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A economia brasileira no perfodo militar* Rubens Penha Cysne** Introdugio go de 1964 , que deu origem a posse provis6ria de Pascoal Raniere Mazilli em 2-4-1964 e & posse definitiva do marechal Humberto de Alencar Caste- 0 Branco no dia 15-4-1964, ¢ teve o seu fim coincidente com o final de mandato do general Jofio Baptista de Oliveira Figueiredo, no dia 15-3-1985. Do infcio de 1964 ao final de 1984, portanto no perfodo que cobre o ciclo de governos militares com um deslocamento temporal de trés meses ditado pela disponibilidade de esta- tisticas das contas nacionais, o Brasil cresceu em média 6,15% a0 ano, contra 0s 7,12% 20 ano registrados entre 1948 e 1963. Se tomarmos 0 comportamento da economia entre 1985 € 1991 como ditado ao menos em parte pela politica econdmi- ca do perfodo anterior, chega-se a uma média anual de 5,25% entre 1964 e 1991, em contraposigo ao niimero ja citado de 7,12% que prevaleceu entre 1948 ¢ 1963. ‘Se todas as demais condigdes que ditam o crescimento econdmico de um pafs tives- sem se mantido constantes nesse perfodo, tais dados poderiam depor, ainda que su- perficialmente, contra 0 perfodo militar. Mas este, evidentemente, nio € 0 caso. Nao se pode deixar de citar, por exemplo, a primeira ¢ a segunda crises do petréleo, em 1973 ¢ 1979, bem como 0 inusitado choque dos juros extermos, também mani- festado a partir deste tiltimo ano, como fatores geradores de assimetrias entre 08 pe- rfodos analisados. ‘Trocando-se 0 pardmetro temporal pelo parametro geogrifico, conclui-se que 0 Brasil nio fez feio entre 1964 e 1985. E bem verdade que a taxa média de inflagio de 58% a0 ano, medida pelo deflator implicit do PIB (ou de 60,05%, medida pelo IGP-DD) coloca o pais numa posicdo claramente inferior & taxa mé- dia mundial de 9,4%, ou as taxas de 20,2% dos paises em desenvolvimento e de 39,0% dos paises da América Latina, Por outro lado, o crescimento médio brasi- leiro de 6,15% ao ano entre 1964 e 1985 suplantou em muito o crescimento mé- dio mundial de 3,66%, bem como as taxas de 4,78% ¢ 4,75%, respectivamente, dos paises em desenvolvimento e da América Latina, Cabe entretanto ressaltar, quando se realizam comparagGes desse tipo, que 0 parimetro de “crescimento econémico” € apenas uma aproximagio da varidvel realmente relevante para andlises comparativas, que € a varidvel de bem-estar econdmico. E esta dltima guarda apenas uma leve relagiio com a primeira Ore de governos militares iniciou-se com a revolugaio de 31 de mar- * © autor agradece a Paulo Cesar C. Lisboa e Anaja Cysne M. Neves pelo apoio na geracio de dados. ‘** Diretor de pesquisa da Escola de P6s-Groduagaio em Economia da FundagSo Getulio Vargas 232 As criticas usuais & condugo de politica econémica no periodo militar ‘Trés importantes criticas podem ser feitas 4 condugdo de politica econdmica’ no perfodo militar, Primeiro, o fato de o crescimento experimentado pelo pafs entre 1964 ¢ 1985 nio ter se traduzido numa redugio das desigualdades sociais e numa proporcional diminuigao da pobreza. Segundo, a exagerada estatizago ocorrida, principalmente apés 1974. Terceiro, o fato de nio se ter dotado o pafs de uma au- toridade monetéria independente que permitisse maiores garantias, apés 1972, & relativa estabilidade de pregos entio aleangada. Iniciemos nossa anslise por esta liltima critica, Apés 0 perfodo de contengao inflaciondria, que j4 mostrava seu éxito em 1967, perderam-se intimeras chances de dar continuidade ao melhoramento insti- tucional do pafs. Dentre essas, destaca-se a ndo-criagao de uma autoridade mone- téria independente do Executivo. Continuou-se com a esdrixula figura do Con- selho Monetério Nacional, em que as decisdes relevantes de politica monetéria ficaram a cargo do ministro da Fazenda. Como se mostra na iiltima segio deste trabalho, onde se apresentam os dados empiricos relativos as transferéncias infla- cionérias associadas a esse perfodo, esse fato foi claramente nocivo para 0 setor nio-bancdrio da economia, que, em média, transferiu ao setor bancério algo em torno de 4,03% de sua renda entre 1964 € 1985. Nesse sentido, se a década de 80 foi perdida em termos do crescimento nulo do PIB per capita, pode-se dizer que, ‘em termos de continuidade das reformas implantadas entre 1964 ¢ 1968, o final da década de 60 e 0 inicio da década de 70 foram pelo menos “subaproveitados”. Uma segunda fonte de criticas & politica econdmica do perfodo se deve 4 ex- cessiva estatizagiio entdo ocorrida, Atividades que poderiam perfeitamente ser desenvolvidos pelo setor privado foram continuamente sendo absorvidas pelo se- tor estatal e, que & pior, de forma quase sempre monopolistica. Tal fato foi per- tinentemente salientado, entre outros, por uma série de reportagens publicadas pelo jornal Fotha de S, Paulo entre fevereiro e margo de 1975, intituladas A Eco- nomia Brasileira na Diregdo do Socialismo, bem como pela revista Visio, em sua edigao de 19-4-1976. ‘As evidéncias empiricas que apontam maior produtividade no setor privado do que no setor estatal sdo sempre sujeitas a controvérsias. Mesmo apés o inusi- tado declinio da URSS ¢ das economias industrializadas do Leste curopeu, hd ainda quem defenda o contrério, Por esse motivo, nao criticaremos 0 estatismo baseado na vaga afirmativa de que o setor privado opera de forma mais eficiente. Nao necessdrio. Basta citar a estrutura monopolistica na qual esse estatismo quase sempre se baseou no Brasil, seja na prospecgio de petréleo, nas telecomu- nicagdes ou na inddstria nuclear, entre outros. A evidéncia empirica é também bastante clara na comprovacao do corporativismo das empresas estatais. Repas- * Consideragies de ordem politica ndo s8o objeto deste trabalho. sam-se para salirios e beneficios de seus préprios empregados os eventuais lu- cros obtidos no exercfcio. Prejufzos, por outro lado, so socializados através de transferéncias governamentais que acarretam expanso monetiria ¢ mais infla- ¢80. Em levantamento recente publicado pela Folha de S. Paulo de 22-12-1993, constatou-se que, entre 57 empresas estatais analisadas, 52 ultrapassaram o limi- te de 7% da folha de salérios que poderia ser transferido para os seus respectivos fundos de pensio. Esse limite j4 havia certa vez sido definido em lei. No mo- mento, o governo tenta em vio implanté-lo uma vez mais. Com base nesse ni- mero, conclui-se que, entre 1986 e 1992, aproximadamente US$3,7 bilh6es fo- ram indevidamente transferidos para esses fundos. As empresas cstatais torna- ram-se em muitos casos pequenos feudos que muitas vezes nem mesmo informa- Ses ao governo se dignam a prestar. Dada a independéncia administrativa adquirida pelas estatais em relacdo a0 seu acionista controlador, a Unido, mesmo aqueles que outrora contribufram ati- va ou passivamente para 0 processo de estatizag3o da economia brasileira mani- festam-se hoje em dia contrariamente a esse processo. Tome-se por exemplo de- claragdes do general Romildo Canhim publicadas em coluna do Jornal do Brasil de 3-1-1994 (p. 2): “o bom mesmo € privatizar tudo”. Ou do almirante Mario Ce- sar Flores, para quem a recente deciséo do Supremo, contréria & fixagio, por par- te do Executivo, de um limite para o salirio das estatais, configurou “uma autén- tica barbaridade”. Barros de Castro e Pires de Souza (1985, p. 46) afirmam: “o que ha de con- sider4vel no perfodo em foco nao decorre das diretrizes econémicas estabeleci- das em 1974, e sim do regime politico vigente”. Ou ainda, na pégina 43: “ndo creio, em suma, que existisse, para o Brasil, solugo capaz de evitar 0 endivida- mento externo e 0 redirecionamento forcado dos investimentos”. Tais afirmativas so importantes, principalmente quando vindas de um autor desvinculado dos economistas que apoiaram o regime militar, por salientarem a contribuiglo da formagdo de capital orientada pelo Estado no ajuste do balango de pagamentos ocorrido a partir de 1982. Mas essa participacao do setor puiblico na delimitagdo dos investimentos en- tre 1974 e 1980 foi claramente exacerbada. Prospecgao do petréleo, expansiio da siderurgia, transportes urbanos, saneamento bésico, ferrovia do ago, telecomuni- cages, pélos petroquimicos, participagSes tripartites estatal-multinacional-em- presa privada nacional em varias frentes, programa rodovidrio, programa nuclear, Tiaipu etc,, tudo isso certamente representa um conjunto exagerado de fungées econ6micas diretamente exercidas pelo Estado para uma economia que se quer capitalista. Principalmente quando o setor privado é deslocado pela propria letra da lei, que estabelece um monopélio estatal. Outra falha do regime, bastante sedimentada na literatura sobre 0 assunto, consistiu na forma concentradora ¢ socialmente excludente em que se baseou a conduso de politica de bem-estar social entre 1964 e 1985. A tese de que o bolo Ba deveria crescer para depois ser dividido constituiu-se em promessa nfo cumpri- da, cuja conseqUéncia foi a chamada “dfvida social”. Inegavelmente, o desempe- nho quantitativo de alguns indicadores sociais foi positivo. Segundo dados de Draibe (1993), a escolarizagio na faixa de sete a 14 anos aumentou de 67% para 83,7% entre 1970 e 1980. Da mesma forma, as matriculas no ensino superior passaram de 100 mil em 1964 a 1,3 milhado em 1981; ativos e inativos da Previ- déncia passaram de 10 milhdes em 1970 a mais de 30 milhdes em 1984. Por iilti- mo, os estabelecimentos de assisténcia médico-sanitdria passam de algo em torno de 6 mil em 1970 a aproximadamente 28 mil em 1984. Mas faltavam & maioria dos programas sociais mecanismos de avaliagao de desempenho e controle, bem. como descentralizago administrativa, que Ihes permitissem maior margem de &xito na consecugao de seus objetivos. Draibe (1993) brinda o sistema de welfare desenvolvido nesse periodo com caracterizagGes ndo muito elogiosas: centralizagdo polftica e financeira, fragmen- tagio institucional, exclusio da participag&o social ¢ politica nos processos deci- s6rios, gigantismo, tecnocratismo e superposiglio de competéncia. Certamente explica-se a0 menos em parte por tais adjetivagdes o fato de a qualidade dos servigos piiblicos oferecidos no Brasil ter-se situado entre 1964 e 1985, e ainda situar-se, com agravo no perfodo mais recente, bem abaixo do que seria de se esperar. Medido em termos da relagao custo/beneficio, o Brasil apre- sentava e ainda apresenta uma das maiores cargas de impostos do mundo, a des- peito do fato de a arrecadacdo tributdria bruta como percentagem do PIB, que tem variado entre 21% € 28%, ser bastante inferior & de varios outros pafses in- dustrializados. A alocago de tais servigos também no é, em alguns casos, ra- zoivel. Tomem-se como exemplos produtos subsidiados que beneficiam 0 espe- culador, em detrimento daqueles que pretendiam privilegiar, isto €, a populacao de baixa renda. Ou um ensino gratuito de nivel superior que acaba por servir mais a classe média que as classes menos favorecidas. Isso para nao falar na bai- xa qualidade dos servicos piiblicos de assisténcia médica e seguridade social. Es- ses j4 eram criticdveis até 1985 e s6 fizeram deteriorar-se ainda mais desde en- to. Alguns indicadores apresentados por Romao (1991) ¢ Hoffman (1991) dei- xam claro que 08 govemnos militares podem ser criticados, em seu conjunto, na questo social. Tome-se como exemplo nesse sentido a deteriorago na distribui- Ho de renda entre 1960 ¢ 1990, atestada pelo indice de Gini, que passou de 0,5 em 1960 a 0,568 em 1970, 0,561 em 1980 ¢ 0,592 em 1990. Da mesma forma, a parcela de renda apropriada pelos 40% mais pobres da populagio declinou de 15,8% em 1960 para 13,3% em 1970, 10,4% em 1980 e 9,9% em 1990 — a fon- te original é Romo (1991) e Hoffman (1991). A despeito de todas as criticas aqui efetuadas, cabem trés importantes obser- vagées. Primeiro, convém salientar o cardter positive de autofinanciamento que se tentou dar As incursdes governamentais na drea social, evitando-se, nesse sen- 235 tido, aportes de recursos do Tesouro que em iltima instincia costumam ser fi- nanciados pelo Banco Central, gerando transferéncias inflaciondrias que acabam por deteriorar ainda mais a j& precéria distribuiglo de renda brasileira.” Segundo, cabe registrar o fato de que a relativa estabilizago do crescimento de pregos en- tre 1964 e 1972 por si s6 representou a climinaglo de um importante fator de concentragdo de renda e desigualdade social. Por titimo, cabe registrar — deixan- do claro que nio se pretende justificar um insucesso com outro insucesso, mas apenas salientar um importante fato em nossa andlise — que tanto o problema da ‘exclusio social de vastas camadas da populagao quanto o problema da nio-dota- 40 do pais de uma autoridade monetéria menos