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A PRIVACIDADE COMO DIREITO DA PERSONALIDADE RODRIGO SANTOS NEVES Mestre om Direito pela Universidade Candido Mendes, UCAMR) -Membro Associada Efetivo da Academia Brasileira de Direito Civil - ABDC. Procuradar Municipal. Professor Universitario. Advagad. profrsnevesi'yahoo.com.br Revista dos Tribunais « RY 955/67-88 « maio/2015 Area Do Dinento: Constitucional Risumo: A vida privada é invicldvel, nos ter- mos estabelecidas pela Constituicéo. O di- reito a privacidade é um das direites de per sonalidade © se apresema como um direito fundamental, tutelado constitucionalmente. A sua importincia se deve ao faio de que embora 0 homem viva em sociedade, ha determinados assuatos que deve ser preser- vados em sogredo somente para o individuo ou para um pequeno grupo dle pessoas mais préximas Squele, No presente trabalho, sera analisacia a protecdo juridica do direito & pri- vacidade, algumas possiveis aplicacdes a vida cotidiana & a forma como a doutrina ea jurisprucéncia (ém abortado a matéria, Pataveas-ciiave: Privacidade ~ Redes sociais ~ Sociedade da iniormac3e — Liberdade de expressao — Sigilo fiscal. Agstaact: The private life is inviolable, as provided by the Constitution, The right to privacy is one of the personality rights and is presented as @ fundamental right, constitutionally safeguarded. Its importance is due to the fact that although the man lives in society, there are certain issues that must be preserved in secret only far the individual orasmall group of people closest to hie. The present stucly analyzes the legal protection of the tight to privacy, seme. possible applications in their everyday lile and how the doctrine and jurisprudence have aborted the matter. Keyworos: Privacy ~ Soctal networking ~The information society — Freedom of expression ~Tax secrecy. SUMARIO: 1. Colocacao do tema - 2, Nogao de privacidade ~ 3. O direito & privacidade e a (im)possibilidade de sua li- mitacao — 4, Dircito a privacidade aplicado: 4.1 Direito & pri- vacidade no local de trabalho; 4.2 Direito a privacidade e 0 sigilo das comunicacbes; 4.3 Direito a privacidade e o sigilo bancéirio; 4.4 Direito a privacidade e o sigilo fiscal; 4.5 Direito a privacidade dos servidores puiblicos - 5. Direito a privaci- 30 RODRIGO SANTOS NEVES dade em xeque: a liberdade de expressao como limite ao di- reito a vida privada - 6. Consideragées finais - 7. Referéncias bibliograficas. 1. Colocagiio do tema A vida em sociedade requer dos individuos certos sacrificios. Isso porque a liberdade, que ¢ imanente ao homem, encontra limites a partir do momento em que este vive em sociedade. Por outro lado, a vida em sociedade nao significa uma vida integralmente social. H4 momentos e situagdes em que o individuo precisa ficar s6, seja para refletir a respeito de sua vida, seja para desfrutar de sua liberdade. Estes momentos dizem respeito a vida privada de cada um. Mas, como proteger a intimidade na sociedade da informagao? A so- ciedade atual est repleta de exemplo de superexposicao das pessoas nas redes sociais, em que individuos incautos mostram partes fntimas de suas vidas ao ptiblico em geral com apenas um click. O presente artigo apresentar4, em um primeiro momento os con- tornos do direito & intimidade, bem como a sua extensao. Em seguida, passa-se & andlise de situagdes em que o direito a intimidade é aplicado em diversas situagées da vida cotidiana, tais como no sigilo de corres- pondéncia, no sigilo fiscal, no sigilo bancario, a protegao da intimidade no ambiente de trabalho e a andlise da divulgacao da remuneragao dos servidores publicos conforme os ditames da Lei de acesso a informacao em contraposi¢do ao seu direito a intimidade. Por tiltimo, sera analisada a colisdo de direitos que ocorre entre direito a intimidade e a liberdade de expresso, Essa questao é importan- tissima, tendo em vista que em muitos casos o exercicio da liberdade de expressao viola a privacidade das pessoas. A finalidade do presente artigo nao € a de esgotar 0 tema, mas, ape- nas, provocar a discussao a respeito deste direito de personalidade tao importante para o desenvolvimento da personalidade do individuo. 2. Nogdo de privacidade Muito se fala, na atualidade, a respeito da privacidade e da necessi- dade de sua protecio. O Cédigo Civil de 2002 estabelece o seguinte: “Art. 21. A vida privada da pessoa natural ¢ inviolavel, e 0 juiz, a requerimento do interessado, adotara as providéncias necessdrias para impedir ou fazer cessar ato contrario a esta norma” Nao obstante boa parte da doutrina trate a privacidade e a intimidade como conceitos diversos, 0 presente trabalho abordard as duas expresses como sindnimas. A PRIVACIDADE COMO DIREITO DA PERSONALIDADE 31 Mas, em que consiste 0 direito a privacidade? “O direito a intimida- de [ou privacidade] diz respeito a fatos, situacées e acontecimentos que a pessoa deseja ver sob seu dominio exclusive, sem compartilhar com qualquer outra”! Segundo o autor estao abrangidos pelo direito & intimi- dade os documentos pessoais, as fotografias, os arquivos e dados pessoais que se encontram em casa, no automdvel e no trabalho, cuja revelagao a outras pessoas colocariam o seu titular em constrangimento.’ O direito a privacidade esta relacionado a vida intima e familiar de uma pessoa, abrangendo, inclusive, o direito de ficar s6.* Todos percebem 0 mundo exterior da forma como os outros the apre- sentam a sua realidade, As pessoas conhecem as outras, do modo como estas aparentam. “No entanto, ha muitas coisas que nao podem suportar a luz implacdvel e crua da constante presenga de outros no mundo pti- blico; neste, s6 é tolerado o que é tido como relevante, digno de ser visto ou ouvido, de sorte que o irrelevante se torna atitomaticamente assunto privado” Nao que os assuntos relativos a vida privada sejam irrelevantes. Muitos sao importantissimos, mas nao suportariam a sua exposigao ao publico?® Por outro lado, o individuo necesita viver em socicdade, para que seja vidvel e proveitosa a sua privacidade, mas esta deve ser exposta com certo cuidado, de modo a tornar as impress6es e sensagées pessoais ade- quadas a exposicao publica ou exterior 1. NETTO L6RO, Paulo Luiz. Autolimitacao do direito a privacidade. Revista Tri- mestral de Direito Civil, vol. 34, p. 95-96, Rio de Janeiro, abr.-jun, 2008 2. CENETTO L6B0, Paulo Luiz, Autolimitagao do direito a privacidade. Revista Tri- mestral de Direito Civil, vol. 34, p. 96. Rio de Janeiro, abr.-jun, 2008. 3. WARREN, Samucl Ds BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law Review,n. §, vol. 4, p. 195. Boston, dez. 1890, No mesmo sentido cf. CABAL, Marcelo Malizia. A colisao entre os direitos da personalidade e o direito de in- formacao. In: Miranpa, Jorge; RODRIGUES JUNIOR, Otdvio Luiz; FRUET, Gustavo Bonato {orgs.). Direitos da personalidade. Sao Paulo: Atlas, 2012. p. 114 4, Arenpr, Hannah. A condig@o humana, 10. ed. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 61. 5. Idem, ibidem. 6. “Em comparagao com a realidade que decorre do fato de que algo ¢ visto ¢ cutado, até mesmo as maiores forgas da vida intima ~ as paixdes do coracao, os pensamentos da mente, os deleites dos sentidos - vivem uma espécie de existéncia incerta e obscura, a ndo ser que, © até que, sejam. transformadas, desprivatizadas e desindividualizadas, por assim dizer, de modo a se tornarem adequadas & aparigao publica”, (ARENDT, Hannah. A condigao humana. 10. ed. ‘Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 59-60) RODRIGO SANTOS NEVES jes 9 As inovacées tecnolégicas possibilitaram uma devassa na vida pri- vada, diante das poderosas cameras fotogrificas e suas lentes de longo alcance, os microfones super poderosos, transmissao via satélite, além da utilizagao da Intemet como um dos principais ¢ mais répidos meios de comunicagao, que as redes sociais transtormam anénimos em verdadei- ros paparazzi.’ Dai a necessidade de se tutelar o direito a privacidade. Ha noticias cotidianas de fraudes realizadas a partir da obtencao de dados pessoais de outrem, como a contracio de dividas, criacao de empresas etc." Isso revela a necessidade de protecao dos dadas pessoais, como forma de concretizagao da tutela do direito a privacidade. A esse respeito, o Cédigo Civil portugues preceitua e seu art, 80 0 se- guinte: “1. Todos devem guardar reserva quanto a intimidade da vida pri- vada de outrem. 2. A extensiio da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condicao das pessoas” Assim, daquele ordenamento juridico, pode-se extrair a conclusto de que o direito & privacidade gera um dever erga omnes de respeito a vida privada dos demais individuos, inclusive 0 de guardar o sigilo, ainda que as informacées tenham sido obtidas por meio Ifcito, sob pena de responsabilizagao.? 0 Codigo Civil de 2002 dispde no mesmo sentido, em seu art. 21, a0 afirmar que a vida privada é inviolavel, devendo o juiz, a requerimento da parte, tomar as providéncias necessdrias & cessagio da sua violagao,” Nesse contexto, pode-se dizer que a regra da publicidade dos atos judiciais cede espaco para o segredo de justica nas demandas em que en- volvam menores ou assuntos de direito de familia (art. 206, Lei 8,089/1990 e art. 155, CPC/1973, respectivamente), é uma forma de se garantir a pri- vacidade das pessoas envolvidas. Da mesma forma, 0 sigilo no proceso de adogao, inclusive com a impossibilidade de se emitir certidao de ado- (40, bem como a proibicao de se apor qualquer observacao sobre a ado- cdo no registro civil do adotando sao formas de se garantir a privacidade dos envolvidos (art. 47, Lei 8.069/1990). 7. Nerro L6no, Paulo Luiz. Autolimitagao do direito & privacidade. Revista Tri- mestrat de Direito Civil, vol. 34, p. 96. Rio de Janeiro, abr-jun. 2008. 8, ScunenweER, Anderson, Direilos da personalidade. 2. ed. $a0 Paulo: Atlas, 2013, p. 136-137. 9. Cana, Marcelo Malizia. A colisao entre os direitos da personalidade ¢ o direi- to de informagao. In: MIRANDA, Jorge; RopriGurs JUXtoR, Ocavio Luiz; FRUET, Gustavo Bonate (orgs.). Direitos da personalidade. Sao Paulo: Atlas, 2012, p. 114. 10, “Art. 21. A vida privada da pessoa natural 6 invioldvel, e o juiz, a requerimento do interessado, adotaré as providéncias necessarias para impedir ou fazer ces- sar ato contrario a esta norma’ (CC/2002) 8 A PRIVACIDADE COMO QIREITO DA PERSONALIDADE 3. O direito a privacidade e a (im)possibilidade de sua limitagaéo Seria possivel a limitacao do direito a privacidade (intimidade)? Esta pergunta é de extrema importancia, diante da sociedade em que se vive, diante de situacdes em que as pessoas expoem as suas vidas, coma se fos- se um livro aberto, de modo a possibilitar que pessoas que ela nunca viu passem a conhecer detalhes de sua vida, rotinas, preferéncias, etc. Estabelece 0 Cédigo Civil de 2002 0 seguinte: “Art. 11. Com excecao dos casos previstos em Ici, os direitos da personalidade sao intransmissi- veis e irrenunciaveis, nao podendo o seu exercicio sofrer limitagao volun- taria’” Diz-se, com isso, que os direitos da personalidade sao absolutos, tendo em vista que sao oponiveis erga ones (contra todos), ou seja, to- dos devem respeitar os direitos da personalidade de uma pessoa." Um direito de personalidade nao pode ser limitado, mas, sim, o seu exercicio, E possivel a autolimitacao do exercicio de um direito de perso- nalidade, desde que seja voluntario, temporario, restrito ¢ expresso.'* Com isso é possivel dizer que o diteito privacidade, por exemplo, pode ser Inn tado pelo seu titular, desde que haja seu consentimento expresso, a delimi- tagao do tempo em que o seu exercicio seré limitado ¢ em que condicées. O Cédigo Civil portugués estabelece o seguinte: “Art. 80, n. 2A ex- tensao da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condigaéo das pessoas’ A mesma ideia, embora nao haja previsao expressa na codi- ficacao brasileira, pode ser aplicada no Brasil. Assim, 0 direito a privaci- dade nao tera a mesma protegao em todos os casos. A depender da situa- ao, 0 titular do direito a privacidade teré uma maior ou menor protecdo. Os direitos de personalidade, assim como os direitos fundamentais, devem ser aplicados de modo a considerar outros direitos envolvidos, sem que se aplique um direito de formar plena e desconsidere 0s outros aplica- veis, como se houvesse uma hierarquia entre eles." Os direitos de persona- lidade, aqui em especial 0 direito & privacidade encontra limites imanentes implicitos ne proprio texto constitucional, tendo em vista o referido direito nao possa ser exercivel de determinadas formas. Assim, o direito & ptivaci- dade encontra limitagao na existéncia de outros direitos de origem const tucional, seja do proprio titular, seja de titular diverso. Ha que considerar 11. Nerro L680, Paula Luiz. Autolimitacao do direito & privacidade. Revista Trt- mestral de Direito Civil, vol. 34, p. 104. Rio de Janeiro, abr.-jun. 2008. 12, Idem, p. 103. 13. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituicae por- tuguesa de 1976. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2001, p. 286. 34 RODRIGO SANTOS Neves se um determinado direito comporta 0 certo modo de exercicio, Em ou- tras palavras, qual é o dominio normativo do diteito em questo. “Se num caso hipotético ou concreto se poe em causa 0 conterido essencial de ou- to direito, se se atingem intoleravelmente valores comumitarios bdsicos ou principios fundamentais da ordem constitucional, deverd resultar para 0 intérprete a convicgao de que a protecao constitucional do direito nao quer ir tao longe’" Nao se pode imaginar como exercicio legitimo da liberdade de expresso, por exemplo, a devassa total e completa da vida de uma pes- soa, sob o pretexto de informar a sociedade sobre a vida alheia. Da mesma forma, nao se pode invocar o direito a intimidade, para impedir uma escuta telefénica para fins de investigacao criminal, como se vera adiante. O direito a privacidade de uma pessoa permanece intacto enquanto cla estiver em local piiblico? Esta questio é interessante quando se est diante de fotografias capturadas em locais ptiblicos, mas que se discute a violagao do direito & privacidade da pessoa. O TJRJ j4 se manifestou em sentido contrario, ao analisar a pratica de topless por uma modelo na pis- cina de um hotel.'* O S¥J, no mesmo sentido, julgou indevido 0 direito a indenizagao & mulher anénima que praticou topless em praia." Parece equivocada a posigdo destes tribunais, tendo em vista que “o fato de a pessoa ter conduta diferente das demais, sem prejuizo a quem quer que seja e inexistindo lei proibitiva, é exercicio de sua liberdade, constitu cionalmente assegurada, nao se podendo entender que autorizou taci- 14. Cf. Awprane, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituigao portuguesa de 1976, 2. ed, Coimbra: Almedina, 2001, p. 287. 15, “Indenizagao responsabilidade civil. Publicacdo jornalistica. Dano moral. Ino- corrénela. Modelo profissional, Direito a imagem. Violagio do direito, Inexis- téncia descabimento sentenga confirmada, Desprovimento do recurso. Res- ponsabilidade civil. Fotografia publicada em revista semanal, Dano moral, Ino- corréncia. Modelo flagrada quando fazia topless na piscina de um hotel, Pessoa ptiblica que voluntariamente expés sua imagem em local de acesso puiblica. Inexistncia de violacao ao seu direito de intimidade. Indenizacao descabida. Desprovimento do recurso, Manutengao da sentenga que julgou improceden- te 0 pedido inicial” (T)RJ, ApCiv. 0122463-44.1997.8.19.0001, 2.8 Cam. Cf, rel. Des. Leila Mariano, DJ 17.04.2001). 