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iain LUPO Re) a0) 107, 0cle] NET BREVE HISTORIA DO URBANISMO FLEDITORIAL PRESENCA LICAO 4 A CIDADE ISLAMICA 5 te 0 segundo quartel do século VI, Maomé, 0 «tiltimo» dos Jevantou um movimento confessional nos desertos da Arabia i rea expansiva que envolveu no seu impulso todo o Oriente nico até a India, todo o Norte de Africa, Sicilia e Sardenha e oda a Peninsula Ibérica. Mais de metade do Império Romano iano caiu nas suas maos. A extensao do Islao no seu conjun- eriodo do apogeu (séculos VII, IX e X) superava, em virtude orme desenvolvimento para oriente, o Império Romano nos | maior esplendor. adro da hist6ria geral da civilizagaéo, pode considerar-se a ses islimicos como resultado de uma desforra geral do slenizado. Os seus primeiros grandes centros situam-se entais do antigo mundo helénico: Damasco, Fustat (0 Bagdade. Um pouco mais tarde vao situar-se na lsoxania, enquanto, no extremo confim do Ocidente, tdova pertencem ao mesmo mundo espiritual.'» € de irradiacao do Islao obriga-o a adaptar-se a cultura ntra na sua passagem e que absorve. Nao cria, culturais novos, nem formas artisticas proprias. porque o Islao é fundamentalmente uma nové sta por uma religiao rigorista e pouco flexi- oO loe 200 Fig. 12. Fustat (Cairo). (Esbogo do autor) Os arabes s6 a principio criam grandes cidades dado que o seu progresso se faz pelos territ6rios mais urbanizados da bacia mediter- ranica. Damasco, Antioquia, Tesifo, Jerusalém, Alexandria, tornam-se suas presas faceis. Nao obstante, fundaram mais adiante cidades im- portantes puramente islA4micas, como Bagdade (750), Kairuan (670), Bucaria, Samarcanda, Cairo (969), Fez (século Ix), Marraqueche (sé- culo IX), etc. O que caracteriza as cidades da civilizagao islamica € a sua seme- lhanga, desde o Atlantico ao Golfo Persa. Em nenhuma outra cultura se encontra tao grande semelhanga. As cidades gregas e romanas, como vimos, eram muito diferentes entre si. Havia as que eram regu- lares, como as hipodamicas, outras cuja configuragao era consequén- cia do acaso histérico, de uma topografia especial, ou de ambas as Coisas ao mesmo tempo. Pode dizer-se 0 mesmo das cidades ociden- tais durante a Idade Média e tempos modernos. Esta semelhanga ©, contudo, tanto mais estranha quanto os 4rabes herdaram, subitamente, Cidades muito diferentes, 4s quais tiveram de se adaptar, e porque, além disso, nio possufam uma cultura propria que pudesse substituir as anteriores. E possivel, todavia, que essa mesma falta de cultu Predominio das forcas instintivas que, de uma mane ra originasse um ira por assim 59 a ad Fig. 13. Samarcanda. Plano. (Esbogo do autor) biolégica e cega, se impunha as estruturas racionais que os 98 povos tinham deixado. 0 que se refere 4s cidades, nota-se, 4 chegada do Islio, um ‘empobrecimento em comparagdéo com os complexos urbanos ndo helénico e de Roma. A cidade islimica é funcional e, ente, um organismo mais simples e tosco. Maomé tinha lan- os seus adeptos, os islamitas, isto é, os totalmente submetidos 3 (€ isto que Islao quer dizer) com uma bagagem muito pobre quistar um mundo. Quem sabe se a simplicidade do instru- eve na base da sua eficacia. Filosofia, moral, politica, legis- tudo ficava reduzido ao Alcorio. Idris IT se preparava para fundar Fez, disse a um velho que queria construir uma cidade onde se adorasse o Deus onde se lesse o seu livro, e as suas ordens fossem cumpri- fograma da cidade islamica reduz-se a este simples propésito. € uma Tegressao relativamente As cidades do mundo clas- idades muculmanas faltam a Agora, os locais para as as- de cidadaos, os circos, teatros, anfiteatros, estddios, etc. que conservaram foram as termas, convertendo-as em } Mais modestas e mais estritamente dedicadas aos be fim e ao cabo, os banhos continuaram sendo uma das Manifestagdes das relacbes sociais. ' ida, existe a porta, que é um elemento primordial 44 Todas as cidades da Idade Média, por estarem Fig. 14. Rabat. Porta da Kasba dos Udayas. (Esbogo do autor) rodeadas de muralhas, tinham portas, das quais algumas muito impor- tantes, mas em caso nenhum alcangaram o caracter decisivo que tém as portas na estrutura da cidade mugulmana. Estas portas, além de um valor simbélico preponderante, tinham também um valor funcional, Nao se tratava, em muitos casos, de simples portas, mas sim de verdadeiras composi¢Ges arquitecténicas, as vezes de grande comple- xidade. A porta costumava ser dupla; a primeira dava passagem para um espaco amplo, utilizado como patio de armas. Atravessando este patio chegava-se 4 segunda porta, pela qual, por fim, se entrava na medina. As complexas portas em cotovelo eram, em si proprias, mo- numentais e muito desafogadas. A porta € como que o gigantesco vestibulo da cidade, onde se recebe o visitante. A porta constitui uma espécie de gonzo entre 0 espaco exterior e 0 interior da cidade. Frequentemente, € nas imediagGes das portas que se estabelecem os «souks» ou mercados, que constitufam as chamadas pracas do arrabalde. A Praca Maior de Madrid foi a praca exterior (praca do arrabalde), junto a porta de Guadalajara. A praca de armas, ou patio entre as duas portas, costumava ser, até certo ponto, 0 subs- tituto da 4gora ou praga publica. Podemos, no entanto, assistir hoje a este fendmeno, no Bab-segma de Fez, em cujo patio a multidao se apinha para ver os encantadores de serpentes, ouvir os recitadores de Contos e histérias, os mtisicos e cantores. De qualquer modo, o aspecto da cidade muculmana é muito mais indiferenciado que o da cidade classica e da cidade moderna. Quanto mais complexa, funcionalmente, for uma cidade, mais diferenciada ser nas suas estruturas. Daqui a monotonia das cidades orientalis, esi pré-helénicas. O mundo islamico do mundo primitivo oriental, das esopotamicas. Se conhecéssemos melhor estas « determinar mais facilmente os antecedentes ea des do Islao, que ns parecem hoje insolitas. fe. nao ha diivida de que os maometanos, tomando og omarem das cidades orientals ja existentes, as trans- 4 seu modo, assimilando-as. A capacidade de uulmano, neste aspecto, é assombrosa. Por isso, porque _refizeram e tornaram a desfazer tantas vezes as suas am por converté-las numa espécie de magma urbano, parece nada com as de outras civilizagoes. ; introdugao como a cidade muculmana se opoe ao cam- hando-se nisso 4 cidade classica e separando-se da cidade ‘ica, que convive muito mais estreitamente com 0 meio vizinho. De certa maneira, pode dizer-se que a dicoto- cidade é, no entanto, mais profunda no Islao do que em outra cultura. faz-nos pensar na famosa interpretacao dinamica da historia, aldum, que se ajusta como 0 anel ao dedo 4 teoria da cidade defendemos. Para aquele penetrante filosofo, a aparente dos acontecimentos africanos reduz-se a uma tinica expli- existéncia de dois modos de vida, o nomada e o sedentario. de vida sao irredutiveis entre si e vivem em luta perpé- -€ 0 camponés, 0 homem do deserto; 0 sedentario é 0 pecto, das urbes arte da heranga am» mos 0 pensamento de Abenjaldum pela mao de Ortega y > com tanto brilho no-lo explicou naquele seu luminoso dade humana comega no campo livre, como nomadismo, um minimo de cooperac’io e um maximo de luta. A socie- “termina pela fundagao de cidades e tende forgosamente contrapartida, 0 contrario nao acontece: os cidadaos i vida némada, ao campo livre (p. 258). “A vida sedenté- ar, VIM, 1934. Obras Completas, t. 11, pp. 661-679. AS paginas 40 as indicadas pelo préprio Ortega como tomadas da ediga® de Abenjaldum, de M. de Slane. Paris, 1858. nela o mal atinge 0 maximo da sua forga, € nao se consegue encontrar o bem” (P- 260). Consumou-se o ciclo de uma cidade; nascida no campo. frutifica na conquista de outros grupos que retine debaixo da gua soberania, € more na cidade, fundada como residéncia desse poder politico. A visao é simples e profunda. Quem nio tremer um pouco perante essa imagem ciclica, perante esse brevissimo filme meta-historico € 0 considere uma puerilidade, est4 sendo pueril. Se- gundo 0 que precede, a civilizagao, para Abenjaldum, que era um homem cultissimo, como consequéncia inexoravel da cooperagao, constitui um mal em si propria, e €, no processo de toda a evolugao social, o principio que a mata. O apogeu da civilizacao é, historica- mente, a mesma coisa. Porqué? A civilizacao € a cidade, e a cidade é a riqueza, a abundancia, a vida supérflua, luxo e luxtria. “A familia, que chega a reinar sofre o influxo do tempo, perde o seu vigor e cai na corrup¢ao. A atencao que os seus membros se véem obrigados a dar ao Império diminui as suas forgas; acabam por ser joguetes da fortuna porque se debilitaram nos prazeres, e esgotaram as forgas no gozo e no luxo. E assim que acaba a sua dominagao politica e 0 seu progresso na civilizagao ou urbanidade da vida sedentdria, modo de existéncia natural da espécie humana, tal como é natural para a lagarta tecer o seu casulo para morrer dentro dele” .» «Noutra passagem, diz-nos Abenjaldum: “Se os arabes tiverem necessidade de pedras para servirem de suporte As suas marmitas, deitam abaixo as construgdes préximas, para as obterem. Se neces- sitam de madeiras para fazer estacas e segurarem as suas tendas, destruirao os tectos das casas para as conseguirem. Pela propria natu- reza das suas vidas, sdo hostis a tudo o que signifique edificio”.