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Dineiro ApministRativo RASCUNHO DIREITO ADMINISTRATIVO PARTE II ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA Ricardo Sousa da Cunha 33 RSC DiREITO AoMINisTRATIVO RASCUNHO 1. Actividade Administrativa e Principio da Legalidade JA se viu como a emergéncia do Estado Constitucional revela a intengdo de prover a0 enquadramento juridico da acg%o do Estado, revelado na previstio Constitueional da subordinaggio de toda a sua actividade a Constituigio e a Lei (art. 3° € 2678, n° 2 da CRP). Também se viu jl como a fungo administrativa se subordina & funso legislativa (que Ihe define fins e competéncias dos seus Srgfos), a fungao politica (que orienta 0 seu desempenho em fungdo das necessidades colectivas a satisfazer, por recursos escassos) e 4 fungio jurisdicional (que a controla). A subordinagio do exercicio da fung#o administrativa A previsio legal 6, precisamente, o ponto de partida para a Actividade Administrativa. 1.1. Prinefpio da Legalidade Administrativa Interessa, no entanto, verificar que a propria fungGo legislativa tem sofrido importantes alteragdes desde a origindria previsao liberal do Principio da Separacao de Poderes, como ja deve ter sido estudado em Direito Constitucional. Na verdade, 0 Principio do Primado da Lei, pelo qual a Lei, enquanto acto legislative do Parlamento representativo da Nago soberana, teria primazia sobre todas as outras manifestagdes da vontade do Estado, tem-se actualmente convolado num Principio da Precedéncia de Lei pelo qual no € apenas limite (negativo) a demais acco do Estado (nomeadamente administrativa) mas seu pressuposto (positive). Do mesmo modo, 0 Principio da Reserva de Lei, pelo qual se reservavam também aos Parlamentos representativos do 34 RSC DiREITO ADMINisTRATIVO RASCUNHO Estado Liberal a disciplina de certas matérias, actualmente, tem-se convertido num Principio de Essencialidade da Lei, pelo qual se exige que apenas o essencial destas matérias esteja prevista a previsiio legal das matérias fundantes da comunidade politica. Cada vez 0s érgios executivos assumem fungdes legislativas a luz das necessidades de eficiéncia da acgio do Estado, bem outras fontes de Direito vinculam a Administragao piiblica, com o que se determina a necessidade da Administragao Pablica observar todo um bloco da normatividade que determina a emergéncia de um Principio de Juridicidade que vincula toda a acg&o administrative”, 1.2. Fontes de Direito Administrative © Direito Administrativo integra, assim, as mesmas fontes de Direito estudadas 4 — 1) de fonte interna: a Constituigaio, a Lei (em sentido material e formal) ¢ os regulamentos; 3) de fonte extema: 0 Direito da UE € 0 Direito Internacional. Isto, naturalmente, sem prejuizo para novas formas de regulagio “menos que perfeitas” que contemplam instrumentos de regulago de “soft law” e diversas aberturas inter- disciplinares que remetem a definigio de uma situagdo juridica para padrdes, indices ou critérios de outras ciéncias™. Nos termos do art, 266.° da Constituig#o vincula a Administragdo Piblica & Constituigdo é a lei. Nao 6, ainda assim, pacifico que a Constituigdo possa ser fonte de > para mais desenvolvimentos DIAS/OLIVEIRA, 2006: e PAULO OTERO % © exemplo mais evidente na regulagio da matéria ambiental, em que a estabilidade do ato administrative cedeu lugar a diversas novas formas de regulago que, por exemplo, condicfonam a renovagdo de uma autorizagio de Inboracio de uma indistria altamente poluente & observincia de ererminados indices de poluigdo, que no s8o definidos juridicamente, mas por outros ramos do saber. Neste sentido, por todos, Jost EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, “A relevancia do dircito Administrative ne protegio do Ambiente”, comunicago apresentada em Barcelos, ESGMPCA, 21.09.2012. 35 RSC Dinerro ADMINISTRATIV Rascunho. competéncia para a actuagao dos érgios administrativo, que se deverd procurar na Lei e nos regulamentos, nos termos do art. ? CPA. A forma tipica de fundamentar a actuagaio administrativa seré a lei e 0 regulamento, nos termos do art. 112.