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Capitulo 2 O BRASIL MONARQUICO (1822-1889) 2.1. A CONSOLIDAGAO DA INDEPENDENCIA E A CONSTRUCAO DO ESTADO (onsolidagao da independéncia se deu em poucos anos. As tropas portu- resistiram na Provincia Cisplatina, da qual acabaram se retirando em vo de 1823. Ai comegaria uma longa guerra pela independéncia uru- ‘as |i agora contra os brasileiros e nao contra os portugueses. Outro ile confronto se localizou na Bahia, onde os brasileiros acabaram derro- Portugueses. plino internacional, os Estados Unidos reconheceram a independéncia ) le 1824, Informalmente, ela j4 era reconhecida pela Inglaterra, inte- ei) yurantir a ordem na antiga colénia portuguesa. Preservava assim \ujen comerciais em um pais que, Aquela altura, jé era seu terceiro externo, O reconhecimento sé foi retardado porque os ingleses tenta- weguly do Br {wmente, estiveram presentes na consolidagado da independéncia, ser- em de mediadores no reconhecimento da nova nagio por Portugal. il a imediata extingao do trafico de escravos. Mas, direta HeHTEU eM agosto de 1825, por um tratado em que o Brasil concordou whi A Metropole, em 2 milhOes de libras, pela perda da antiga colé- J Hi permitie a unido de qualquer outra coldnia com o Brasil. A neces- 7s KEQ nisroria concIsA DO BRASIL © BRASIL MONARQUICO (1822-1889) EEL 79 sidade de indenizar a Coroa portuguesa deu origem ao primeiro empréstimo Por certo, muitos descontentamentos com a Corte permaneceram, mas externo, contraido pelo Brasil em Londres. A segunda cliusula citada, aparen- temente estranha, explica-se pelo fato de interesses brasileiros ligados ao comér- cio de escravos estarem fortemente implantados em algumas regides da costa da Africa, Quando chegaram a Angola as noticias da separagio, surgiram pan- jwida que lembrasse a insatisfagao de algumas regides do Nordeste onde despon- unum as idéias de repuiblica. A elite politica promotora da independéncia nao inha interesse em favorecer rupturas que poderiam pér em risco a estabilidade ily vida da antiga Colénia, nos moldes existentes. E significativo lembrar que os wlorgos pela autonomia, desembocando na independéncia, concentraram-se jiu figura do rei e depois na do principe regente. Nos primeiros anos apés a in- lependéncia, a monarquia se transformou em um simbolo de autoridade, mes- iio quando a figura do Imperador viesse a ser contestada. A afirmativa de que a independéncia se realizou em tempo curto e sem fletos impressos no Brasil convidando Benguela a aderir a “causa brasileira’. A prevenco portuguesa no era pois sem fundamento. wee £ tradicional na historiografia brasileira contrastar a relativa facilidade da consolidagao da independéncia do Brasil com o complicado processo de eman- cipacao da América espanhola. Acentua-se ainda que, enquanto o Brasil perma- neceu unificado, a América espanhola se fragmentou em varias nagGes. As duas observacées estiio inter-relacionadas. Vamos porém separd-las na narrativa por- jyandes abalos nao nos deve levar a tirar duas conclusées erréneas. Uma con- siiliria em dizer que nada mudara, pois o Brasil passava da dependéncia inglesa vii) Portugal a dependéncia direta da Inglaterra. A outra consistiria em supor a exluténcia de uma elite politica homogénea, com uma base social bem estrutu- judi, portadora de um projeto claro de diretrizes para a nova nagao. (\ primeira conclusao seria equivocada por varias razGes. A nova relagao de ilependéncia, que se vinha afirmando desde 1808 com a abertura dos portos, Jepresentava mais do que uma simples troca de nomes, importando em uma Wudanga da forma como a antiga Colénia se inseria no sistema econdmico in- {ernucional. Além disso, a independéncia impunha a tarefa de