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A EDUCAÇÃO ESPARTANA

(Retirado de: MARROU, Henri Irénée. A Educação Espartana. in História da Educação na


Antiguidade. São Paulo: E.P.U., Ed. Da Universidade de São Paulo, 1973. pp 34-50.)

A EDUCAÇÃO ESPARTANA

Esparta, testemunha privilegiada do arcaísmo, constitui mui naturalmente a segunda etapa de


nossa história: podemos observar como a educação cavalheiresca homérica aí já se perpetua tão logo
começa a evoluir. Cidade eminentemente militar e aristocrática, Esparta não irá muito longe na
trilha que devia levar àquilo que chamei a "educação do escriba": continuará, ao contrário, por
questão de honra, uma cidade de semi-iletrados. Embora sua meticulosa legislação termine por regula-
mentar quase tudo, inclusive as relações intraconjugais, por singular exceção sua ortografia jamais será
uniformizada: a epigrafia revela-nos, nesse domínio, a mais estranha e a mais complacente anarquia.
Como Creta, também ela conservadora, aristocrática e guerreira (2), Esparta ocupa um
lugar privilegiado na história da educação e, mais geralmente ainda, da cultura helênica: permite-nos
ela atingir um estado arcaico, precocemente alcançado, da civilização antiga, e isso numa época em
que Atenas, por exemplo, nada poderia ensinar-nos, praticamente não existindo. Desde o século VIII a
arte já floresce na Lacônia e o século VII é o grande século de Esparta, cujo auge, ou ἀκμή, para
dizer em grego, se situaria, a meu ver, por volta de 600.
Isso porque tal evolução precoce foi, mais tarde, bruscamente freada: após ter-se mostrado na
vanguarda do progresso, Esparta, por uma inversão de papéis, tornou-se a cidade conservadora por
excelência, mantendo, com férrea obstinação, velhos costumes já em desuso por toda parte: ela se torna,
para toda a Grécia, um país de paradoxos, objeto de escândalos fáceis ou de admiração apaixonada da
parte de teóricos utopistas: assim é que pelo arcaico das lacedemônias, aberto sobre o flanco direito,
explica as maldades que o espírito licencioso dos atenienses assacava contra as φαινομηρίδες.
Com efeito, parece realmente que essa originalidade, tão fortemente salientada por nossas fontes
antigas, das instituições e dos costumes lacônios (e cretenses), seja devida tão só ao fato de esses países
conservarem, na época clássica, traços de civilização arcaicos, por toda parte apagados pela evolução — e
não, consoante a hipótese racista de K. O. Müller, tão popular na Alemanha há mais de um século, devida
a um espírito particular, ao gênio próprio dos povos de "raça" dórica.
Infelizmente, as fontes que nos permitem, descrever a educação espartana são tardias: Xenofonte
e Platão levam-nos, somente até o século IV e seu testemunho é menos explícito que o de Plutarco e das
inscrições que em sua maioria datam apenas dos séculos I e II de nossa era. Ora, Esparta não foi somente
conservadora, mas reacionária: sua vontade de resistir à evolução natural, de remontar a corrente, de
restabelecer os “costumes tradicionais de Licurgo” determinou, desde o século IV, um esforço de
reajustamento e de restauração que, realizado ao longo da História, a conduziu a muitas restaurações
arbitrárias, a falsas reintegrações pseudo-arqueológicas.
Seria necessário poder atingir, sob estes arranjos, a educação real da Esparta arcaica, do século
VIII ao VI e, mais particularmente, durante o belo período que se segue, à submissão definitiva da
Messênia, depois do esmagamento de sua dura revolta (640-610). Mas dessa, idade de ouro não podemos
entrever a educação tão nitidamente quanto a cultura.

CULTURA ARCAICA DE ESPARTA

Esta nos é acessível graças a duas ordens de documentos: os fragmentos dos grandes líricos:
Tirteu, Alcman, e os resultados, surpreendentes, das escavações feitas pela Escola Inglesa de Atenas,
notadamente as do santuário de Ártemis Ortia (1906-1910). A aproximação destas duas séries de fontes,
que se esclarecem mutuamente, revela-nos uma Esparta bem destoante daquela imagem tradicional da
cidade severa e bárbara, crispada num reflexo intratável de desconfiança: na época arcaica, ao contrário,
Esparta é um grande centro de cultura, acolhedora para com os estrangeiros, as artes, a beleza, para com
tudo o que pretenderá mais tarde repelir: ela é, então, aquilo que Atenas só se tornará no século V — a
metrópole da civilização helênica.