16, “Direito civil. Direito de imagem. Topless praticado em cenario puiblico, Nao se pode cometer o delirio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para tomé-la imune de quab- quer veiculagao atinente a sua imagem. Se a demandante expoe sua imagem em cenério piiblico, nao ¢ ilfcita ou indevida sua reprodugdo pela imprensa, uma vez que a protecao a privacidade encontra limite na propria exposicaa realiza- da. Recurso especial néio conhecido. (ST, REsp 595.600/SC, 4.°'P, j. 18.03.2004, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 13.09.2004, p. 259). A PRIVACIDADE COMO DIREITO DA PERSONALIDADE 35 tamente a publicagao violadora de sua privacidade, na medida em que 6 jornal atingiu publico maior que o do lugar onde se encontrava, com evidente intuito sensacionalista’ Sobre a mesma situagéo, o Supremo Tribunal de Justica de Portugal, julgou de forma diversa. Uma mulher praticou dopless em uma praia de nudismo e um jornal publicou a sua imagem, sem o seu consentimento. O tribunal entendeu que 0 fato de estar em um local ptiblice nao retira da pessoa o controle sobre a sua imagem, pela qual poderé opor sua publi- cagio a terceiros.* Pode-se dizer que “os individuos que preferem uma vida sem no- toriedade publica e que nao exercem fungao publica possuem o direito inviolével a que nao se invada a sua vida pessoal, mesmo que se proceda sem carater injurioso, difamatério e calunioso" 17. Cf. NevTo Lo, Paulo Tuiz, Autolimitagao do diteito a privacidade. Revista Tri- mestral de Direito Civil, vol. 34, p. 103. Rio de Janeiro, abr-jun. 2008. 18. “I-A Constituigao da Republica, no seu art, 26, consagra o direito de todos os cidadaos 'a imagem e a reserva da intimidade da vida privada e familiar’ Il - Por sua vez, 0 art, 79 do Codigo Civil, inserido na seceao II sobre direitos de perso- nalidade, estipula também, no seu n, 1, que ’o retrato de uma pessoa nao pode ser exposto, reproduzido ou lancado no comercio sem consentimento dela! ¢ no seu n. 2 que ‘nao c necessdrio o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenha, exigencias de policia ow de justica, finalidades cientificas, didécticas ou culturais, ou quando a reprodugio da imagem vier enquadrada na de lugar publico ou na de factos de interesse puiblico ou que hajam decorrido publicamente’ e ainda no seun.3 se consigna que ‘o retrato nao pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lanca- dono comercio se do facto resultar prejuizo para a honra, reputacao ou simples decoto da pessoa retratada’ [1] - Age com culpa, praticando facto ilicito passivel de responsabilidade civil nos termos dos arts. 70 e 483 e ss. do Codigo Civil, 0 jornai que, sem o seu consentimento € ndo sendo ela pessoa puiblica, fotogra- fa determinada pessoa desnudada e publica essa fotografia numa das edigdes, nao obstante o facto dea fotografia ter sido obtida quando a pessoa em causa se encontrava quase completamente nua na ‘praia do Meco; considerada um dos locais onde o nudismo se pratica com mais intensidade, nimero e preferéncia, mesmo que se admita ser essa pessoa fervorosa adepta do nudismo. IV - Bfacto notério que a publicacao em um jornal de grande divulgagao e expansio de wm retvato da autora em ‘topless’ sem o seu consentimento se tinha de repercutir forcosamente na reputagao c honra da retratada e, 56 por si, gerar prejuizos para ela, tendo, por isso, direito a ser ressarcida pelos mesmos’: (Portugal. Supremo ‘Tribunal de Justica, Processo n. 077193, rel. Solano Viana, DJ 24.05.1989). 19. CABRAL, Marcelo Malizia. A colisao entre 0s direitos da personalidade e 0 direi- to de informacio. In: Mana, Jorge; RODRIGUES JUNIOR, Otdvio Luiz; FRurT, Gustavo Bonato {orgs.). Direitos da personalidade. $40 Paulo: Atlas, 2012, p. 139. 36 RODRIGO SANTOS NEVES Caso interessante, relativamente & temporariedade da limitagao aos direitos da personalidade 6 0 caso da artista Maria da Graga Xuxa Meneghel, que teve veiculada em uma rede de televisao imagem de uma revista masculina em que a autora posara nua hd mais de 20 anos.” O juiz. do caso reconheceu violagao a sua privacidade, pois uma pessoa nao pode ter a sua imagem exposta por mais de vinte anos. A autorizagao da veiculagao da imagem foi para uma determinada época, e nao para a vida toda. Outra situagao interessante é a dos participantes de reality shows. Os referidos programas de televisdo retinem pessoas em uma Casa, em total isolamento com o mundo exterior, sob vigilancia 24 horas por dia, com cAmeras espalhadas e microfones, de modo a serem privadas quase que totalmente de sua privacidade enquanto ali permanecerem. Eiste tipo de programa tem sido uma febre nos dias atuais, atingindo pontos elevados na audiéncia e muito lucro as emissoras, Os participantes desses programas assinam contrato de cessdio de uso de imagem e da privacidade, durante sua participagao no programa, © que os torna alvos de uma verdadeira devassa em sua intimidade.”! No que se refere a possibilidade de cessao de uso da imagem e da suspensio temporaria da privacidade, durante a participacdo no programa nao ha grandes problemas. E possivel a suspensao temporaria do exercicio da privacidade. No entanto, ha que se pensar em até que ponto é licito o ne- gécio juridico de suspensao e exposicio do exereicio da privacidade, para uma exposigao macica ¢ explicita da intimidade da pessoa. 4, Direito a privacidade aplicado 4.1 Direito a privacidade no local de trabatho O que se deve falar a respeito do direito a privacidade no local de trabalho? Geralmente, um terco de nossa rotina didria é vivida em nosso local de trabalho. E, portanto, muitas relagdes interpessoais so criadas neste ambiente. A pergunta que se coloca é a seguinte: no ambiente de trabatho, o trabathador mantém o seu direito & privacidade? A resposta deve ser positiva. O direito do trabalho estabelece con- ceitos como 0 poder de ditecao, que o empregador exerce sobre os seus 20. TJR), proceso n, 2008,001.069035-3. 21, Aves, Cristiane Avancini. Os direitos da personalidade ¢ suas conexdes intva, inrer c extra-sistemiticas. Revista Juridica. ano :30, p. 50. Porto Alegre, abr. 2005, A PRIVACIDADE COMO DIRFITO DA PERSONALIDADE 37 empregados. O referide poder possibilita que o empregador estabeleca regras de funcionamento da empresa e de que forma os empregados de- vero desempenhar as suas atividades, inclusive restringir a utilizacdo de meios de comunicagao, a exemplo do aparelho celular, para evitar a redu- cdo da produtividade. Por esta razo, muitas empresas criam bloqueios eletrénicos para impedir que seus empregados utilizem no ambiente de trabalho as redes sociais, acesso a sitios com material pornogrdfico, acesso a sitios de arma- zenamento de arquivos, etc. Neste tiltimo caso também, tem o objetivo de se evitar que o empregado se utilize dos equipamentos da empresa para baixar arquivos de musica, videos ¢ até software durante o horétio de trabalho, o que poderia causar sérios danos a rede de informatica da empresa, tendo em vista a possibilidade de contaminacao com virus de computador. Questo que se coloca é a possibilidade de o empregador monitorar 08 e-mails dos empregados (ndo se fala aqui dos e-mails pessoais, pois es- tes, sem sombra de diivida, estao protegidas pelo direito a privacidade) ~ 98 e-mails corporativos ~ para a verificacao do que se esta a tratar no rele- rido meio de comunicagao. O argumento utilizado pelas empresas é 0 se- guinte: como 0 e-mail corporativo é uma facilidade colocada a disposicao dos empregados para otimizar o trabalho, os assuntos ali tratados devem ser exclusives para uso profissional de interesse do empregador. Assim, 0 monitoramento é licito, nado padende ser considerado violagao ao dircito & privacidade do empregado. Foi neste sentido que o Tribunal Superior do Trabalho ja decidiu: “Nesse contexto, se considerarmos come dano moral indenizavel a violagdo a honra ¢ & imagem das pessoas, conforme previsto no inciso X do art. 5.