se construir um que a forma pela qual se manteve a unidade territorial se tornaré mais clara ap6s a andlise dos acontecimentos ocorridos entre 1822 ¢ 1840. Cabe perguntar, de inicio, se a tradicao ainda se sustenta. Nao faltam obje- Ges a ela. Seus criticos salientam que a independéncia, sob a forma de uniao em | torno do Rio de Janeiro, resultou de uma luta e nao de um consenso geral. Nessa luta foram vencidos, nas provincias, 0s movimentos autonomistas ¢ os que sus- Hiludo nacional para organizar o pais e garantir sua unidade. A flor do nticleo promotor da independéncia, com José Bonifacio a frente, nao tentavam a permanéncia da uniado com Portugal, como aconteceu no Para. As objegdes tém o mérito de chamar a atencdo para o fato de que a inde- pendéncia do Brasil nao correspondeu a uma passagem pacifica. Mas elas nao’ invalidam a constatagao de que, admitido 0 uso da forga e as mortes dai resul- tantes, a consolidacao da independéncia se fez em poucos anos, sem grandes desgastes. Mais do que isso, a emancipacao do Brasil nao resultou em maiores: alteracdes da ordem social e econémica existente ou da forma de governo. uunda conclusio seria igualmente equivocada porque, mesmo no inte- Havin um acordo sobre as linhas basicas que deveria ter a organizacao do Esta- ly, Pelo contrario, os anos entre 1822 ¢ 1840 seriam marcados por uma enor- te Hutu tes de organi: do politica, por uma série de rebelides e pelas tentativas contrastan- 1 0 poder. Exemplo tinico na histéria da América Latina, 0 Brasil ficou sendo uma monar- quia entre reptiblicas. Uma das principais raz6es dessa relativa continuidade entre duas épocas se ( debate politico central nos dois primeiros anos apés a independéncia do }iily se concentrou em torno da aprovagio de uma Constituigao. As eleigoes fuiid uma Assembléia Constituinte ja estavam previstas meses antes da indepen- encontra na vinda da familia real para o Brasil e na forma como se deu o pro- cesso de independéncia. A abertura dos portos estabeleceu uma ponte entre a Coroa portuguesa e os setores dominantes da Coldnia, especialmente os que se séiela, Plas ocorreram apés 0 7 de setembro e a Constituinte comegou a se reu- concentravam no Rio de Janeiro, S40 Paulo e Minas Gerais, Os beneficios trazi- iil no Rio de Janeiro em maio de 1823, Logo surgiram desavengas entre a as- sembléiu ec Dom Pedro, apoiado a principio por seu ministro José Bonifacio, dos para a regido fluminense, com a presenga do rei no Brasil, vinham incenti- var a expansiio econdmica daquela area, ligada aos negdelon do agricnr, do café e do trifieo de eseravos, {iiwndo em torno do campo de atribuigdes do Poder Executive (no caso, o Im- jwtador) edo Legislative, 0 EEX isroria concisa Dt ‘A DO BRASIL © NWAMIL MONARQUIGO (1122-109) ea Senado, prevendo-se eleigoes ©) Poder Legislativo foi dividido em Camara e Cfmara era tem- rengas essenciais, A eleigao para 1, Além disso, o processo eleitoral, no Os constituintes queriam que 0 Imperador nao tivesse 0 poder de dissol a fatura Camara dos Deputados, forgando assim, quando julgasse necessil novas eleigdes. Queriam também que ele nao tivesse 0 poder de veto absoll ou seja, o direito de negar validade a qualquer lei aprovada pelo Legislativo Dom Peso : = es o apolar era necessario criar | fy ao Imperador escolher um dos trés nomes dleitos. Na pratica, essas res- ae > : cias “democraticas e desagregat » fiyeram com que o Senado fosse um 6rgao cujos membros foram no- ras”, justificando-se assim a concentracao de maiores atribuigoes nas mio Imperador. Os tempos eram de incerteza politica. Menos de um ano apés a1] dependéncia, em julho de 1823, José Bonifacio foi afastado do ministério. | ficara espremido entre a critica dos liberais ¢ as insatisfagdes dos conser res, Estes viam com maus olhos 0 comando pessoal do governo pelo mi que Ihes fechava o acesso direto ao trono. A disputa entre os poderes acabou resultando na dissolugao da Assent Constituinte por Dom Pedro, com apoio na tropa. Foram presos varios dep dos, entre eles os trés Andradas. Logo a seguir, cuidou-se de elaborar um P) to de Constituigao que resultou no texto promulgado a 25 de marco de 1824, Constituigao nao diferia muito da proposta dos constituintes anterior a disii lucdo da assembléia. Mas hé uma diferenga a ser ressaltada. A primeira Con} tuicdo brasileira nascia de cima para baixo, imposta pelo rei a0 “povo”, emba devamos entender por “povo” a minoria de brancos € mesticos que votava @| algum modo tinha participagao na vida politica. Um contingente ponderavel da populacao — os escravos — estava exclu dos dispositivos constitucionais. Deles nao se cogita a nao ser obliquament quando se fala dos libertos. Outro ponto a ser observado se refere a distal entre os princfpios ¢ a pratica. A Constituigdo representava um avanco a0 Or nizar os poderes, definir atribuigoes, garantir direitos individuais. O problen éque, sobretudo no campo dos direitos, sua aplicagao seria muito relativa, direitos se sobrepunha a realidade de um pais onde mesmo a massa da pop Gao livre dependia dos grandes proprietérios rurais, onde s6 um pequeno an stia uma tradigao autoritaria. gw duas casas, com difer fi, enquanto ado Senado era vitaliel ly Sendo, destinava-se a eleger uma lista triplice em cada provincia, ca- slow pelo Imperador em cardter vitalicio. ireto porque os votantes, corresponden- corpo eleitoral, nas eleicdes cha- Pelo principio do 1) yoto era indireto © censitario. Indi } massa dos eleitores, votavam em um 0 corpo eleitoral elegia os deputados. primarias os cidadaos brasileiros que tir 0 mil réis por bens de raiz, industria, co- ‘ou seja, je de primaria yensitdrio, votavam nas eleigoes yy renda anual de pelo menos 101 s. Eles clegiam 0 corpo eleitoral, {inyes, escolhendo pessoas que, para candidatar-se, além dos requisitos in- iy, deviam ter renda de 200 mil réis e nao serem libertos. Para ser deputa- J) congo subia a 400 mil réis e era necessirio professar a religido catélica, Hliluy ay outras exigéncias. Nao houve referéncia expressa as mulheres, mas gatyvam excluidas dos direitos pol . Curiosamen- (WH2 a praxe foi a de admitir 0 voto do gran ly ern vista o silencio da Constituigao a esse respeito. ) pais foi dividido em provincias cujo presidente seria nomeado pelo Im- «os direitos individuais, entre eles a igualdade perante s restrigdes ja apontadas, a liberdade de pen- iy Ou emprego. Eram os votantes Iiticos pelas normas sociais de nimero de analfabetos, joy, Asseguraran i libordade de religiao, com a wilo e de manifestagao. ‘Ain importante orgdo da estrutura politica era 0 Conselho de Estado, com- omeados pelo Imperador dentre cidadaos bra- anos (uma idade avangada para a época), ren- que fossem “pessoas de saber, capacidade e graves e me- slp conselheiros vitalicios m yy com Idade minima de 40 ji inferior a 800 mil réis & ule! © Conselho de Estado deveria ser ouvido nos “negécios orale da publica administragao”, como a declaragao de guerra, ajustes de HEAtO, Negociagdes em que © Imperador se propusesse exercer atribui¢oes Hive do Poder Moderador. po tinha instrugao & onde exis ‘A Constituigao de 1824 vigorou com algumas modificacées até o fim ¢ [mpério, Definiuo sistema politico como monérquico, hereditario, constituel nal, O Império teria uma nobreza, mas ndo uma aristocracia. Ou seja, existiia nobres por titulos concedidos pelo Imperador, porém os titulos ndo seriam I Ividoln da instituigao de um Poder Moderador provinha do escritor francés am lidos por Dom Pedro e por muitos poli jamin Constant, cujos livros er dia dpocn, Benjamin Constant defendia a separacao entre 0 Poder Executi- aos ministros do rei, € 0 poder pro moderador, O rei ndo interviria na politica € na reditérios, o que daria origem a uma “aristocracia de sanguie’s A religido catéli romana continuaya a ser a religido oficial, permitindorse apenas o culto part ypriamente im- piijan atribuigdes caberiam J, chamado de neutro ow cular de outras religides. 