o4 runo dh sociedade em que vivem. Mas, independentemente do caminho que cali in vent a seguir, fica sempre a marca desta experiénela viva de poder popular. Experiéncia que se expressa nestas viriay pHitieat decisio e organizacio coletiva, mas também no proce dk mobilizacio, sem 0 qual uma ocupagio nio sobrevive i MOK sequer, Os interesses que uma ocupagio enfrenta muito poderosos, o que toma necessiria a realizagho de junto de aces de pressio sobre o Estado: marchis, acMnpainet tos em prédios péblicos, travamentos, dentre outens tantly NOt sas ages, os trabalhadores sem-teto vio aprendende # VAllONA & antiga licio de que nfo dependem de ninguém, « mila wet de ih propria luta, para mudar a vida e conquistar seus «ively E um aprendizado como esse nio se perile, Nett) MEINE com um eventual despejo da ocupagio. ‘Torna-se pried pub doria popular, a ser utilizado sempre que necessity NiO sa poucos os ca! despejo e um retorno forgado s que conhecemos de sem telos Gilt, Api UY suas condigées pprocarian de gum bairro peri ade e organizaram por propria conta mobilieagh por melhores condigdes de vida. Como exemplo, cito apenas alguns caios que mie who mals proximos e conhecidos: participantes de ocupagdes do MEST oa Por que ocupamos? 6 MWh Wil chi Regio Metropolitana de Sio Paulo, que acabaram por ser d ppejadas, protagonizaram depois lutas contra 0s despe: Jos em varias comunidades da regio (Jd. das Palmas, J. Ing, Jd ddos Reis, Boulevard da Paz); lutas por servicos de saide e eoleta de lixo em outras tantas (Jd. Sto Luiz, Jd. Sio Marcos, Jangadei- 10): do envolvimento em grandes lutas por transporte pi blico na regio, com vitrios travamentos da Estrada do M’Boi apenas alguns casos, localizados numa tinica regio, mas que ilustram a utilidade do aprendizado adquirido numa experigneia de ocupa izada, pacio numa ocupagio organizada repre- senta um despertar para muitos trabalhadores. F; bastante fre- quente, entre os ocupantes, aqueles que relatam que sua vida Assim, a par se divide entre o antes ¢ 0 depois da ocupacio. Os casos apre- uum pouco este fato. Ao 108 companheitos pelo mes- mo interesse coletivo, muitos sem-teto desenvolvem uma nova visio das relagbes iticas em que estio inseridos, tis etitico e ative no conjunto de sentados no capitulo anterior totnarem-se parte ativa, an str passando a lo. Produto da necessidade © da falta de alternativas, a ocu- pagio pode tornarse uma exeola de luta, um despertar para muitos sujeitos tratados pelo eapitilismo a ferro © fogo nas pe- riferias. Do chito da periferia segregada, muitos combates ainda poderio brotar. 6 Guilherme Boulos Anexo Pinheirinbo Oestado a servigo da especulagdo Em 22 de janeiro de 2012, a Policia Milliar de Silo Paulo invadiu a ocupacio Pinheirinho, em Sao José dos Campo, NUNN «le feridog, dans operacio de guerra que chocou o pais. Dezer mulheres violentadas sexualmente, pertences destiuidoy 0 (04 bados ¢ — até o momento em que escrevo ~ einen preuniis Heit parccidas. Este foi o saldo da acto que despejou 1.400 fimniliny © destruiu suas casas. Por qué este massacre contra familias que apenas ueriAlh tum canto para morar? Vamos tentar entender: ‘A ocupagio do Pinheitinho iniciou-se ¢ centenas de familias foram despejadas de suns ¢ sul de Sao José dos Campos. Sem ter onde 1 Estado oferecesse qualquer alternativa ocuparann unin patie a imensa area abandonada, que depois transformou ne it Lltie deanna, 86 font 20004, quand «an roid Muitas outzas familias, que viviam o mes ram A ocupacio. Desde o primeiro momento, a prefeiturn da elidade fe 10 dos os esforcos para despejar os moradores ¢ devolvel 9 WHEN empresa Selecta, de NajiNahas, um conhecides especuladon, processado por crime do colarinho branco ¢ pres ein 2008 ni coperacio Satiageaha da Policia Federal ‘A situagio deste terreno é um exemple precios do que ‘vimos no capitulo 3 deste livro. A des proprietirios de terra, NajiNahas est quema de grilagem que roubou propriediude p sim como a maloria dos jan pliea, © terreno Por que ocupamos? or lo Pinheitinho pertenceu a dois irmaos alemies, que deram nome a0 baitro vizinho, o Campo dos Alemies. Os irmios foram as- sassinados, num crime munca esclarecido, em 1969, sem deixar herdeiros. Quando um proprietitio morre e niio deixa herdeiros, suas Propriedades so transferidas ao Estado, tornando-se patriménio Publico. No entanto, nio foi isso que ocorreu. Documentos fo- tam falsificados e, de grileiro para grileiro, a area foi parar nas ios da Selecta. ste caso, como milhares de outros iguais pelo pais, nunca foi investigado. Mas em 2004, quando ocorreu a ocupacio, a prefeicura ain a nio tinha as forcas necessirias para fazer o despejo e-vencer a valorosa resisténcia dos moradotes do Pinheirinho, organizados pelo MUST (Movimento Urbano dos Sem teto). Ja em 2011, quando se montou.o plano do despejo, as for Gas eram muito maiores, A prefeitura, na figuea