° da CE/1988, o cancelamento de acesso do autor a e-mail corporativo da empresa, ainda que em periodo de férias que antecedeu a sua rescisao contratual, nao implica em violacao 4 honra subjetiva do autor, passivel de reparagao. Pandere-se que aqueles que se utilizam do e-mail corporativo para fins pessoais ou ilicitos estao sujeitos @ varias medidas legais, inclusive com a possibilidade de demissio por justa causa. Dessa forma, nao hé qualquer intimidade ou privacidade do funcionario a ser preservada ou protegida, na medida em que essa mo- dalidade de e-mail nao é colocada & disposigao do funciondrio para fins particulares, Nao se pode vislumbrar direito & privacidade na utilizacao de um sistema de comunicagao virtual disponibilizado para 0 correto de- sempenho da atividade empresarial e de um oficio decorrente de contrato de trabalho. Nesse contexto, nao configurado a pratica de conduta ilicita Por parte empregadora capaz de ensejar abalo moral no reclamante, nio comprovado que a demandada tenha exagerado em seu poder de mando 38 RODRIGO SANTOS NEVES e direcdo, sendo que tal pratica de cancelamento de e-mail corporativo do autor, nao obstante ihe tenha causado aborrecimentos, nao representa abalo moral, leséo & honra e A imagem do ofendido, capaz de justificar condenagao em indenizacao por danos morais’” Este julgado segue no mesmo sentido utilizado por Warren e Brandeis, em seu trabalho sobre 0 direito 4 privacidade, como sendo o direito 4 privacidade uma extensao do direito de propriedade.* O argumento contrario seria no sentido de que o monitoramento as contas de e-mail corporativo seria um atentado ao direito a intimidade da pessoa, tendo em vista que a partir do momento em que a conta de e-mail é colocada 4 disposigdo do empregado, este tem, nesta conta, estendido © seu direito a privacidade. Nao se deve colocar os meios de producio & frente da dignidade da pessoa humana.” Deve-se levar em consideragao que a Constituicao de 1988 estabelece que o direito a privacidade ¢ invio- lavel (art. 5.2, X e XII, CF/1988). No entanto, hd que se fazer algumas ressalvas: um primeiro lugar, embora se estabelega que a privacidade e o sigilo das comunicagées sao invioléveis, 0 tema deve ser tratado com cuidade. Nos termos da Constituigéo de 1988, apenas as comunicagées telefénicas podem ser monitoradas, desde que objetivem a instrugao da investigagao criminal ou do processo penal e desde que haja prévia autorizacao judicial (art. 5.9, XI). Dizer que as comunicagées via e-mail sao inviolaveis possibilitaria o abuso de direito por parte do seu titulaz, como a utilizagao dos meios colocados a disposicao dos empregados, que teriam a destinagao apenas para o uso profissional. Por outro lado, ha meios eletrénicos de se evitar a ma utilizagao por parte do empregado. Em todo caso, a jurisprudéncia tem admitido 6 monitoramento dos e-mails corporativos, tendo em vista que sao de propriedade da empresa 22, TST, AIRR 834-03.2011.5.02.0045, 6.2 'T., rel. Des. convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, J. 03.12.2014, DE/T 05.12.2014. 23, “What is the nature, the basis, of this right to prevent the publication of manus- cripts or works of art ? IUis stated to be the enforcement of a right of property” Cf. WaRREN, Samuel D.; Branbeis, Louis D. The right to privacy. Harvard Law Review. n. 5. vol. 4p. 200. Boston, dez. 1890. 24, Neste sentido, afirma Paulo Luiz Netto Lobo: “Pode o empregador impedir que 0s computadores ou provedor corporatives sejam utilizados pelo empregado para fins pessoais, mas nao pode violar o contetido das correspondéncias pes- soais, para produzir provas contra o segundo NerTo L080, Paulo Luiz. Autoli- mitagao do dircito a privacidade. Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 34, p. 102. Rio de Janeiro, abr.-jun. 2008. A PRIVACIDADE COMO DIREITO DA PERSONALIDADE 39 empregadora, mas com certos limites: deve haver uma prévia comunica- cao aos empregados de que haverd 0 referido monitoramento. Além dis- so, 08 direitos da personalidade nao podem ser utilizados como escudo para que o seu titular pratique atos ilicitos.” Da mesma forma, e sob 0s mesmos fundamentos, seria possivel uma empresa fazer revistas nos escaninhos disponibilizados aos empregados, tendo em vista que os armarios estao nas dependéncias da empresa e destinados exclusivamente para fins profissionais.”* 4.2. Direito é privacidade e o sigilo das comunicagaes No que se refere ao direito ao sigilo nas comunicagées, trata-se de mais uma forma de concretizagao do direito a privacidade. Estabelece a Constituigdo de 1988 o seguinte: “XII - é inviolavel 0 sigilo da corres- pondéncia e das comunicacées telegraficas, de dados e das comunica- c6es telefénicas, salvo, no Ultimo caso, por ordem judicial, nas hipéte- ses ¢ na forma que a lei estabelecer para fins de investigagao criminal ou instrugao processual penal” Assim, a correspondéncia por carta ou relegrama é invioldvel. Como jé foi dito, as comunicagées teletinicas somente poderao ser violadas, por ordem judicial, e quando a finalida- de for para a instrucdo da investigacao criminal ou para a instrucao do. processo penal. Destarte, nao seria possivel a violagao da privacidade de uma pes- soz, por meio de interceptagao telefdnica, em uma ago de divércio, para se provar, por exemplo, que houve adultério. “Recurso ordinario do reclamante. Justa causa. Violagao de segredo de empre- sa, Sigilo do e-mail pessoal. Ha quebra da contianca quando o obreito revela para terceiros, concorrente do seu empregador, informagdes sigilosas que tinha conhecimento em razao do desempenho de suas fungées, sendo certo, outros- sim, que 0 direito ao sigilo das correspondéncias nao ¢ absoluto © ea0 pode servir de escudo para salvaguardar praticas ilicitas ou de ma-f do trabalhador, Recurso ordinario da reclamada. Dano material. Reconvengio (...)" (TRI-17* Regido, RO 01565-2013-013-17-00-0, rel. Des. Claudia Cardoso de Souza, DEI 23.10.2034). “(...) Por tais razdes, assim como wm e-mail corporativo pode ser monitorado, com muito mais raz4o um escaninho de um supermercado 0 deve ser, seja pelo objeto social explorado pelo reclamado onde a possibilidade de furtos é alta (comércio varejista), seja pela necessidade da salvaguarda de seu direito cons- situcional de propriedade, Outra seria a situagdo se a mochila - de propriedade do empregado - fosse violada, 0 que nao ocorreu, conforme da conta a prova coligida aos autos(..)' (TRI, 17 Reg., RO 0022500-50.2008.5.17.0012, 1.2, rel. Des, Sergio Moreira de Oliveira, rev. Des. José Carlos Rizk, DEJT 25.05.2009 ). 26. 40 RODRIGO SANTOS NEVES A interceptacao teletnica ¢ passivel de interceptagao, mesmo dian- te do diteito 4 privacidade, tendo em vista o interesse publico no combate ao crime. No entanto, mesmo diante da decretagao da quebra de sigilo das comunicagdes, a referida decisio devera fixar o periodo das grava- s6es, bem como 0 contetido a ser pesquisado. Isso porque mesmo se tra- tando da pritica de um crime, existem conversas que a pessoa possa ter que nao terao relagao com a pratica criminosa. Por isso, sua transcricao e juntada no processo ou no inquérito é indevida. Por esta mesma razio, tem se admitido a gravacao de conversas ambientais, quando autorizada por um dos interlocutores, exatamente para a producao de prova no pro- cesso penal.” A auséncia de autorizacéo judicial neste caso nao 6 empe- cilho, tendo em vista que a Lei 9.296/1996 trata exclusivamente das inter- ceptacoes telefonicas, nao abrangendo as conversas ambientais.”* 27. “Penal e processual. Habeas corpus substitutive de recurso préprio. Operacao “uragano’ Corrupeao ativa. Gravagao ambiental. Captagao de dudio e imagem realizada por um dos interlocutores. Desconhecimento do outro (ora paciente). Conversa gravada na residéncia do acusado. Licitude da prova. Trancamento da aco penal. Impossibilidade. Constrangimento ilegal nao evidenciado. L.A jurisprudéncia do Superior Tribunal de Justica, acompanhando a orientacao da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, firrmou-se no sentido de que o habeas corpus nao pode ser utilizaco como substituto de recurso préprio, sob pena de desvirtuar a finalidade dessa garantia constitucional, exceto quando a ilegalidade apontada for flagrante, hipétese em que se concede habeas corpus de oficio. 