1
Certamente, essa Esparta dos séculos VIII-VI é, antes de" tudo, um Estado guerreiro: seu poderio
militar permitira-lhe conquistar e reter um território que duplicado desde a anexação da Messênia (735-
716), faz dela um dos mais vastos Estados da Grécia; ele lhe conferiu um prestígio que ninguém, antes da
vitória dos atenienses nas guerras médicas, poderá pensar em negar-lhe seriamente. O lugar dominante
ocupado em "sua cultura pelo ideal militar é atestado pelas elegias guerreiras de Tirteu, que ilustram belas
obras plásticas contemporâneas, consagradas, como elas, à glorificação do herói combatente.
É, pois, permitido conjecturar que, nessa época arcaica, a educação do jovem espartano era já
essencialmente, ou antes, continuara sendo uma educação precipuamente militar, um aprendizado direto e
indireto do ofício das armas.
Importa, contudo, salientar a evolução, técnica e ética ao mesmo tempo, que se registrara desde a
idade média homérica: a educação do cidadão espartano não é mais a de um cavalheiro, mas a de um
soldado; insere-se numa atmosfera "política", e não mais senhorial.
Na base dessa transformação ocorre uma revolução de ordem técnica: a decisão, no combate, não
depende, mais de uma série de, encontros singulares de cavaleiros apeados de seus carros, mas do choque
de duas linhas de infantes em ordem cerrada; a infantaria pesada dos hoplitas é doravante a rainha das
batalhas (haverá em Esparta um corpo privilegiado de cavaleiros, mas estes ίππεῖς parecem ter sido uma
Polícia secreta de Estado).
Essa revolução tática teve, como o notou com rara perspicácia Aristóteles1, profundas
conseqüências morais e sociais: ao ideal, no fundo tão pessoal, que era o do cavalheiro homérico do
companheiro do círculo real, substitui-se doravante o ideal coletivo da πόλις, do devotamento ao Estado, o
qual se torna, como não o era na época precedente, o quadro fundamental da vida humana, em que se
desdobra e se realiza toda a atividade espiritual. Ideal totalitário: a πόλις é tudo para seus cidadãos; é ela
que os faz o que são: homens. Donde o sentimento profundo de solidariedade que une todos os cidadãos
de uma mesma cidade, o ardor com que os indivíduos se empenham na salvação da pátria coletiva, prontos
a se sacrificarem, eles, mortais, para que ela seja imortal: "é belo morrer, abatido na linha de frente, como
um bravo que combate pela pátria"2, canta Tirteu, o melhor intérprete desta nova ética.
Trata-se, realmente, de uma revolução moral: descobrimos aí uma nova concepção da virtude, da
perfeição espiritual, da ἀρετή, que não é mais a ἀρετή agonística de Homero. Muito conscientemente,
Tirteu opõe o novo ideal ao antigo: "Eu não julgaria um homem digno de memória, nem faria caso dele
unicamente por seu valor na corrida a pé ou na luta, fosse ele grande e forte como os ciclopes, mais veloz
do que o trácio Bóreas, mais belo que Titono, mais rico que Midas ou Ciniras, mais poderoso que o filho
de Tântalo, o rei Pélops, fosse sua língua mais doce que a de Adrasto, possuísse ele toda espécie de glória
— se ele não tem o valor militar, se não é homem para resistir na batalha 3... esse é o verdadeiro valor
(ἀρετή), é esse o mais alto prêmio que um homem possa obter entre os homens; é um bem comunitário,
útil à cidade e ao povo inteiro, que cada qual, bem apoiado nas duas pernas, resista na linha de frente,
expulsando de seu coração toda idéia de fuga"4.
Vê-se com que energia o novo ideal subordina a pessoa humana à coletividade política: a
educação espartana, segundo a feliz fórmula de W. Jaeger, não terá mais por fim selecionar heróis, mas
formar uma cidade inteira de heróis — soldados prontos a se devotarem à pátria.