° da CRP, destinado também a concretizar ou desenvolver a lei. No entanto, na falta de lei ou regulamento que se destine a actuagio administrativa na satisfagao do interesse piblico nfo se poderd excluir a possibilidade de a Administragio Pablica se valer da prépria Constituigo para fundamentar directamente a sua actuago. © Direito da Unido Europeia é, cada vez, mais fonte de Direito € também de Direito Administrativo. Nas matérias tipicas da integrag4o europeia, na garantia do Mercado Unico, bem como, em especial, nas matérias da concorréncia, o Direito da UE 6 cada vez mais fundamento para a actuago dos diferentes érgios chamados a aplicar 0 Direito da UE ¢, em especial, da Administragdo Piblica. Sdo definidos diferentes procedimentos de administragao directa (na qual a fung&o administrativa, mesmo no territério nacional, é desempenhada pelas instituigdes da UE, em especial em matérias relativas ao direito da concorréncia), procedimentos de administragao indirecta (nos quais a AP portuguesa aplica o Direito da UE, como se verd a propésito do Dirieto da Contratagiio Piblica que tem fonte na UE) e procedimentos de administracdo partithada (na qual os érgios da AP portuguesa participam com as instituigGes da UE no exercicio da fungaio administrativa)*. A mesma relevancia comega a ser assumida pelo proprio direito Internacional Publico, em especial, através das decisées das organizagées internacionais. Basta pensar nas consequéncias administrativas da aplicago das regras da Organizagiio Mundial do * Sobre © emergente Direito da UE, vide MARIA LUISA DUARTE, DIREITO ADMINISTRATIVO DA UNIAO EUROPEIA, COIMBRA EDITORA, COIMBRA, 2008. 56 RSC Dinero ApministRATIVo Rascunto Comercio relativamente as importagdes, da Organizago Mundial de Satide relativamente a satide piblica, da FAO para a seguranga alimentar ou da UNESCO na Protecsiio de locais classificados como patriménio da humanidade. Aqui valerdo as regras da recepgao do direito Internacional, previstas no art. 8.° da CRP, ainda que com diversas especialidades ainda, em larga medida, sob escrutinio. 1.3. Método do Direito Administrative Da variedade de instramentos admitidos como fonte de Direito administrativo e, em especial, como fundamento da actuagdio da Administrago Pablica, diversas dificuldades podem surgir, em especial na relago que a AP pode ser chamada a fazer entre diferentes actos juridicos potencialmente contraditérios (que se podem referir como antinomias juridicas). Metodologicamente, a vinculagio ao Direito Administrativo € que pode nao seguir os cfinones de interpretagdio juridicos, estudados no art. 9.° do Cédigo Civil. Se os tribunais estardo habilitados a usar a plenitude dos poderes hermenéuticos af autorizados, a verdade & que a especifica natureza da fungio administrativa, poderé implicar algumas limitagdes na aplicagao do direito administrativo pela Administragaio Piblica, Estulow-se j, como a fungdo administrative é earacterizada como secundéri, sujeita & definigio das opgbes fundamentais da fungéo politica, 4 lei na organizagio administrativa, na fixagdo de competéncias e atribuigdes, procedimento e garantias, bem como ao controlo dos tribunais. Os tribunais podem (devem) desaplicar normas legais de valor ordinério com fundamento na violagio da constituigo, Assim o determina o art. 204,° da CRP. Nao 57 RSC DiREITO AoministRATIVo RascUNHO existe, no entanto, norma andloga que atribua 0 mesmo poder (dever) & Administragiio Pablica — alids, em sentido inverso, o art. 266.°, n° 3 da CRP impde a vinculagao administrativa a lei e Constituigao, em linha com o principio da constitucionalidade, previsto no art. 2.° da CRP e com a natureza secundaria da fungao administrativa. A ‘questo é especialmente delicada no que se refere & protegio dos Dircitos Fundamentais dos administrados, considerando que também a Administragio Piblica se encontra vinculada ao regime especifico de Dircitos Fundamentais, nos termos ja estudados, do art. 18.