manipuldvel pelo Executivo per- manecem em aberto até hoje, oito anos apés o final do ciclo de governos militares. Paeg e a politica antiinflacionaria do periodo 1964-66 Apés as criticas A conducao de politica econémica no Brasil entre 1964 ¢ 1985 Jevantadas na secdo anterior, cumpre salientar 0s aspectos positivos do perfodo. Macroeconomicamente, hi de reconhecer-se mérito do Paeg (Plano de Acdo Econémica do Governo) nao apenas no combate bem-sucedido & inflagdo (o ‘tni- co na historia brasileira recente), mas também no desenvolvimento € aperfeigoa- mento de instituigdes que contribufram para um surto de desenvolvimento poste- rior. Esse mérito pode ser mensurado pela redugio da taxa anual de inflagio de 91,9% em 1964 para 38,2% em 1966; e, o que é também importante, esse ritmo de redug&o se manteve nos anos seguintes, obtendo-se uma média anual de 23,5% entre 1967 e 1969 e de 17,5% entre 1970 e 1973. Como se pode observar por essas estatisticas, 0 Paeg ndo representou uma vitéria de Pirro contra a infla- ¢80, a exemplo do que tem ocorrido com todas as bizarras tentativas neste sen! do implementadas a partir de 1986, mas sim uma vit6ria que se manteve num es- pago de tempo mais do que suficiente para que se aleste 0 scu éxito. As ferramentas bésicas utilizadas por Octavio Gouvéa de Bulhdes ¢ Roberto de Oliveira Campos, & época ministros, respectivamente, da Fazenda e do Plane- jamento, no combate a inflagdo concentraram-se no tripé salarial-monetério-fis- cal. Dentre estas trés frentes de aco, a que se caracterizava pela contengaio mo- netiria foi a menos exitosa, pelo menos em relagdo ao que se previa quando da formulaco do plano. Estimava-se entio uma expansio monetiria média anual de 36% entre 1964 e 1966, que se contraporia A exagerada expansio de 60,3% ocor- 2 esse autofinanciamento se deu através da formago de numerosos mecanismos de poupanca privada ‘compulséria, cabendo citar 0 FPAS (do lapas), o FNDE, 0 FAS, o FGTS, o PIS-Pasep, bem como 0 Fincocial. No tocanie ao financiamento imobilidrio, abe também destacar a reforma do mercado de ¢a- pilais, que possbilitou elevada parte de recursos para.a construglo civil (através do SFH). 26 de 36% entre 1964 € 1966, que se contraporia & exagerada expansio de 60,3% ocorrida entre 1961 ¢ 1963. O que se obteve, no entanto, foi uma expansio mé- dia anual de 54,8% entre 1964 e 1966. Evidentemente, uma queda de seis pontos percentuais na expanso monetéria jamais implicaria uma estabilizagao inflacio- néria como a que foi obtida, sem a concomitante reversdo de expectativas ditada pela coeréncia da politica fiscal e pela politica de rendas, Nesse contexto de coe- réncia macroeconémica, que temos tentado repetir, sem éxito, desde o fracassado Plano Cruzado em 1986, a dissensdo entre a reduzida queda da taxa de cresci- mento monetrio e a grande queda dos indices de inflag&o nada mais acrescenta & andlise do que a conhecida ¢ esperada clevagao da demanda de moeda em de- corréncia da queda da taxa de juros nominal esperada, ‘A politica de rendas do Paeg deu origem no Brasil a idéia, t4o popularizada anos mais tarde com 0 Plano Cruzado ¢ seus sucedaneos, do reajuste de rendi- mentos baseado na média de seu poder aquisitivo no passado, e nao na reposigio de seu pico prévio de poder de compra. A distingo, que nio apresenta conse- qléncias préticas quando se espera no futuro uma taxa de inflagdo igual aquela recém-existente (j4 que nesse caso 0 reajuste pela média coincide com 0 reajuste pelo pico), € fundamental no contexto do infcio de um plano de estabilizagao, em que, por obrigagao I6gica, a inflagZo passada deve superar aquela esperada para © futuro. Nesse contexto, o reajuste salarial ndo repde o pico prévio de poder aquisitivo, mas apenas uma parcela deste. Embora tanto o Plano Cruzado quanto © Paeg tenham utilizado a chamada passagem dos salérios média, existiram varias diferengas metodolégicas entre um ¢ outro caso. Nao se deve buscar nessas diferengas a razio fundamental para ‘sucesso de um plano e 0 fracasso do outro, ponto que abordaremos em seguida, quando introduzirmos a questio fiscal. Mas pelo menos uma delas tem certa im- porténcia neste sentido, ainda que possivelmente de segunda ordem (cabe aqui um recurso & andlise empfrica). Enquanto o Paeg pretendia repor a média salarial dos tiltimos 24 meses, acrescida de um adicional de produtividade fixado pelo governo, o Plano Cruzado j4 se iniciava tendo como objetivo acrescentar amé- dia salarial dos dltimos seis meses um adicional de 8%, no caso dos saldrios em geral, ou 15%, no caso do salfrio minimo. & verdade que estes acréscimos (ven- didos a0 piblico como bénus) representavam uma espécie de apdlice de seguro quanto a uma possivel rejeicao popular ao plano, Mas esse fato nfo climina 0 seu efeito nocivo sobre o pretenso plano de estabilizagdo que entiio se iniciava. ‘A vantagem do reajuste pela média sobre o reajuste pelo pico quando se ini- cia um programa de combate a inflagio como o Paeg (ou 0 Cruzado) fica clara a partir do grafico 1 (bastante popularizado apés o Plano Cruzado). Como se observa pelo grafico, a queda da inflag&o entre os instantes 12 € fs implica, se mantida a sistemAtica de ajuste pelo pico, uma elevagio do salfrio real médio. Mas essa elevagdo na maioria dos casos no é compativel com o pro- cesso de estabilizaio, gerando conseqilentemente a sua inviabilizagao. 237 Grifico1 Evolugio do saliirio real com queda da inflagio e manutengio do reajuste pelo pico ‘Salar real A titulo de quantificagio, com uma elevagio logaritmica homogénea do nf- vel de pregos, o salério real médio (Wy) relaciona-se ao saldrio de pico (W,) pela formula:? ® =“ Ua ayinleR) onde n é a taxa de inflagao, Assim, para uma inflagdo de 90% ao ano, com rea- justes salariais anuais (como em 1964), tem-se\ uma relagiio média pico (RMP = W./W,) de 0,738, enquanto uma inflagio de 38%, como a vigente em 1966, implica RMP = 0,855. A manutencio da sistemitica de reajustes pelo pico prévio de poder aquisivo implicaria assim uma elevacdo em torno de 16% do sa- lério real médio, incompatfvel com uma economia que se encontrava em proces 0 de desvalorizagio do cambio real, corte de subsidios ¢ aumento de impostos indiretos. > A dedugto desta férmula pode ser encontrada em Lees, Butts & Cysne, 1990, p. 84. 2368 ‘A proposta salarial do Paeg contomava a dificuldade que acabamos de men- cionar instituindo o reajuste pela média. Ela foi inicialmente regulada pelos De- cretos n% 54.018 e 54.228, respectivamente, de 14-7-1964 ¢ 1-9-1964, ¢ mantida sem modificagées até 1968, Esses dois atos do Poder Executivo regulavam os reajustamentos salariais “no Ambito do servico péiblico federal, incluindo érgos da administragio descentralizada e sociedades de economia mista sob a jurisdi- cdo do governo federal, ou em empresas a ele vinculadas, ou, ainda, em socieda- des de economia mista financiadas por bancos oficiais de investimentos”. In- clufam-se, ainda, sob sua influncia, as empresas privadas subvencionadas pela Unido ou concessiondrias de servigos publicos federais. Ficava também estabele- cido que 0 coeficiente de compensago para o ajustamento dos salrios destinado acobrir o aumento de produtividade e o futuro eventual resfduo inflacionario se- ia fixado por portaria do Ministério da Fazenda. Em margo de 1965, a formula foi utilizada para 0 célculo do novo salario minimo e, em 13-7-1965, através da Lei n° 4.725, estendida a todos os acordos ¢ dissfdios coletivos julgados ou homologados pela Justiga do Trabalho. Novas modificagSes na legislagio salarial s6 viriam a ser introduzidas em junho de 1968, por intermédio da Lei n® 5.451. Contrariamente & intervengao oficial e generalizada em todos os mercados efe- tuada pelo Plano Cruzado através de seu congelamento de pregos geral ¢ irrestrito (pelo menos em tese), nfo houve qualquer tipo de controle compuls6rio de pregos de bens e produtos finais durante o Paeg. O que havia era uma adesdo voluntéria das ‘empresas & Portaria Interministerial GB 71, de 23 de fevereiro de 1965, que estipula- va estfmulos fiscais ¢ creditfcios no relacionamento com a esfera puiblica para as em- presas que ndio majorassem seus pregos além de certos parimetros. ‘Ainda para efeito de comparagio com o Paeg, deve-se mencionar que 0 conge- lamento de pregos mostrou-se particularmente danoso ao Plano Cruzado por minar substancialmente as possibilidades politicas de se obter 0 necessdrio ajuste fiscal. O ‘congelamento funcionou como um analgésico para um paciente enfermo que se sen- te melhor vai a praia. As conseqiiéncias sio previsiveis. Na euforia consumista que se seguiu 20 Plano Cruzado, obtida através da elevagdo dos salérios reais (pela valorizago do cémbio real e pela queda das margens de oligopdlio) e da redugio do custo esperado da formagao de estoques (pela elevagao da inflago esperada a partir de certo ponto no tempo), ¢ financiada pelo inusitado aumento do déficit em conta corrente do balango de pagamentos (que passou de US$241 milhdes em 1985 a ‘US$5,3 bilhdes em 1986), no havia como defender qualquer aumento de impostos ou contengdo de gastos plblicos. De fato, a inflago por definigio jé havia sido do- mada, sendo igual a zero. Diga-se de passagem, como todos os pregos estavam con- gelados por decreto-lei, os indices de inflac3o nao eram exatamente indices de infla- ‘¢40, mas sim fndices de desrespeito a lei. ‘Mas € na conducdo de politica fiscal que o Paeg se distancia fundamental- mente de seu fracassado pretenso sucessor (ou, porque nao dizer, de todos os 29 seus até agora fracassados pretensos sucessores). O déficit ptiblico como percen- tual do PIB passou de 3,2% em 1964 (ou 4,2% em 1963) a 1,6% em 1965, che- gando a 1,1% em 1966. Tio importante quanto isto, com o advento das ORTN a composicéo de financiamento do déficit foi substancialmente alterada no perfo- do. Em 1964, quase todo o déficit (85,7%) era financiado pela emissio de moe- da, dado que a proibigio de pagamento de juros nominais acima de 12% (Lei da Usura, de 1933), aliada & proibig&o de contratos denominados em outras moedas de referéncia que ndo 0 cruzeiro, praticamente tornava invidvel a exisiéncia de credores e devedores operando a luz da absurda legislagdo vigente. Isso eviden- temente inclufa 0 governo, que nilo encontrava a menor demanda por tftulos com rendimento anual méximo de 12% num ambiente em que os pregos cresciam aci- ma de 90% ao ano. Jé em 1966 essa situago havia se invertido completamente, passando quase todo o déficit (86,4%) a ser financiado por venda de titulos junto 20 piiblico. Um importante fato teérico a ser entendido € a abrangéncia do mecanismo pelo qual a reforma tributitia ¢ a instituigdo da comego monetéria, que possibilitaram, respectivamente, a redugdo ¢ o financiamento nio-inflacionério do déficit piblico, agiram sobre a inflacéo. Partindo implicitamente de um limitado modelo, que se re presenta juntando-se uma curva de Phillips aceleracionista com expectativas adapta- tivas, acoplado a um processo de restrigio de demanda, Lara Rezende (1990) afirma: “Se 0 Paeg diagnostica como a causa primordial da inflagdo 0 conflito dis- tributivo e se tem 0 poder de soluciond-lo pela via autoritdria da interven- edo direta na determinagdo dos saldrios, pergunta-se por que se investiu na pratica de politicas fiscal e monetdria restritivas de cardter ortodoxo.” A resposta a essa pergunta © autor citado jé deve ter encontrado apés sua participago no fracassado Plano Cruzado: porque se assim no for, o plano no dé certo. O que se ignora quando se responde & pergunta feita por Lara Rezende com referéncia apenas as limitagdes impostas pelo balango de pagamentos, como faz © referido autor em seu texto, € que qualquer poder de interferéncia nos merca- dos € fundamentalmente de curto prazo. Esse ponto traz & tona o papel funda- mental representado pela coeréncia fiscal no processo de formagdo de expectati- vas no captado pelo modelo implfcito em sua tese, bem como 0 reflexo destas sobre a estabilizacdo inflaciondria. Muito maior do que a intervengiio nos mereados representada pelo Paeg foi ‘a interveng&o nos mercados representada pelo Cruzado. De fato, a intervencao compulséria do Paeg restringiu-se aos salérios, enquanto a do Cruzado se esten- deu também aos pregos. No entanto, o Paeg deu certo ¢ 0 Cruzado ndo. Por qué? Devido ao fato, implicitamente esquecido na indagagio feita por Lara Rezende, de que 0 poder de controle de rendimentos pode apenas excluir a necessidade da 240 coeréncia monetéria-fiscal no curtfssimo prazo, mas no no horizonte amplo de um bem-sucedido programa de estabilizaco. Na falta dessa coeréncia, 0 poder de controle de salérios, ou de precos e saldrios, esvai-se facilmente no tempo, sob qualquer