ESPORTIVA

Mas seria fazer desta educação uma idéia bem pobre crê-la já estreitamente limitada somente ao
aprendizado direto do ofício militar. De suas origens cavalheirescas ela conservava muitos outros traços e
maior riqueza: a começar pelo gosto e a prática dos esportes hípicos e atléticos.
Conhecemos bastante bem os fastos dos Jogos Olímpicos para podermos avaliar o lugar de honra
que se asseguravam os campeões lacônios nestas competições internacionais: a primeira vitória espartana
conhecida data da 15ª Olimpíada (720); de 720 a 576, dos oitenta e um vencedores olímpicos conhecidos,
quarenta e seis são espartanos; na prova decisiva da corrida a pé (corrida do estádio), dos trinta e seis
campeões conhecidos, vinte e um são espartanos.
1
Aristóteles, Política, IV, 1297b, 16-25.
2
Tirteu, frag. 10, 1-3.
3
Idem, frag. 12, 1-10.
4
Idem, 13-18.
2
Estes sucessos eram devidos tanto às qualidades físicas dos atletas quanto à excelência dos
métodos de seus treinadores; sabemos, por Tucídides 5, que se atribuíam aos espartanos duas inovações
características da técnica esportiva grega: a nudez completa do atleta (por oposição aos calções estreitos,
herdados dos tempos minóicos) e o uso do óleo para embrocação.
O esporte não está reservado aos homens: o atletismo feminino, sobre o qual Plutarco se deterá
tão prazerosamente6 (era, evidentemente, uma das curiosidades de Esparta, na época romana), é atestado
desde a primeira metade do sexto século por encantadoras estatuetas que representam moças em plena
corrida, levantando com uma das mãos a barra da saia — curta embora — de sua túnica de esporte.

E MUSICAL

Mas a cultura espartana não era somente uma cultura física: pouco "letrada", ela não ignora as
artes; como na educação homérica, o elemento intelectual é aí essencialmente representado pela música,
que, alojada no centro da cultura, assegura a ligação entre seus diversos aspectos: pela dança, ela dá a mão
à ginástica; pelo canto, veicula a poesia, única forma arcaica da literatura.
Plutarco7, retraçando a história das origens da música grega, aparentemente segundo Glauco de
Régio, ensina-nos que Esparta foi no século VII e no princípio do VI a verdadeira capital musical da
Grécia: é em Esparta que florescem as duas primeiras escolas (καταστάσεις) que essa história enumera; a
primeira, a de Terpandro, caracterizada pelo solo vocal ou instrumental, cobre os dois primeiros terços do
século VII, a segunda "catástase" (fim do século VII — início do VI), mais especialmente inclinada para o
lirismo coral, foi ilustrada por Taletas de Cortina, Xenódamo de Citera, Xenócrito de Locres, Polimnesto
de Cólofon, Sacadas de Argos: para nós, são quase que somente nomes, dos quais sabemos apenas terem
sido gloriosos; mais conhecidos são os poetas (líricos e, portanto, músicos tanto quanto poetas), como
Tirteu ou Álcman, cujos fragmentos conservados permitem-nos apreciar-lhes o talento, digamos mais, o
gênio.
A origem estrangeira da maioria destes grandes artistas (se por um lado é pouco verossímil que
Tirteu seja ateniense, Álcman parece proceder de Sardes) prova menos a impotência criadora de Esparta
do que seu poder de atração exatamente como a carreira de um Haendel ou de um Glück atesta, dentro do
seu tempo, o de Londres ou o de Paris. Se de toda parte afluíam a Esparta criadores e virtuoses, é que eles
estavam seguros de ali encontrar tanto um público digno deles como ocasiões de fazerem-se conhecidos.
Reaparece aqui a influência do novo papel desempenhado pela πόλις: a vida artística (e, de resto, também
a vida esportiva) de Esparta encarna-se nas manifestações coletivas, que são instituições do Estado: as
grandes festas religiosas.
Magnífico calendário o da Esparta arcaica! Os sacrifícios aos deuses protetores da cidade servem
de pretexto a procissões solenes (πομπαί), nas quais, como nas Jacíntias, cantos acompanham o cortejo das
moças em carro e dos rapazes a cavalo, e, sobretudo, a competições de toda ordem, atléticas ou musicais:
assim, no santuário de Ártemis Ortia, os jovens de dez a doze anos disputavam dois concursos musicais e
um jogo da "caça" (κασσηρατόριον); a festa nacional dórica das Carnéias associava, a banquetes, uma
corrida de perseguição; nas Gimnopédias, organizadas por Taletas, ouviam-se dois coros, um de rapazes,
outro de homens casados. Algumas dessas manifestações são, para nós, surpreendentes, como as danças
(β(α)ρυλλικά) em honra de Ártemis, em que os dançarinos ostentavam horríveis máscaras de mulheres
velhas, máscaras estranhas, cujo estilo evoca certos aspectos da arte maori.
De maneira geral, essas festas parecem ter-se erguido a um nível bastante elevado de
refinamento artístico: por mais mutilados que estejam, os fragmentos que se conservaram do Parteneion
de Álcman8, onde um coro de moças celebra, em termos inflamados, a beleza de suas monitoras, Ágide,
Hagesícora, evocam magnificamente esta atmosfera cheia de graça, de poesia, de juventude e de
jovialidade, e mesmo de travessura. Que dizer também deste outro fragmento9 em que o velho mestre
(pois uma tal perfeição técnica exigia um ensino, monitores, mestres) se põe, a si próprio, em cena, numa
convivência familiar e contudo delicada, com suas jovens coristas: lamentando que seus membros
5
Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, I, 6.
6
Plutarco, Licurgo, 14.
7
Sobre a Música, p. 1134 B s.
8
Álcman, frag. 1.
9
Idem, frag. 26.
3
exauridos pela idade não lhe permitem mais participar de suas danças, desejaria ele ser o pássaro κηρύλος,
o macho da alcíona, que as fêmeas conduzem sobre as asas.
Estamos longe, como se vê, da clássica tesura lacônia, dessa Esparta totalmente militar, caserna
de "mosqueteiros que eram outros tantos cartuxos", para retomar, com Barrès, a expressão do marechal de
Bassom-pière; como estamos longe, sobretudo, da educação severa, selvagem, de um utilitarismo bárbaro,
como a da tradição corrente acerca de Esparta!