° n.° 2 da CRP. As antinomias aqui identificadas sfio tantas quantas as fontes de direito identificadas anteriormente, considerando neste esquema também os instrumentos juridicos do Direito da Unio Europeia e do Direito Internacional. Poderd, assim, a Administragdo no aplicar uma lei que considere violar a Constituigio®”? Da mesma forma, poderi a Administragio Pablica no aplicar uma ‘norma regulamentar com fundamento na violagaio da Lei”*? Se, por um lado, 0 principio da constitucionalidade (que impde o primado da Constituigo ¢ o seu valor superior no ‘ordenamento juridico, com a consequéncia de impor a interpretagiio conforme de todas as demais normas) o sugere, por outro lado, assim estaria em causa a garantia de certeza © seguranga juridica, que ameacaria a previsibilidade da actuago administrativa, especialmente, gravosa para os seus cidadaos, Especificamente n que se refere ao direito da UE, deverd a Administragao nao aplicar o direito nacional que contrarie o direito da ® Sobre a fiscalizaao administrative da constitucionalidade das leis, vide ANDRE SALGADO MATOS, A fisealizagdo administrativa da constitucionalidade. Contribuio para 0 estudo das relagdes entre Constituigo, le e administragdo priblica no Estado social de Direito, Almedina, Coimbra, 2004 Sobre a nio aplicago de regulamentos com fundamento na sua invalidade, vide ANA RAQUEL MONIZ, A Recusa de Aplicagao de Regulamentos pela Administragdo com Fundamento em Invalidade, Coimbra, Almedina, 2012. 58 RSC Direrro ApwinistRATIVO RASCUNHO UE, como parece indiciar o TJUE na decisdo no caso Fratelli Costanzo”, nos mesmos termos que os tribunais nacionais, ou dever-se-4 construir uma especifica vinculagdo administrativa ao direito da UE, considerando que os tribunais nacionais podem (ou devem) efectuar o reenvio prejudicial, algo que estard vedado A Administragaio Pablica. A doutrina tem, assim, distinguido a competéncia de exame da competéncia de no aplicagéio normativa, que, no entanto, se admite de forma limita. 1.3.1. Competéneia de Exame A doutrina dominante parece, sem grande dificuldade, aceitar um poder administrativo de exame da constitucionalidade da lei, na esteira da paradigmética formulagéio de VIEIRA DE ANDRADE quando refere que “o que est em causa ndo é em si, a constitucionalidade da lei, mas 0 juizo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os érgios administrativos”°. Em sentido contrério, parecem apenas militar CARLOS BLANCO Morais”! ¢ MARIO ESTEVES DE OLIVEIRA™. Mais discutidas sero as consequéneias deste poder de exame, em especial, no poder/dever de interpretacaio administrativa conforme & Constituicdo, tal como parece reconhecido pela maioria da doutrina e ilustrado, na anotagfio ao art. 266.°, por VITAL MorEIRA © Gomes CANOTILHO, ainda que reportada aos superiores hierdrquicos. » Ac. de 22.06.1989, Proc. C-103/88, Fratelli Costanzo Spa e. Municipio de Millio. ® Visiea DE ANDRADE, Os Direltos Fundamentals na CRP de 1976, 2. Edigto, 2001, pagina 208. >* Cantos BLANCO MORAIS, As Leis Reforgadas..., op. cit, pagina 232, * MARIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Vol. 1, Coimbra, Almedina, 1984, pagina 85. 59 RSC DiREITO ADMiNisTRATIVO Rascunio. 1.3.2. Competéncia de desaplicagao Mais complicada seré, no entanto, a questiio da possibilidade de desaplicagto administrativa da lei inconstitucional, bem como da respectiva competéncia administrativa. Uma posigao generalizada na doutrina nacional parece “adversa_ a0 reconhecimento aos drgiios da Administragdo de qualquer poder de fiscalizagiio da constitucionalidade™?, considerando, com JorGE MIRANDA, a especialidade da fung’0. jurisdicional, imposta pela separagao de poderes, bem como a vinculagdo administrativa legalidade, garantia da previsibilidade da sua actuagdo. A intermediagio legal obrigatéria na actuago administrativa, segundo MARCELO REBELO DE SOUSA, nfo permite que “um érgao da Administragdo Piblica se substitua aos érgaos de fiscalizagao da constitucionalidade”™*. Posigées mais radicais, na recusa de qualquer possibilidade de desaplicagio administrativa da legalidade com fundamento na sua inconstitucionalidade, stio afirmadas por JORGE REIS Novalis’, CARLOS BLANCO Morais ¢ de MARIO ESTEVES DE OLIVEIRA, para quem esta seria uma solugio “absurda, perigosa e absolutamente inconstitucional””. 