>» _ «Nesta tensdo entre 0 campo e a cidade reside o segredo da hist6- na muculmana. O némada, valente, esforgado, batalhador, temperado por uma vida pobre e dura, é 0 conquistador. Cai sobre as cidades e fonquista-as, mas, ao fazé-lo, envenena-se com o seu virus fatal, cai fa moleza até que, com o decorrer dos anos, venham outros némadas usurpar-lhe o lugar. Toda a hist6ria se converte, assim, num processo =e Se repete sempre: periodos de invasdo e criagdo de Estados, o., civilizacdo e novos periodos de invasao. Abenjaldum em tres geragdes (cento e vinte anos) o ciclo temporal erste 3 P. 340. Ortega y Gasset, Obras Completas, Il, p. 669. deste ritmo. E esse 0 tempo que dura um Estado. “Um pouco a; um pouco depois sobrevém a decrepitude. Os estados, como o viduos, tém uma vida: crescem, chegam a idade madura e coy logo a declinar”.4» A teoria de Abenjaldum explica-nos perfeitamente a evolugao dag cidades mugulmanas, a sua oposigao ao ambiente camponés que as circunda, isto é, a sua vida especificamente urbana. E também a sua falta de continuidade no aspecto arquitect6nico. Sempre Estranhamos que os muculmanos nao dessem continuidade, nas suas cidades, a tradigao das romanas e gregas, das quais muitas deviam €ncontrar-se num estado de bastante boa conservagao. Porém, a maneira de ser dos arabes, eminentemente destruidora, fez com que nao respeit nada do que encontraram na sua passagem. Cada nova invasao e ‘ pilhagem implicava a destruigdo das cidades conquistadas e, por con- Seguinte, a implantagao de outras novas. O que sucedia era que 0 seu instinto, permanente e invaridvel, tendia sempre para a mesma cidade. Assim, pode dizer-se que as construgdes eram sempre diferentes, mas que a esirutura da cidade voltava a ser a mesma, sem que, para tudo isto, tivesse importancia o decorrer do tempo ou as diferengas geogra- ficas. E por esta razao que, como diziamos no principio, as cidades islémicas so tao semelhantes em todas as épocas e€ em todas as Jatitudes. E também por esta razao que a cidade muculmana é de tipo to singular e Caracteristico, sem precedentes a nao ser no seio mais ‘TecOndito da alma oriental, _ A cidade islamica, com o seu casario compacto, os seus terracos, _ 08 seus patios — tinicos espacos abertos —, as suas ruelas tortuosas e Teantes, nao se assemelha a nada porque nao é um artificio onal, mas sim um organismo puramente natural e bioldgico. Se, Indo a opiniao do socidlogo americano E. R. Park, a sociedade ina esta organizada em dois niveis: bidtico e cultural, a mucul- a pertence 40 nivel bistico, predominante na sociedade islamica. 4 que mais Se assemelha a planta de uma cidade muculmana, € ao diagrama de um Corpo vivo, 4 imagem do sistema ‘4M corte da massa encefélica. que a estrutura da cidade mugulmana é a que menos u dos historiadores do urbanismo e dos gedgrafos. Em Ates oy S indj- Negam assem Fig. 15. Toledo. Interpretagao da sua silhueta na 6poca mugulmana, ‘Em vez da torre da Catedral, o minarete da mesquita maior. quase todos os tratados se ilude oO seu estudo on se a grande espaco a cidade da antiguidade, do mundo classico, noir : renascentista, barroca e moderna. O gedgrafo Robert E. Dickinson debruga-se sobre esta necessidade. «Estas cidades sem plano, amon- toado de edificios e casas, com ruas cheias de vida, que variam de largura e de direcgao, e se ramificam a saida de outras principais para irem terminar em becos sem saida, estas cidades, labirintos impos- siveis de decifrar mesmo com um mapa, sao tipicas em Espanha. Sao assim as cidades mouriscas que, a seguir 4 expulsdo dos mugulmanos, foram abertas por meio de grandes pragas, e cortadas por novas vias conforme a tradigio europeia. Estas também sao as caracterfsticas, quase sem alteragdes modernas, das terras muculmanas do Norte de Africa e do Médio Oriente. Ao mesmo tipo pertencem igualmente as cidades-odsis do Norte de Africa e da Asia Central, como Ferghana e Samarcanda. Encontramo-lo de novo nas cidades indigenas da Hun- gtia e da Roménia e nos Balcas, durante o periodo turco. A ocidenta- lizagdo destes pafses nos tiltimos cinquenta anos tem-se assinalado pela transformagao destas cidades segundo padrées ocidentais, pelo tasgar de grandes avenidas e espagos abertos. O contraste entre a Sofia turca e a moderna é tao acentuado como entre uma cidade-odsis do Norte de Africa e uma cidade planificada do século XIX da Europa Central. O crescimento e a planta destas cidades de terras semidridas, ©OM Os seus némadas convertidos em cidadiios sedentarios, exige wna investigacao. Desenvolvem-se como aglomerados camponeses COM> ; sem nenhuma classe média organizada e sem nenhuma ideia ‘ou autoridade. Foram, e sao, grandes comunidades rurais de S que possuem terras nos arredores, € nao passam, portan- de comércio para servigo do campesinato.» on, embora compreenda a singularidade destas cidades e¢ necessidade do seu estudo, nao as interpreta nem entende, de serem um amontoado labirintico de ruas arrevesadas, nao mas antes, pelo contrario, obriga a fazer essa interpretacio, Tesolve 0 caso, como parece pretender este autor, dizendo que de meros aglomerados camponeses sem fun¢ao urbana. Como ente urbanizadas e, em grande medida, centros politicos, ciais e religiosos? Tratava-se, pelo contrario, de cidades que m este papel de maneira radical e exclusiva frente ao campo, pelo némada. Se nao fossem tao exclusivamente cidades, liria a tese de Abenjaldum quando assinalava a polaridade ) campo € a cidade, respectivamente cendrios da vida némada e A confusao, a caréncia de plano nao s4o produto apenas de uma nomada cristalizada ou congelada sob a forma de cidade. Sado m consequéncia de uma civilizacao, crencas e formas de vida velmente islamicas que se exprimem em maior grau na cidade, assinalamos na Introdugao a este livro, A qual remetemos o a nao tornar a leitura fatigante com repeticGes desnecessarias. pstante, € retomando o fio da meada, é necessario recapitular ie alsuma coisa do que ali dissemos. Entre a cidade pu- ‘$1€gA, a civitas romanas e a cidade doméstica do mundo uutro tipo de cidade que nao se pode confundir com a cidade islamica, a que chamariamos_privada. dada pelos Versiculos 4 e 5 do Capitulo XLIx do | Santudrio (vide p. 11). Isto da a cidade muculmana mente Teligioso que, a partir da propria casa (um Muguimano), transcende tudo, impregna tudo. Se a » aristotélica, € a soma de um determinado ntimero islamica €, outrossim, a soma de um determi- e in City, Londres, 1951, p. 273. © seu caracter privado, hermético e sagrado, da a este tipo de cidade outra caracteristica que podemos exprimir com a palavra se- creto. A cidade islamica € uma cidade secreta, uma cidade que nao se vé, que nao se exibe, que nao tem rosto, como se sobre ela tivesse cafdo o véu protector que oculta as feigdes da escrava do harém. Quanto 4 rua, que é o rosto da cidade, 0 escaparate onde se exibem o palacio do nobre, a vivenda do burgués, 0 edificio ptblico ou o monumento religioso, € natural que, por este e outros factos, nao exista na cidade muculmana. E uma cidade secreta que nao tem ruas. Nao se trata de serem irregulares ou confusas, trata-se de que, rigoro- samente, nio sao ruas, sao outra coisa. As ruas de muitas cidades medievais também sao irregulares e intrincadas, mas sao, todavia, ruas em toda a acep¢ao da palavra, escaparate expressivo da face da cidade. Também ja dissemos que a cidade ocidental, quer seja classica, medieval ou moderna, se organiza de fora para dentro, desde a rua espaco colectivo, até dentro da casa, espago doméstico. A rua, no entanto, € sempre predominante sob o ponto de vista morfogenético. Na cidade islamica, pelo contrario, tudo se constréi de dentro para fora, perdendo o espac¢o colectivo, ou seja a rua, todo o valor estrutu- ral. Nao devemos estranhar, portanto, a falta de sentido das «pseu- do-ruas» das cidades islémicas, se pretendermos entendé-las sob uma perspectiva ocidentalista. Carecem de sentido se quisermos aplicar as nossas nogdes a uma realidade que parte de pressupostos totalmente diferentes. Em contrapartida, se conseguirmos entender esses pres- supostos que deram origem a este tipo de cidade, tudo nos aparecera mais claro e descobriremos o sentido que n&o conseguiamos até ai deduzir. No dédalo de ruelas das cidades muculmanas, reparamos a seguir num facto surpreendente: a enorme quantidade de azinhagas sem saida, de «adarves» no sentido etimolégico do darb arabe. O «adar- ve», sob este aspecto, € qualquer coisa como a negagao da rua, a negacdo do valor estrutural da rua para a formagao da cidade. A rua formativa é a que conduz de um lado a outro, sendo pega essencial desse espaco puiblico condicionante. O «adarve» ndo tem saida, nao tem continuagdo, nao serve um interesse ptiblico mas sim um interes- Se privado, o do conjunto de casas em cujo interior penetra para que clas tenham entrada. E, por conseguinte, uma rua privada que, de facto, se fechava de noite, isolando e protegendo uma pequena comu- — bt / AL ~~ Fig. 16. Fez. Uma rua da medina. (Esbogo do autor) nidade de vizinhos. Dizer rua privada parece, e é, uma contradi¢ao Ros termos. A rua, tal como nds Publico, que nao admite privatiza Privatiza deixa de ser Tua, a entendemos, é qualquer coisa de cao. A partir do momento em que se Passa a ser outra coisa, e é isto que susten- tamos. Gracas ao uso extensivo dos adarves ou azinhagas sem saida ‘©S muculmanos conseguiram privatizar uma grande parte do espa¢o Publico, Subtraindo-o A sua condigao. Compreendemos, assim, por Bue eaae Proliferou tanto este elemento urbano, que apenas encontra- mos nas cidades medievais cristds, e que s6 voltard a surgir em algumas urbanizacdes Modernas do tipo das cidades-jardim, onde também predomina