2. 0 acérdéo hostilizado encontra-se em harmonia com a jurispru- déncia do Superior Tribunal de Justi¢a no sentido de que a gravacao ambien- tal realizada por um dos interlocutores, sem 0 consentimento do outro, é licita, ainda que obtida sem autorizagao judicial, podendo ser validamente utilizada como elemento de prova, uma vez que a protecao conferida pela 1.e§9.296/1996 se restringe as interceptacdes de comunicacoes teleldnicas. 3. No caso, a gra- vacao ambiental ocorreu no domicilio do paciente, com 0 conhecimento de um dos interlocutores (ex-secretatio de governo que agiu na condieao de infor- mante e colaborader), sendo realizada com a devida autorizagao judicial. Na ocasiao, 0 acusade convidou o servidor publico municipal a entrar e permane- cer na sua residéncia, nao resiando evidenciade na hipstese o carter seereta da conversa captada, tampouco a obrigagao juridica de sigilo. 4. As garantias previstas no art. 5.%, XI, da Constituigdio Kederal tém por objetivo preservar a dignidade da pessoa humana ¢ o direito a intimidade dla vida privada. Tal restri- cao, contudo, nao deve prevalecer sobre o interesse priblico, tendo em vista que as garantias constitucionais néo podem servir para proteger atividades ilicitas ou criminosas, sob pena de inversiio de valores juridicos. 5. Habeas corpus nao conhecido" {ST}, HC 222.818/MS, 5.°'L, j. 18.11.2014, vel. Min. Gurgel de Faria, De 25.11.2014). 28. No mesmo sentido, ST}, RHC 34.733/MG, 5.° T, rel. Min. Jorge Musst, Dy 12.08.2014, A PRIVACIDADE COMO DIREITO DA PERSONALIDADE Al 4.3 Direito a privacidade e o sigilo bancdrio No que se refere ao sigilo bancatio, este também é uma concretiza- cdo do direito a privacidade, tendo em vista que as informacées banca- rias, tais como movimentagao de contas e saldos bancarios sao de inte- resses exclusivo do seu titular e a sua divulgacao poderia representar um constrangimento ¢, por isso, violagao ao seu direito & privacidade. O sigilo bancario é previsto na LC 105/2001 e estabelece os casos em que as instituicées financeiras deverao fornecer as informagoes bancarias do investigado ou da parte." Como se vé, hd situagdes em que a movimen- tagao bancéria de uma pessoa deixa de ser de interesse exclusivamente seu e passa a ser de interesse ptiblico, diante da necessidade de investiga- cdo criminal. O proprio SI} ja evidenciou que sempre, para a quebra do si- gilo bancario, haverd a necessidade de determinacao judicial, sem a qual, a prova produzida serd considerada ilfcita.” A obtengao de informacdes 29, “Art, L» As instiluicdes financeiras conservarao sigilo em suas oper € passivas e servicos prestados. lo: Ta troca de informagées entre instituicoes financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetirio Nacional e pelo Banco Central do Brasil; To forne- Cimento de informagdes constantes de cadastro de emitentes de cheques sem proviso de fundos e de devedores inadimplentes, a entidades de protecao ao crédito, observadas as normas baixadas pelo Canselho Monetario Nacional e pelo Banco Central do Brasil; II -0 fornecimento das inlormacdes de que trata 0 § 2.9 do art, 11 da Lei 9.311, de 24.10.1996; LV - a comunicagao, is autarida- des campertentes, da pratica de ilicitos penais ou administrativos, abrangendo 0 fornecimento de informagoes sobre operagdes que envolvam recursos prave- nientes de qualquer prética criminosa; V - a revelagao de informagoes sigilosas com 0 consentimento expresso dos interessados; VI - a prestagao de informa- Ges nos termos € condigies estabelecidos nos arts, 2.°, 3.6, 4.6, 5.9, 6.9, 7.0 9° desta Lei Complementar, § 4.° A quebra de sigilo podera ser decretada, quanda necessaria para apuracdo de ocorréncia de qualquer ilicito, em qualquer fase do inquérite ou do proceso judicial, e especialmente nos seguirstes crimes: 1 ~ de tettorismo; IT - de trafico ilicito de substéncias entorpecentes ou drogas afins; IH - de contrabando ou wafico de armas, munigdes ou material destina- do a sua produgéio; IV - de extorsao mediante sequest! V - contra 0 sistema financeiro nacional; Vf - contra a Administracao Publica; VII - contra a order tributdria e a previdéncia social; VIN - lavagem de dinheiro ou oeultagao de bens, direitos e valores; IX - praticado por organizacao criminosa’ ies ativas § 3° Nao constitui violagao do dever de sigi- 30. “Recurso em habeas corpus. Quebra de sigilo bancério. Previa autorizagao ju- dicial. Necessidade, Nulidade da prova. Manifesto constrangimento legal evi- denciado. 1. Este Superior Tribunal firmou o posicionamento no sentido de que o forecimento de informagdes sobre movimentagao bancaria de contribu tes, pelas instituighes financeiras, dirctamente ao Fisco, sem prévia autorizacao judicial, com 0 consequente oferecimento de dentincia com base em tals infor- A2 RODRIGO SANTOS NEVES diretamente das instituigdes financeiras somente é admitida no processo adminiswativo fiscal. No entanto, as referidas provas nao poderao ser utili- zadas no processo penal, sem a prévia autorizagao judicial." E se a questdo se tratar de demanda judicial de natureza civel, mais especificamente em uma agao de separacao ou de divércio, em que ha disputa de partilha de bens? Nao se trata, aqui, de qualquer demanda judicial, mas, sim, de acdo de separagao ou de divércio, em que hd a necessidade de partilha de bens, ea unica forma de se saber 0 montante patrimonial nao imobilizado é por meio de extratos bancarios e informagées do Banco Central a indi- car os ativos patrimoniais pelo mimero do CPF do cénjuge. Parece que a resposta deve ser positiva. E possivel a quebra de sigilo bancario, mesmo porque se ha necessidade de partilha de bens, 6 provavel que os valores depositados em instituicdes financeiras estejam em condom{nio entre os cénjuges, 0 que torna a quebra de sigilo menos invasiva. Diversamente, quando se tratar de demandas civeis em geral, como a cobranga de valores ou execucao de dividas, a parte interessada devera macoes, 6 vedado pelo ordenamenio juridico patrio. Precedentes. 2. Conside- rando que nao houve prévia autorizagao judicial para a quebra do sigilo bancé- rio do recorrente, bem como que a demincia lastreou-se apenas em elementos dela obtidos, nao ha como nao afastar a mulidade da acao penal. 3. Ainda que sealegue ou que se sustente, com base na LC 105, art. 6.%, que é possivel 0 aces- 80 a essas informacées banciirias pela autoridade fazendaria, sem autorizagao judicial, nao hd como isso ser possivel para fins de investigagao no proceso cri- minal, pela previsao constitucional expressa a respeito. 4. Recurso em habeas corpus provido para, reconhecendo nulas as provas obtidas mediante a quebra de sigilo bancédrio aqui tratada, anular a dendncia e a consequente acao penal, ressalvada a possibilidade de que nova demanda seja proposta em desfavor do recorrente, com base em prova licita’ (ST], RHC 34.952/SP, 6.*T, j. 04.09.2014, sel. Min, Rogerio Schietti Cruz, Dje 15.09.2014), 31. “Agravo regimental em recurso especial, Processo penal. Crime contra a ordem. tributaria. Oferecimento de dentincia com base em dados bancarios obtides em processo administrativo mediante requisi¢ao do fisco as instituigdes bancérias. Prova ilicita. Utilizacao. Impossibilidade. Agravo ao qual se nega provimento, 1. A quebra do sigilo bancério para investigacdo criminal deve ser necessaria- mente submetida a avaliagao do magistrado competente, a quem cabe motivar concretamente seu decisum, em observancia aos arts. 5.°, XI € 93, 1X, da Carta Magna. 