3 JonGe MIRANDA, Manual.., Tomo Il, op. cit, pagina 431 ess. ¢ tomo IV, pégina 281 es. MARCELO REBELO DE SOUSA € ANDRE SALGADO MATOS, Direito Administrativo Geral... op. cit, pagina... e MARCELO REBELO DE SOUSA, O valor juridico..., op. cit, pagina 314, Apesar de se pretender, de forma algo contraditéria, no pensamento deste Autor admitir uma competncia limitada de fiscalizagio administrative da constitucionalidade, em especial, dirigida as leis inexistentes, considerando 0 slargamento do conceito de “lei inexistente", como em ANDRE SALGADO MATOS, 4 Fiscalizapdo Administrativa.... 0p. elt, pagina 157, nr. 557 € MARCELO REBELO DE SOUSA, O valor juridico..., op. elt, pagina 179, 25 JORGE REIS NOVAIS, Separagdo de Poderes Limites da Competéncia Legislativa da Assembleta da Rapiiblica, Lex, Lisboa, 1997, piginas 27 ¢ 28, °* CARLOS BLANCO MORANS, As Leis Reforgadas.., op. cl, piginas 231 e 232. 7 MARio ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo I, Almedina, Coimbra, 1984, pagina 85. RSC DiREITo AomanistRATIVO Rascuntio Nao se encontra posigao diametralmente oposta que aceite uma ilimitada Jiscalicagao administrativa de constitucionalidade das leis**. Ainda assim, a doutrina nacional maioritéria parece aceitar uma moderada fiscalizagdo administrativa de constitucionalidade das leis, dividida entre a aceitagéo de uma competéncia de fiscalizagaio administrativa da constitucionalidade excepeional ou limitada. A. excepcionalidade da desaplicagdo administrativa da legalidade com _findamento em inconstitucionalidade parece suficientemente ilustrada no pensamento de JORGE MIRANDA quando se trate de normas violadoras de Direitos, Liberdades & Garantias insusceptiveis de suspensdo, normas pré-constitucionais totalmente estranhas & ideia de Direito, bem como de normas declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, sem que tenha havido posterior revisio constitucional”. Gomes CANOTILHO refere-se a semelhante competéncia excepcional de desaplicago no caso de leis inexistentes, violadoras de direitos fundamentais, quando o seu cumprimento constitua a prética de um crime, A qual acrescenta, com Vri 1. Moreira, quando legitimadora do exercicio do direito de resisténcia"®. Uma fiscalizagdo administrativa da constitucionalidade limitada (que necessariamente postula a definiggo da sua competéncia orginica nem sempre adequadamente resolvida) parece reflectida no pensamento de VIEIRA DE ANDRADE, quando admite, na esteira de BACHOF, a desaplicagao administrativa irrestrita nos casos de evidente inconstitucionalidade e nos casos de inconstitucionalidade material" 3 ANDRE SALGADO MATOS, 4 Fiscalizagdio Administrativa da Legalidade..., op. cit, pagina 157. > JORGE MIRANDA, Manuat..., Tomo IV, op. cit, paginas 181 ¢ 182. “ GOMES CANOTILMO, op. cit, pigina 443 ¢ 444, com VITAL MOREIRA, em anotagio a art. 18.° CRP "Vide VitiRA DE ANDRADE, Direitos Fundamentais.., op. cit, 2. Edig&o, 2001, pigina 210, em sentido ‘mais restrtivamente interpretado do que posigio anterior da |." Edigtio de 1987. 