o Sentimento do doméstico e do privado. (i nat ON y ite Ze 4 - intimismo da rua Fig. 17. Malaga. Uma rua. Observe-se 0 In ; Con saida com a torre da Catedral ao fundo, e compare-se com a Fig. 16. (Esbogo do autor) Dir-nos-40, porém, que nas cidades muculmanas wee pee 4 rua para transitar, que conduz de um ponto a e. a efeito, inevitével para o funcionamento da cidade. E verdade, ee mas também estas ruas se condicionam dies ee ‘scones Maneira peculiar de entender a cidade. Uma rua ociden 69 lraje azul-escuro, judeus de Bagdade todos de negro, ada 4 moda da Pétsia, beduinos do deserto envolvidos ©na sua dignidade, curdos com turbantes multicores, s de bran, eros do Sudao em bubu, e habitantes do ~» O aspecto geral das cidades do Oriente, : hai Presses Universitaires de France, Paris, 1952, as contemplamos do alto de um minarete, é o de uma sucessao quando onde se sacodem os tapetes € se pOe a roupa a secar ao sel. & eee em quando, aparece o buraco de algum patio interior de nen oe poucas drvores, o tragado das ruas perde-se de vista, Cie Ae que se destaca sao algumas torres e ctipulas. me as as cidades islaémicas eram cercadas por muralhas, no que se = : com as suas contemporaneas do mundo cristo. O niicleo aa i chamado Madina — de onde veio 0 termo castelhano medi- i Prpahireanes em muitos top6nimos — era onde se encontrava n =e Zell: oe 4 be _ eae or: ww fh er x > M \ ) PY) At } ica if | PA I ti | i M | | Ee ceremen) NW Fig. 18. Tetudo. Uma rua coberta. (Esbo¢o do autor) _a mesquita maior, a Madrasa, alcagaria (Kaisariya) e as principajg Tuas Comerciais. Vinham a seguir os bairros residenciais e, por Ultimo, os arrabaldes (arbad), que ds vezes eram rodeados por muralhas pr6- -pmias, apoiadas na muralha principal. Em muitos bairros e arrabaldes, a populagao agrupava-se em fungao dos oficios e meios de vida. Torres Balbdés indicava como exemplo o arrabalde dos barbeiros de Toledo; dos curtidores (al-Dabbagin), em Saragoga; dos falcoei- tos (al-Bayyazin) em Granada, Alhama, Quesada e Baesa; dos oleiros (al-Fajjarin), em Granada; e os bairros destes tiltimos, bem como dos bordadores ou tecelées (al-Tarrazin) e dos funcionarios da corte (al-Zagagila), em Cérdova'. Ja faldmos suficientemente das ruas, sua diversidade, caracteristi- cas e fungGes. Muitas ficavam cobertas. «Isto deriva de 0 casario urbano estar muito apertado dentro da cerca. Por falta de espaco, as casas de habitacao aumentavam os seus pisos mais altos — des- Gos Ou s6taos — por cima das ruas, umas vezes por meio de salién- ‘cias apoiadas em escoras de madeira ou pendurais, como foi feito em a, sobre o rio Darro, e que sao frequentes em cidades orientais -africanas, e outras vezes cobrindo totalmente uma parte da entava-se a edificagao e a superficie da rua diminuia.°» As de Toledo estipulavam que os construtores de «sOtaos em as Tuas que dizem cobertas» deviam fazé-los de altura ‘para que pudesse passar por baixo deles «o cavaleiro com armas, sem impedimento». » €spanhdis, o conhecimento das cidades isldmicas tem €norme porque os centros urbanos mais importantes Idade Média foram devidos aos invasores agarenos. 40S povoavam a Espanha setentrional, viviam espa- ‘Ou em pequenos agrupamentos pegados a mostei- ides, desde os séculos IX e X, fundaram cidades Conhecemos a existéncia de Cérdova, cida- n grandes empérios orientais como Damasco. desde o século x. Logo A partida, a carac- + ciudades hispanomusulmanas: La Me- 8, XVII, 1953, pp. 149, 177. Resumen Histérico del Urbanis- teristica bdsica da sua estrutura urbana foi a irregularidade das ruas, muitas delas sem saida, e dos blocos de casas. Estrutura semelhante As do Oriente e, portanto, importada sem influéncia dos tragados roma- nos e visigdticos. Quando os drabes chegaram a Cérdova, a cidade romana estava sepultada sob quatro a cinco metros de escombros que fazem pensar na série de catastrofes que devem ter tido lugar nesses tempos tao turbulentos. mi «Cerca do ano 1100 existiam na Espanha muculmana pelo menos oito cidades: Cérdova, Toledo, Almeiria, Maiorca, Saragoga, Malaga e Valéncia, centros de civilizacao ricos e populosos cujo recinto mu- tado ocupava mais de quarenta hectares, e cuja populacéio ultrapas- sava 15 000 habitantes» (Torres Balbas). Isto era uma facto ins6lito na Europa ocidental, onde existia pouca vida urbana. Todas estas cidades tinham a mesma estrutura, embora houvesse casos como o de Saragoga onde, segundo parece, se mantiveram algumas caracteristicas do tragado romano. Um autor mugulmano, Al-Himyari, assinala com estranheza a, para ele, ins6lita disposig&o em cruz das ruas de Sarago¢ga, com quatro portas nos extremos das duas mais importantes, a cardo e a decumanus. Disposigao tipicamente mugulmana é a que conservam em Espa- nha algumas das cidades mais importantes da peninsula: Sevilha, Toledo, Granada, Cérdova, Murcia, Ecija, parte de Malaga, Valéncia Fig. 19. Cérdova. Arredores da mesquita. Toledo. Arredores da catedral. (Esbogo do autor) pareciam-nos até agora o cuimulo da inadaptacao A la impossibilidade de circulagdo automével nestas lagao atingiu, no entanto, tais proporcdes que mes- modernas chegar4 um dia em que ter4 de ser proibida 0 partes importantes reservadas exclusivamente aos dinas muculmanas poderio vir a ser excelentes ilho- i urbe do futuro, lugares para gozar a calma e o discreto deambular pelas ruas animadas e pitores- a vida de cidade, a vida de rua, que o automdvel, 1, esté fazendo desaparecer das nossas urbes. LICAO 5 A CIDADE MEDIEVAL Com a lenta queda do Império Romano e de tudo o que este impli- cava quanto a organizacao politica e instituigdes, o mundo ocidental foi mudando de aspecto, e as cidades, as antigas civitas romanas, decres- cem de tal maneira que muitas desaparecem por completo. A populagao dissemina-se entéo por toda a area rural, deixando de estar agrupada em grandes concentrag6es. Este facto é talvez 0 mais importante para com- preender completamente o que vird a ser a Idade Média, e € verdadeira- mente essencial para entender o seu processo urbano. A Idade Média europeia comega a nivel de uma sociedade agraria rudimentar que sera a base da sua economia e do seu desenvolvimen- to posterior. O regime senhorial que se estabelece em toda a Europa, 0 feudalismo, tem fundamentalmente essa base agraria. O rei conta com senhores feudais que 0 apoiam e defendem em caso de guerra, € a quem concede o dominio de vastos territérios. O senhor governa Nessas terras com poderes quase absolutos, tirando do campo tudo o que deseja e submetendo a populacéo camponesa a uma servidao completa de vidas e fazendas. : O caracter agrério da sociedade e economia medievais modifica sensivelmente a face da Europa. O facto de a populagao estar dissem- nada faz com que, pouco a pouco, toda a terra seja cultivada, mudan- do e humanizando-se a paisagem; estabelecendo-se, como muito bem disse Luis Diez del Corral!, um continuum, um forte @ vive tecido ri ———————— 4 ‘El Rapto de Europa, Cap. v, p. 140. , \ Seografico humano. O lavrador foi a pedra angular do Ocidente, ¢ , ‘4gTO, sua morada e sua tarefa fundamental, para a qual contribujra; - Fy _ © Monge, o nobre, o burgués e até o imperador em pessoa», : Esta Situacdo implicava um contraste e diferenca notaveis com 0 que tinha sucedido nos mundos antigo e islamico, onde a funcao _ Orientadora da sociedade tinha pertencido inteiramente 3s Cidades tendo-se a populacao concentrado nalgumas destas, Particularmente desenvolvidas e de grandes dimensées. No mundo islamico, como Ja tivemos ocasiao de acentuar. grande ‘Parte da Populacao acumulou-se nas cidades, e a exploragado agraria reduzia-se muitas vezes a culturas intensivas em torno dos centros ‘ _ urbanos. Pode dizer-se que, no Islao, se passa da vida nomada para : aie vida urbana sem haver uma fixagéo de camponeses, sem transicao E possi que © caracter agrario da sociedade europeia, durante . Média, fosse favorecido pelas Caracteristicas naturais do solo r na Germania e em Inglaterra, onde se presta a essa cultura €m virtude das suas excelentes qualidades agricolas. Para os and pelo Contrario, 0 campo era, na maior parte dos casos, en: varzea ou um odsis muito fértil, no meio de um deserto 9 cultivo ra impossivel. Nao ha duvida, portanto, de que determinismo 8eografico também condicionou a distribui- alica numas culturas e nas outras. a ura europeia da Idade Média tem um acentuado cardc- Como observou Luis Diez del Corral, a cujas paginas, jé . « Caracter campesino da cultura europeia mani- Suas mais Vatiadas facetas: na arte, na vida ecle- We organizacao social, na €conomia e na vida 0 iio implica uma atitude romantica de desva- Pia em Telacao ao campo. E evidente que o € una cidade e nao no campo — em- que no mundo antigo e em boa parte do de cidades que eram camponesas por “numa sociedade com essa indole, o te, de se ocuparem com Vida e cultura swi generis, (pp. 148-149). 