regime. Pena que o Brasil tenha sido usado entre 1986 1991 como tubo de ensaio para ratificago de uma tese tdo trivial. E, a partir daf, como co- baia de um regime politico que reconhece no nivel individual uma necessidade de contengo fiscal que nfo consegue implantar coletivamente. Heranga inflacionéria Os anos de 1962/63 se caracterizaram por uma reverséo do marcante desenvolvi- mento industrial ocorrido entre 1956 e 1961, sob a égide do Plano de Metas. De fato, se em 1961 a economia apresentou no tiltimo qitingliénio um crescimento mé- dio da ordem de 9% ao ano, nos dois anos seguintes essa taxa se reduziu a, respec- tivamente, 6,5% ¢ 0,4%. Por outro lado, a inflagio manteve a ascensio iniciada em 1958, atingindo 51,4% em 62 € 81,3% em 1963. Num contexto de instabilidade po- Iitica acentuada e inexisténcia de um razodvel controle monetério, fiscal ¢ salarial, surgiu, no segundo semestre de 1962, sob a responsabilidade de Celso Furtado, 0 Plano Trienal de Desenvolvimento Econémico e Social, destinado a estabelecer uma certa disciplina no tocante aos fins e meios de politica econdmica. Com o infcio de sua implementago previsto para janeiro de 1963, o Plano ‘Trienal apresentava como o mais importante de seus objetivos a manutengio de um crescimento do produto real ao nivel de 7% ao ano. Neste sentido, previa-se para os trés anos de sua vigéncia um crescimento do setor industrial acima de 37% € um aumento da produgdo agricola da ordem de 5,2% ao ano. Os objetivos de estabilizagdo inflaciondria também no eram modestos. Calculava-se que a in- flago em 1963 seria metade daquela vigente em 1962, devendo ainda alcangar em 1965 a marca de 10% ao ano. A redugao do nfvel de inflag&o era tida como condigo necesséria A consecugdo dos dois outros objetivos de politica econdmi- ca, quais sejam, melhor distribuic&o dos frutos do desenvolvimento e reducdo das desigualdades regionais do nivel de renda. O Plano Trienal, entretanto, foi abandonado em 1963, logo apés 0 inicio de sua implantagdo. A descoordenagiio de politica monetiria, fiscal e salarial, a inflag&o crescen- te € 0 baixo crescimento econdmico no compéem todo o universo legado pelo biénio 1962/63 & economia pés-revolucdo. O sistema fiscal tributava lucros s6rios € incentivava a sonegagao ¢ evasio. Paralelamente, o sistema financeiro li- mitava-se a poucas transagées de curtissimo prazo, sendo totalmente sufocado pela conjugacao das limitagdes dos juros nominais com as altas taxas de inflacao entiio vigentes, Uma generalizada distorgdio de precos relativos ¢ problema de quase-insolvéncia intemacional caracterizado por um cimbio sobrevalorizado pela desconfianga extema traziam sinda para esse perfodo a necessidade de uma elevaco auténoma de varios precos anteriormente controlados, dificultando ain- 241 da mais 0 combate & inflagio. Dentre estes inclufam-se os aluguéis residenciais, 08 juros reais do sistema oficial de crédito, as tarifas dos servicos de utilidade piblica, as tarifas de transporte, os pregos dos combustfveis, bem como os salé- rios dos funcionérios piiblicos civis. Neste sentido, podem-se alinhar como evi- déncias & tese de “inflagio corretiva” a elevagio dos aluguéis, de 116.2% em 1965 € 84% em 1966, € a majoracio das tarifas de servigos pablicos, de 71% em 1965 © 47% em 1966, ambos bem acima da taxa de inflago pertinente a cada pe- riodo (respectivamente 34,5% e 38,3%, IGP-D)). Paeg em detathes Segundo o Paeg, o principal alvo a ser alcangado ap6s a sua implantacao era a reto- mada do crescimento econdmico médio de 6% ao ano ocorrido durante o perfodo 1947-61. Dessa forma, esperava-se alcangar nfo s6 suficiente criago de empregos para a mio-de-obra afluente 20 mercado, como também um crescimento do produ- to per capita de 2,5% a0 ano. Manipulando 0 modelo Harrod-Domar para o dema- siado curto perfodo de dois anos, obtinha-se endogenamente 0 esforgo de capitali- zaciio compativel com o crescimento prefixado (Paeg, p. 23). Utilizando um instru- mental adequado & anélise de longo prazo na previsdo da taxa de crescimento do produto real em 1965 ¢ 1966, varidvel muito mais ligada & demanda agregada exis- tente no perfodo (Ieia-se politica monetéria-fiscal-cambial) do que & capacidade de geraco de oferta, nfo € de causar surpresa que as previsbes do Paeg tenham se dis- tanciado em tomo de 50% daquilo que realmente ovorreu. Todavia 0 esforgo de ca- pitalizagao entio efetuado, se nfo constituiu condig&o suficiente a0 crescimento no bignio em curso, propiciou condigdes ao surto desenvolvimentista iniciado alguns anos mais tarde. A opcao internacionalista Reconhecendo a dificuldade de manutengo da polftica de substituigao de impor- tages, na medida em que se esgotavam as possibilidades no setor de bens de consumo final e se tomava o rumo da substituigo de matérias-primas, produtos intermedidrios e bens de capital até entio importados, iniciava-se, a partir do Paeg, uma nova etapa na politica de comércio exterior brasileira. Esta se baseava num maior fomento as exportagdes, cuja receita, somada ao saldo Ifquido do ba- lango de capitais, era apresentada como condigiio necesséria & manuten¢8o do processo desenvolvimentista, na medida em que permitiria ao pafs a aquisigao de produtos importados considerados essenciais ao desenvolvimento. Visando ao fomento das exportagées, que haviam sido dificultadas durante 0 perfodo de ISI, devido a uma taxa de cambio sobrevalorizada (em parte compen- sada, no que diz respeito ao possivel déficit da balanga comercial daf decorrente, pela existncia de elevadas al{quotas tarifirias no setor importador, caracterizan- do o sistema cambial tfpico de uma fase de substituigao de importagdes), varias medidas foram propostas, ¢ posteriormente postas em pritica. Dentre elas desta- cam-se a exting&o da sobrevalorizacio cambial e a introduco de outros incenti- vos de cardter fiscal (abolicdo de taxas de exportaco), crediticio (criando uma li- nha de crédito subsidiada para os exportadores) ¢ administrative (pela simplifica- g%o do procedimento para exportacao). No tocante as importagdes, procedeu-se, apés o Paeg, a uma reforma tariféria, que teve como efeito a redugdo nominal das tarifas do nfvel de 54% em 1964-66 para 39% em 1967. ‘A op¢io intemacionalista do Pacg, contudo, nio se limitava a definir a desejada estrutura do balango de bens e servigos. Num dos dois pontos bisicos em que difere do Plano Trienal‘(o outro seria no tocante & politica de pregos ¢ salérios ), o Paeg aponta, num capftulo especial dedicado a esse tema, a afluéncia de capital estrangei- 10 como condigo necesséria A consecugdo dos objetivos de crescimento econdmico almejados. Embora essa dessemelhanca seja muitas vezes apontada como decorrén- cia de um posicionamento ideol6gico, deve-se salientar que 0 pressuposto de acen- tuada elevagdo da renda per capita comum tanto a0 Plano Trienal quanto ao Paeg, no permite descartar a hipétese de que tal assimetria encontre boa parte de sua ex- plicagao num maior realismo de concep¢do por parte deste tiltimo.* ‘A opcao por capitais estrangeiros no processo de desenvolvimento se apre- senta no Paeg da seguinte forma: “O aumenio da taxa interna de poupanga ¢ indiscutivelmente desejdvel; indispensdvel lembrar, porém, que num pais subdesenvolvido ele significa penoso sacrificio que se imp5e & populagdo, obrigando-a a renunciar a par- te do seu jd minguado consumo presente. Este antagonismo: progresso ver- sus sacrificio, no existe necessariamente quando se trata de investimento ‘com poupanga trazida do exterior. Tal é uma das razées que tornam extre- mamenie vantajoso, para um pats subdesenvolvido, 0 recebimento continuo de correntes de capital estrangeiro, respeitados, naturalmente, certos condi- cionamentos de natureza politica.” O argumento, que viria a se incorporar a todos os governos militares, se ba- seia no pressuposto de que os paises subdesenvolvidos, apresentando relativa es- cassez de capital, deveriam atuar como importadores deste, pois estariam em condigSes de remuneré-lo melhor. No caso dos empréstimos, a anélise admite “ Le-se na pigina 11 do Plano Trienal: “Com base nesia projecio (N.A. - Do déficit em transaes) ¢ em cuidadosa prospeco da conta de capital, chegou-se A conclusio de que é possfvel esiabilizar a po- siglo de endividamento exiemno do pa‘s sem prejufzo da poliica de desenvolvimento”. 5 Orponto a ser discutide, no caso, ¢ « validade da opeio por um crescimento acelerado, dependente da captagio de poupanga externa, Uma vez que se tenha tomado este rumo, no enianto, devem-se deixar claros os instrumentos a serem utilizados. 243 implicitamente que a utilizag&o do capital no pais que o toma gera um excedente transaciondvel a um valor maior ou pelo menos igual ao pagamento dos juros aos credores externos, condigo sem a qual tal politica nfo traria nenhuma vantagem direta, Fica implicito que 0 Paeg admite a validade dessa hip6tese, pois caso con- trério © pardgrafo anteriormente transcrito se tornaria inconsistente, servindo apenas para justificar a opgio de “progresso versus sacrificio futuro” em detri- mento de “progresso versus sacrificio presente”. Curioso notar, nos trés anos de vigéncia do Paeg, o Brasil assumiu uma po- sigdo inversa, atuando como exportador de capitais.* A nova politica, contudo, vingou no longo prazo, sendo implementada desde 1967 até 1985 (com a tinica excegiio do ano de 1984, em que o sinal da conta de transagdes correntes do ba- lango de pagamentos foi temporariamente revertido). ‘Vale a pena frisar alguns problemas tedricos que podem acompanhar tal tipo de opgo. Quando se toma o pafs como um todo, a geragiio de excedentes sobre os ju- ros admite como premissa bésica que os recursos obtidos do exterior sejam utili- zados em investimentos suficientemente rentéveis. E possfvel, contudo, que a captago de poupangas externas néo tenha como contrapartida uma elevagio da mesma ordem do n{vel de investimento, devido ao deslocamento da poupanga in- terna. Isto ocorre (coeteris paribus) sempre que recursos em moeda estrangeira sdo utilizados para a importagdo de bens de consumo. Outro problema com o qual pode se defrontar a estratégia de endividamento 0 aumento inusitado dos juros internacionais, que se torna particularmente rele- vante quando os empréstimos so contratados (como passou a ocorrer jd no final da década de 60) com cléusula de juros flutuantes, causando ao mutuério um transtomo adicional nao antecipado. ‘Numa andlise do endividamento brasileiro sob 0 angulo desses dois possi- veis problemas, desenvolvida posteriormente neste trabalho, conclui-se que 0 primeiro passou a se fazer sentir a partir de 1978, e o segundo, a partir de 1979. © combate a inflagéo Previa-se no Paeg a redugdo do ritmo de elevago dos pregos de 90% ao ano em 1964 para 25% em 1965 e 10% em 1966. Se consideramos que 0 objetivo anti- inflaciondrio era de motivagao secundaria, nio devendo interferir no objetivo de criagdo de empregos ¢ elevaso da renda per capita (além da imposigZo de rea- lismo no sistema de pregos), conelufmos de imediato pelo excessivo otimismo das metas apregoadas. © © superivit em transagées correntes obtido no perfodo 1964-66 foi de, respectivamente, 140,368 ¢ 54 milhoes de délares. 