6 RSC Dinerro ApminstRaTIvo RASCUNHO. quando tal resultar da ponderagao principialista®” dos interesses em confionto, apesar da presungdo de constitucionalidade nos casos de davida ¢ da necessiria intervengaio dos érgios superiores da Administragdo Publica, conducente, se necessério A suspensao da lei inconstitucional", Apenas esta solugio “corresponde 20 principio da unidade da constituigdo (...) mais adequada A nova imagem de uma Administragdo democratica, com maior legitimidade, responsdvel e, afinal de contas, sempre sujeita a responsabilidade pelos prejuizos causados ¢ ao controle judicial da validade dos seus actos”, Em sentido aproximado, PAULO OTERO admite este controlo®* quando se tratem de “leis injustas’”, enquanto negagtio de um Estado de Direito material baseado na dignidade da pessoa humana”; de uma violagtio “ostensiva de preceitos constitucionais dotados de aplicabilidade directa”, em especial, aqueles relativos aos Dircitos Liberdades ¢ Garantias e “sempre que a Constituigo sancione a inconstitucionalidade”, como no caso da falta de publicagao, cominada com ineficdcia ou a inexisténcia decorrente da falta de promulgaciio. O Autor identifica ainda instncias de vineulagao administrativa ao juizo de (in)constitucionalidade do Tribunal Constitucional (preventivo ou sucessivo), ao juizo politico (da AR e do PR) que supera esse voto de inconstitucionalidade, sem prejuizo dos casos de reedigio de norma julgada inconstitucional com forga obrigatéria geral, bem como inconstitucionalidade superveniente“’. Esta solugfio apresenta-se como decorréncia da separagio de poderes © VIEIRA DE ANDRADE, Direitos Fundamentais..., op. cit., 2.* Edig&o, 2001, pagina 208. © VIEIRA DE ANDRADE, Direftos Fundamentais..., op. clt.,* Edig&o, 2001, pagina 210 e211. “Idem. © PAULO OTERO, Legalidade e Administracao Pitblica..., op. cit., pagina 671, maxime PAULO OTERO, Legalidade e Administragao Piiblica..., op. cit, pagina 668, nota de rodapé 1017. “© Esta iltima extensdo do control administrativo da constitucionalidade aos casos de caducidade por reviso constitucional superveniente poder parecer contraditéria. No entanto, a falta da presungio de a RSC DiRerTo ADMAINISTRATIVO RascUNHO constitucional, que reserva ainda aos tribunais a definigéio, em ultima instincia, do direito aplicével ¢ sujeita a Administragio Piblica a uma legalidade, em cuja, determinagéo desempenha um papel criativo, mas nunca definitive, Sem prejuizo de, ‘numa formulagao mitigada, ainda procurar assegurar instincias de garantia do Estado de Direito material, aponta-se aqui a preferéneia pela certeza e seguranga juridica, garantida inclusivamente pela Constituig&o, no seu art. 282°, j4 vista como um dos fundamentos da revolugo constitucional, aqui prevalecente em detrimento da eventual “anarquia” aberta pela possibilidade de cada drglo administrative determinar a “sua’ legalidade aplicavel. Na resposta a algumas das perplexidades aqui suscitadas, PAULO OTERO acentua como a realizagao’ do principio da legalidade se impde no quadro constitucional da separagdo de poderes, pelo que remete a questo em tomo da competéncia de desaplicagao administrativa da legalidade para a previso da legitimidade processual activa de todos ou de alguns érgfios da Administragio Piblica, que nfio apenas do Primeiro-Ministro, nos termos j4 previstos no art. 281.°, n° 2 c) da CRP. A Administragao encontra-se dependente da actuagao processual do Ministério Piblico, que Ihe & auténomo e independente, para 0 esclarecimento das potenciais antinomias identificadas na determinagao do direito aplicavel no caso conereto. Ora, a “defesa objectiva da juridicidade”*” em juizo por parte dos érgdos da Administragio Publica sempre poderia impor uma leitura sistemética da sua legitimidade processual activa. De momento, no entanto, esta é uma possibilidade que parece esquecida em homenagem a constitucionalidade da actuago do legislador no confronta o aplicador administrative com a disposigso constitucional determinante da inconstitucfonalidade. *" PauLo OTERO, Legalidade e Administraeao Piblica.., op. cit, pagina 710. 