4 Monastica teve para a cultu- a © cristianismo grego e urbano, a vida religiosa do Oci- dente também é caracterizada por esta dispersao agréria. O mosteire é um centro religioso isolado, independente da cidade e profundamente vinculado ao campo. Grande parte da colonizagao agraria europeia ficou a dever-se a estes centros mondsticos, que contribuiram para dar plasticidade e flexibilidade a esse continuo a que anteriormente fize- mos referéncia. Dentro desse continuo, desse tecido geografico humano, engasta- ram-se as cidades, de maneira perfeitamente organica, sem que se rompesse a sua continuidade nem se alterasse a sua estrutura. Essas cidades também nao eram demasiado grandes. Uma cidade de grandes dimensOes romperia precisamente a continuidade do referido tecido humano. Assim, verificamos que, no fim da Idade Média, da populacao do Império germAnico, que era de cerca de 12 milhées de habitantes, apenas 10% ou 15% vivia nas cidades. Estas eram, no entanto, em ntimero de 3000, e a explicagao estava apenas no pequeno tamanho de cada uma, visto que so 10 a 15 ultrapassavam os 10 000 habitantes. Realizava-se, por conseguinte, na Idade Média europeia, 0 esquema ideal de implantacao rural, exemplo da colonizagao continua de todo um territ6rio. Os gedgrafos estudaram alguns esquemas abstractos deste tipo, e um dos mais conhecidos é 0 chamado sistema hexagonal, no qual, por meio de uma rede de hex4gonos que abarca completamen- te uma extensdo territorial, os varios centros ficam localizados hierar- quicamente, desde a mais elementar aldeia até A capital do condado, da Tegiao ou da na¢do. A implantagao agrdria é precisamente aquela em que este tipo de reparti¢ao hierarquica dos centros urbanos se pode dar com caracteristicas mais geométricas, visto que outros tipos de implan- tagao, como 0 némada ou o da civiliza¢ao industrial, nao obedecem tao claramente a estes padrdes. De qualquer modo, deve ter-se em conta que nao se trata senao de abstracgdes pouco elaboradas que s6 muito Por alto podem ajudar a interpretar a realidade, e nado a representa-la. Elisé Reclus, ao estudar a distribuicao das cidades francesas de onigem medieval, considera que a distancia entre elas estd relacionada com 0 Percurso que se pode fazer a pé numa jornada de ida e volta. A cidade da época medieval, propriamente dita, s6 aparece em Come¢os do século XI, e desenvolve-se principalmente nos séculos XH € XIII. Até esse momento, a organizagao feudal e agraria da sociedade domina completamente. Frente a esta, 0 crescimento das cidades € Originado Principalmente pelo desenvolvimento de grupos especifi- ©0s, do tipo mercantil e artesio. O facto que, verdadeiramente, da 79 i he mh Aayhinl a4 ig. 21. Monte St. Michel. (Esbogo do autor) ento das cidades medievais e que, de certo modo, é 0 /da sociedade em geral, é 0 comércio e a industria, que ontar passado o ano 1000, cada vez com mais forga. im ento do comércio, nos séculos XI € XII, vai cons- | Sociedade burguesa que é composta nio sé por 8, Mas também por outra gente fixada permanen- onde 0 trafico se desenvolve: portos, cidades de S umportantes, vilas de artesdos, etc. Estabelecem- ssoas que exercem todos os offcios requeridos dos negécios: armadores de barcos, fabricantes de barris, de embalagens diversas, e até OS Mapas maritimos, etc. A cidade atrai, por pada wez maior de pessoas do meio rural que o'©€ uma Ocupacao que, em muitos casos, 0S Esta sociedade burguesa que, paulatina- € 0 estimulo da cidade medieval. Piren- la €xistido uma classe de homens mais Fig. 22. Londres na Idade Media, cidade comercial e portuaria. (Esbogo do autor) Esta burguesia esta, por definic¢ao, em contradigao com a ordem feudal e senhorial estabelecida, o que levanta nao poucas dificuldades ao seu desenvolvimento e, por consequéncia, ao desenvolvimento das cidades. Do que esta burguesia necessitava fundamentalmente era de liberdade de accaio para o desenvolvimento normal dos seus negocios. Ao principio, como estudou Pirenne, nao se tratava de modo algum de derrubar a ordem estabelecida, que era, no fundamental, aceite, ¢ nao se discutiam nem os direitos nem a autoridade dos principes, nobres eclero. A burguesia tinha apenas necessidade, fundamentalmente, de facilidades para desenvolver as suas operagdes comerciais. Nao se trata, portanto, de um movimento politico nem de uma teoria dos direitos do homem, como aconteceré, com o andar dos tempos, no século Xvil. Trata-se de obter, dentro da ordem estabelecida, as me- lhores possibilidades para o desenvolvimento da sua actividade. De inicio, os privilegiados do sistema feudal tentaram opor-se as preten- Sdes da burguesia, mas concordaram com elas logo a seguir, adaptando-se, pois preferiram sacrificar um mal entendido orgulho Senhorial, para obterem, em troca, rendosas vantagens materiais pro- Venientes do desenvolvimento cada vez mais florescente dos centros Comerciais. A cidade medieval implanta-se, assim, como uma area de liberda- de no meio do mundo rural que a circunda, submetido a uma vassa- * Jagem quase absoluta. Os antigos direitos senhoriais, que impedem _ desenvolvimento préspero das cidades, vao caindo pouco a pouco em desuso. Por exemplo, os fornos e moinhos em que o senhor obrigava a moer e cozer 0 pao dos habitantes; monop6lios por meio dos quais o senhor tinha 0 privilégio de vender, em determinados Perfodos ¢ sem concorréncia, os produtos das suas terras (trigo, vinho, etc,); 0 direito de requisitar casas de habitagao da cidade para Seu USO € dos seus cavaleiros, nas épocas em que nela habitavam, 0 direito a recru- tamentos obrigatérios em caso de guerra; a proibicdo, por razdes estratégicas, de construir pontes, com prejuizo importante para o tré- fego, etc. Todos estes privilégios, que podiam representar rendas ¢ beneficios para o senhor, nao compensavam 0 prejuizo que deles advinham nem as vantagens que o mesmo obtinha de uma cidade com comércio florescente. Foi por isso que os proprios senhores acabaram por qualificar como pilhagem e extorsao estes seus antigos privilégios, Nao se pode separar o estudo das cidades medievais do seu desen- lvimento juridico paralelo, por meio de franquias, foros, forais e instrumentos legais que favoreciam o seu desenvolvimento. Espanha, isto deu como resultado a constituigao do municipio, das instituigdes mais vantajosas e democraticas da Idade Média. lito importante, em Espanha, favorecer a criagdo de centros Capazes de conseguirem colonizar as terras conquistadas aos anos. Para estimular a implantag’io dos colonos em novas . Assim se fizeram novas fundacoes de cidades com- em alguns casos, de bairros em cidades jé existentes. Sao por exemplo, os bairros de francos que aparecem em voagoes, principalmente de Navarra, os quais, dentro do © urbano, tém uma estrutura e fisionomia especiais. Estes fran- slonizadores que vinham do outro lado dos Pirenéus atraidos i No final da Idade Média, fundiram-se com a restante espanhola. Em geral, era costume gozarem dos privilégios ozavam Os cidadaos, desde que tivessem vivido dentro da um determinado periodo de tempo, na maior parte das aun dia, Sem que importassem ou fossem tomadas em S condigGes, de nascimento, profissio, etc. das cidades também trouxe consigo profundas sta¢ao, tendo sido criadas leis excepcionais, dife- N Nos distritos rurais. Na cidade, por exemplo, os géneros. Ao mesmo tempo que para boa ordem da vida na cidade, Sees ee ee onion Mais flexivel a legislagao contratual suprimiam-se costumes arcaicos como as compurgacdes a c os duelos, etc., OS quais, como facilmente se » 0S ordélios, harmonizavam com as novas condicdes de vida pacifico da populacdo mercantil e artesanal, Outras razoes, diz Pirenne, influfram no n dades. Entre elas, uma d Se tomavam pro Vidéncias rigorosas Simplificavam- 5 S€ OS antigos proce- ascimento das comuni- | as que teve mais forga foi a necessidade, rapidamente sentida pelos burgueses, de um Sistema de contribuicées voluntarias para fazer face as obras comunais mais prementes, funda- mentalmente a construcao da muralha da cidade. A necessidade desta muralha, que é caracteristica da cidade medieval, esteve, em muitos casos, na origem das finangas municipais. Esta contribuigdo adquiriu rapidamente caracter obrigatorio, e tornou-se extensiva, além da forti- ficagao, a outras obras comuns, como a manutencdo das vias publicas. Quem nao se submetia a esta contribuigao era expulso da cidade e perdia os seus direitos. A cidade, portanto, acabou por adquirir uma personalidade legal que estava acima dos seus membros. Era uma co- muna com personalidade juridica propria e independente. Fig. 23. Avila. (Esbogo do autor) Resumindo todas estas caracteristicas, repitamos a definicio que Pirenne finalmente estabeleceu, dizendo que a cidade da Idade Média tal como existiu no século xi, era uma «comuna comercial e indys. trial que habitava dentro de um recinto fortificado, gozando de uma ei, de uma administracao e de uma jurisprudéncia excepcionais que faziam dela uma pessoa colectiva privilegiada» (vid. Ligao 2, p. 25), ___ A cidade medieval, embora gozando de todos os privilégios que _acabamos de enunciar, nao é, no entanto, uma cidade aristocratica, no se diferencia fundamentalmente da cidade antiga, visto que esta ima era, ao Mesmo tempo, como disse Max Weber, sede da nobre- ndo surgido precisamente como tal. Em contrapartida, a cidade a ocidental da Idade Média vé-se a si propria como cidade an- como sede do terceiro estado. e medieval também é altamente caracteristica no que diz a0 seu aspecto fisico. Por necessidades de defesa, fica geral- ida em locais dificilmente expugndveis: colinas ou sitios ilhas, imediagGes de rios, procurando principalmente as $ ou sinuosidades, de modo a utilizar os leitos fluviais culos para 0 inimigo. Situacdo ideal era a de uma colina elo fosso natural de um rio, como acontece, por exemplo, ou uma saliéncia avangada na confluéncia de dois rios nca). O facto de ter, muitas vezes, que se adaptar a uma ular condicionou a fisionomia especial e 0 pitoresco eval. O tracado das ruas tinha de resolver as dificulda- 0, 0 que fazia com que elas fossem irregulares } Tuas importantes partiam em geral do centro e dialmente para as portas do recinto fortificado. Outras luentemente em circulo 4 volta do centro, liga- Is entre si. Em linhas gerais, este padrao, chamado Tepete-se muito na cidade medieval. O perimetro Wal Ser, nestes casos, sensivelmente circular ou €conémico e de mais facil defesa. O centro da re ocupado pela catedral ou templo, pelo que a cidade ‘a espiritual de primeira ordem, A mesma agao da cidade: a junta e a Casa dos has cidades florescentes em que a alcangado grande desenvolvimento. —_ P a SULA SS (ZZZT Es as N NN J SEV ATS; ne Za } ‘GB G 2 Fig. 24. Pisa. Area da catedral. 