24 Suprindo uma condigSo necesséria 20 rigoroso controle fiscal planejado, proce- deu-se, em 1964, & consolidagiio orgamentiria do govemo federal, abrangendo todas as entidades da administragdo direta ¢ descentralizada sob seu controle. A polftica monetéria era quase que totalmente (a menos de alguns itens de pouco peso no balancete global) determinada a partir do déficit piblico (esta a varidivel ex6gena do lado da demanda) e da capacidade de colocacao de titulos do Tesouro junto ao pablico, Isto porque a expansdo do crédito ao setor privado deveria seguir em linha com a evolugdo dos meios de pagamento, o que a torna- ‘va uma variével endégena obtida a partir dos empréstimos ao governo e da cap- tagdo de recursos ndo-monetérios pelas autoridades monetérias. Os resultados do Paeg Os trés primeiros anos pés-revolucionérios foram marcados por profundas altera- ‘g6es na vida econémica do pafs, resumidas por Simonsen (1974, p. 8) nos se- guintes pontos: “a) a redugio do ritmo inflaciondrio, de 80 a 90% ao ano no biénio 1963/64 para cerca de 25% anuais em 1967; b) a restauragio do equilibrio financeiro do governo, com a redugio dos déficits federais de 4,2% do produto interno bruto em 1963 para 1,1% do produto em 1966; ©) a melhoria dos métodos de financiamento dos déficits do governo federal, os quais em 1963 eram financiados em 85,7% pelas autoridades monetérias, per- centagem que caiu para 13,6% em 1966; d) a inversio das tendéncias deficitérias do balango de pagamentos, como resul- tado da politica de realismo cambial, de incentivo as exportagSes, ¢ de atragiio dos capitais estrangeiros. Assim, enquanto que em 1963 0 pafs arcava com cerca de 300 milhées de délares de atrasados comerciais, em fins de 1966 as reservas externas brasileiras subiam a mais de 400 milhdes de délares; ¢) a neutralizagdo da maior parte das distorpdes inflacionSrias pela implantag3o. da corregdo monetéria nos titulos pablicos e privados, servigos de utilidade pi- blica, impostos, empréstimos a médio e longo prazos, hipotecas etc.; f) a melhoria do sistema fiscal, com a ampliago do sistema de incentivos, coma climinagio de tributos destituidos de funcionalidade como 0 do selo, com a pro- gressiva eliminagao dos tributos sobre lucros ilusérios, com a correso monetéria dos débitos fiscais em atraso, e com a substituigao do antigo imposto de vendas € consignagées, incidente em cascata, pelo imposto sobre a circulag&o de mercado- rias, incidente sobre o valor adicionado; 245 2) a substituigo do antigo sistema de indenizagdes e estabilidade do trabalhador pelo Fundo de Garantia por Tempo de Servico, constituido de 8% das folhas de pagamento, como énus do empregador, o qual é administrado pelo Banco Nacio- nal de Habitagio; h) o desenvolvimento do mercado de capitais, com a criagdo dos Bancos de In- vestimento, com a ampliago do crédito direto 20 consumidor, com a instituigo do Finame, para o financiamento de méquinas de producio nacional, e com a criago de incentivos ao mercado de ages; i) a criagdo do sistema financeiro de habitacdo, baseado no prinefpio da corre¢ao monetéria dos depSsitos ¢ empréstimos, ¢ com 0 apoio do Fundo de Garantia por ‘Tempo de Servigo; j) a divulgagdo das idéias de custo € produtividade, com a preocupagao priorité- ria da obtengio de {ndices intemacionais de competitividade; 1) a implantago de nova disciplina para os reajustes salariais.” Deve-se mencionar que o advento da corre¢ao monetéria (item e) ¢ da nova legislagao salarial (item 1) ndo constituem ou constitufram nenhum exemplo de unanimidade, Dentre as intimeras criticas que Ihes foram dirigidas, destacam-se de realimenta¢ao inflaciondria (no caso da corre¢ao monetéria) ¢ de responsabili- dade pela acentuag2o das desigualdades sociais observadas ao longo da década de 60 (com refer€ncia a legislacao salarial). Dois aspectos devem contudo ser sa- lientados com relagao @ indexacao institucionalizada no perfodo. Em primeiro lu- gar, ela niio abrangia os salérios? (que cram regides por aquilo que se poderia chamar de politica de rendas), e, em segundo lugar, o fato de ter sido utilizada “como um artificio para aplicag4o em caréter temporirio” (Chacel; Simonsen & ‘Wald, 1976, p. 301), € no como uma instituigéo permanente na yida econdmica do pafs. Segundo estes trés autores, previa-se aquela época a utilizag%io do meca- nismo indexatério apenas como um instrumento necessério A implantago da es- tratégia gradualista de combate a inflagdo, a ser abandonado assim que a inflagao se situasse abaixo de um determinado nfvel critico, da ordem de 10 a 15% anuais. No tocante & chamada disciplina salarial e sua associago com a queda dos saldrios reais ocorrida no periodo, é preciso observar que, em face do objeti- vo de aumento de impostos indiretos, retirada de subs{dios, descongelamento de alguns precos e devido aos choques agricolas ocorridos em 1964 ¢ 1966," ndo s6 7 Entende-se aqui por indexagio a corregio de rendimentos baseada unicamente numa variagio jé ocerrida do nfvel de precos. Define-se aqui choque agricola como o desvio da taxa de crescimento do produto agricola em relaclio A sua tendéncia hisiérica. 08 saldrios, mas também as margens de oligopélio deveriam apresentar alguma queda. Este tiltimo argumento formaliza-se facilmente tomando-se como base um indice de pregos ao consumidor que leve em consideragio nfo apenas o preco da producao doméstica (P), mas também 0 preco dos bens de consumo importados (P*) ¢ os impostos indiretos sobre ambos incidentes (¢). Denotando por E a taxa nominal de cfimbio ¢ utilizando-se uma ponderagio geométrica de 0: para o bem importado e | - & para o bem internamente produzido, tem-se: Q= P'* (EP*)*(1+1) Fazendo Z = EP*/P representar a taxa real de ciimbio, Q=P.Z° (141) ‘Tomemos agora 0 equilfbrio no mercado de trabalho numa economia com- petitiva, A demanda de mio-de-obra dé-se por W/P = f'(N), onde f(N) & a fungo de produgio, N a mio-de-obra empregada f’(N) > 0 f"(N) < 0. Utilizando-se a relacdo entre Q ¢ P anteriormente obtida, Ww __s'(N) Q Z(i+s) Assumindo-se uma oferta de mo-de-obra positivamente inclinada, W/Q = ‘g(N), g' > 0, obtém-se 0 equilfbrio no mercado de trabalho representado pelas curvas | ¢ 2 no grafico abaixo (Ze ¢ assumem, respectivamente, os valores Zi ay: 7 © que nos interessa observar € que, de acordo com as curvas de demanda de mao-de-obra que obtivemos (0 caso de uma economia nio-competitiva trata-se da mesma forma, substituindo-se apenas W/Q = f'(N)/Z* (1+) por W/Q = 1/(1+ m)(1+1)Z* onde m & a margem de oligopélio), uma desvaloriza- do do cambio real (de Z; para Z;) ou uma elevaco do saldo de impostos in- diretos sobre subs{dios (de 1; para t:) provoca seu deslocamento de (2) para (2°), implicando um menor salrio real de pleno emprego. Como esses dois fatos ocorreram entre 1964 e 1966 (os subsidios as tarifas piiblicas foram substancialmente reduzidos ¢ a defasagem cambial corrigida), no & de se estranhar que os saldrios reais tenham caido no perfodo, Se o objetivo era evitar desemprego, eles teriam cafdo com ou sem a nova regra salarial (tome- se como parametro o periodo antes € depois da maxidesvalorizagto de 1983, quando as diversas politicas salariais com reajuste pelo pico adotadas foram capazes de impedir uma deterioragio do poder aquisitivo dos salérios da ordem de 20%). © que se pode questionar é a magnitude da queda. Neste sentido, dados le- vantados por Langoni (1970) para esse perfodo atestam uma queda da participa- go dos salérios na renda, o que realmente sugere uma iniqiiidade no processo de distribuicao dos custos do ajustamento entre os diferentes fatores de producdo. Neste ponto, pode-se argumentar que a sistemética prefixago da inflago espera- da, nas formulas de reajustes salariais, abaixo da inflagio efetiva, pode ter levado a.uma queda salarial superior Aquela que, como vimos, seria gerada pelas forcas de mercado. O periodo 1968-79 O “milagre” e a ascensdo inflaciondria em 1973 ‘Apés 0 controle da inflago e as reformas de base efetuadas no sistema financei- ro ¢ sistema tributério, entre outros, o Brasil encontrava-se, ao final de 1967, pronto para deslanchar um periodo de crescimento acelerado, Apelidado de “mi- lagre brasileiro”, 0 crescimento médio do PIB de 11,1% entre 1968 e 1973 dé bem uma idéia de como se pode colher com abundancia quando o plantio nio é mal-feito e a colheita efetuada com a devida preciso temporal. Observe-se que, contrariamente ao alto crescimento do PIB ocorrido no perfodo 1957-62 (9.36% ‘a0 ano), dessa vez, pelo menos até 1972, a inflago no se apresentava em alta, mas sim cm queda continuada (em 1973 a inflagdo também caiu, mas j4 havia ‘em meados do ano uma tendéncia ascendente disfarcada por controles artificiais de precos). Este ponto € de fundamental imporncia na delimitagSo da fronteira que separa um crescimento artificial — a ser compulsoriamente revertido num futuro préximo, pela necessidade de estabilizaco inflaciondria — de um cresci- mento auto-sustentado. Entre 1957 e 1962, a inflagdo anual passou de 7,03% ao 248 ano a 47,66% ao ano (para alcancar ainda 92% em 1964). Entre 1967 e 1972, por outro lado, a inflaglo reduziu-se de 24,9% a 15,7% ao ano. Os governos Costa e Silva (de 15-3-1967 a 31-8-1969, tendo como ministro da Fazenda Delfim Netto ¢ ministro do Planejamento Hélio Beltrio) e Garrastazu Médici (de 30-10-1969 a 15-3-1974, quando Delfim permaneceu na Fazenda e Hélio Belirao foi substituf- do por Reis Velloso) souberam aproveitar-se da capacidade ociosa entdo existen- te, das expectativas favordveis aos investimentos, bem como da propicia situago externa, para deslanchar um perfodo de alto crescimento econémico. Que a conjuntura externa foi bastante favordvel entre 1968 e 1973, pode-se constatar pela melhoria das relagdes de troca, pelo crescimento da economia mundial ¢ pela abundancia do crédito externo. Seguindo a opgdo de captago de poupangas externas delimitada pelo Paeg, mas s6 efetivada a partir de 1967, 0 Brasil acrescentou a seu passivo externo Ifquido algo ao redor de USS6 bilhoes entre 1967 € 1973 (em délares correntes de cada ano). A titulo de comparagio, vale lembrar que apenas no ano de 1974, em decorréncia de quadruplicagio dos precos do petréleo em 1973, esse aumento (do passivo extemo Ifquido) foi supe- rior a USS7 bilhdes. A politica de minidesvalorizag6es cambiais, implantada a partir de agosto de 1968 e que se estendeu até a maxidesvalorizagao de 7-12-1989, em muito ajudou no fomento as exportagdes e na regularizagio do mercado de cfimbio oficial. O objetivo de tal politica era manter aproximadamente constante a taxa real de cambio (Z = EPP), fazendo a desvalorizagao do cambio nominal (E¥%) compen- sar a diferenga entre @ inflagio interna (P%) e a extema (P*%), de acordo com a formula 14E% = (1+P%)/(1+P*%). Com a maior estabilidade politica e das re- gras cambiais, elevou-se substancialmente a entrada de capitais de risco no pe- iodo. Todavia, nem tudo foram flores entre 1967 ¢ 1973. Politicamente, o momen- to mais traumitico se deu no final de 1968, com a publicagio do Ato Institucio- nal n® 5 e a supressio de virios direitos individuais. Do ponto de vista econ6mi- co, cabe lembrar ainda, no que diz respeito ao combate a inflagao, que 0 governo Médici nao foi exatamente exitoso neste particular. Embora os indices de infla- ‘go também tenham se mantido em queda até o final de seu mandato, esta queda ndo merece muito crédito. Desde meados de 1973, 0 controle de pregos efetuado pelo CIP (Conselho Interministerial de Precos, criado em 1968) retirou parte da credibilidade das pesquisas de precos, reprimindo artificialmente a inflagdo entio existente. Ao final de 1972 a inflagdo era ascendente ¢ reprimida, o que obrigou © governo Geisel a realizar um processo de “inflago corretiva” logo ao inicio de seu mandato. Houve também no periodo 1968-73 uma concentragao de poderes econdmi- cos muito grande nas maos do governo federal, em detrimento dos governos es- taduais e municipais. Este fato, associado A proliferagiio de empresas estatais e & generalizac&o e perpetuacio do uso da corre¢&o monetéria (que havia sido ini- 29 cialmente concebida para durar até que a inflagSo atingisse a marca de 10% a0 ano), ndo representou nenhum exemplo de unanimidade positiva. O pertodo Geiset Em 15-3-1974 tomou posse o novo presidente da Republica, general Ernesto Geisel, tendo como ministro da Fazenda Mario Henrique Simonsen e ministro do Planejamento Joao Paulo do Reis Velloso. Além da inflag&o reprimida existente 20 final de 1973, o novo governo teve também que defrontar-se com a primeira crise do petréleo, quando os pregos deste produto quadruplicaram. Esses fatos explicam em parte a elevagio da inflagdo de 15,5% para 34,5% entre 1973 1974, A parte restante fica por conta da elevago da taxa de expansio monetéria, de 38% para 47% entre 1972 e 1973. reflexo da crise externa sobre o saldo em conta corrente do balango de pa- gamentos foi realmente considerdvel. Em que pese ao fato de utilizarmos délares correntes, em 1974, como jé observamos, o déficit em conta corrente (USS7,1 bi- Ihdes) foi superior ao déficit acumulado dos diltimos seis anos (1967 a 1973). O. perfodo 1974-78 acrescentou ao passivo externo Mquido do Brasil US$30,9 bi- thdes. De 1974 a 1982 este nimero salta para US$82,5 bilhdes, o que implica um excesso de absoredo interna sobre o produto nacional bruto a pregos de mercado, médio, no perfodo, de US$9,16 bilhdes por ano. Vale notar que, em 1978 as ex- portacées brasileiras alcangaram US$12,6 bilhées. Se o saldo do passivo liquido brasileiro fosse igual a zero ao final de 1973, em 1978 a relacdo passivo externo Mquido/exportagées teria alcancado 0 indice 2,45, jé no limite superior da fron- teira que separa (do ponto de vista do credor, fundamentalmente) um méimero conservador de um ntimero ndo-conservador. Com exportagdes de US$20,1 bi- Thdes em 1982, este indice passa a 4,10, sem diivida fora dos padrées normais do mercado internacional de crédito. Trata-se de sabedoria ex-ante que crises nfio apenas temporfirias do balango de pagamentos devem ser enfrentadas com desvalorizacdo do cambio real segui- da de restricio de demanda. Num prazo suficientemente longo, ndo existe de- ‘manda por importag6es inelisticas