63 RSC DIREITO ADMINISTRATIVO RascuNHo “tempos de efervescéncia exacerbada de concepgdes subjectivistas do contencioso administrative’, 1.4, Discricionariedade Administrativa A Administrago Péblica no escolhe os fins que prossegue. ssa ¢ uma prerrogativa que est acometida ao legislador, que fixa também as atribuigdes (fins) das pessoas colectivas e a competéncia (poderes) dos seus Srgios para esse efeito, matéria na qual a Administragio Publica se encontra sempre vinculada a lei. Em certos casos 0 legislador vai mais além e fixa 0 contetido integral do acto a adoptar ~ sfio os actos vinculados. Mas como o legislador nao pode prever todas as situagdes da vida nem todos os poderes a exercer noutros casos 0 legislador concede a administragao publica a possibilidade de determinar 0 conteiido do acto administrativo — os actos discricionérios, pelos quais cabe 4 AP definir 0 grau e oportunidade da acgdo administrativa, Assim, se tradicionalmente, a actuagdo discriciondria da AP seria um espaco proprio otiginario garantido pelo principio da Separacdo de Poderes, a crescente afirmagdo do Estado de Direito e do princfpio da precedéncia de lei em toda a actuago administrativa recondu-la crescentemente a uma concessio legislativa a Administragdo na tentativa de evitar espagos livres de regulagao legal, sujeitando também ao controlo jurisdicional toda a actuagio, mesmo a discriciondria, da AP. “ PAULO OTERO, Legalidade e Administragao Piiblica... op. cit, pagina 713. RSC DiREITO ADMINISTRATIVO RASCUNHO O espago de exercicio de poderes discriciondrios pode, assim, ser reconduzido & indeterminagdo das normas legais nas quais esteja previsto. A indeterminagdo estrutural da norma poderd ser fundamento de concessto de poderes discricionérios na medida em que entre a previsio ¢ a estatuigfio da norma, legislador utilize um qualquer elemento de ligagaio que permita a Administragfio mais do que uma opgo vinculada. Isto acontece, em especial quando o legislador utiliza a formulagio literal “pode” ou alternativas pelo elemento “ou”. Neste caso nfio ha diividas de que o legislador quis deixar 4 AP a decisio de usar ou nao uma medida ou de usar uma de entre varias medidas previstas. A indeterminagao conceptual da norma seri, pelo contratio, mais complicada de analisar na concesséo de poderes discriciondrios. Quando o legislador utiliza conceitos cuja interpretagto niio € clara, como interesse piiblico, conveniéncia de servico, noite, serd possivel descobrir a tinica solugao que o legislador pretendia consagrar ou tera a AP alguma margem de conformagiio na sua definigfio. Uma posigao mais estrita recusa a existéncia de poderes discricionarios pelo uso de conecitos indeterminados, que seriam susceptiveis de interpretagio na busca de uma linica solugdo pretendida pelo legislador. Esta é a posigdo tradicional da doutrina e jurisprudéncia em Portugal (dita da Escola de Lisboa), que, assim limita 0 espago discriciondrio a indeterminagao estrutural da norma, ja vista supra, pelo uso de “pode” e alternativas “ou”, que sero, assim, verdadeiras prerrogativas de acco reconhecidas pelo principio da separago de poderes & Administrago Piblica e que os tribunais nfo poderao controlar. No entanto, mesmo neste caso, a doutrina concede que a indeterminagio estrutural da norma niio € suficiente para justificar os espagos de discricionariedade da AP e, por isso, admite trés casos de discricionariedade imprépria: liberdade probatria, quando cabe A AP a valoragdo de provas; discricionariedade 65 RSC DiReIro AOMINISTRATIVO RASCUNHO técnica, quando se entende que a decistio pressupde um conjunto de conhecimentos técnicos que apenas a AP detém e justiga administrativa, sempre que a AP ¢ chamada a usar eritérios de justiga material, como nos processos disciplinares ou avaliago dos seus funciondrios, na atribuigdo de notas aos alunos. Nilo é esta a posigiio adoptada (seguindo a Escola de Coimbra). Interessa antes analisar as diferentes modalidades de conceitos indeterminados para aferir se sto susceptiveis de interpretagdo ou se representam a concessio de espago de decisto a Administragéo Publica. A primeira distingaio exclui do problema da discricionariedade 0s conceitos que por serem classificatérios no concedem poderes discriciondrios ou por serem to subjectivos nfo restam