1. Catedral; 2. Sinos; 3. Baptistério; 4. Cemitério. Exemplo de agrupamento de edificios numa area central. (Esbogo do autor) Ainda se conservam espléndidos monumentos deste género em cida- des do Norte da Franga, Flandres e Alemanha. Estes nuicleos, prest- didos pela catedral, que era qualquer coisa como a condensagao das aspirages espirituais plasmadas de toda a cidade, constitufam 0 ver- dadeiro centro cfvico da organizagao urbana. Desse centro, como dissemos, safam as ruas radiais mais importantes, que eram geralmen- fe as tinicas em que havia tréfego. As secundarias costumavam ser utilizadas unicamente pelos peodes. la constitui¢ao das pequenas cidades ou vilas medievais nao so ode perder de vista a forca de atracgdo que exerciam Os grandes | monumentos, servindo de foco a toda a estrutura da cidade. A maio; ‘parte das vezes pelo seu prestigio religioso, a que se liga, reforgan. . do-0, o seu valor estético, este tipo de edificios que sobressaem, como P as catedrais, as grandes abadias, os santudrios de peregrinacao, etc. sfo decisivos para a morfogénese da cidade medieval. E isso aquie explica Pierre Lavedan. Na organizacao do plano «afirmam-se duas ideias ou directrizes: envolvimento e atraccao. Envolvimento, com uma série de casas, de um edificio particularmente valioso, seja pelo seu valor moral, seja pela sua solidez material e com vista a defesa: em geral € a igreja. Atraccdo da circula¢ao para este edificio e apare- cimento de uma série de vias dirigidas para ele. Tende-se, assim, para um tipo de plano a que os urbanistas chamam radioconcéntrico, isto é, feito de raios e circulos, como a teia da aranha»>. ~ ON JS Fig. 25. Lugignano (Italia). Tipo de cidade radioconcéntrica. (Esbogo do autor) . * Pierre Lavedan, L'Architecture Francaise, Paris, 1944, p. 202. Coll. Arts, Styles et Techniques. ~ enorme o numero de cidades radioconcéntricas no Ocidente medieval, desde as que reflectem perfeitamente este tipo até Aquelas em que ele existe de maneira mais aproximada. Bram, em Fran¢a; Nordlingen, Fridnhausen e Havelberg, na Alemanha; Lugignano e Aversa, em Italia; Vit6ria e Pamplona em Espanha, sido exemplos destacados. Nao obstante, a variedade de esquemas planimétricos das cida- des medievais € inesgotavel, pela simples razio de nao ter havido ideias prévias, e de todas terem surgido segundo um crescimento natural e organico. Luigi Piccinato, animado pelo intuito de fazer uma espécie de classificagao, a qual nao deixa de ser ingénua mas que pode ajudar, metodologicamente, e ordenar a multiforme expressao planimétrica da cidade medieval, definiu alguns tipos fundamentais da seguinte maneira: (a) Cidades lineares. Sao as ci- dades construfdas ao longo de um caminho, como Stia, antiga Sti- gia, cidade italiana do século XI em que o centro da rua principal se alarga formando uma elegante praga com porticos. Em Espanha ha muitas destas cidades itinerantes, principalmente ao longo do cami- nho de Santiago. Burguete, burgo de Roncesvales, ainda tem, como tinha na Idade Média, uma tinica rua que coincidia com o caminho de Santiago. Estella, Logrofio, Santo Domingo de la Calzada e Bur- gos, embora ampliadas e transformadas, revelam, no entanto, a sua origem itinerante. A vila mais caracteristica deste tipo é Castrogeriz, 0 Castrum Sigerici, onde um nobre de estirpe goda levantou o seu castelo. Ao longo da falda do outeiro do Castelo segue uma rua com mais de um quilémetro de comprimento, que é a artéria dorsal da povoacao. Outra vila de caminho tfpica é Sarrid, na provincia de Lugo. De acordo com a classificagio de Piccinato, seguem-se (b) as cidades em cruz. Nestas, em vez da rua geratriz e suas paralelas, ha duas ruas bdsicas que se atravessam perpendicularmente uma a outra. No fundo sao pouco diferentes das cidades do tipo (c), que podemos denominar cidades em esquadria, e das quais nos ocuparemos mais adiante, quando falarmos das cidades medievais regulares. Castel- franco Veneto, em Italia, Bounigheim na Alemanha, e Focea (Lo- grofio) em Espanha, sdo pequenas cidades em cruz. O tipo (d) Eo chamado nuclear, Pertence mais ou menos a este tipo a grande mato- Na das cidades medievais, formadas em torno de um ou mais pontos dominantes (igreja, catedral, abadia, castelo, etc.). Ja insistimos na 87 ’ Fig. 26. Francavilla-a-Mare (Italia). Tipo de cidade em es Pinha de peixe, (Esbogo do autor) formidavel forea de aglutinagao dos grandes edificios representativos € na sua influéncia na estrutura do tecido urbano. Hé também exem- plos muito claros de estrutura binuclear (e). Como curiosidade pode- mos citar as plantas em espinha de peixe (f). Uma rua principal de onde saem outras secundarias, paralelas entre si mas obliquas em telag&o a principal. Algumas bastidas francesas, Francavilla-a-Mare, em Italia, e Guernica no pais basco podem classificar-se nesta catego- nia. Piccinato acrescenta aind a a estes tipos as cidades acrédpolis (g) € as radioconcéntricas (h). As (g) nao constituem um tipo propriamente dito, por ser muito geral, por raz6es dbvias, utilizar eminéncias topo- graficas, coisa que tem sido feita desde as civilizagdes mais primiti- vas. Quanto as cidades tadioconc€ntricas j4 pusemos em destaque a sua Televante significacio‘. De qualquer modo, por este caminho, e dada a enorme variedade de cidades, vilas e burgos Medievais, acabariamos por nos vermos obrigados a estabelecer tantos tipos como as cidades que existem. Quanto a morfologia, haver4 maior clareza se reduzirmos tudo a0s *Veja-se Luigi Piccinato: «Urbanistica Medioevale», em L’Urbanistica _ dall’Antichita ad Oggi, de varios autores, Florenga, 1943, se tipos fundamentais que abarcam todas as variantes ¢ diversidades Ee as tipos fundamentais sao: © irregular, o radioconcéntrico. - q 5 acontece mais frequentemente é€ que lhe falte rigor geomé- Se i : regular, sobretudo 0 quadricular ou em tabuleiro de xadres. nes a classificacaio que foi adoptada pelo especialista em geografia urbana Robert E. Dickinson’. — Evidentemente, dado que as cidades da Idade Média sao de cres- cimento organico e natural, predomina 0 tipo irregular ou muito leve- mente geomeétrico. Mas esta irregularidade nao Significa, de modo algum, caos, ao contrério do que um racionalista como Descartes pode pensar, no século XVII. | . As cidades, na sua morfologia natural, ttm sempre um sentido, Seja pela sua adaptagao a natureza topografica do terreno, seja pela nuclearizagao que promovem os seus edificios e estruturas fundamen- tais, seja em virtude das sendas e caminhos que se transformam em ruas, seja pela economia e disposi¢ao légica das suas muralhas, e muitas outras razOes, ha sempre algo a impedir que predominem 0 capricho e a falta de sentido. Tudo isto contribui, como consequéncia, para a existéncia de cidades caracteristicas e de particular beleza. Dificilmente encontramos, ao longo da histéria, conjuntos urbanos tao conseguidos, e com ambientes que superem os das cidades medie- vais sob 0 ponto de vista de valores visuais. Estas cidades perfeita- mente definidas pela sua cercadura de muralhas, que desempenha o mesmo papel que a moldura na obra de arte, com os seus volumes sabiamente proporcionados e presididos pela dominante da catedral ou do castelo, provocam sempre um efeito encantador, quando nao foram espoliadas, modificadas ou arrasadas pelo crescimento macigo dos tiltimos tempos. A cidade medieval € um meio homogéneo, e ao mesmo tempo plenamente identificdvel em todas as suas partes. Nao ha nela nada de dissonante nem que rompa a sua textura subtil; e, nao obstante, ne- nhuma rua se confunde com outra, nenhuma praca ou praceta deixa de ter a sua propria identidade, nenhum ediffcio deixa de falar a a propria linguagem, perfeitamente hierarquizados e submetidos, pela Sua significagaio e valor simbdlico, aos grandes monumentos Tepre> Sentativos que dominam em volume, escala e exceléncia. Essa identi- SS a- : 268-279. > Robert EB, Dickinson, The West European City, Londres, 1951, pp. 268-27 89 Como ja dissemos, a urbanistica medieval nao ignorou tio-pouco um sistema de planificagao tao antigo como 0 mundo; a cidade traca- daa cordel, quadricular, ortog6nica, em tabuleiro de xadrez ou como se Ihe queira chamar. Desde Mohenjo-Daro ou Kahun, passando pelas cidades hipodamicas ou pelos castros romanos, sempre se pretendeu implantar uma cidade a fundamentis, como € costume designar um expediente tao simples como o de tragar uma quadricula no terreno. Isto nao podia deixar de surgir na Idade Média, onde também houve a necessidade de criar cidades ex novo por razdes de colonizacio, de repovoamento, de seguran¢a militar ou politica, etc. Exess Oe coo ooo O caso mais famoso de todo o urbanismo medieval planificado é 0 MONTPAZIER ‘ ace BES: — cc das bastidas francesas, situadas nas velhas terras da Aquitania, entre o Garona e a Dordonha. O seu nome, bastida, ¢ provengal e vem de bastir, que equivale a praga-forte. Os reis de Franga e Inglaterra lutavam nos confins do Garona e do Macico Central, levantando cada um, por seu lado, bastidas, de modo RIVER DORDOGNE STE. FOY ~LA~GRANDE .