82 KEQ_ isroria coNcIsA DO BRASIL administragéo do dia-a-dia e teria papel de moderar as disputas mais sérias € gerais, interpretando “a vontade e o interesse nacional”. No Brasil, o Poder Moderador nao foi tao claramente separado do Executi- vo. Disso resultou uma concentragao de atribuicdes nas maos do Imperador. Pelos princfpios constitucionais do Poder Moderador, a pessoa do Imperador foi considerada inviolavel e sagrada, nao estando sujeita a responsabilidade al- guma. Cabia a ele, entre outros pontos, a nomeacao dos senadores, a faculdade de dissolver a Camara, convocando eleicdes para outra que a substitufsse, o di- reito de aprovar ou vetar as decisdes da Camara e do Senado. Os atos de Dom Pedro I, dissolvendo a Constituinte e decretando uma Constituigio, simbolizaram 0 predominio do Imperador, dos burocratas e co- merciantes, muitos deles portugueses, que faziam parte do circulo dos intimos. Em Pernambuco, os atos puseram lenha em uma fogueira que, desde 1817 mesmo antes, nao deixara de arder. A propagacao das idéias republicanas, antiportuguesas e federativas ganhou {mpeto na inquieta provincia. Como figura central das criticas ao Império des- tacou-se Frei Joaquim do Amor Divino - 0 Frei Caneca. Seu apelido indicava: uma origem humilde como vendedor de canecas, quando garoto, nas ruas de Recife, Educado no seminario de Olinda, centro de difusio das idéias liberais, converteu-se em um intelectual erudito e homem de agao. A contrariedade pro- vocada na provincia pela nomeagao de um governador nao desejado abriu ca~ minho para a revolta. Seu chefe ostensivo, Manuel de Carvalho, proclamou a Confederacio do Equador, a 2 de julho de 1824. Carvalho foi uma figura curio- sa, casado com uma americana e grande admirador dos Estados Unidos. No dia da outorga da Constituicao de 1824, antes pois da rebeliao, enviou oficio dirigi- do ao secretario de Estado americano solicitando a remessa de uma pequena: esquadra ao porto do Recife para contrabalangar as ameacas & liberdade resul- tantes da presenca de navios de guerra ingleses e franceses. No oficio, invocava a recente doutrina, fixada pelo presidente Monroe, contréaria 4 intervengao de poténcias européias nas Américas. ‘A Confederacao do Equador deveria reunir sob forma feclerativa e republi- cana, além de Pernambuco, as provincias da Paraiba, Rio Grande do Norte, Cea rd e, possivelmente, Piaui ¢ Para. O levante teve um contevide acentuacamente a ampla frente regional, con) a lideranga ciantes, que earieterifard a revolugio de urbano ¢ popular, diferenciando-se de proprietirios rurais e alguns com © BRASIL MONARQUICO (1822-1889) KEY 33 |817. A viajante inglesa Maria Graham, que esteve em Recife tentando alcancar \m acordo entre as partes, assemelhou, guardadas as proporgdes, o ambiente ilo palacio governamental ocupado pelos rebeldes ao da Convencao Nacional hia Revolugao Francesa. Viu as dependéncias palacianas ocupadas por elemen- (os populares — verdadeiros sans-culottes— de olhos arregalados e ouvidos a es- Cuil, No pressuposto de traicdes e ciladas. A Confederacao do Equador nao teve condicées de se enraizar e de resistir inilitarmente as tropas de governo, sendo derrotada nas varias provincias do Nor- (este até terminar