dividas quanto a indeterminagZo da norma, referida inclusivamente & sua estrutura. Quando o legislador usa conceitos classificatérios, mas que ainda assim podem ser resolvidos pela interpretago juridica segundo conhecimentos médios objectivos — nao estaremos perante poderes discriciondrios. Eo caso de conceitos descritivo-empiricos (relatives a experiéncia da vida), técnico- cientificos (que so resolvidos por uma dada ciéncia) ou de tempo e lugar. Em sentido contrério quando o legislador usa conceitos subjectivos que pela sua vaguidio nao admitem interpretagdo entender-se-4 estar em causa nao sé a indeterminagio conceptual, mas mesmo estrutural que resulta na concessio de verdadeiras prerrogativas de acgo a AP ou de poderes discricionarios. E 0 caso de conceitos como “ordem: piblica”, “conveniéncia de servigo”. O problema dos conceitos indeterminados tipo coloca-se entre estes dois extremos. A utilizagio de conceitos como “interesse piblico”, “inundagio grave” sfo o exemplo tipico da concesstio de poderes discricionarios como margem de conformagdo da AP na sujei¢do a lei, sempre que Ihe so atribuidas prerrogativas de avaliago, Aqui podemos distinguir os casos de juizos sobre 66 RSC Dinero ADMINISTRATIVO RASCUNHO disposigdes ou aptiddes pessoais ou de avaliages téonicas especializadas (p.ex. “reconhecido mérito”), situagSes que implicam um juizo de prognose (p.ex. “risco de derrocada”) ponderagdo de interesses piblicos ¢ privados (localizagdo de uma indistria perigosa) ou decisdes com consequéncias politicas. Assim entendida a discricionariedade nao é um espaco original ¢ incontrolado de poder administrativo, originado na separagdio de poderes. Pelo contririo este espago tratar-se-4 de um espago sujeito ao Direito, “material e funcionalmente juridica”” no qual o legislador opera uma divistio de trabalho entre a Administrago ¢ 0 Juiz na revelago de uma “tenstio criadora do direito do caso concreto™. 1.5. Controlo dos Vicios do Acto Discricionério Nenhum acto é, pois, inteiramente discricionério. Todos os actos té momentos discriciondrios ¢ momentos vinculados, susceptiveis de controlo jurisdicional. Jé se viu como todos 0s actos administrativos se encontram vinculados quanto ao fim © 4 competéncia do drgio que o pratica. Nestes momentos qualquer juiz pode controlar se 0 acto é adoptado para o fim que foi criado, sob pena de padecer do vicio de desvio de poder (subjectivo), que deverd gerar a nulidade, ou se 0 érgio que o praticou detém a comperéncia legal ou delegada para o efeito, sob pena de incompeténcia absoluta ou relativa, respectivamente cominadas com a nulidade ou anulabilidade. Outras insténcias de controlo serdo referidas A violagdo ostensiva e intolerdvel dos principios gerais de Direito Administrativo que de alguma forma podem ser ® DIAS / OLIVEIRA, 2006. * ROGERIO SOARES, Direito Administrativo, Universidade Catdlica, pagina 85. 67 RSC DiREITO ADMINISTRATIVO RascunHo: reconduzidos previsiio do CPA, bem como aqueles com presenga constitucional, que poderd gerar 0 desvio de poder objective. Também o erro de facto e 0 erro manifesto de apreciagdo serio fundamento para que 0 Tribunal conhega da invalidade do acto discricionério. Em nenhum destes casos Tribunal se poderd substituir 4 AP, mas podera controlar atenuadamente 0 exercicio da fungio administrativa sempre que a decisio seja inaceitdvel e a violagio ostensiva face a uma ordem juridica democratica ¢ enformada por critérios de justiga. Os particulares nestes casos poderio sempre fazer uso de todas as garantias politicas (direito de petigao e provedor dos Direitos Humanos), administrativas impugnatérias endo impugnatérias (como o Direito a informagio ¢ & fundamentago) previstas, por exemplo no CPA, e também juridicas, em especial judiciais por via da aplicagdo directa das normas relativas a protecgdo de Direitos Fundamentais contra um acto adoptado no exercicio de poderes discricionatios. RSC

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