-- Pe @ harmonia do todo é qualquer coisa qué, 0° Muito poucas vezes caracterizou o fendmen? AAA g MUTA TRn Ry teal CA CAA AAU Rak : de um mundo em ordem. Tema pa! © Maci¢a uniformidade da metropole mM” * Provoca a luta de interesses, image™ de \\ horar as suas fronteiras. Aconteceu 0 mesmo en e os condes de Tolosa, quando se enfrentaram q, ‘os albigenses. das tinham tragados regulares, em tabuleirg de ‘mas radiais ou em estrela, que podia ter derivadg concéntricos. Em contrapartida, o Renascimento, das fortificagdes em forma de estrela com ba- cidades ideais dentro deste tipo radial. Uma das quanto 4 regularidade do plano é a de Mont. em ea por Eduardo I de Inglaterra, duque de tre Os Urante fetes cidades recebem declaram expressivamente g uve, pela sua novidade; Villefranche, pela sua itos; Sauveterre, pela sua seguranga; Beaumont oy seu aspecto de lugar, sao nomes tipicos. mttamos nomes parecidos em Espanha, correspon- a cidades criadas de novo, quase sempre de planta a, Villafranca, Villarreal, Salvatierra, etc. no livro Resumen Hist6rico del Urbanismo en um grande espaco ao estudo das cidades regulares na com notavel contribuigao em dados. O leitor inte- Reina, em Navarra, fundadas por Afonso I, o Batalhador (1104-1134) 40 as mais antigas, anteriores as mais conhecidas do outro lado dos Pirenéus. Lerin, Viana, Huarte-Araquil também sao vilas navatras bastante regulares. Encontra-se outro grupo interessante a oriente. Como diz Torres Balbds, «hd na regiao de Castell6n varias vilas e cidades cujo niicleo central conserva, em virtude da lei da permanéncia do plano, a regula- ridade perfeita do seu tracado inicial: Castell6n, Villarreal, Nules, Almenara, Soneja, etc. Quase todas foram criadas por Jaime I e seus sucessores imediatos, os reis da dinastia aragonesa-catala»’. Estas vilas tem uma regularidade mais geométrica que as de Navarra. Em Castilla, a antiga Briviesca, de ascendéncia romana — Viro- yesca — que mudou de localizagao e foi reconstituida, o tragado actual, dos principios do século XIV, revela sem divida a influéncia das bastidas do Sudoeste e da Franga. Podem considerar-se como derivadas da mesma influéncia, compreensivel em virtude da vizi- nhanca geografica, as vilas da Vascénia como Salvaterra, Durango, Bermeo, Tolosa, Bilbau, Marquina e Garnica que foram estudadas por Julio Caro Baroja®. Mi adioeaaes Un ae eu] LIU aa hee ower. Fig. 30. Briviesca. Plano. (Esbogo do autor) ee ’ Torres Balbés, op. cit., p. 59. * Julio Caro Baroja, Los Vascos, San Sebastian, 1947. oo —_—e pe a ee ‘ No fim da Idade Média, os Reis Cat6licos fundaram algumas - cidades regulares, como Puerto Real (Cadis) e Santa Fé (Granada), esta ultima resultante da conversio em cidade permanente do acampa- mento erguido pelos reis durante 0 assédio a Granada. ) _ Do mesmo modo que, uma vez terminada a reconquista, o impeto espanhol encontrou na colonizagao americana 0 campo amplo onde aplicar Os seus excedentes de energia, também nestas cidades regula- res do fim da Idade Média esté o esbogo da grande tarefa urbanjstica hispano-americana, que encheu um continente de cidades tracadas n com rigor geométrico e amplitude de implantagao muito superiores ao LICAO 6 que podia ter sido feito no velho e trabalhado solo da metr6pole. A CIDADE DO RENASCIMENTO Seria l6gico pensar que, durante o Renascimento, com o mundo em expansao, na ansia de novas realizacdes, quando o homem se liberta de tantos vinculos tradicionais, quando a critica d4 novas asas ao pensamento e quando tantos costumes do passado sao revistos, se produzisse uma profunda transformagao nas cidades dos homens. Nao obstante, nada disto, ou quase nada, acontece. «O Renascimento é, acima de tudo, um movimento intelectual. No campo do urbanismo, as suas primeiras contribuig6es sao insignifi- cantes se as compararmos com a arquitectura do mesmo periodo e com as realizag6es cenograficas, com os grandes panos de fundo do final do barroco.!s Com efeito, as realizagdes e até as ideias urbanistas quinhentistas Tepresentam pouco se as compararmos com o caminho percorrido pela arquitectura durante o mesmo periodo. Esta, movida pelos estu- dos humanisticos, pela restauracao da antiguidade, pela andlise das Tunas classicas e pela quase descoberta dos cédices de Vitriivio, €mpreende uma renovagio total dos seus delineamentos, credos esté- ticos e formas. A tevoluc&o nao se faz com a inten¢io de eliminar o que € velho, ou porque o homem se sente com forcas para dar vida a algo de seu, inteiramente moderno, mas sim porque o velho deve ser Superado pelo antigo. O antigo, a antiguidade classica é, para o ho- mem do Renascimento, qualquer coisa que nao tem idade, porque ————— "Cecil Stewart, A Prospect of Cities, Londres, 1952, p. 100. a um absoluto, um ideal inacessivel e sempre valido. Porque era essa antiguidade, submersa no curso da histéria como um oso Guadiana, o homem vivera na obscuridade. Agora, regres. Juz. , que medida o homem do Renascimento se sente, mesmo as. como um homem inteiramente moderno, como um recém-nas. _ cido ou como homem ressuscitado, de volta 4 luz antiga, é um tema de din festigacao muito saboroso, exercicio de critica hist6rica das ideias ‘de elevado alcance intelectual. Até agora, 0 proprio significado da palayra Renascimento levava a interpretar todo este movimento com um sentido restaurador. Ninguém esquece tao-pouco, porém, que agueles homens, que a si proprios se consideravam restauradores do antigo, exactos e objectivos, rasgavam caminhos de novidade de que eles proprios nem suspeitavam. _ Para José Ant6nio Maravall, a inscri¢éo «Omnia nova placet» colocada por Guillermo Doncel quando acabou, em 1542, 0 cadeiral do coro da igreja do convento de Sao Marcos, em Leao, é a «clara divisa de um personagem renascentista, isto é, manifestacdo do espi- Tito inoyador, livre e insacidvel, do Renascimento»?. O arquitecto ¢ historiador Leonardo Benévolo recordava, num trabalho seu a que adiante nos referiremos, que nas jambas do paldcio arcebispal do México tinha sido gravada a seguinte frase do Apocalipse: _ Dixit qui sedebat in throno nova facio omnia}. Isto quer dizer que os protagonistas da grande empresa de coloni- da América estavam conscientes da nova situagao em que se am alquer modo, porém, é insofismavel que o labor criador dos Renascimento dependia em grande medida dos exemplos © que mantinham esse labor tao insofismdvel como 0 le que imprimiam as suas interpretagdes. Possivel- ' do que dizemos est4 na enorme riqueza e variedade centista, em contraste com a pobreza e falta de Ges urbanistas. Para apoiar o seu trabalho » OS arquitectos renascentistas tinham ao seu al- Diet. m de lo nuevo en Ia cultura espafiola», Cua- * 170-171. disse: Eis que faco novas todas as coiss- 7 cance todos os monumentos da antiguidade romana. Podiam medi-los, poca-los, examina-los e, em muitos casos, reconstrui-los idealmen- = pois as ruinas de muitos deles tinham a vantagem de excitar a sua jmaginacao. Se a arquitectura classica tivesse ficado Conipletaneass sepultada, como tragada pela terra, apenas restando 0 tratado de Vitrii- vio, verdadeiro texto sagrado para aqueles arquitectos, a arquitectura do Renascimento nao teria sido o que chegou a ser. Em contrapartida, os exemplos do urbanismo antigo tinham desaparecido, estavam se- pultados, como em Pompeia, ou jaziam em TEBIOES longinquas como a Mauritania, a Numidia, a Cirenaica, ou nos paises greco-orientais, que tinham caido sob 0 jugo otomano. Nao havia suporte em que se apoiar. Restavam algumas passagens, assaz obscuras, do texto de Vitri- vio, que, além disso, por carecerem de desenhos, eram pouco expres- sivas. No livro I, Capitulos VIII, IX e X, aparece a descricao de como deve ser uma cidade para cumprir os requisitos basicos da doutrina de Vitnivio: firmitas, utilitas, venustas. Daqui nascera a cidade ideal do Renascimento, criagdo mais intelectual que real, que vird a ser uma consequéncia mais do pensamento ut6pico renascentista. Para Vitriivio, a consideracéo principal a que deve obedecer o tracado das cidades reside em defendé-las dos ventos predominantes. «Os ventos, na opiniao de alguns, so s6 quatro, a saber: solano, que sopra do lado do levante equinocial; auster, do lado do meio-dia; fa- vonius, do lado do poente, e septentrio, do lado norte. Mas os que investigaram com mais atencao as diferencas entre os ventos, assina- laram oito, particularmente Andrénico Cyrrhestes que construiu uma torre de marmore em Atenas, de tragado octogonal, tendo em cada face a imagem de um dos ventos, do lado oposto aquele de onde soprava.