A GRANDE RECUSA

A esta primavera precoce e florida sucede, entretanto, um verão rude: os historiadores estão mais
ou menos de acordo em situar por volta de 550 um estacionamento brusco na evolução, até então regular,
de Esparta. Na origem, uma revolução política e social-, pela qual a aristocracia, conduzida talvez pelo
éforo Quílon, quebra a agitação das classes populares, que podia ter provocado a segunda guerra de
Messênia, e consolida seu triunfo por meio de instituições apropriadas. É então que começa o divórcio
entre Esparta e as outras cidades gregas que, em seu conjunto, longe de voltarem à aristocracia, orientam-
se antes para uma forma mais ou menos acentuada de democracia, no rumo da qual a tirania marca
precisamente, nesta época, uma etapa decisiva.
Voluntariamente, Esparta se imobiliza nesse estádio de evolução que, por certo tempo, a havia
colocado na vanguarda do progresso. Cessa de ser conquistadora após a anexação da Tireátida (em torno
de 550); politicamente, os éforos dominam os reis, a aristocracia e o povo; uma atmosfera sufocante de
segredo, de tirania policial pesa sobre os cidadãos e, obviamente, sobre os estrangeiros, que, até esse
momento tão bem acolhidos em Esparta, se tornam suspeitos, continuamente ameaçados pelo decreto de
expulsão (ξενηλασία).
Tudo isso é acompanhado de um empobrecimento progressivo da cultura: Esparta renuncia às
artes e mesmo aos esportes atléticos, demasiado desinteressados, demasiado favoráveis ao
desenvolvimento de fortes personalidades: maior número de campeões lacônios nos jogos olímpicos.
Esparta torna-se puramente militar: a cidade está nas mãos de uma casta fechada de guerreiros, mantidos
em estado de mobilização permanente e crispados num tríplice reflexo de defesa nacional, política e
social.
Em função desta situação nova foi estruturada a educação espartana clássica, tradicionalmente
inspirada no patrocínio de Licurgo; de fato, só começamos a percebê-la, com seus quadros e seus métodos
característicos, a partir do início do século IV através de Xenofonte10; o espírito conservador já se excede
em reação, precisamente no meio que freqüentou Xenofonte, o dos "velhos espartanos", agrupados em
torno de Agesilau, que lutam contra a descompressão moral que se seguiu, como em todas as vitórias, ao
triunfo de Esparta sobre Atenas em 404, depois da terrível tensão da guerra do Peloponeso: eles se opõem
ao novo espírito, encarnado, por exemplo, em Lisandro, em nome da velha disciplina tradicional, da qual o
nome de Licurgo tende precisamente, daí por diante, a representar o símbolo.
Essa tendência não fará senão exacerbar-se na Esparta decadente do século IV, na Esparta
completamente apagada da época helenística, na obscura Esparta municipal da época imperial romana: é
então, quando a grandeza lacedemônia constitui apenas uma lembrança, que a educação espartana se
consolida e reforça seus caracteres com uma violência tanto mais desesperada quanto, daí por diante, sem
objeto.

EDUCAÇÃO DE ESTADO

Sob sua forma clássica, a educação espartana, a ἀγωγή, para dar-lhe o nome técnico, conserva o
mesmo fim claramente definido: o "adestramento" do hoplita (é a infantaria pesada que havia feito a
superioridade militar de Esparta: esta só será vencida depois das inovações táticas de Ifícrates de Atenas e
dos grandes chefes tebanos do quarto século, que superarão seu instrumento de combate). Organizada
inteiramente em função das necessidades do Estado, está inteiramente nas mãos deste. Receber a ἀγωγή,
ser educado segundo as normas, é uma condição necessária, senão suficiente, para o exercício dos direitos
cívicos.