nem demanda externa pelas nossas exporta- des com elasticidade sistematicamente inferior & unidade. A recessfio, por outro lado, a menos do pequeno reflexo da intemporalidade sobre os juros, apenas aju- da a conter o déficit em conta corrente do balango de pagamentos enquanto per- dura. E trata-se de politica evidentemente castica submeter um pafs a uma reces- so permanente. Niio se pode dizer que 0 Brasil ndo tenha seguido, ao menos em parte, este receituério. Os seguintes pontos corroboram esta afirmagdo: a) o cAmbio real no foi desvalorizado quando tomado em relagio 20 délar, mas o mesmo nio se pode dizer, dada a desvalorizagao do délar ante outras moedas ocorrida na €poca, no tocante a uma cesta de moedas; b) varias restrigdes & importacdio de natureza quantitativa foram impostas; c) as importagdes foram também dificultadas pela imposigdo de tarifas ¢ pela criagiio de depésito prévio para importagdes; d) os in- centivos &s exportagdes no foram descontinuados. Como se sabe, no apenas 0 item a, mas também os itens b, c, € d incorporam-se 20 conceito de cambio real efetivo. No caso, apontando na dirego de desvalorizago de seu valor real. A estratégia brasileira perante a crise inclufa um ajuste de longo prazo a ser obtido através da realizagio macica de investimentos voltados para substituicao de importacées, producao de bens de capital e formagdo de infra-estrutura basica. objetivo era superior a crise mundial deflagrada pelo inusitado aumento de preco do petréleo, tentando-se 20 mesmo tempo superar a barreira do desenvol- vimento. Colocava-se af também o incentivo a diversificacdo da pauta (no longo prazo) e a0 aumento das exportagBes. Deve-se mencionar, como conseqiiéncia dessa estratégia, que a despeito da inflago externa e do crescimento do PIB de 31%, 0 valor em délares das importagBes permaneceu praticamente constante (em tomo de US$12,2 bilhdes) entre 1974 e 1977. As exportagées passaram de USS$7,9 bilhdes em 1974 a US$12,6 bilhdes em 1978 € a USSI5,2 bilhdes em 1979. Em quantum, as exportagdes cresceram A taxa de 4% ao ano entre 1974 ¢ 1979 (Velloso, 1988). Nao se pode negar também que boa parte do inusitado au- mento de exportagOes posteriormente ocorrido, entre 1982 ¢ 1984, s6 tenha sido possivel gracas aos investimentos e & diversificagio da pauta de exportagSes ini- ciados em 1974 e continuados até os primeiros anos da década seguinte. Em suma, o Brasil acumulou nesse perfodo um grande passivo extemno mas também, cabe lembrar, ativos internos de longa maturagio. Uma anilise Iticida do proceso de endividamento deve levar os dois lados da balanga em considera- glo. As criticas Analisando-se hoje as medidas tomadas em 1974, quando o segundo choque do petrdleo € 0 choque dos juros em 1979 fazem parte do conjunto de informacao disponfvel, fica claro que uma desvalorizago cambial mais agressiva teria sido mais indicada Aquela época. Mesmo a sabedoria ex-ante indicaria essa diresio, bastando para isto um pouco mais de aversio ao risco e redugdo da preferéncia do presente sobre o futuro por parte dos administradores de politica econdmica do governo Geisel. Alguns projetos empreendidos no perfodo mostraram-se também, alguns anos mais tarde, claramente superdimensionados ou mesmo inadequados. In- cluem-se entre estes 0 acordo nuclear com a Alemanha, a Agominas (recente- mente privatizada) e a Ferrovia do Ago. Curioso notar que os anais do Congresso Nacional registraram, & €poca, um discurso do lider do partido da oposigio elo- giando 0 acordo nuclear com a Alemanha. Se a sabedoria ex-ante coinci a ex-post neste caso, pelo menos isto ndo se dava de forma generalizada. Argumenta-se também que a maioria dos pafses importadores de petroleo, a0 contrério do Brasil, reduziu suas taxas de crescimento. Até que ponto esses pafses assim procederam para ajustar seu balanco de pagamentos ou para fazer frente aos efeitos de um choque de oferta adverso sobre a inflagdo, entretanto, Questo em aberto. O fato de muitos deles terem revertido essa politica apés 1976, entretamto, aponta na diregio da segunda altemativa. Os problemas de ba- Jango de pagamentos, na maioria dos casos, parecem ter sido resolvidos princi- palmente através da maturagdo de investimentos no setor exportador. Governo Figueiredo: o epilogo do ciclo militar O presidente Joio Baptista de Figueiredo tomou posse em 15-3-1979, tendo ini- cialmente como ministro da Fazenda Carlos Rischbieter, que permaneceu no car- g0 até 17-1-1980, sendo ent&o substitufdo por Emane Galvéas, e como ministro do Planejamento Mario Henrique Simonsen, que demitiu-se em 10-8-1979 ¢ foi substituido por Anténio Delfim Netto. Se o Paeg representa um perfodo de acertos na érea econdmica, 0 mesmo niio pode ser dito com relagio a politica econdmica implantada a pattir da refor- ma ministerial de agosto de 1979. Nada comparivel a seqiiéncia de desacertos ocorrida desde 1986, que submeteu o pais a um verdadeiro cataclisma econdmi- co, mas certamente passivel de critica. Ap6s uma fase de tentativa de contengdo de demanda efetuada até agosto de 1979, que se mostrava obviamente necessdria em face do segundo choque do petréleo e do choque dos juros, que jé entio se delineavam, passou-se, sob 0 novo comando econdémico de Delfim Netto, a uma sdbita politica de expansio de crédito subsidiado para a agricultura, implicando elevadas taxas de expansiio monetéria, Em termos anu: los, esta elevou-se de 44,8% até o final de julho para 158,7% entre o final de julho e o final de dezem- bro de 1979. Ao mesmo tempo, a taxa de inflagdo anualizada elevou-se de 56,9% entre dezembro de 1978 e julho de 1979 para 109,2% nos iiltimos cinco meses do ano. Deve-se observar que as taxas de inflagdo anuais da ordem de 100%, que vi- riam a prevalecer entre 1980 € 1982 (em contraposigao & média de 40% entre 1974 © 1978), j4 se faziam presentes antes mesmo da modificagdo da politica sa- larial em novembro daquele ano, quando se passou da anualidade a semestralida- de dos reajustes. Esta modificagao na politica salarial, por sua vez, corroborou 4 nova taxa de inflagdo vigente, impedindo uma volta aos niveis anteriores, de 40%. De fato, com a inflagio média de 40% ao ano, a rela¢do média pico situa- va-se na faixa (segundo a férmula anteriormente apresentada) de 0,85, Manter esta relagéo quando se passa de reajustes anuais a reajustes semestrais implica semestralizar uma inflagdo anual de 40%, ou seja, implica uma inflagdo em torno de 100% ao ano: ((1,4) - 1) x 100% = 96%. 252 Em dezembro de 1979, além da maxidesvalorizagao do cambio em 30%, praticamente anédina do ponto de vista do balango de pagamentes, mas suficien- te para quebrar uma estabilidade gerada por 11 anos de um previstvel regime de minidesvalorizagdes cambiais, duas outras medidas de politica econdmica mos- traram-se rapidamente inadequadas: a prefixagio da comegio monetéiria em 45% a prefixagao da desvalorizagdo cambial em 40%, ambas para o ano de 1980. Estes valores, totalmente incompatfveis com a inflag&o, a indexagko defasada ¢ a politica de demanda ento existente, foram inicialmente revistos em junho de 1980 e compulsoriamente abandonados logo depois, De fato, nessa época as reti- radas das aplicag®es financeiras indexadas jé se mostravam perigosamente supe- riores aos depésitos. Da mesma forma, o cfimbio real j4 comegava a apresentar ‘uma valorizagio superior Aquela de dezembro de 1979, fato totalmente incompa- tivel com a elevago ininterrupta das importaghes (US$13,6 bilhdes em 1978, US$18,0 bilhdes em 1979 ¢ US$22,9 bilhdes em 1980) e do déficit em conta cor- rente do balango de pagamentos (US$7 bilhdes em 1978, USS10,7 bilhdes em 1979 ¢ US$12.8 bilhdes em 1980). Para o aumento das iunportagdes contribuiu significativamente a duplicaglo dos pregos internacionais do petréleo em 1979/80. No tocante ao aumento do déficit em conta corrente, deve-se também destacar a clevacdo inusitada das taxas de juros internacionais. No infcio de 1981, em face da escassez do crédito externo € do delincamento de uma crise que j& se mostrava inexordvel, o pafs deu uma reviravolta completa em sua politica econémica, retornando a uma ortodoxia que os préprios formula dores de politica econémica haviam criticado a0 serem algados a0 poder em agosto de 1979. Os erros de 1979 marcam o infcio de uma era de turbuléncia econémica da qual o Brasil até hoje no emergiu. Realmente, ao se tentar explicar a estagnago da renda per capita brasileira na década de 1980, deve-se alinhar entre os moti- vos, além das crises externas do petr6leo, dos juros e do crédito externo caracte- risticas da primeira fase da década, também a m4 condugio de politica econ6mi- ca desde entiio vigente. ‘Em contrapartida aos erros cometidos no bignio 1980/81, deve-se creditar aos condutores de politica econémica no govemo Figueiredo a consecucdo de um inusitado ajuste no déficit em conta corrente do balango de pagamentos, que passou de US$16,3 bilhdes em 1982 a. um superdvit de US$44 milhées em 1984. Nao hé divida de que a obtengo deste superiivit foi quase que forposamente im- posta ao Brasil pela restrigo do crédito extemo. O pais, que sempre lia a tautolo- gia do balango de pagamentos 7 (saldo em conta corrente) + K (saldo do balango de capitais autdnomos e compensat6rios) = 0 sob a forma K - T (dado 0 déficit em conta corrente, quanto devemos captar de ‘empréstimos), passou a fazé-lo, a partir de 1982, sob a forma T - K (dado o crédito extemno, qual deve ser 0 saldo ‘em conta corrente a ser obtido). Sob este prisma, a desvalorizacao do cambio real em 30% em 18-2-1983 mostrou-se inevitével. Efetuada num ambiente de indexa- 253 io defasada e choques agricolas (em 1982), essa desvalorizagio, juntamente com © grande aumento da expansio monetfria na fase anterior as eleigdes, em novembro de 1982,? explica a nova elevagio do patamar inflacionério, de 100% entre 1980 ¢ 1982 para 220% entre 1983 € 1985. Outro ponto pacffico é que esse ajuste do déficit em conta corrente $6 foi possivel devido A maturagiio de vérios projetos iniciados ainda no governo Gei- sel. Também importante foi a orientago de diversificar a pauta de exportagdes existente desde a Revolugao de 1964, As duas subsecdes seguintes apresentam os pormenores da administrago econdmica do Giltimo governo militar. Evolugdo da economia de 1979 a 1985 © ano de 1979 pode, em termos de politica econdmica, ser subdividido em duas partes. A primeira, que se estendeu até agosto, caracteriza-se pela conscientiza- ‘gio a respeito da austeridade a que a economia teria que se submeter, Essa cons- tatag’io advém no somente da elevacao da taxa de inflagio nos primeiros meses do ano, mas também, ¢ principalmente, da tendéncia inequivoca da citada eleva- ‘glo das taxas internacionais de juros ¢ dos pregos do petrdleo importado, o que viria a onerar ainda mais 0 jé deficitério balango de pagamentos em transagdes correntes. Visando a simplificar as operagdes relacionadas ao setor externo, lan- ‘gou-se mo de uma minirreforma cambial no infcio do ano, compreendendo uma desvalorizago real da taxa de cdmbio de 4,5% ao ano, a climinagSo gradativa dos prémios fiscais & exportagao até 1983 e a supressio do depésito compulsério para importaco. No front intemo, o alto indice de inflagdo verificado em margo (5,8%) levou o governo a instituir algumas medidas de conteng3o no més poste- rior. Neste conjunto destacavam-se a previsiio de um rigido controle monetério- fiscal ¢ uma tentativa de reversio de expectativas, amparada por um controle tempordrio de precos. Tais instrumentos tiveram um curto perfodo de implemen- taco, sendo substitufdos por um elenco de medidas totalmente opostas a partir da permuta ministerial em agosto de 1979. Neste ponto d4-se infcio a uma nova fase de politica econdmica, caracterizada pela idéia de que a inflagfo nio se combate por controle de demanda, mas sim pela expansdo da oferta de bens servigos (estimulada pelo crédito fiscal). Apesar do apelo desenvolvimentista, a euforia nfio demorou a se curvar 2 Tealidade dos fatos. Se a taxa de inflagdo anualizada até agosto perfazia 62,1%, a variagio de pregos de 77,2% ao final do ano d4 bem uma idéia do resultado do apelo & heterodoxia. A nova elevagio do nivel de inflagio a 110,3% em 1980 ¢ as {nfimas taxas de crescimento do triénio seguinte viriam a representar severa repreensio histori- ° ‘Batre dezembro de 1981 e junho de 1982, a MI ¢ a base monetéria expandiram-se, respectivamente, 13,79% e 229%: nos seis meses subsequentes estas taxas elevaram-se a, respectivamente, 47,7% ¢ 53.3%. ‘ca ao entusiasmo desenvolvimentista de curto prazo e Aqueles que, preconizando ano de 1980 como o “ano da coleta de resultados”, encaravam os primeiros si- nais do recrudescimento inflacionério a partir de agosto