*» Por consequéncia, a torre octogonal ateniense, a chamada Torre dos Ventos, que os tratadistas do Renascimento nao conhece- tam e que, agora, qualquer aluno de Histéria da Arte conhece, prefi- gura, com a sua forma, a cidade ideal de Vitnivio e, a partir dela, a do Renascimento. Trata-se, por conseguinte, de uma cidade cuja planta é um octégo- no rodeado de muralhas. Cada lanco de muralha fica oposto a um ———— *Fomos buscar esta citagdo de Vitrivio A tradugao de 1673, por Perrault, a Qual foi reimpressa e revista por André Dalmar. Edition Les Libraires Associ€s, 1965, p. 31. Ee ———EE7~* ——_— ——— = <4 yento. Nos angulos do octégono ha torres circulares muito Salientes As razoes de natureza militar somam-se as consideracgées Meteoroj6, gicas. A figura da cidade nao pode ser quadrada nem ter Angulos muito salientes. Deve ser um recinto de onde se possa ver 0 inimigo de varios lugares; os 4ngulos proeminentes nao sao bons para a defe. sa, sendo mais favoraveis aos sitiadores que aos sitiados5, As torres devem ser redondas ou com muitos lados porque, se forem quadradas, sao rapidamente destruidas pelas maquinas de guer- Ta, € porque os arfetes rompem facilmente os angulos; por outro lado, quando as torres sao de forma redonda, as pedras, talhadas como cunhas, resistem melhor aos golpes, os quais 0 mais que podem fazer é empurré-las para o centro®, Assim, foi aprovada como idealmente perfeita a cidade poligonal de oito ou mais lados, que tende, em tiltima andlise, para uma organi- zacao circular, possuindo, portanto, um centro. Oposta a cidade regu- lar do fim da Idade Média, de perimetro rectangular, as tipicas «bastidas», a cidade regular do Renascimento adopta uma planta que pode ser inscrita num circulo. Até aqui tudo vai bem quanto a interpretagao do texto de Vitriivio. O escolho aparece quando se trata da disposigao das ruas no interior desse perimetro. O texto do arquitecto romano nado é claro, e s6 os desenhos que se perderam poderiam esclarecé-lo completamente. Tendo em conta a direccdo dos ventos, que é a preocupa¢ao maxi- ma do tratadista, «as ruas ficam situadas de modo a que os ventos, a0 baterem nos angulos que elas formam, se rompam e dissipem»’. Isto deu lugar a que alguns comentaristas, como Daniel Barbaro e 0 pr6- prio Perrault, situem uma rede de Tuas dentro do octégono, em esqua- dria com 0s eixos ptincipais, convenientemente rodados para que nao coincidam com a direceao dos ventos principais. Isto da lugar as solugdes de cidade ideal de Francesco di Giorgio Martini, Cattaneo, Scamozzi, etc., que colocam uma cidade em tabu- leiro de xadrez dentro de uma planta poligonal. Porém, como a forma Pokgonal do perimetro conduz, em virtude da légica geométrica, a is disposicao radial, nao faltam, entre os tratadistas do Renascimento, as vn ae _ * Vitravio, Op. cit., p. 29. —— * Vitrivio, op. cit,, p. 29, ——-Vitrtivio, op. cit., p. 31. ee rity Fig. 31. A cidade ideal de Vitriivio, segundo a edicao comentada de Daniel Barbaro. solugdes que dao lugar 4 tipica cidade radioconcéntrica. Tanto Fran- cesco di Giorgio Martini’, como Antonio Averlino, o Filarete, na sua ut6pica cidade baptizada Sforzinda em honra dos Sforza?, bem como frei Giocondo, desenhavam, assim, cidades em que procuravam se- guir 0 ideal vitruviano. Giorgio Vasari, 0 genovés, num esquema engenhoso que se conserva na coleccao de desenhos dos Uffizi, ten- tou juntar as vantagens do tracado rectilfneo as do radioconcéntrico". Todo este movimento teérico e especulativo apenas produz as Tealizacdes que era de esperar. E evidente que as cidades da Europa tinham ficado estabelecidas na Idade Média, fundando-se muito pou- == 8 Francesco di Giorgio Martim, Tratato di Architettura Civile e Militare, Edicao Promis, Turim, 1811. 9 Veja-se M. Lazzaroni e A. Mujioz, Filarete, Scultore e Architetto del Sec. XV, Roma, 1908. MPadevexarinar-seuum estudo das cidades ideais do Renascimento em Gustavo Giovannoni, L’Architettura del Rinascimiento, Milao, 1935. ito circunstanciais, centros urbanos ex novo. E por isso que -omo Palma Nuova, nascidas no momento oportuno e como ncia de uma necessidade militar, adquirem prestigio especial, de Outubro de 1539, aniversario da batalha de Lepanto, a primeira pedra da fortaleza de Palma Nuova, na fronteirg | da Reptiblica yeneziana, pata protecgao contra a ameaga tur- cidade é um poligono de nove lados, sendo, no centro, uma onal de onde saem seis ruas principals que vao dar a trés a trés baluartes. Aos outros seis baluartes vao dar ruas que mbocam na praca, mas sim no primeiro anel concénttico, é completado por outros dois anéis concéntricos. Este é 0 slo mais completo e perfeito de uma cidade estelar, e representa ° maior esfor¢co feito para conseguir uma cidade de acordo com os esquemas ideais do Renascimento. ! é Mais tarde, talvez seguindo os preceitos dos livros de Arquitectura de Scamozzi, construiram-se, na Sicflia, as cidades de Grammichele e Ayola, apés as destruigdes do terramoto de 1686. Towns and Buildings) — a? C—O Outras cidades militares, do tipo de Palma Nuova mas muito me- nos importantes, tiveram origem nas lutas entre os reis de Franga e da Casa de Austria. A velha cidade de Vitry-en-Perthois, destrufda pelas armas imperiais, foi reconstruida por Francisco I noutro local, com 0 nome de Vitry-le-Frangois. Foi obra do engenheiro bolonhés Girola- mo Marini. O esquema recticular simples aparece ligado a uma gran- de praca central, atravessada pelas ruas principais. Uma rectificagao de fronteiras no tempo de Henrique II e Filipe I Jevou 4 fundacao de Philippeville, obra do engenheiro Sebastian van Noyen. Os trabalhos iniciaram-se em 1555. A sua planta é pentago- nal, e dez ruas convergem para a grande praga central, quadrada. No entanto, a praga-forte holandesa de Coeworden (1597), que surgiu ao mesmo tempo que muitas outras quando da independéncia dos Paises Baixos do Norte, é, de todas as cidades, a que segue mais de perto a cidade de Palma Nuova. Pierre Lavedan constitui um grupo com as cidades de Livorno, Nancy e Charleville, tendo em conta a sua condic¢ao de cidades du- cais!', Quanto 4s duas primeiras, trata-se de vastos programas de ampliagao de pequenos nticleos antigos. Os seus tragados regulares, onde predomina a esquadria, sao envolvidos por fortificagdes poligo- nais com bastides poderosos. Charleville, fundada por Carlos de Gonzaga, duque de Nevers e de Rethel, principe de Mantua e Monferrat, talvez seja a mais bela cidade regular dos primeiros anos do século XVII, um pouco posterior, por- tanto, 4s de Livorno e Nancy, fundadas nos tltimos anos do século XVI. Nesta cidade, a intencdo estética € predominante, como afirma Lavedan, e a grande praca ducal, com os seus Angulos fechados, ¢ uma pega de grande arte urbana. Lavedan compara-a, de certo modo, a Freudenstadt, construida pelo graio-duque Frederico I de Wurtem- berg para acolher os protestantes franceses refugiados. A grande pra- ¢a Ocupa quase a quarta parte da cidade. Os seus angulos sao fechados € as edificacdes formam simples renques de casas uniformes com telhados pontiagudos. Continua a ser uma urbanizagao interessantis- Suma. Poderfamos citar muitas mais cidades de funda¢ao recente, mas, Nesta breve sintese, temos de nos limitar ao mais caracteristico. ee " Pierre Lavedan, Histoire de l'Urbanisme. Renaissance et Temps nes, 2.5 edicdo, Paris, 1959, pp. 106, 118. haa A actividade urbanistica durante os séculos XV © XVI consiste, em grande parte, em alteragdes no interior das velhas cidades que, geraj. mente, modificam muito pouco a estrutura geral. Enquanto O pensa- mento ut6pico elabora cidades geométricas ideais, a vida decorre nos yelhos ambientes medievais, nas pragas irregulares e pitorescas e nas estreitas e tortuosas ruelas de outros tempos. A abertura de algumas ras novas, com edificios solenes e uniformes, e sobretudo a criacao de novas pracas, regulares ou quase regulares, para enquadramento de um monumento destacado, uma estatua para honrar um rei ou um principe, ou para representagdes ou festejos publicos, sao os empre- endimentos urbanos mais apoiados, que o periodo barroco iré conti- nuar ainda em maior escala. Le6n Baptista Alberti ocupa-se do problema da arquitectura urba- na em varios trechos da sua obra De re aedificatoria, com um critério bastante mais ecléctico. Antecipa-se ao principio moderno da hierar- quia das ruas, e pensa que as principais devem ser amplas, rectas e todas com edificios da mesma altura de ambos os lados. Aceita, em contrapartida, que as ruas secundarias sejam curvas para que se possa yer a todo 0 momento novas formas de edificios. Sebastiano Serlio exprime a conveniéncia de que, na frente de todos os edificios monu- mentais, exista uma praca quadrada ou cujas dimensoes estejam rela- cionadas com a fachada do monumento numa proporcio simples. Estas ideias dos tratadistas deram os seus frutos sob a forma de Tuas de tragado rectilineo, de arquitectura compassada e uniforme, como a Via Julia, em Roma, ou dos grandes alinhamentos que Sixto V tragou (1585-1590) na planta da cidade eterna. A obra urbanistica deste papa é uma das mais consideraveis que foram levadas a cabo para sistematizar uma grande e anti ga cidade. Duas importantes radia- goes, uma com o vértice na Porta do Povo e outra em Santa Maria Maior, cruzam a cidade com uma rede de diagonais que procura feunir os pontos mais significativos, principalmente as basflicas maio- Tes, por meio de alinhamentos rectos. Foram colocados obeliscos nos Genitos e cruzamentos de perspectivas. E uma obra de urbanismo estético-religioso com vista As grandes peregrinacdes. O barao Hauss- mann fara, com outros objectivos, algo de muito parecido, mas quase trés séculos mais tarde. HA uma rua em Génova que exprime os ideais renascentistas e™ spatéria de urbanismo: é a Via Nuova, tragada e construfda por Galeaz- aA Alessi. Este arqui tecto construiu a maioria dos importantes pala- Fig. 33. A Roma de Sixto V. Plano de Nolli. 