10
Xenofonte, Constituição de Esparta, 2.
4
A lei, exigente, interessa-se pela criança antes mesmo de haver nascido: há, em Esparta, toda
uma política de eugenismo. Apenas nascida, a criança deve ser apresentada, no Lesqueu, a uma comissão
de anciãos: o futuro cidadão só é aceito quando é belo, bem formado e robusto; os raquíticos e disformes
são condenados a ser lançados no monturo, nos Apótetas11.
Até os sete anos o Estado consente em delegar seus poderes à família: nas idéias gregas, a
educação ainda não começou; até os sete anos, trata-se apenas de "criação" ((ἀνα)τροφή); as mulheres de
Esparta eram, nisso, tradicionalmente versadas: as amas lacônias eram bastantes procuradas e
particularmente apreciadas em Atenas12.
Ao atingir sete anos, o jovem espartano é requisitado pelo Estado: até à morte, pertence-lhe
inteiramente. A educação propriamente dita vai dos sete aos vinte anos; ela é disposta sob a autoridade
direta de um magistrado especial, verdadeiro comissário da Educação nacional, o παιδονόμος. A criança é
integrada em formações juvenis, cujas categorias hierarquizadas apresentam alguma analogia com as de
nosso escotismo e, mais ainda, com as dos movimentos juvenis dos Estados totalitários de tipo fascista,
como a Gióventú fascista ou a Hitlerjugend. A nomenclatura, complicada e pitoresca, que servia para
designar a série das classes anuais, interessou os eruditos antigos e, depois deles, os modernos. Limitar-
me-ei a apresentar aqui o quadro que, após discussão, propus se fixasse. A ἀγωγή compreende treze anos,
agrupados em três ciclos:

Do 8º ao 11º ano, 4 anos de


“meninice”:

Do 12º ao 15º, 4 anos de "rapaz"


no sentido pleno:

Do 16º ao 20º, 5 anos de


efebia — o nome espartano do efebo é
irene:

Aos vinte ou vinte e um anos o jovem, tendo concluído sua formação, mas não havendo satisfeito
ainda todas as exigências do impiedoso Estado totalitário, entrava nas formações de homens feitos e,
inicialmente, na dos "jogadores de bola" (σφαιρεῖς). Estes três ciclos evocarão, no espírito do leitor, a
série familiar: lobinho, escoteiro, pioneiro. A analogia com o escotismo vai mais longe: os meninos
espartanos eram repartidos em unidades (ἲλαι ou ἀγέλαι) análogas às nossas alcatéias ou às nossas tropas,
e, como estas, comandadas pelos rapazes maiores, os πρωτεῐραι de vinte anos, os mais velhos dos irenes13;
eram subdivididas em pequenos grupos (βοῦαι), equivalentes às matilhas e patrulhas, comandados pelo
mais sagaz dos seus membros, que ostentava, entre seus companheiros, o título cobiçado de βοναγός,
chefe da patrulha14.
Esta educação de Estado é pois uma educação c eletiva, que subtrai a criança à sua família para
fazê-la viver numa comunidade de jovens. A passagem é, aliás, progressiva: durante os quatro primeiros
anos, os "lobinhos" (μικκιχιξόμενοι) eram reunidos somente para jogos e exercícios; é aos doze anos que o
"rapaz" (πάμπαις), submetido a uma disciplina mais severa, deixa a casa paterna pelo internato, ou melhor,
pela caserna, de onde não deverá sair, mesmo depois de casado, antes da idade de trinta anos15.