como consequéncia ex- clusiva ¢ temporéria da liberagdo dos precos administrados entdo adotada (0 que ‘A 6poca ficou conhecido como “perfodo de inflagdo corretiva”), De fato, no se poderia ter ignorado 0 papel da abrupta elevacdo do crescimento dos meios de Pagamentos ocorrida no segundo semesire de 1979. Em novembro daquele ano foi aprovada no Congresso a nova legislag&o sa- larial, passando-se ao reajuste pelo pico salarial existente quando da diltima con- tratacfio de rendimentos. Introduziram-se a semestralidade (o que, como se ob- serva no gréfico 1, trazia consigo uma eleva¢do do saldrio real médio ou da taxa de inflago), a negociagao do ganho de produtividade a ser acrescentado ao novo salério nominal e, numa tentativa de distribuigSo de renda a favor das classes de ‘menor remuneraco, um inusitado dispositivo pelo qual aqueles que recebiam de um a trés salérios minimos fariam jus a um bOnus adicional de 10%. Instalava-se assim uma pretensa transferéncia de poder aquisitivo entre os assalariados sujei- tos A nova legislagao, cuja gradagdo era, curiosamente, determinada pelo nfvel de inflagio. Em 7-12-1979, 0 goveno, interrompendo uma tradi¢io de minidesvaloriza- g6es em vigor desde de 1968, passou a cotar o délar 30% mais caro, A medida foi seguida pelo relaxamento da contengdo as importagdes ¢ a climinagiio de in- centivos & exportagdo (incluindo taxagiio sobre a exportagiio de produtos primé- Tios), caracterizando 0 que no jargio econémico se denomina “desvalorizagao ‘compensatéria”, de pouco ou quase nenhum efeito sobre o balango de transagdes correntes. Some-se a isto a generosa ¢ generalizada indexagSo ent&o existente que, ndo utilizando indices expurgados dos choques de oferta, tentava inutilmen- te criar, por reposi¢o apenas nominais de sal4rios, safras ndo colhidas e desem- barques de petr6leo j4 ndo mais consumados. O resultado, como no poderia dei- xar de ser, foi uma maior instabilidade dos pregos ¢ do nfvel de emprego. ‘A maxidesvalorizagaio de dezembro parecia estar mais voltada 20 aumento (ou, a0 menos, manatengio) do fluxo de empréstimos do que & diminuig&o do elevado déficit em transagGes correntes. Esperava-se que essa medida trouxesse consigo uma redugo das expectativas de desvalorizago cambial e um conse- qiiente incremento do aporte de recursos externos auténomos. Dois fatores con- tudo frustraram essa meta. Em primeiro lugar, o tabelamento dos juros domésti- cos, que ndo incentivava a captacdo em moeda estrangeira. Em segundo lugar, 0 fato de que o abrupto encarecimento do d6lar no trouxe consigo a esperada que- da nas expectativas de desvalorizacaio cambial. Em 16-1-1980 decidiu-se, em reunifio do Conselho Monetirio Nacional, Prefixar a corre¢do monetéria e cambial em, respectivamente, 45% e 40%. A me- dida tinha como objetivo provocar uma queda nas expectativas de inflaciio ¢ des- valorizagao cambial, mas sua incoeréncia com a politica monetéria fiscal expan- 255 siva ento adotada, bem como com a atrelagem dos precos 2 inflag’io passada pelo sistema de indexacio defasada, além de impedir a consecugio dessas metas, rendeu como subproduto uma exagerada e crucial sobrevalorizag%o cambial 20 final de 1980 (tomando-se como base a segunda quinzena de dezembro de 1979). Em 1980, a taxa de inflaco apresentou a segunda mudanga consecutiva de patamar, desta vez indo a 110,3%. A maxidesvalorizagao, a alteragHo da politi salarial e a elevada expansiio monetéria ocorrida em 1979 e 1980 foram fatores decisivos na passagem e posterior manutengo desse novo patamar inflacionério. O incentivo & aquisig&io de bens de consumo durfveis, dado pelas taxas reais de juros negativas, vigentes na captagio de poupanga por intermédio de titulos atre- lados & correcdo monetéria, costuma ser também apontado como uma das causas da elevacdo do patamar inflacionério em 1980. Em 3-4-1980 surgiu através da Resolucdo Bacen n® 605, o controle quantita- tivo do crédito interno, instrumento que 86 seria desativado trés anos depois, em meados de 1983. Por essa resolugo, a expans&o do crédito de origem interna concedido por bancos comerciais, bancos de investimento e SCFI ficava restrita a. 45% do valor realizado no perfodo anterior. Como todo sistema de racionamen- to por quotas, premiava os detentores destas (quota holders) — a princfpio o sis- tema bancfrio e, depois, o préprio Tesouro Nacional — pela taxaciio dos lucros extraordindrios dos bancos ¢ maior utiliza¢ao do IOF. A estratégia foi importante para evitar a contfnua queda de liquidez internacional & disposiga0 do pais (do infcio de 1979 a abril de 1980 observou-se uma queda de reserva da ordem de USSS bilhdes). Através do contingenciamento, os investidores eram obrigados a captar recursos em moeda estrangeira, aumentando o fluxo de capitais de nBo-re- sidentes para residentes no pais. Pode-se entender a utilizag3o de um artificio desse tipo como medida de emergéncia de curto prazo, mas dificilmente concordar com sua manutengdo por um perfodo de trés anos, em detrimento de um ajuste mais significativo no balan- co de pagamentos em transagdes correntes. De fato, tal estraiégia implica desin- termediagdo financeira ¢ conseqiiente ineficiéncia do processo produtivo. O ajus- te de conta corrente do balango de pagamentos sé veio a se iniciar (ainda que quase exogenamente) em 1983, quando o recurso ao endividamento voluntério ja nao mais existia. O abandono da prefixagdo da corregao monetéria ¢ cambial ¢ o relaxamento no controle de juros em novembro de 1980 marcam 0 infcio do retomno & ortodo- xia econdmica. No tocante ao setor extemo, volta-se a uma situagdo muito seme- Ihante Aquela vigente no primeiro semestre de 1979, desta vez agravada por uma valorizacao cambial efetiva ainda mais acentuada. O depésito prévio sobre im- portagdes foi substitufdo por uma alfquota de 25% de IOF, ¢ o erédito-prémio do ICM € IPI por incentivos crediticios adicionais aos entiio existentes. Em abril de 1981, reintroduz-se 0 crédito-prémio as exportagdes, com alf- quota tinica de 15%. Naquele ano 0 cimbio real sofreu uma crucial sobrevalori- zaco. Assim, apesar do crescimento do produto real bem abaixo dos esperados ‘5% (0 PIB apresentou em 1981 um decréscimo de 4,5%), 0 superdvit comercial de USS1,3 bilhiio no fim do ano esteve longe de alcangar a previsio de USS3 bi- Ihdes. A ausncia de choques em relagZio a 1980 permitiu uma ceria estabilizagao da inflagdo, que caiu de 110,2% em 1980 para 95,1% em 1981. Paralelamente, inaugurou-se 0 crescimento negativo do PIB real na hist6ria brasileira. No setor financeiro, seguindo uma antiga tendéncia, verificou-se em 1982 um erescimento bem mais acentuado dos haveres nio-monetirios (148,4%) do que dos haveres monetérios (72,2%). Com a continuidade no controle quantitati- vo do crédito, a elevago do dep6sito compulsério sobre dep6sitos a vista e a ex- pansio da base monetiria bem abaixo da inflago ocorrida desde 1980 (o mesmo se sucedendo com M1), as taxas de juros no segmento livre do mercado, tanto em termos nominais quanto reais, fecharam 0 ano em nfveis elevad{ssimos. Ain- da aqui, o objetivo que originava tais medidas era a indugdo & captagio de recur- sos externos por parte do setor privado da economia. ‘A boa nova do ano ficou por conta da produgio de petréleo, que aumentou 21,6%, permitindo 20 pafs uma aprecivel economia de divisas, traduzida por um volume de importagdes 12% menor em relago a 1981 (em valor). Apesar disto, © saldo do balango comercial se mostrou inferior ao obtido naquele ano. Isto se deve a queda da ordem de US$3,3 bilhdes nas exportages, que encontra explica~ ‘Ges na persistente sobrevalorizacdo da taxa cambial efetiva em 1982 ¢ 1981, na diminuigdo das taxas de crescimento econdmico mundiais, no aumento do prote- cionismo, na deterioracdo dos termos de troca e nas dificuldades conjunturais en- frentadas por alguns pafses subdesenvolvidos de relativa importincia no comér- cio exterior brasileiro. A partir das negociagées com o FMI em dezembro, o governo anunciou na- quele més uma nova regra de prefixagio, se bem que agora flutuante, a qual, a exemplo daquela posta em prética em 1980, no levou a bons resultados. De fato, estipulando para o ano de 1983 desvalorizagées cambiais mensais 1% aci- ma da variaco de precos no perfodo, o governo determinava um piso para a taxa real doméstica dado pela taxa nominal de juros externa mais 12,7% (1% a més calculado a juro composto) ¢ mais um prémio de risco cambial adicional. Isto de- corre diretamente da comparagio entre o custo do empréstimo externo € o inter- no, modelando-se a expectativa de desvalorizarSo cambial pela regra dada pelo governo mais um prémio de risco. A regra lembrava em sua defesa que a valori- zagio relativa do cruzciro frente ao délar em dezembro de 1982 (tomando-se ar- bitrariamente como base janeiro de 1980) era de 18%, 0 que, dado um nivel de inflago externa da ordem de 5% em 1983, significava o retomo do c&mbio & pa- ridade existente ao final de 1980, Esqueciam-se porém dois fatores bésicos: pri- meiro, que desvalorizagées anunciadas do cimbio real implicam a necessidade de elevar o juro real para evitar evasio de divisas; segundo, que paridade de po- der de compra (aqui no sentido de taxa de cambio real fixa) nunca foi condigto 237 suficiente (muito menos necesséria) & obtengdo de metas predefinidas de balango de pagamentos. ‘Como nao poderia deixar de ser, sobreveio em fevereiro de 1983 nova maxi- desvalorizagdo de 30%, desta vez em resposta ao saldo de US$6 bilhdes na ba- langa comercial a ser compulsoriamente alcangado até o final do ano. A alterag’io da politica salarial (reduzindo os reajustes), entdo j4 ocorrida, veio dar maior impacto a essa medida, que desta vez no foi to incisivamente repassada aos ‘custos ou descompensada por isengdes tariférias ¢ redugo de incentivos & expor- tagdio, tal como ocorrera em 1979. O ano de 1983 foi realmente traumdtico para a economia brasileira. A menos do resultado alentador na balana comercial, tudo parece ter sido negativamente direcionado. Uma taxa de inflagdo de 211% e um decréscimo do produto real em 3,5% dio bem um retrato do que sucedeu. Dentre as varidveis associadas ao au- mento inusitado da inflag&o pode-se citar a elevag&o da taxa de expans&io mone- téria em 1983 em relacdo aos trés anos anteriores, a reduzida proporgiio agrope- cusria motivada por secas no Norte ¢ enchentes no Sul do pats, choques de oferta extemnos (como, por exemplo, a quebra da safra de laranjas ocorrida nos EUA), bem como o aumento do preco de alguns servicos piblicos, a retirada de subs{- dios, o aumento de impostos indirctos ¢ a acentuagdo das desvalorizagbes nomi- nais de cfimbio. Em junho foi finalmente climinado o contingenciamento de crédito interno. ‘Ainda assim, apesar de a indugo & tomada de empréstimos externos pelo encare- cimento dos recursos domésticos nao fazer mais sentido em face do retraimento dos mutuantes, os elevados recursos em moeda estrangeira depositados sob o amparo da Resolugio n® 432 continuaram impondo — a menos da niio-homoge- neidade entre 0 crédito intemo e extemo e das expectativas de desvalorizaciio cambial — limites & queda da taxa real de juros. Esse fato, aliado ao corte dos in- vestimentos piblicos ¢ ao generalizado pessimismo que se apossou dos agentes econdmicos, fornece alguns subsidios explicativos & brutal queda de 6,8% na producao do setor industrial. A politica fiscal contracionista permitiu uma redu- 0 acentuada do chamado déficit operacional (que nio inclui o pagamento de corrego monetiria da dfvida piblica), que passou de 6,2% a 1,9% do PIB. Em- bora tenha contribuido para aumentar a recessdo em 1983, esse ajuste fiscal era inevitdvel, haja vista, que o pafs nfo mais dispunha de financiamento externo. O debate em torno da questao salarial levou a existéncia, durante 1983, de cinco diferentes sisteméticas de ajuste salarial. Some-se a estas a implementagao inécua do Decreto-Iei n® 2.064, ultrapassado apenas uma semana apés o encami- nhamento a0 Congresso Nacional. ‘ano de 1984 marca a volta do Brasil a uma situago nio apresentada desde 1966: a de exportador de capitais. Embora quase insignificante em face da mag- nitude das contas do balango de pagamentos, o superdvit de US$44,8 milhdes obtido em 1984 reflete o esforgo, bem como a consecucdo (a menos do fato deste némero no refletir um superdvit de pleno emprego) do ajustamento das contas ‘extemas. Saindo de uma posiggo defensiva iniciada j4 em 1981, que teria seu pice no segundo semestre de 1982, a verdadeira passagem ao ataque se dé real- mente em fevereiro de 1983, quando da efetiva alteragdo de pregos relativos a fa- vor dos bens transaciondveis, medida inexplicavelmente retardada desde o final de 1979 (a maxidesvalorizagio