do prefeito Eduar- clo Cury, ¢ NajiNahas conseguitam trazer para seu lado 0 presi dente do Tribunal de Justica de Sto Paulo, Ivan Sartori, e 0 Go- vernador do estado, Geraldo Alekmin, ‘Tudo com a omissio «i lenciosa do Governo Federal. Amigos poderosos, com condigdk de mobilizar quantos soldados fos baitro do mapa, O que ocorreu nestes sete anos, que fez com que as auto ridades maximas do estado de Sio Paulo se mobili mente pari massactar uma ocupagiio? Mais do que isso: para que estas autoridades agissem ilegalmente, destespeitando uma or- dem da Justica Federal? Muita agua rolou de 2004 a 2011... Hi muito dinheito tam: bém. Como vimos no capitulo 2, os siltimos anos foram marca. dos por um aumento brutal da especulagito imobilitia e da valo- rizacao de tetras urbanas no Bra proprietatios, construtoras, incorpo © aumentaram seu poder de influénci n necessitios para apagar o sem ativa- i. Os capi istas deste ramo — loras = se fortaleceram muito abre os governos, os Guilberme Boulos Sio José dos Campos no fugiu A regra. Muito pelo cont rio, Poi uma das cidades em que a valoriza¢io imobiliatia foi mais feroz no estado de Sio Paulo. Somente de 2011, a arrecadacio do TTBI (Imposto Territorial sobre Bens Inveis) subiu 20% na cidade, Num encontro do setor imobi bro de 2011, os empresirios e donos de terra estimaram a movi mentacio de R$5,4 bilhdes no mercado imobiliinio da eidlade ate 2014. Sio imimeros empreendimentos previstos, aléin la valotl zacio relacionada 20 projeto federal do ‘Trem-bala, que pasar pela regio, Curiosamente, a parte da cidade que lider eae pro ‘cesso, com a previsio de 51 empreendimentos, ¢ a Zona sul onde fica o terreno do Pinheitinho. De forma descarada, fica claro quais foram om intereuies que mobilizaram 0 poder de Estado para despejar © MA\MicTHt & populagio do Pinherinho neste momento. A ocupagiia typeset tava um problema sétio para esta escalada da especulagiiy, jh que sua existéncia desvalotizava as areas vizinhas. Isso sein COMM a liber¢io do proprio terreno para o capital imobilittie fit io de Sito Jose eny nove que bem entenda, Por isso, a mio-de-ferro do Estado. Por isso agi enn nnosa do judiciario paulista e da policia militar. Por isso twinbOln & omissio do Governo Federal. O Pinheitinho s6 pode contr suas ptoprias Forcas, contra a agressao covarde de todas ap pad res de Fstado juntos. Para coroar este episédio vergonhoso, que iliates pretlulta mente 0 servigo do Estado & especulacio imobiliitia, Comanel Messias — que comandou 0 massacre cm pene dia 9 de fevereito (menos de vinte dias depois) uma honraria ct Policia Militar de Sio Paulo. Foi condecorado com a Medalhia Paul Balagny, que reservada Aqueles que prestan “teleyante io em beneficio da Policia Militar do estudio de Sio ido, em sua verdade nua ¢ erua defendendo os ibalhadores ¢ premiando os earrascos ticos, massacrando 0 Por que ocupamos? Jo, Indicagoes para aprofundar a reflextio Muitos livros ja foram esctitos sobre o problema da mora- dia ¢ o desenvolvimento das cidades no Brasil. Sem contar os milhares de artigos ¢ textos publicados em revistas especializadas. Seria uma tarefa impossivel listar todos aqui. Sobre as ocupacdes de terra urbana, a situacio é distinta Ha poucos trabalhos realizados. A maioria deles, inclusive, sio na set publicadas por alguma teses académicas que no ch editora Atualmente, existem também varios sitios na internet que disponibilizam textos cis a quem se inte- ressat em aprofundar a reflexio sobre a Cidade do Capital e a Iuta dos trabalhadores urbanos. No caso das ocuy urbanas, uito ue pode 08 videos, que possibi- dos sem-tet no Brasil podemos encontrar ainda na internet vi dal As indicagoes a baixo representa os materiais que me foram mais necessi litam uma visio mais pros 8 pani eserever este Livro € outros que po- dem ajud ‘se aprofundarem no tema. Certamente, existem muitas tas inclicagoes titels e interessantes que nio constam nesta pequens lista, De todo modo, é um comeco para quem quiser levar 1 esta reflesiio Indicagées de Livros: Henti Lefevbre: A Cidade do Capital, Lucio Kowarick: A espoliagio urbana. Lucio Kowarick (org): Sido Palo = As lutas soviais ¢ a cidade. Eder Sader: Quando novos pervonagens entraram em cena. Maria Ozanira da Silva e Silva: A pullica habitaional brasileira Pedro Arantes ¢ Mariana Fis: Como o governo Lula pretende resolver 0 problema da habitagio. 0 Guitherme Boulos Liz 6, Debora Goulart: O anticapitalisme do MTST (Tes de dontonado — UNESP). Fonte de Dados: Fundagio Joao Pinheiro: Deficit Habitacional no Brusil (2007), Sitios na Internet: Blog da Raquel Rolnik: herp://raquelrolnil.swordpienscom, Laboratorio de Habitagao da FAU/USP: hitpi/ ati bid fau/depprojeto/labhab, MIST: hup://mtstorg/. (Neste sitio encontnam se yileds sobre ocupagdes urbanas organizadas pelo MYST) Por que ocupamos? ee

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