INSTRUÇÃO PRÉ-MILITAR

Assim recrutados, quê aprendiam os jovens espartanos? Seu adestramento visa, essencialmente, a
torná-los soldados: tudo é sacrificado a esse objetivo único. E, em primeiro lugar, o aspecto intelectual da
educação, doravante reduzido a um mínimo: "Os lacedemônios acham bom que as crianças não aprendam
11
Plutarco, Licurgo, 16.
12
Alcibíades, 1.
13
Xenofonte, Constituição de Esparta, 2, 5; 1, 11. Plutarco, Licurgo, 17.
14
Hesíquio de Alexandria, Léxico, s. v.
15
Plutarco, Licurgo, 16.
5
nem música nem letras; os jônios, ao contrário, consideram chocante ignorar estas coisas", observa, por
volta de 400, logo após a vitória espartana, o autor desconhecido dos Δισσοί λόγοι 16, um sofista dórico que
foi discípulo de Protágoras.
Não tomemos este julgamento ao pé da letra: os espartanos não eram completamente iletrados:
Plutarco assegura-nos17 que aprendiam pelo menos "o necessário" à leitura e à escrita. Alguma coisa do
refinado espírito atestado por Álcman sobrevivia na disciplina do "laconismo", — a linguagem de uma
brevidade afetada, buscando porém o chiste agudo e a zombaria mordaz18; do mesmo modo conservavam,
da tradição ilustrada por Terpandro e Tirteu, certo gosto pela música e pela poesia, adaptadas a fins
educativos19.
Longe porém, está claro, de cultivar as artes somente por seu valor estético: se as elegias de
Tirteu permaneciam na base do repertório20, devem-no a seu conteúdo moral e a seu uso como canções
marciais. O nível técnico do ensino musical parece ter baixado muito, depois do esplendor da época
arcaica; já não era mais o caso de vê-lo enveredar pelos caminhos refinados da "música moderna":
contava-se que os éforos tinham condenado Frinis (a menos que se tratasse de Timóteo de Mileto), como
culpado de haver acrescentado novas cordas à lira comum. Posto de parte o canto coral, a única música
praticada parece ter sido uma música militar análoga à de nossas fanfarras (sabe-se que na antigüidade a
flauta fazia as vezes de nossos clarins e tambores, ritmando os movimentos do conjunto): "Era, diz-nos
ainda Plutarco21, um espetáculo ao mesmo tempo majestoso e terrível, o do exército espartano marchando
para o ataque ao som da flauta."
Todo o esforço visa à preparação militar: vale dizer que a educação física ocupa o primeiro
lugar; mas a prática dos esportes atléticos, e com estes a caça 22, já não está mais ligada aí a um estilo de
vida nobre, porém estritamente subordinada ao desenvolvimento da força física. Muito cedo, sem dúvida,
à ginástica propriamente dita devia-se juntar um aprendizado direto do ofício militar: ao manejo de armas,
esgrima, dardo, etc., juntavam-se os movimentos em ordem cerrada23: o exército espartano, único exército
de profissionais na Grécia clássica (que até o quarto século dispõe quase somente de exércitos
improvisados de cidadãos), causava admiração a todos, por sua habilidade manobrista, passando de uma
formação em fila a uma formação em linha por evoluções tão prontas quanto regulares, executadas de
maneira impecável, tanto no campo de batalha como no campo de exercício.

MORAL TOTALITÁRIA

Mas esta educação do soldado atribuía tanta importância à preparação moral quanto à preparação
técnica: sobretudo na primeira insistem nossas fontes. A educação espartana é completamente orientada
para a formação do caráter, em conformidade com um ideal bem definido, aliás o mesmo que o
reaparecimento do velho Ideal totalitário fez renascer aos nossos olhos, em plena Europa do século XX,
com toda a sua grandeza selvagem e desumana.
Tudo é sacrificado à salvação e ao interesse da comunidade nacional: ideal de patriotismo, de
devotamento ao Estado até o sacrifício supremo. Mas, sendo a única norma do bem o interesse da cidade,
só é justo aquilo que serve ao engrandecimento de Esparta; por conseguinte, nas relações com o
estrangeiro, é comum o maquiavelismo, esse maquiavelismo de que os generais espartanos darão, no
quarto século notadamente, tão escandalosos exemplos; donde o cuidado meticuloso com que se exercita a
juventude na dissimulação, na mentira e no roubo24.
Interiormente, procura-se desenvolver o senso comunitário e o espírito de disciplina: "Licurgo,
diz-nos Plutarco25, acostumou os cidadãos a não quererem, a nem mesmo saberem viver sós, a estarem
sempre, como as abelhas, unidos pelo bem público, em torno de seu chefe." A virtude fundamental, e
16
Ifi. H, 10 .
17
Plutarco, Licurgo, 16.
18
Idem, 19.
19
Idem, 21.
20
Platão, As Leis, I, 629b.
21
Plutarco, Licurgo, 22.
22
Platão, As Leis, I, 633b.
23
Xenofonte, Constituição de Esparta, 2.
24
Idem, 2, 6-8.
25
Plutarco, Licurgo, 25.
6
quase única, do cidadão do Estado totalitário é, com efeito, a obediência: a criança é exercitada nisso com
minúcia: não fica jamais abandonada a si mesma, sem um superior; deve ela obediência aos seus
superiores hierárquicos do pequeno βοναός ao pedônomo (que a lei mune de "porta-chicotes" —
μαστιγόφοροι — para que execute suas sentenças26), e mesmo a todo cidadão adulto que possa encontrar27.
Essa moral cívica, fundada no devotamento à pátria e na obediência às leis, desenvolve-se num
clima de austeridade e de ascetismo, tão característico de Esparta quanto dos Estados modernos que
procuraram imitá-la: a virtude espartana requer, como dizia Mussolini, um "clima duro": há nela um
puritanismo confesso, uma repulsa pela civilização e por suas suavidades. O educador espartano procura
desenvolver no jovem a resistência à dor28: impõe-lhe, sobretudo a partir dos doze anos, um regime de
vida áspero, no qual a nota de rudeza e de barbárie vai-se acentuando continuamente.
Mal vestido, a cabeça raspada e descoberta, descalço, o jovem deita sobre uma enxerga de
bambu do Eurotas, guarnecida no inverno de fibras de cardo29. Mal alimentado, é convidado a roubar para
completar o passadio30. Desenvolve-se sua virilidade e sua combatividade insensibilizando-o aos golpes:
daí o papel dos conflitos entre bandos de rapazes, no Platanista31 ou diante do santuário de Ortia32, nos
quais a virtude educativa da Discórdia, cara à velha ética cavalheiresca, é tomada em seu sentido mais
direto e mais brutal; daí o papel da criptia, que parece ter sido originàriamente menos uma expedição de
terrorismo dirigida contra os ilotas do que um exercício de campanha, visando completar a resistência do
futuro combatente à vida de emboscada e à guerra;