103 Fig. 34. Veneza. Praga de Sao Marcos. (Esbogo do autor) cios que ladeiam esta rua tao aristocratica, residéncia da nobreza opulenta de Génova. Também foram muitas as pracas italianas que serviram para dar lustre e magnificéncia as cidades mais nobres, seguindo os principios renascentistas. A Praga de Sao Marcos, em Veneza, completa-se du- rante o Renascimento com a contribuicao decisiva de Sansovino; a harmoniosa Praga de Pienza, que tera servido de inspiracao a de Campidoglio; a Praga Farnese de Roma foi projectada para servir de atrio ao magnifico palacio do mesmo nome; a da Annunziata, em Florenga, é um belissimo exemplo de praca com porticos; a regulari- dade das construcGes é levada ao maximo na prag¢a principal de Vige- vano, cidade predilecta de Ludovico, o Mouro. Nada comparavel, no entanto, 4 Praga de Campidoglio, preparada em 1536 para a chegada de Carlos V a Roma. «Miguel Angelo — disse Giovannoni —. adiantando-se no tempo gracas ao seu génio, imaginou esta auténtica obra-prima»?, que s6 ficou terminada um século mais tarde, mas, coisa Tara, com uma fidelidade absoluta a ideia de Miguel Angelo. O sentido de unidade e de correspondéncia orginica entre as partes, Proprio do barroco, j4 esta presente na poderosa concep¢ao do génio. O resto da Europa demoraré algum tempo antes de seguir os ensina- mentos da Italia e ornamentar as suas cidades com grandes pragas de 92, es 4 7 = Gustavo Giovannoni, «LUrbanistica del Rinascimento», em L’Urbanis- W’Antichita ad Oggi, de varios autores, Sansoni, Florenga, 1943, p. 111. dl 70.4 1 iD Ne dc | - = <> F \ Sas f= \ Fig. 35. Vigevano, (Italia). Grande Praga. (Esbogo do autor) arquitectura espectacular e ordenada, com ruas e composicdes de nivel estético superior. A Franca, por exemplo, que nos séculos XVII e XVII sera a nagdo que demonstraré uma maior capacidade de criagao urbanistica, deixa-se ficar, nessa altura, muito aquém da Italia neste aspecto. A Espanha, no entanto, em fins do século XVI e devido a dedicagiio constante de Filipe II a ideia de elevar a arquitectura a um plano de grandeza severa e de rigor conceptual, consegue levar a cabo algumas criagdes de grande originalidade. Os conjuntos reais ou nobi- lidrios, por um lado, e as pracas maiores regulares, por outro, consti- tuem o que hd de mais inovador no urbanismo filipino. O Escorial é o melhor conjunto. As enormes dimensdes do Mos- teiro obrigam a organizar 0 espaco A sua volta, armazéns, dependen- “las e jardins, com critério urbanistico. A disposigao em esquadria Tevela a sobrevivéncia de tradicdes medievais e islamicas. Filipe II deu muita importancia aos jardins das suas residéncias: 0 Escorial, juliet, Aranjuez, Madrid, j4 que 0 convivio com os jardineiros lhe va muita Satisfagao. 105 a de Campidoglio. Como nas pracas de Veneza ‘laterais divergem em direcgdo ao edificio central. (Rasmussen, op. cit) A residéncia do duque de Lerma, na vila do mesmo nome, é uma residéncia nobre de grande importancia. Uma série de conventos, de fundacao ducal, estao agrupados com 0 paldcio e comunicam com a casa senhorial por corredores cobertos, alguns de grande comprimen- to. Embora se trate de uma realizado dos primeiros anos do século xvi, dada a sua dependéncia, quanto ao estilo, da obra escorialense, pode considerar-se consequéncia directa do herrerianismo. O palacio e os conventos principais constituem uma composi¢ao continua de desenvolvimento linear, com a particularidade de os blocos edificados alternarem com espagos abertos sob a forma de pragas, adros e Atrios. A organizacio é muito livre, e, mais do que as ideias de simetria renascentista, predomina a tradic¢ao casti¢a espanhola. No seu conjunto, parece uma alcagova muculmana, no alto de uma eminéncia de onde se desfruta belo panorama sobre a varzea de Arlanza e o campo}, As pragas maiores regulares merecem ser especialmente considera- das na historia do urbanismo espanhol. Os seus antecedentes perdem-se nas intimeras pragas medievais de espago fechado. As pragas cataliis e levantinas, geralmente com pérticos formados por arcos de pedra, estao relacionadas com as do outro lado dos Pirenéus, com as bastidas france- sas, € com pragas como a de Montauban (reconstrufda no século XVI). LS eae Se OL ITT ToT ad = ZI LHD ttt STH tf HF PPA jimmy LILI [aes oy, Fig. 38. Mosteiro do Escorial. Enquadramento urbanistico. (Esbogo do autor) —————————— oo Luis Cervera Vera, El Conjunto Palacial de la Villa de Lerma, Madrid, 107 ta VOv~o Sub te ie %. Ve a ay SS Ti, = wi kG’ TE = x = S SS SS i= RS SS = _ =. yy”? Tl Ut Fig. 39. Lerma. Palacio ducal e pracas. (Esboco do autor) Nas pragas castelhanas, os pérticos de pedra sao substitufdos por pérti- Cos com pés-direitos de madeira, geralmente redondos, que suportavam dintéis também de madeira. Um dos mais antigos deve ser o de Valha- dolid, possivelmente do reinado de D. Joao II. Deve ter sido uma das ees 4 setvir pata espectaculos, festejos e acontecimentos publi- oe 2 foi decapitado, em 1453, D. Alvaro de Luna. Sofreu um incén- vastador em 1561 e foi restaurada por Filipe Il. Muito mais modestas, mas influenciadas pela de Valhadolid, subsistem, no entanto, as de Villal6n, Tordesilhas e Aranda do Douro". 4 s = ee das pragas medievais € o que nos é dado pelo istOrico del Urbanismo en Espana, Madrid, 1954, pp. 98-107. Fig. 40. Tordesilhas. Praga com porticos. (Esbogo do autor) Com a restauracio, por Filipe II, da Praca Maior de Valhadolid, segundo tragado do mestre Francisco de Salamanca, pode dizer-se que nasce a primeira praca regular espanhola. Lamentavel é que algu- mas construgdes do século XIX (entre as quais a Casa Consistorial) tenham perdido a sua antiga unidade! Esta praga, no entanto, nao é completamente fechada, dado que as ruas nao entram nela por baixo de arcos, como acontece nas que tém fachadas continuas. A Praga Maior de Madrid também nao era fechada até 4 remodelacao iniciada por Juan de Villanueva em fins do século XVII. A Praga Maior de Madrid, consecutiva 4 Antigua del Arrabal, para cuja melhoria Juan de Herrera tinha contribufdo com desenhos, foi terminada no tempo de Filipe IJ. As obras comegaram em 1617 e foi aberta ao ptiblico em 1620, por ocasiao das festas da canonizagao de Santo Isidro. O seu arquitecto foi Juan Gémez de Mora A Praga Maior de Toledo, a do Zocodover, nao chegou a ser terminada. A de Ledo, menos formosa mas uma das mais completas € Catacteristicas, data de 1677. A de Salamanca, a pérola das pracas maiores espanholas, é uma criag’o do barroco pela cronologia e estilo, 109 i i ee , 2 ~ mas nao pode ser separada do conjunto das pragas maiores, por ser a - culminagao de todas elas. na reclusao perfeita, uma praca separada e como que fora da ), que se evita para que nada perturbe a sua caracteristica stinada a festejos e Agora publica. cia, tao espanhola, para estes espacos reclusos, em con- com a estrutura de viagao da cidade, podera ter como OS patios fechados das mesquitas? ‘modo, 0 mesmo critério preside, excepcionalmente, a a Place Royale ou Praga dos Vosges. E quase E _Maior de Madrid, com menos de dez anos de usticamente fica perto, mas A margem, de uma artéria Rua Saint Antoine —, tal como a de Madrid fica 4 - Eevidente o desejo de fugir as vias de circulacao. ga dos Vosges, em Franca, nao frutificou, dado ze art, pensadas com um conceito cenografico diferentes, Praca retirada 6 a praca espanhola por exce- Ta tantos exemplos. Podemos citar a Praca da Corredera, em Cérdova, as populares de Tembleque e Almagro, as neoclassicas de Vitéria, San Sebastian, Bilbau e Sevilha, e a Praga Real de Barcelona, bem como a de Guiptizcoa em San Sebastian, do géculo XIX. Embora apreciemos os trabalhos de Torres Balbds, Luis Cervera e Robert Ricard!°, o tema das pracas maiores espanholas no seu con- junto é, no entanto, inédito. Para terminar esta ligo devemos reconhecer que muitas das ideias urbanisticas do Renascimento, que nao passaram de teoria, utopia ou exercicio intelectual nos paises da Europa onde tiveram origem, en- contraram 0 seu campo de realizagdo concreta na América, na obra ingente da colonizagao espanhola. «A cultura do Renascimento modifica as condigdes mentais do projecto arquitect6nico — disse Leonardo Benévolo — mas nao con- segue modificar da mesma forma — por uma série de razOes que nao é possivel tratar aqui — a pratica das intervencdes urbanisticas.» «Em contrapartida — diz o mesmo autor —, 0 esquema urbano idea- lizado na América nas primeiras décadas de Quinhentos, e consolidado pela lei de 1573, é 0 tinico modelo de cidade produzido pela cultura renascentista e controlado em todas as suas consequéncias executivas. Este modelo continuou funcionando durante quatro séculos, tanto na América como noutras regides, e, depois de ser generalizado no quadro da cultura neoclassica, servird de base 4 maior transformacao da época mo- derna: a colonizagao e a urbanizaciio dos Estados Unidos da América.'*» A América é terra virgem, onde a utopia nao é utopia, mas sim uma possibilidade real. Como disse Eugénio Imaz!’, «a presenga da 'S Robert Ricard, «La “Plaza Mayor” en Espagne et en Amérique espagnole. Notes pour une étude.» Annales, Paris. 1947, traduzido em Estudios Geografi- cos, t LXXXvil, Madrid, 1951. Robert Ricard, «Apuntes complementarios sobre a plaza Mayor espafiola y el Rossio portugués.», Estudios Geogrdficos, t. XI, 52) 'S Leonardo Benévolo, «Las nuevas ciudades fundadas en el siglo XVI en América Latina. Una experiencia decisiva para la Historia de 1a Cultura arquitec- tonica del cinquecento», Boletin del Centro de Investigaciones Histéricas y Estéticas de la Universidad Central de Venezuela, Faculdade de Arquitectura e Urbanismo, n.°9, Abril 1968, pp. 117 e 136. Utopias del Renacimiento. Estudo preliminar de Eugénio Imaz, Fundo de Cultura Econémica, México, 1956, p. XI. 111

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