2. Os daios obtidos pela Receita Federal mediante requisicao direta ds instituigées bancarias em sede de processo adrninistrativ tributario sem pré- via autorizagao judicial nao podem ser utilizados no processo penal. 3. Agrave regimental improvido. (STI, AgRg no REsp 1373498/SE, 6.* T, j. 19.08.2014, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, , Dje 29.08.2014). A PRIVACIDADE COMO DIREITO DA PERSONALIDADE 43 promover a busca por ativos da parte demandada. Nestes casos, a quebra de sigilo bancario é indevida e viola a privacidade da pessoa. 44° Direito a privacidade eo sigilo fiscal O sigilo fiscal é outra forma de concretizagao do direito & privacida- de. Sua regulamentacao se da por meio da LC 105/2001, acima indicada e 0 §5., do art. 2.9, dispde o seguinte: “O dever de sigilo de que trata esta Lei Complementar estende-se aos Orgaos fiscalizadores mencionados no § 4.° ea seus agentes” Isso se deve ao fato de que as informagoes prestadas & Refeita Federal, por exemplo, quando uma pessoa faz a sua declaracao anual de imposto de renda, devem ser mantidas dentro dos muros daque- Ja institui¢do, para que nao se cause problemas ao declarante. A pessoa que presta as informacées a Receita Federal deve estar se- gura de que aquelas informagoes nao vao vazar, para que se tenha certe- za de que as informagoes sao verdadeiras. Ninguém gostaria que as suas informagoes fiscais fossem divulgadas ao piblico, aos seus credores, aos seus familiares ou aos seus amigos. Isso faz parte da vida privada e é as- sunto que a ninguém compete. E possivel que sejam requisitadas informagées fiscais diretamente as autoridades administrativas (quebra de sigilo fiscal) quando se tratar de processo administrativo tributdrio, como jé decidiu o STJ.”" No entanto, quando se trata de persecucao penal, a quebra de sigilo fiscal deverd ser decretada por juiz competente, sob pena de nulidade das provas.* 32, “Processual civil. Tributario, Quebra de sigilo fiscal. Langamento. Possibilida- de, Tema decidido sob o regime do art. 543-C do CPC. 1. Nao ocorreu violacao do direito liquide e certo do impetrante. Isso porque a Primeira Segao desta Corte Superior de Justica, no julgamento do REsp 1,134,665/SP, rel. Min. Luiz Fux, Dje 18.12.2009, firmou 0 orientacao no sentido de que a Lei 8.021/1990 ca LC 105/201, euja incidéncia € imediata, possibilitam a quebra do sigilo bancario sem prévia autorizacao judicial, para fins de constituigdo de crédito tributério ndo extinto, 2. No mesmo sentido: AgRg no AREsp 385.653/SP, 2.°'T, j. 17.10.2013, rel, Min. Mauro Campbell Marques, Dje 24.10.2013; AgRg no REsp 1441676/PE, 2.° T,, j. 21.10.2014, rel. Min. Humberto Martins, Dje 29.10.2014, AgRg improvido" (STJ, AgRg no RMS 46.050/MT, 2.¢ T,, j. 20.11.2014, rel. Min. Humberto Martins, DJe 04.12.2014) 33. “AgRg no HC. Penal e Proceso Penal. Diversas fraudes perpetradas, em (ese, contra o Detran/RS. Alegacao de ilicitude dos documentos fiseais sigilosos re- quisitados pelo Ministério Piiblico diretamente ao Fisco. Flagrante ilegalidade. Quebra do sigilo tiscal que imprescinde de pronunciamento judicial. Preceden- tes desta corte superior. Agkg desprovido. 1. Segundo entendimento desta C te Superior, os poderes conferidos ao Ministério Publico pelo art. 129 da Carta 44 RODRIGO SANTOS NEVES. 4.5 Direito & privacidade dos servidores piblicos Uma questao que se coloca quando se trata do tema do direito & privacidade diz respeito & constitucionalidade da Lei de acesso a infor- maciio, no que se refere a obrigatoriedade dos portais de transparéncia informarem a remunerago de cada servidor puiblico. A Lei de acesso a informacao (Lei 12.527/2011) foi um avanco para a democracia, pois possibilita que a sociedade exerga 0 controle social sobre as despesas da Administracao Publica, Além do portal da transpa- réncia, que todas as entidades da Administragao Publica estéo obrigadas a manter no ar, existem sistemas abertos & consulta publica nos tribunais de contas para controle das obras puiblicas, em que 0 cidadao tem acesso as despesas reais do governo com as obras ptiblicas que realizam. No portal da transparéncia, 0 cidadao tem avesso a uma série de in- formacées relativas ao orgamento ptiblico, de modo a possibilitar que a sociedade fiscalize as despesas e as receitas do Fstado.” Ao regulamentar o art. 8.° da Lei 12,527/2011, 0 Dec. 7,.724/2012 estabelece, em seu art. 7.°, § 3.°%: “§ 3.° Deverdo ser divulgadas, na se¢ao especitica de que trata o § 14, informagdes sobre: (...) VI - remuneracao e subsidio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduagao, fungao e emprego piblico, incluindo auxilios, ajudas de custo, jetons e quaisquer outras vantagens pecunidrias, bem como proventos de aposentadoria e pensdes daqueles que estiverem na ativa, de maneira individualizada, conforme ato do Ministério do Planejamento, Orgamento ¢ Gestio” Por conta disso, abriu-se a discussdo a respeito do tema para saber se a divulgagdo da remuneracao de um servidor ptiblico nao violaria o seu direito & privacidade. A questo é tormentosa. Ninguém quer que seja divulgada a sua te- muneracao. Uns porque ganham pouco, a0 menos em sua percepgao, & isso 0 colocaria em posic&o delicada no meio social em que vive. Outros, porganharem muito, também ficariam em situacao delicada em seu meio Magna e pelo art. 8 da LC 75/1993, dentre outros dispositivos legais aplicaveis, nao sao capazes de afastar a exigibilidade de pronunciamento judicial acerea da quebra de sigilo bancario ou fiscal de pessoa fisics ou juridica, mormente por se tratar de grave incursao estatal em direitos individuals protegidos pela Constituicdo da Reptiblica no art. 5.°, incisos X ¢ XII. 2. Decisdo agravada que deve ser mantida por seus proprios fundamentos. 3. Agravo regimental a que se nega provimento’ (ST), AgRg no HC 234.857/RS, 9.°,,}. 24.04.2014, rel. Min, Laurita Vaz, Dfe 08.05.2014). 34, OL art. 8.°, Lei 12.527/2011. A PRIVACIDADE COMO DIREITO DA PERSONALIDADE 45 social, pois estaria sujeito a criticas. Ea alegagao é simples: “a divulgagio da remuneragio devassa a privacidade do servidor ptiblico!” Ha que se fazer algumas observacoes a respeito do assunto, [i verda- de que o servidor publico ¢ ou o agente politico sao pessoas e, como tais, 20 titulares de direitos da personalidade, dentre os quais, o direito a pri- vacidade. Ocorre que a sociedade tem direito 4 informagao, nos termos do art. 5.°, da CE/1988: “XXXII - todos tém direito a receber dos 6rgdos nuiblicos informacées de seu interesse particular, ou de interesse coleti- “0 ou geral, que serao prestadas no prazo da lei, sob pena de responsa- pilidade, ressalvadas aquelas cuje sigilo seja imprescindivel A seguranca da sociedade e do Estado" ‘Irata-se de direito fundamental do cidadao receber da Administracao Publica informacées de interesse coletivo ou zeral, que se incluem as despesas por ela praticadas. A Lei de acesso a informagao (Lei 12.527/2011) regulamentou este direito fundamental, consagrado desde 1988. Percebe-se a colisdo entre 0 direito a privacidade do servidor eo direito de acesso & informacdo de cada cidadao. Na hipétese de colisio de direi- 0s, considerando que entre os direitos fundamentais nao ha que se falar em alerarquia normativa, deve-se buscar uma solucdo que atenda aos direitos contlitantes, de modo a nao desprezar nenhum deles. Se, por um lado, 0 ser- ortem direito a protecio da sua privacidade, por outro, a sociedade tem 0 direito de exercer 0 controle social sobre a Administragao Ptiblica. Ha um interesse puiblico no controle sobre a Administragao Publica, para se evitar casos de corrupedo, nepotismo ou, mesmo, situagdes esd- vasulas em que um servidor percebe remuneracao acima do teto cons- srucional. Somente foi posstvel trazer & lume esses casos apés a entrada em vigor da Lei de acesso a informacio e a implantagdo dos portais de cansparéncia. Assim, é possfvel a divulgacao das referidas informagées, como nome, cargo e remuneracao, sem que isso represente uma violagdo da privacidade do servidor. Isso ocorre porque a privacidade do servidor & mnitigada em relacéo dos demais trabalhadores (da iniciativa privada), no que se refere & remuneracao, A remuneragao do servidor e do agente po- “tic provém dos cofres ptiblicos e é de interesse da sociedade quanto se gasta com cada um deles.