A EDUCAÇÃO DAS MOÇAS

Tudo isso concerne à educação dos rapazes; a das moças era objeto de um esforço paralelo:
recebiam elas uma formação estritamente regulamentada, na qual a música, a dança e o canto
desempenham um papel mais apagado que a ginástica e o esporte33. A graça arcaica cede o passo a uma
concepção utilitária e crua: como a mulher fascista, a mulher espartana tem o dever de ser antes de tudo
uma mãe fecunda em filhos vigorosos. Sua educação é subordinada a esta preocupação de eugenia:
procura-se "tirar-lhe a delicadeza e a feminilidade", enrijecendo-lhe o corpo, obrigando-a a exibir-se nua
nas festas e nas cerimônias: o objetivo é fazer das virgens espartanas robustas viragos sem complicações
sentimentais, que se acasalarão ao melhor dos interesses da raça...34

A MIRAGEM ESPARTANA

Tal é a famosa educação lacedemônia, objeto de tanta curiosidade da parte dos modernos, e já
dos antigos. É difícil, para um historiador francês, falar desta matéria com total isenção. De K. O. Müller
(1824) a W. Jaeger (1932), a erudição alemã exaltou-a com uma admiração apaixonada: viu nela um efeito
do espírito nórdico veiculado pela raça dória e a encarnação de uma política conscientemente racista,
guerreira e totalitária, em que se teria, concretizado por antecipação, como num modelo prestigioso, o
ideal em que a alma alemã não cessou de nutrir-se, desde a Prússia de Frederico II, de Scharnhorst e
Bismarck, até o III Reich nazista. Entre os franceses, Barres foi levado, a exemplo daqueles, a admirar em
Esparta "uma prodigiosa coudelaria". A Grécia aparecia-lhe como "um agrupamento de pequenas
sociedades para o aprimoramento da raça selênica": "Essa gente, os espartanos, fez com que seu adestra-
mento primasse" (Lê Voyage de Sparte, págs. 199, 239).
Esse entusiasmo tivera precursores antigos: com efeito, conhecemos Esparta através sobretudo
da imagem idealizada e romanesca que traçaram dela seus partidários fanáticos e, antes de todos, os que
ela teve na sua velha inimiga, Atenas. Por volta do fim do quinto século, e mais ainda ao longo de todo o
quarto, à medida que se acentuava e se estabilizava o triunfo das tendências democráticas, os partidários
26
Xenofonte, Constituição de Esparta, 2.
27
Idem, 2.
28
Platão, As Leis, I, 633bc.
29
Xenofonte, Constituição de Esparta, 2, 3-4; Plutarco, Licurgo, 16.
30
Xenofonte, Constituição de Esparta, 2, 5-8; Plutarco, Licurgo, 17.
31
Pausanias, Descrição da Grécia, III, 14, 8.
32
Xenofonte, Constituição de Esparta, 2, 9.
33
Idem, 1, 4.
34
Plutarco, Licurgo, 14.
7
da velha direita, aristocratas ou oligarcas, levados a uma oposição intratável e estéril, verdadeira evasão
interna, transferiram novamente para Esparta seu ideal recalcado: o historiador de hoje tem grande
dificuldade em discernir os elementos que estiveram na base desta "miragem espartana". O facciosismo
laconizante reinante nos meios: reacionários de Atenas, como por exemplo naquele em que viveu
Sócrates, é tão forte quanto aquele que a burguesia francesa dos anos do "Front Populaire" manifestava em
favor da ordem e do poderio da Itália mussoliniana.