de dezembro de 1979, acompanhada de uma va- lorizagao cambial em 1980, efetivamente no contribuiu nesse processo). ‘A passagem de um déficit emi conta corrente da ordem de US$16 bilhdes em 1982 a uma posic&o superavitéria em 1984 — transigio na qual pouqufssimos apostariam no pice da crise cambial, em 1982 — teve como base o superiivit co- mercial recorde de US$13,07 bilhSes alcangado no perfodo. Deve-se mencionar, nesse proceso, a economia de divisas decorrente do aumento da produgdo inter- na de petréleo, que passou de 166 mil barris/dia em 1978 a 474 mil barris/dia em 1984, Em dezembro daquele ano, a Petrobras, cujos investimentos na érea de ex- plorago e produto passaram de 27% a 74% dos investimentos totais entre 1978 ¢ 1984, anunciou a produgao recorde de 535 mil barris/dia. Seguindo o caminho natural ditado pela depreciagio do capital fisico e pela queda de estoques, a recessiio de 1983 contrapés-se 0 alivio de um modesto (se comparado ao padro hist6rico brasileiro até 1980) crescimento de 5,3% do PIB ‘em 1984. A queda da renda per capita, insistente, confortével e perigosamente instalada no pafs desde 1981, resolve finalmente dar uma folga as estatfsticas. Numa andlise quadrienal, contudo, o crescimento de 5,3% na oferta final de bens € servicos entre 1983 ¢ 1984 ndo se mostra nem ac menos suficicnte para repor 0 nivel vigente em 1980. Dado o aumento populacional médio do perfodo em tor- no de 2,5% ao ano, isto equivale 2 uma queda da renda per capita superior a 10% entre 1980 ¢ 1984. : No tocante a inflacdo, estabeleceu-se, com uma variagéo do IGP-DI de 223,8%, um novo — e dispensével — recorde. Tratou-se da contrapartida natural do processo de realocagiio de demanda, dificultado pela rigidez comportamental do governo (embora nao do setor privado, que se ajustou razoavelmente), por choques desfavordveis ¢ pelo processo de indexagiio defasada, Nessa trajet6ria, a expansdo monetéria estd para a inflagio como os trilhos para o trem: se eles subi- tamente acabam, com o trem em movimento, ele efetivamente para, mas 4 custa de um desastre. Mais adequado seria desligar 0 motor e, na medida do necess4- rio, puxar os freios. O setor externo ¢ opcdes intertemporais de politica econdmica Conforme mencionamos anteriormente, uma das facetas da op¢do internaciona- lista feita pelo Brasil a partir de 1964 consistiu na aquisigo de poupangas exter- nas que viessem a fornecer um suporte adicional ao processo desenvolvimentista (© recurso & poupanca externa iniciou-se, efetivamente, em 1967). Neste ponto, assinalamos que dois problemas poderiam se contrapor a esse tipo de estratégia, © primeiro dizendo respeito a op¢do entre financiamento de consumo ou investi- mento, € 0 segundo referindo-se & possivel elevagdo das taxas internacionais de juros (no caso dos empréstimos contratados com cléusula de taxa de juros flu- tuante). © aumento da poupanga interna bruta, de 18,7% a 19,9% do PIB” do pesto do 1970-72 ao perfodo 1973-78, sugere que, ainda apés a quadruplicagao dos Pregos internacionais do petréleo em 1973, o pafs se endividou para investir. En- tre 1979 ¢ 1983, contudo, a continua redugdo desta taxa a, respectivamente, 18,03%, 17,55%, 16,7%, 14,05% e, finalmente, 11,39% corrobora uma avaliagio em sentido contrério. No ano de 1979 surge também o segundo problema ao qual nos referimos, caracterizado por uma elevacdo inusitada nas taxas de juros exter- nas. Contrariamente a qualquer previsdo conservadora, o descompasso monetério fiscal norte-americano a partir de 1979 veio a encarecer sobremaneira a opgio in- tertemporal anteriormente feita pelo Brasil e outros paises em desenvolvimen- to." A superposig&o desse problema com a nova clevagio dos pregos de petréleo em 1979, a recessio mundial, o aumento do protecionismo e a forte valori: cambial do cruzeiro ocorrida entre janeiro de 1980 e fevereiro de 1983 trariam, a partir de 1981, todos os inconvenientes de uma crise cambial. A situagao se agravou ainda mais a partir de setembro de 1982, quando, além do significative aumento de 39,2% no déficit em transages correntes, pro- blemas semelhantes enfrentados por outros pafses em desenvolvimento desenca- dearam uma crise de confianga na comunidade financeira internacional, pondo fim ao processo de reciclagem competitiva de petrod6lares iniciado em 1973/74. Com 0 cessagio do fluxo voluntério de empréstimos extemos, agravou-se ainda mais a crise cambial, estabelecendo-se as bases da péssima performance econd- mica de 1983. Retornemos agora a 1979, onde se inicia a nossa anélise. Naquele ano, a si- tuacio econémica do pafs, espelhada por um aumento de 55% no déficit em tran- ‘sag6es correntes (0 déficit foi de, respectivamente, US$6,9 bilhdes e US$10,7 Ihdes em 1978 ¢ 1979), ndio deveria dar margem & controvérsia de diagnéstico: pafs necessitava perseguir uma flexibilidade de rendimentos compatfvel com a premente queda das remuneragées reais aos fatores de produciio domésticos de- corrente da desvalorizacao real do cambio, que se impunha sem a menor sombra de davidas. Em adigao, o setor pablico deveria, na parcela que Ihe cabia no pro- cesso de realocagdo de demanda, reduzir substancialmente o seu déficit, deixan- "° Boletim do Banco Central do Brasil (Depec) de 8-9-1988. Fonte original: Fundacio IBGE. " De fat, a crise dos anos 80 atingiu nfo apenas 0 Brasil, mas também um conjunto de outros patses, incluindo até mesmo aqueles auto-suficientes (Argentina) ou exportadores (México, Venezuela) de pe- t6leo. do de absorver bens e servigos que, na ocorréncia de um concomitante ajuste no setor privado, seriam liquidamente repassados ao setor externo. O processo, obviamente, nao € tio imediato ¢ indolor como sugerido nesta exposigdo. Para isso concorrem pelo menos dois fatores: em primeiro lugar, a de- manda de um setor em geral no coincide com a do outro, o que na auséncia de instantaneidade de migracio de fatores, que caracteriza o mundo real, sugere um desemprego tempordrio quando da redugdo do déficit piblico. De fato, hi de se dar algum tempo para a realocagio de fatores de produco em dirego As linhas de exportago e substituigio de importagBes, 0 que envolve variivel de dificil controle: 0 aprendizado, Em segundo lugar, nio se pode esquecer a complex: de representada pela necessédria alterago de pregos relativos. O problema, que jé € grave em economias no indexadas, em decorréncia da rigidez de salérios no- minais, assume feigdes ainda mais complicadas no caso brasileiro. Esta segunda observaclo aponta no sentido de certas dificuldades, no perfodo de ajustamento, no tocante ao combate a inflago. Em suma, embora envolva um certo trauma passageiro, 0 ajuste de uma eco- nomia a uma nova situagio, na qual tenha que passar a contar em menor escala com a poupanga importada de cidadaos ndo-residentes, nao € de imposs{vel con- secucdio. De certa forma, o Brasil efetivamente deu uma demonstragio neste sen- tido, passando, entre 1982 e 1984, de uma situagaio deficitéria de US$16,3 bi- Ihdes a uma situagdo de superdvit em transagdes correntes. Desnecessério mencionar, esse ajuste ndo teve inicio em 1980, mas apenas em 1983. Ao contrario, ao valorizar o cambio em termos reais efetivos (incluindo as tarifas ¢ os subs{dios as exportagSes), o pais assistiu a uma transferéncia de encargos para o futuro. Como mostrou a evolugao dos fatos nos quatro anos seguintes, a introdugao de reajustes salariais semestrais, através da Lei n° 6.708, de 30 de outubro de 1979, politicamente dificil de evitar ante a elevagao da inflagio, veio em um mo- mento bastante inconvenient. O encurtamento do prazo de reajustes salariais trazia consigo duas alternativas: uma elevacdo dos salérios reais médios e/ou a manutengo do novo patamar inflacionario vigente ao final de 1979. Num espaco de tempo insuficiente para 0 devido pedido de licenga a acumu- lagiio de capital e/ou ao progresso tecnolégico, companheiros insepardveis de boa satide dos incrementos reais & remunerago do trabalho, abrem-se sempre cinco possibilidades de viabilizar o aumento de poder aquisitivo dos assalaria- dos: a primeira concreta, mas de dificil consecugo, as duas seguintes mfopes ¢ transit6rias, a quarta ¢ a quinta representando, respectivamente, um apelo & im- probabilidade e &s incertas dédivas da natureza. Iniciemos pela mudanga na composico da absorpdo interna de bens e servi- 08, representada por uma transferéncia de remuneracao entre o capital € © traba- Tho, a favor do segundo. Esta poderia ser iniciada pela modificago da politica salarial, mas deveria tantbém contar com uma queda das margens de oligopélio e 261 das taxas de juros incidentes sobre 0 capital de giro das empresas, duas medidas de dificil consecugdo, mas integrantes de um conjunto que teria como contrapar- tida final, se este fosse 0 objetivo, uma elevagio da parcela da renda nacional apropriada pelos assalariados, Em contraposigao as distribuigdes em cross-section, nas quais, no mes- mo perfodo, uns ganham e outros perdem, devem também ser lembradas as distribuigdes intertemporais, em que ganhadores ¢ perdedores sc situam em pontos distintos no tempo. Essa estratégia nos leva & segunda e A terceira alternativas. Valorizando-se a taxa de cAmbio real efetiva, est aberto 0 caminho para a elevacdo do excesso do nivel de consumo e investimento sobre a produgao na- ional de bens ¢ servigos e, conseqientemente, para o aumento do passivo exter- no liquido do pats, Trata-se de passar a conta as futuras geragGes, com financia- mento junto ao setor externo, cujo aceite se d4 por uma importago liquida de tt- tulos de crédito emitidos ou inicialmente possuidos por residentes brasilei- ros. Resta ainda, como distribuigdo intertemporal de sacrificios, apelar a0 finan- ciamento do governo (leia-se, geragSes futuras de contribuintes), aumentando os subsfdios e diminuindo os impostos indiretos. Este procedimento abre, ao menos ‘até 0 ponto em que a poupanga privada possa suportar, espago em diregiio a um certo alfvio na sensagio de pobreza das classes trabalhadoras. A quarta ¢ a quinta possibilidades, que nao representam varidveis de politica ‘econédmica, dado que carecem de controlabilidade, recorrem a uma eventual me- Thora das relagdes de troca com o exterior ou a posstveis choques positivos de oferta, como excelentes safras agricolas, descobertas de novos campos de petré- leo ete. Sem essas alternativas s6 restam duas opgSes: um aumento do salério real acompanhado por uma queda do nivel de emprego ou uma elevacao da taxa de inflagao. A opeo pode ser exercida pela polftica monetéria fiscal. Uma adminis- tragio austera dos gastos piblicos e das operagGes ativas liquidas das autoridades monetdrias revelaria a preferéncia pela primeira opc%o, a0 passo que uma passi- vidade monetério-fiscal estaria associada ao aumento permanente da inflagio © & conseqilente manutengo dos salérios reais médios. Trata-se, neste caso, da res- posta espontiinea da economia a uma imposigio legislativa que se queria genero- sa e se mostrou incompleta. O grafico 3 mostra como se d4, por um aumento da taxa de elevago dos precos, a partir da data de introdugao da semestralidade (f), a compatibilizaco entre a redugio dos prazos de reajuste e a manutengio do sa- Iério real médio (observe-se que a linha de evolugao dos saldrios reais em fungdo do tempo toma-se mais ingreme a partir da data f, refletindo a elevacdo da infla~ ao): © argumento parte de uma andlise simplificada, onde nio se considera a fal- ta de sincronizago dos reajustes salariais. Como conseqiiéncia, deve-se salientar Linha dos picos Média antes @ apés semestralidade Linha dos vales Tempo que as conclusées aqui obtidas se referem a uma comparagio de situagGes de equilibrio, antes e ap6s 2 modificao do prazo de reajuste, e no a fase de ajus- tamento em si. Entenda-se assim por que classificamos a introdugio da semestralidade em 1979 como temporalmente inoportuna, Ela trazia consigo, coeteris paribus, um aumento de poder aquisitivo exatamente numa fase em que as fontes de financia- mento extemno ¢ interno (pelo aumento de impostos indiretos e diminuicio de subsfdios) & ilustio de,uma pobreza inferior aquela realmente existente estavam Prestes a se esgotar. ‘A nova mudanga de patamar da inflago em 1983 pode também ser explica- da em termos do grafico 3. Desta vez nao se tratava de um aumento da taxa de inflago para impedir uma elevagdo de salério real que a economia nfo poderia suportar. Tratava-se mesmo de obter a inevitével queda deste titimo (bem como, se possivel, da remuneragio ao capital), em decorréncia da seqiiéncia de choques com que a economia se defrontou a partir de 1982. Se a indexagio fosse instantnea, como se tenta aproximar com 0 mecanis- mo de escala mével, a ndo-utilizago