* 35, ‘Administrative, Mandado de seguranga. Servidor puiblico federal. Analistas € séenicos de finangas e controle, Ato coator: Portaria Interministerial 23/2012, Divulgacdo de remuneragaa ou subsidio recebide por ocupante de cargo, posto, graduagao, funcéio c emprego piiblico, Legalidade. Lei de acesso a informacao. 46 5. RODRIGO SANTOS NEVES Direito a privacidade em xeque: a liberdade de expressio como limite ao direito a vida privada As consideracées feitas até aqui foram para estabelecer a importan- cia do direito & privacidade e a necessidade de sua protecao. No entan- Lei 12,527/2011. Direito liquido e certo a intimidade nao configurado. ga denegada, 1. Trata-se de mandado de seguranga impetrado pelo Sindicato Nacional dos Analistas e Técnicos de Finangas e Controle contra ato comissivo da Ministra de Estado do Planejamento, Orgamento e Gestao, do Ministro de Fstado Chefe da Controladoria Geral da Uniao, do Ministro de Estado da Fazen- dae do Ministro de Estado da Defesa, consistente na edigiio da Portaria Inter- ministerial 233, de 25.05.2012, a qual “disciplina, no Ambito de Poder Executivo federal, o modo de divulgagao da remuneracao e subsidio recebidos por ocu- pante de cargo, posto, graduacao, [ungao e emprego publico, incluindo auxilios, ajudas de custo, jetons ¢ quaisquer outras vantagens pecunidrias, bem como proventos de aposentadoria e pens6es daqueles que estiverem na ativa, confor- me disposto no inc. VI do § 3.° do art. 7.°, do Dec. 7.724, de 16.05.2012" (art. 1.°) 2. A Lei de acesso & informacao constitui importante propulsor da cultura da transparéneia na Administragao Publica brasileira, intrinsecamente coneciado aos ditames da cidadania e da moralidade publica, sendo legitima a divulga- cio dos vencimentos dos cargos, empregos e funcdes ptiblicas, informagées de carater estatal, e sobre as quais o acesso da coletividade é garantido constitu- cionalmente (art. §.°, XXXIIL, art. 37, § 3.9, [Le art. 216, § 2.8, da CF/1988}. 3. 4 divulgacdo individualizada e nominal das remuneragées dos servidores publi- cos no Portal da Transparéncia do Governo Federal, em cumprimento as dis- posi¢ao da Portaria Interministerial ora impugnada, apresenta-se como meio de concretizar a publicidade administrativa, nao se contrapondo aos ditames da Lei 12.527/2011, gue, ao normatizar o acesso a informagées, determinow que todos os dados estritamenie necessarios ao controle e fiscalizagao, pela sociedade, dos gastos publicos sejam obrigatoriamente langados nos meios de comunicagao. 4. Sobre a matéria, 0 Supremo Tribunal Federal jé assentou que “Nao cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgagéo em causa dizem respeito a agentes piiblicos enquanto agentes puiblicos mesmos; ou, na linguagem da propria Constituicao, agentes estatais agindo ‘nessa qualidade’ (§ 6.° do anv. 37). E quanto & seguranga fisica ou cor- poral dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultara um tanto ou quanto fragilizada com a divulgagao nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco pessoal c familiar que se atenua com a proibicao de se revelar 0 endereco residencial, o CPF e a Cl de cada servidor. No mais, é © preco que se paga pela opcéo por uma carreira publica no seio de um Estado republican, 3. A prevaléncia do principio da publicidade administrativa outra coisa nao sendio um dos mais altaneios modos de concretizar a Republica enquanto forma de governo” ($$ 3902 Ag-segundo, Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, Dje 30.09.2011). 5. Ademais, 0 caso nao envolve informacées cujo sigilo seja imprescindivel a seguranca da sociedade e do Estado, ressalva prevista no inc. XXIII do art. 5.° da CF/1988. 6. Seguranca denegada’ (STJ, MS 18.847/DE, 1.* Seco, j. 12.11.2014, rel, Min, Mauro Campbell Marques, D/e 17.11.2014). A PRIVACIDADE COMO DIREITO DA PERSONALIDADE 47 to, ele encontra limites em um direito, que também é protegido em nivel constitucional, que é a liberdade de expressao. Esta é uma liberdade que foi conquistada pela sociedade, que significa um dos pilares da democra- cia. Como garantir a democracia se os meios de comunicacéo nao pude- rem prestar informagao & sociedade? Como tomar decisées politicas se a sociedade ficar 4 margem do que acontece no Estado, em seu pais, em seu estado, em seu municipio? Para se garantir que as decisdes politicas sejam tomadas de forma consciente, faz-se necessério garantir que a liberdade de expressao.e, nes- te particular, a liberdade de imprensa seja garantida, para possibilitar que 0s meios de comunicagio informem a sociedade. Por outro lado, é neces- sario garantir que vozes contrarias também sejam ouvidas, Democracia néo significa unanimidade, mas, sim, a possibilidade de haver discussaio sobre temas importante para a sociedade e, se nao houver 0 consenso, que pelo menos haja uma decisio politica da maioria. Assim, a liberdade de expressao ¢ fundamental para a manutengao da democracia. E por esta causa que 0 direito A privacidade nao pode ser utilizado como escudo para impedir, por exemplo, que a sociedade recebe infor- magao relevante. Como ja foi dito, a agenda de alguém que exerce um cargo politico interessa a sociedade, como titular do poder politico, deve saber os passos do mandatario deste poder, como o fim de exercer sobre ele 0 devido controle, Da mesma sorte, a intimidade de um agente piiblico nao é violada pela divulgacao do valor de sua remuneragao, Nao se trata, na verdade, de uma devassa em sua vida financeira, que é protegida pelo sigilo bancério e fiscal, para apenas uma forma de controle da sociedade sobre quanto percebem os agentes ptiblicos, por meio dos portais da transparéncia, Nao obstante tamanha importancia, a liberdade de expressdo tam- bém encontra limites, dentro de sua propria justificativa. Ora, se a liberda- de de expressao se justifica em levar informacao relevante & sociedade, ha que se ter em conta que a informagao que deve ser levada ao ptiblico seja aquela em que esta revestida de interesse piiblico. Por isso, aagenda profis- sional de um agente politico interessa a toda a sociedade. Esta informagao esta revestida pela liberdade de imprensa. No entanio, a rotina didria do mesmo agente ptiblico, naquilo que se refere a sua vida privada, as suas relacdes afetivas, familiares etc., 96 dizem respeito a ele, por se tratar da sua intimidade, nao cabendo & imprensa noticiar estes assuntos, sob pena de responsabilidade civil, por violagao ao direito a intimidade do individuo. Embora a liberdade de imprensa esteja garantida pela Constituicao (art. 220, CF/1988), esta estabelece limites 4 atuacao daquela, como se vé: 48 RODRIGO SANTOS NEVES “art, 221. A producao e a programacio das emissoras de radio e televisao atenderao aos seguintes principios: I - preferéncia a finalidades educati- vas, artisticas, culturais e informativas; II - promogao da cultura nacional e regional e estimulo a producado independente que objetive sua divulga- (40; IIk - regionalizacao da produgao cultural, artistica e jornalistica, con- forme percentuais estabelccidos em lei; IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da familia’ Pela simples leitura, em especial do inciso IV, percebe-se que a pré- pria Constittigao estabelece limites & liberdade de imprensa exatamente no respeito aos valores éticos da pessva ¢ da familia. A imprensa tem o di- reito de trazer a sociedade a informacao, exercendo ao mesmo tempo sua liberdade de profissao, de atividade econdmica, bem como garantindo a sociedade 0 acesso a