ILUSÕES PERDIDAS

Em face de tal desencadeamento de paixões, pedir-se-me-á que fique impassível? Deixar-me-ei


também arrebatar e denunciarei com veemência a fraude moral que supõe, em menosprezo da sã
cronologia histórica, uma tal exaltação da pedagogia espartana. Virando pelo avesso uma frase de Barrès,
desqualificarei sem esforço os elogios que ela recebeu, dizendo que eles "cheiram a espírito subalterno":
este ideal é o de um suboficial de carreira!
Certamente, creio ser, tanto quanto qualquer outro, sensível à grandeza de Esparta; observo,
contudo, que Esparta foi grande no tempo em que era bela e justa, nos dias dourados em que, como o
celebrava Terpandro35, floresciam ali "o valor dos moços, a musa harmoniosa e a justiça dos largos
caminhos, senhora das belas façanhas", no tempo em que a virtude cívica e a força de suas armas se
equilibravam com um sorriso de humanidade, na graça maliciosa de suas virgens e na elegância de suas
jóias de marfim. Esparta só começou a enrijar-se no momento em que declinou.
A desgraça de Esparta foi ter amadurecido demasiadamente cedo. Ela quis eternizar o instante
bendito de uma ἀκμή precoce: ela se retesou, glorificando-se de não mais mudar, como se a vida não
fosse mudança e a morte a única coisa imutável! Tudo, nessa Esparta clássica, procede de uma rejeição da
vida: no início, descobrimos o reflexo egoísta da aristocracia, recusando aos combatentes das guerras
messênicas a extensão dos direitos cívicos. Exteriormente, Esparta não pôde senão invejar o crescimento
de outros Estados ou das culturas mais recentes que a sua.
Crispada nessa atitude de repúdio e de defesa, ela teve somente o culto estéril da diferença
incomunicável: daí esta necessidade odiosa que reencontramos no fascismo moderno, de constituir a
contrafação dos costumes, comuns, de destacar-se.
E tantos esforços lograram somente camuflar uma decadência que, de geração em geração, nos
aparece como mais irremediável. Esparta só conquistou Atenas, em 404, à custa de um esforço desmedido,
que quebrou todas as suas energias e esgotou suas riquezas espirituais: os séculos seguintes apenas
assistiram ao seu obscurecimento progressivo.
Ora, torno a dizê-lo, à medida que Esparta declina, sua educação precisa e reforça suas
exigências totalitárias: longe de ver na ἀγωγή um método seguro de engendrar a grandeza, constato nisso
a impotência total de um povo vencido que se ilude. Como?! este eugenismo rigoroso corresponde à
crescente oligantropia de uma cidade assolada pela desnatalidade e pelo egoísmo da classe dirigente,
fortificada em suas ralas fileiras. Tantos esforços contra a natureza para produzir mulheres fortes
redundavam somente em rainhas adúlteras, como Timéia, a amante de Alcibíades, ou mulheres de
negócios, açambarcando a fortuna mobiliária e as terras, como as do terceiro século! E que dizer deste
adestramento dos guerreiros? Ele intensifica seu rigor e sua ferocidade à medida que se torna menos eficaz
e perde sua aplicação real.
Uma análise atenta das fontes mostra, com efeito, que esta rudeza espartana não é um legado das
origens, mas não cessou de ir exagerando seus rigores. As Gimnopédias eram, no sexto século, ocasião de
espetáculos musicais; mais tarde, a nudez prescrita às crianças perdeu seu valor ritual, para dar ocasião a
concursos de resistência à insolação sob o terrível sol de verão. O santuário de Ártemis Ortia era,
originàriamente, também, palco de uma rixa inocente entre dois bandos de crianças disputando queijos
empilhados sobre o altar (o equivalente de certas partidas organizadas nas grandes escolas da França e nos
colégios britânicos). Na época romana, e na época romana somente, esta cerimônia converteu-se na prova
trágica da διαμαστίωσις, em que os rapazes sofrem uma flagelação selvagem e rivalizam em resistência, às
vezes até à morte, sob os olhos de uma multidão atraída por este espetáculo sádico; e a tal ponto que será
necessário construir um teatro hemicíclico, diante do templo, para alojar os turistas vindos de toda parte. E

35
Terpandro, frag. 6.
8
isto em que época?! Mas no Alto Império, quando a paz romana reina de uma à outra extremidade do
mundo civilizado, quando um pequeno exército de mercenários basta para conter os bárbaros para além
das fronteiras bem protegidas, quando floresce uma civilização inteiramente imbuída de um ideal civil de
humanidade, então Esparta adormece, como pequeno município tranqüilo da desarmada província de
Acaia!

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