de {ndices expurgados de choques de oferta (incluindo as desvalorizagao reais do cambio) teria condenado o pafs a uma re- cessdo ainda mais ardua do que aquela ocorrida em 1983. © mecanismo brasilei- ro, entretanto, utilizando a indexagio defasada, abria o necessério grau de liber- dade, pela elevagio da taxa de inflagiio, no apenas para a manutenco, como se vé no gréfico, mas também para a premente e inevitivel queda dos salfrios reais (os saldrios reais efetivamente se reduziram em tomo de 20% entre junho de 263 Obviamente, os inconvenientes em geral apontados no tocante a uma desva- lorizagdo nominal do cmbio— como exacerbagio de expectativas quanto as no- vas maxidesvalorizagées, inflagao, aumento do endividamento.em cruzeiros das empresas com passivo expresso em d6lar etc. — ndo passam de uma inexplicd- vel miopia, enquanto o desequilfbrio do balangé de pagamentos, tal como em 1980, longe de refletir um fato passageiro, € um problema estrutural que deman- da uma répida solugio. Neste caso, todas as ponderagdes contririas A maxidesvalorizagdo so sim- plesmente argumentos a favor da transferéncia de sacrificios para o futuro. E com um perigoso agravante: como a defasagem do efeito-prego sobre o balango comercial costuma ser bem superior A do efeito-renda, pode ser que (¢ este foi efetivamente o caso no Brasil entre 1979 e 1983), numa situagaio de emergéncia, A ndo-desvalorizago real de hoje (1979/80) se contraponha a recessio de ama- nha (1981-83). Esta, alias, parece ser a vocagfo da administragdo brasileira em geral: € preciso que a divida se tone endégena para diminuir o ritmo de cresci- mento. Esta perda de controlabilidade, seja ela imposta pelos mutuantes (como no caso da divida externa, em 1983/84) ou pela conjugagiio entre os limites suport4- veis das taxas reais de juros e a agio de agéncias internacionais (no tocante a0 endividamento do setor pblico), tem tradicionalmente, no Brasil, precedido as fases de administrag3o mais austera, scja da d{vida interna, seja do passivo exter- no lfquido do pais. Quando utilizado, como a partir de 1979, para financiar 0 aumento de con- sumo, © endividamento s6 traz consigo os seus problemas: aumentar (tornando diferente de zero) a variancia do excesso de investimento sobre a poupanga inter- na do pafs, com o agravante de langar a débito dos residentes a remuneragio pela abstengio do consumo daqueles que resolveram financid-lo. Em adigo, surge a inconveniente necessidade, na fase de reversio do sinal do hiato de recursos (de- fine-se hiato de recursos como o déficit em transag&es correntes menos a renda Ifquida enviada para o exterior), de lembrar aos residentes que eles sio mais po- bres do que efetivamente supdem. No Brasil, o Sistema Financeiro de Habitag’o (SFH) mostrou-se particular- mente omisso, entre 1982 e 1985, nessa espinhosa missio. A contrapartida, neste caso, amparada por uma irritante paraferndlia de regras ¢ regimes de pagamento, se deu por uma transferéncia de rendas (se no de folgas no fluxo de caixa) entre os mutudrios ¢ ndo-mutudrios do SFH, a favor dos primeiros. Tentando resumir todo o raciocinio até aqui apresentado, podemos dizer que, embora a sequléncia de choques externos ocorridos ap6s 1979 sejao motivo prin- cipal da crise da economia brasileira entre 1980 ¢ 1985, 0 tardio reconhecimento da gravidade da situagio por parte do governo, caracterizado pela inexplicdvel valorizagéo cambial ocorrida entre 1980 e 1983, a mudanga de polftica salarial em 1979 ¢ 0 exagerado afrouxamento monetrio-fiscal persistente entre o semes- 264 tre de 1979 € o final de 1980 contribufram em muito para ampliar 0 quadro de di- ficuldades com o qual o pafs se defrontow a partir dessa data. ‘Imposto inflacionario no periodo militar Hoffman (no prelo) deixa claro em seu estudo a relagdo direta existente entre in- flagdo (através do imposto inflacionario e das transferéncias inflaciondrias) e de- terioragio da distribuigio de renda no Brasil, Trata-se de uma constatag3o empi- rica de um fato teoricamente previsivel. Dada essa correlagiio, e tendo em vista 0 fato de termos nos referido a esse tema na segunda se¢do deste trabalho, apresen- tamos aqui os dados referentes a essa transferéncia arbitraria de renda entre o se- tor nfio-banedrio e o setor banc4rio da economia, a favor deste dltimo. Como se sabe, uma das principais particularidades do Brasil, devido & con- jugacao de altas taxas de inflagdo com 0 néo-pagamentg de juros nominais sobre ‘0s meios de pagamento, sfo as transferéncias inflaciondrias totais (TIT) compul- s6rias do setor nao-bancrio para o setor bancdrio da economia. Trata-se dos ju- ros reais negativos pagos pelo estoque de meios de pagamento a todos aqueles que os mantém em seu poder (a este respeito, ver Simonsen & Cysne, 1989, ca- pftulo 3). Este constante ganho de capital do sistema bancério, certamente uma das causas da mé distribui¢So de renda no Brasil, divide-se em duas partes. A pri- meira, chamada de imposto inflaciondrio (II), constitui-se em ganho do Banco Central. Trata-se dos juros reais negativos pagos pela base monetéria. A segunda, que vai para as instituigdes financeiras que emitem depésitos & vista, dé-se o nome de “transferéncias inflaciondrias” (TI). Trata-se do montante de juros reais que pagamos aos bancos comerciais pela utilizagio de depdsitos 2 vista, me- nos 0 que os bancos comerciais pagam de juros reais a0 Banco Central sobre os ‘seus encaixes totais nio-remunerados. Estes trés montantes (TIT, Il e TI, sendo ‘TIT = IT + TI) sdo apresentados na tabela 1, para 0 perfodo 1964-85. Com relagdo aos dados da tabela cabe observar o seguinte: a) No perfodo militar, & inflago média (medida pelo IGP-D1) de 60,05% contra- puseram-se um imposto inflacionério como percentagem do PIB de 2,02% ¢ um valor da transferéncia inflaciondria para os bancos comerciais (também tomada em relaco ao PIB) de 2,02%. Somando-se estes dois valores chega-se a um ni- mero para as transferéncias inflaciondrias totais de 4,04% do PIB, levemente in- ferior aos 4,20% registrados entre 1947 e 1992. Para tanto certamente contribuin © perfodo 1968-73, quando a inflagdo foi relativamente baixa e 0 pagamento de juros reais pelo setor nfio-bancério ao setor bancério da economia, decorrente da retengio de meios de pagamento, apresentou um valor médio de apenas 2,55% do PIB. 'b) Em termos de percentual do PIB, 0 ano de mais elevada transferéncia inflacio- naria total foi de 1964, totalizando 7,84% do PIB (sendo 4,75% de II e 3,09% de 265 ‘Tabela 1 Imposto inflacionério (II), transferéncias inflaciondrias para os bancos comerciais, (TD) ¢ transferéncias totais (TIT = I+ T1) w @ 0 o 0) o a 6) Ano Inflogdo PIB _—‘TVPIB_TIV/PIB_iit 7 mr 4 919 475 3,08 7,84 3,86 251 6,36 6s MS 2.84 2.02 4.86 224 159 3.83 6 38,2 2.46 67 413 24 1,66 4,10 o 249 178 1.26 3.08 1.89 134 3.23 68 25,5 ar 134 3,06 192 149 341 o 20,1 141 42 268 1,63 140 3,08 70 19,3 1,36 1,30 2,66 1,69 1,61 3,30 1 195 127 1,26 253 1,76 175 3,51 Rn 15,7 1,02 1.04 2.06 1.63 1,65 3.28 B 15,5 1,08 1,32 240 218 2,67 485 4 3S 181 214 3.96 445 5.26 9.72 15 294 1,50 2,06 3,56 3.89 532 921 16 46,3 1,89 248 437 5.79 764 13,43 7 388 1,63 1,58 3,20 343 527 10,70 B 40,8 1,83 1,68 346 641 $72 12,13 p M2 3,03 248 552 10.40 8.50 18,90 80 10,2 2.46 3.81 627 786 (12,23 (20,08 81 95.1 1.84 2.64 4a8 621 894 15.15 82 99,8 197 249 445 653 829 (14,82 83 210.9 2,88 2,89 S47 635 698 13,38 4 223.8 2.03 2B 426 461 5.09 9,70 85 235,1 211 2.45 456 465 5,19 9.94 Média 60,05 202 202 4,03 426 464 491 1, Ene 1964 ¢ 1979 uilizou-se 0 conceto antigo de base monetéria, que inclu os deptsitos & vista do Banco do Brasil. Em adigo, os saldos sto wtilizados em final do periodo. Entre 1980 ¢ 1985, isto no mais ocorre. Uuilizam- ‘se onovo conceito de base (a respeito desta modificacSo institucional e de seus reflexos contdbeis, ver Simonsen & (Cysne, no prelo) e a métia messal dos saldos didrios dos ngregados monetfrios. A nova férmula de cAlealo afotads pode scr encoatrada em Cysne, 1993. 2. Os dados em dolares s40 apreseatades em délares constantes de 1987. TI). Observe-se que nos anos 1983-85 a inflagZo foi substancialmente maior (da ordem de 220%) do que em 1964, mas o valor de TIT/PIB situou-se entre 4,26% (em 1984) e 5,47% (em 1983). Isso evidentemente se deve ao fato de que em 1964 a relagdo meios de pagamento/PIB era muito maior do que entre 1983 ¢ 1985. c) A dG6lares constantes de 1987, o maior valor de TIT ocorreu nos anos de 1980- 1979 (respectivamente US$20,09 bilhdes € US$18,90 bilhdes). O grafico 4 mostra a evolugo das varidveis II, TI (pelas diferengas entre as curvas ) € TIT entre 1964 e 1985, respectivamente, como percentual do PIB ¢ em délares constantes de 1987. Observe-se em particular que 0 governo logrou redu- zir esses valores entre 1964 e 1972, mas o fato de no se ter dotado o pais de uma autoridade monetéria independente do Executivo facilitou a perda dessa im- Portante, embora passageira, conquista. WPIB & TIT/PIB x tempo. ‘ nase een (om délaros, 2500 1900 ~~ = WPIB ——TITPIB Conclusées Este trabalho comesou comparando © crescimento da economia brasileira entre 1964 e 1985 com outros perfodos histéricos, para depois passar, fixado o perfo- do, a uma comparag’o com outras economias. Deixando de lado o fato de outras varidveis nfio se manterem constantes nas comparagbes efetuadas, bem como a estreiteza do parfimetro em que essa andllise se baseia, conclui-se pelo primeiro critério que 0 perfodo militar foi razodvel e pelo segundo, que foi bom. Se lan- garmos a débito da administracao de politica econdmica efetuada entre 1964 ¢ 1985 parte da responsabilidade pelos eventos que se sucederam nos oito anos subseqilentes, entretanto, o estabelecimento de qualquer veredicto fica mais complicado. Pode-se também atribuir aos governos militares as criticas usuais relativas & exagerada estatizagdo da economia, 8 ndo-reduglo das desigualdades sociais na mesma medida em que se obteve crescimento econdmico, bem como por no ter dotado 0 pafs de uma autoridade monetiria independente que manti- vesse a longo prazo a relativa estabilidade de precos obtida entre 1960 ¢ 1972. Nao que os yovernos anteriores possam ser culpados pelos terremotos eco- némicos representados pelos planos Cruzado, Cruzadinho, Cruzado II, Bresser, 267 Verao, Collor I ¢ Color II, quando os heterodoxos de plantéo fizeram do pais um tubo de ensaio para as suas teorias econdmicas. Como jf dissemos antes, perto do que veio depois, a administracao Figueiredo foi até razodvel. Mas 0 fato € que ‘a administraglo da economia relativa ao periodo militar legou ao governo Sar- ney, em que pesem aos ativos, também um passivo externo Ifquido da ordem de US$100 bilhdes, além de uma economia desorganizada, com um setor piblico superdimensionado e uma indexago generalizada. Uma coisa € certa. Se 0 periodo militar tivesse se encerrado logo apés 0 pe- iodo das reformas implantadas entre 1964 ¢ 1966 ou, no mais tardar, antes da ascensio inflaciondria de 1973, a sua defesa, do ponto de vista econémico, seria bem mais facilitada. Nessa época a inflago estava em queda, o setor piblico ra- zoavelmente organizado, a d{vida externa I{quida em um de seus pontos mais baixos e a indexacdo pela inflacdo passada, além de anual, restrita ao setor finan- ceiro. Referéncias bibliogriificas Baer, Werner. The Brazilian economy: it's growth and development. Grid, 1979. Banco Central do Brasil. 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(USS tte) bran? 1964 9191 36 8 0167 1965 344s 24 ns 0.186 1966 3825 68 BB oss 1967 1492 44 43,7 0153 1968 25,49 97 2» oats 1969 2008 94 325 0.16 1970 1926 104 258 0.206 1971 1987 ua 323 0213 im 1572 us 383 0213 1973 1554 Bg 4a 0221 1974 3435 335 0243 1975 2938 52 428 6702 0287 1976 4626 103 372 60171 0231 1977 388 49 315 403730221 1978 4083 5 422 6908 0 1979 mai 68 26 107416 0231 1980 1028 92 02 12807 0232 1981 95,1 “45 812 “1734303232 1982 $981 06 ors “163105 0215 1983 21095 as 101 sad In 1986 22379 53 zit 4316S 1985 2351 8 3043 24150191 ‘Obs: Utilizou-se, na coluna cinco, entre os anos de 1964 ¢ 1969, 0 PNB em vez do PIB. "Para 0 cféleulo da inflaclo foi utilizads a variagSo da média anual do IGP-DI do projet Aries, com base 1989 = 100. 7A taxa de crescimento do PIB real foi cakulada a partis da variago do {ndice de produto real, com base 1980 = 100, do projeto Aries. > A taxn de crescimento monetirio foi calculada a partir da variaglo da média anual dos meios de pagamento do [projeto Aries, em miliben de crumiros. 1 sald do blango de pagametor em conta comets fe ext do poet Arie, em miles de tare * 0 lnvesimeno brut deriva da soa da forma de capil fixo mais variagBo de ctoques de projet Aries

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