informagao. Todavia, a informagao a ser transmitida deve passar por um filtro, pautado na ética e no respeito ao ser humano. ‘A intimidade de uma pessoa, mesmo que esta seja uma pessoa notéria (ocupante de um cargo politico ou uma celebridade) nao est & mereé desta liberdade de imprensa. A referida liberdade, garantida em nivel constitucional, deve ser protegida enquanto atender aos valores constitucionais pelos quais fora concedida. A veiculacao de qualquer informagao, em especial, a que diga respeito a vida privada de uma pessoa, viola a dignidade da pessoa huma- na, ado que deve ser repudiada pelo Direito. O papel das empresas jornalisticas ¢ informar, apresentar fatos que in- teressam 4 sociedade. Quando estas mesmas empresas jornalisticas, que gozam de um regime juridico proprio, passam a expressar sua opinido, por vezes, ocorrem distorcées dos fatos e a informagao se transforma em jul- gamento, Ao invés do individuo ser julgado pelo Poder Judiciario, ele sera julgado pela imprensa, e sem a possibilidade de se defender. Além disso, algumas empresas deste tipo ainda fazem um tipo de perseguicao eterna, com veiculacdo de matérias reiteradas, de modo a impossibilitar que deter- minada pessoa ou grupo de pessoas seja esquecido pelo ptiblico em geral. Quando assim agem, ocorre violagao do direito a intimidade do individuo, 6. Consideracées finais A vida em sociedade é fundamental para o individuo. Mas, embora seja necessaria a convivéncia social, o individuo necessita de espagos em. que ele possa se sentir & vontade para viver momentos de sua intimidade, sem que tais fatos venham ao conhecimento do piblico. Situagdes que devem ser compartilhadas no seio da familia, ou no circulo de amigos mais préximos, ou mesmo, guardadas para si. A PRIVACIDADE COMO DIREITO DA PERSONALIDADE, 49 O direito a intimidade se apresenta como um direito da personali- dade, pois interfere na vida do individuo de modo decisivo para o desen- volvimento de sua personalidade e de sua convivéncia social. Em outras palavras, a manutengao do segredo de determinados fatos da vida de um individuo ou a sua devassa pelo puiblico em geral pode interferir na forma como este individuo iré interagir em sociedade. O direito & privacidade pode sofrer limitacao no seu exercicio na for- ma de autolimitagao, tendo em vista que o seu proprio titular pode limi- tar, ou mesmo renunciar 0 seu exercicio por determinado tempo e em de- verminadas circunstancia, como € 0 caso da participagao de uma pessoa em um reality show ou a superexposicao que o préprio individuo faz de sua vida privada em uma rede social. Avida privada sofre limitacao diante de outros direitos de natureza constitucional, como a liberdade de profissao, a liberdade de expressao, o direito & seguranca de todos os individuos, etc, Por isso nao se pode im- pedir interceptacao telefnica em investigacdo criminal, sob 0 argumento de violagao da intimidade, Diante da ponderacao de interesses conflitan- tes, ou seja, a intimidade do investigado eo direito & seguranca publica dos demais individuos, que é concretizada pelo combate ao crime, de- ve-se autorizar a interceptagao telefonica para apurar a possivel pratica de crime, mas a intimidade do individuo deve ser protegida, havendo a transcri¢do apenas das conversas que interessa 4 investigacao. Desta for- ma se protegem os dois direitos. No ambiente de trabalho, o direito a privacidade também deve ser preservado. 0 individuo, quando entra em seu local de trabalho, mantém a salvo a sua vida privada. Porém, tém se admitido na jurisprudéncia que empresas monitorem os e-mails corporativos dos seus funciondrios, bem como a revista nos armérios existentes nas empresas de uso dos funcio- narlos, sob o argumento de serem instruments colocados a disposigéo dos funciondrios pela empresa, para o desempenho da atividade econd- mica desta. No entanto, a referida pratica 6 inadequada, tendo em vista a possibilidade de utilizagao de bloqueios eletrénicos nos e-mails. Os meios utilizados na execucao fiscal para a busca de informagées financeiras do contribuinte devedor é que caracterizam violacao ao di- reito 4 intimidade. Mesmo diante do sigilo fiscal, 0 poder piiblico pode se utilizar dessas informagGes para reaver os valores devidos pelo con- wibuinte devedor. Da mesma sorte, se 0 objetivo do processo for a per- secugao penal. No entanto, essas informagées nao poderio vir 4 lume se a finalidade do proceso for 0 atendimento de interesse privado. Fm uma aco de cobranga ou numa execugao, por exemplo, nao poderd o SO RODRIGO SANTOS NEVES juiz determinar a quebra do sigilo fiscal, para que o credor localize bens penhoraveis do devedor, salvo no caso de um divércio, em que se partilha patrim6nio, pois uma forma de se apurar todo o patriménio partilhavel, de modo confidvel, sera por meio da exposigao das informacoes fiscais. No que se refere ao sigilo bancario, este também ¢ uma concretizacao do direito a privacidade, pois a movimentagao bancaria de um individuo nao interessa a ninguém e a sua divulgagao podera provocar constrangi- mento ao seu titular. Ha situagées em que a movimentagao bancaria de uma pessoa deixa de ser de interesse exclusivamente seu e passa a ser de interesse publico, diante da necessidade de investigacao criminal. No que se refere a possibilidade ou nao da divulgacao da remune- ragao dos servidores, é possivel a divulgacao das referidas informagoes, como nome, cargo e remuneracao, sem que isso represente uma violago da privacidade do servidor. Isso ocorre porque a privacidade do servidor 6 mitigada em relacdo dos demais trabalhadores (da iniciativa privada), no que se refere & remuneracdo. A remuneracao do servidor e do agente politico provém dos cofres piiblicos e ¢ de interesse da sociedade quanto se gasta com cada um deles. A liberdade de expressao representa uma limita¢ao ao direito a in- timidade, tendo em vista que a imprensa ¢ capaz de investigar fatos da vida de uma pessoa que interessa 0 puiblico em geral, de forma a possibi- litar & sociedade exercer seu direito a informagao, na tomada de decisoes politicas. No entanto, esta liberdade de expressao encontra limites na propria Constituicao, ao estabelecer parametros para o seu exercicio, come 0 res- peito aos valores éticos da pessoa e da familia (art. 221, IV, CF/1988). 7. Referéncias bibliograficas Ales, Cristiane Avancini. Os direitos da personalidade ¢ suas conexdes intra, inter e extra-sistematicas. Revista Juridica. ano 53. n. 330. p. 35-53, Porto Alegre, abr. 2005. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituigao portuguesa de 1976, 2. ed, Coimbra: Almedina, 2001. ARENDT, Hannah. A condigdo humana. 10. ed. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeito: Forense, 2001. CABEAL, Matcelo Malizia, A colisdo entre os direitos da personalidade e 0 diteito de informacio. In: Miranna, Jorge; RODRIGUES JUNIOR, Otdvio Luiz; FRUET, Gustavo Bonato (orgs.). Direitos da personalidade. Sao Paulo: Atias, 2012. p. 108-152. GoxcaLves, Antonio Baptista, Intimidade, vida privada, honra e imagem ante as redes sociais © a relaco com a internet. Limites constitucionais ¢ processus. Revista de Direito Privado, vol. 48, p. 299-340, Sa0 Paulo: Ed. RT, out.-dez. 2041, A PRIVACIDADE COMO DIREITO DA PERSONALIDADE SI 0 LOO, Paulo Luiz. Autolimitacao do direito & privacidade. Revista Trimestral de Direito Civil. vol. 34. p. 93-104, Rio de Janeiro, abr.-jun. 2008. --aRREN, Samuel D; BaaNbeIS, Louis D. The right to privacy. Harvard Law Review. n. 5. vol. 4. p, 198-220, Boston, dez. 1890. EIBER, Anderson. Direitos da personalidade, 2. ed. So Paulo: Atlas, 2013. EpicOes Especiais REVISTA DOS TRIBUNAIS Rui Sroco Organizador DOUTRINAS ESSENCIAIS DANO MORAL Volume 1 TEORIA DO DANO MORAL E DIREITOS DA PERSONALIDADE © desta edigéo [2015] Epirora Revista pos TRUUNAIS LrDa. 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