por completo em novembro de 1824. A punicao dos revolucio- inirios foi além das expectativas. Um tribunal manipulado pelo Imperador con- (lenou a morte Frei Caneca e outros revoluciondrios. Levado a forca, Frei Caneca ‘icubou sendo fuzilado, diante da recusa do carrasco em realizar 0 enforcamento. As mareas da revolugao de 1824 nao se apagariam facilmente. De fato, ela pode ser vista como parte de uma série de rebelides e revoltas ocorridas em Per- Hmbuco entre 1817 e 1848, fazendo da provincia um centro irradiador de mui- {as insatisfagdes do Nordeste. O recém-criado Império brasileiro herdou os problemas gerados com a Heuupagio da Banda Oriental. Em 1825, uma rebeliéo regional proclamou a se- puragiio do Brasil ea incorporagao do futuro Uruguai as Provincias Unidas do Ilo da Prata, Esse fato precipitou a guerra entre Brasil e Buenos Aires, a partir tle dezembro de 1825. A guerra foi um desastre militar para os brasileiros, vencidos em Ituzaingd (1827), e uma catdstrofe financeira para as duas partes envolvidas. A paz foi al- ‘inigada com a mediagao da Inglaterra, interessada em restaurar as transag6es fomerciais normais que o conflito aniquilara. O tratado de paz que pés fim ao fonilito garantiu o surgimento do Uruguai como pais independente e a livre Huivegagdo do Prata e de seus afluentes. Este ultimo ponto interessava as potén- tis européias, especialmente a Inglaterra, e também ao Brasil. No caso brasilei- {0 1azdes de natureza geopolitica mesclavam-se As raz5es econdmicas, pois a Havegagilo fluvial era a principal via de acesso a regiao de Mato Grosso. Internamente, a guerra provocou o impopular e temido recrutamento da }pulagio por meio de métodos de pura forga. O Imperador decidiu contratar {opas no exterior para completar as fileiras do exército. Essas tropas foram em. Mit Maloria formadas por pessoas pobres que nada tinham de militares profis- Hlonals, recrutadas na Europa com a perspectiva de se tornarem pequenos Poprietirios no Brasil, Como era de se esperar, em nada contribuiram para fa- yer ponder a guerra em favor do Império, Por acréseimo, algumas centenas de s1 KEY isroria cONcIsA DO BRASIL © BRASIL MONARQUICO (1822-1889) EEX ss mercendrios alemaes ¢ irlandeses desiludidos se amotinaram no Rio de Janeir Muitos membros da elite brasileira se colocaram ao lado de Dom Pedro, por em julho de 1828. A situagao se tornou muito grave e o governo viu-se forcad l¢eonfiarem do liberalismo, por terem assumido cargos na administraao e vbido titulos honorificos, fartamente concedidos pelo Imperador. Entretan- | 110 correr dos acontecimentos, os brasileiros foram engrossando cada vez \s wn criticas Liberais, enquanto os portugueses se apegavam a figura do Im- #idor. Na populagao urbana e no Exército, o sentimento antiluso teve um for- jeder mobilizador. Havia no ar uma suspeita de que Dom Pedro tentaria vol- 404 tempos do Reino Unido, especialmente porque com a morte de Dom i) VI, em 1826, abria-se a possibilidade de ele assumir também, como filho iit Velho, o trono portugués. 0 lixército foi-se afastando do Imperador. Sua base era recrutada na popu- M0 mais pobre dos centros urbanos, em sua maioria mulatos que sofriam com a recorrer A humilhante protecao dos navios ingleses e franceses. Os gastos militares vinham agravar os problemas econdmico-financeiros j existentes. O volume fisico de alguns produtos de exportagao, como 0 café, aw mentou consideravelmente ao longo da década de 1820. Mas os precos do algo dao, couro, cacau, fumo e do proprio café tenderam a cair. As rendas do gover no central, dependentes em grande medida do imposto sobre as importag6« eram insuficientes. A Inglaterra impés em agosto de 1827 um tratado come cial mantendo a tarifa de 15% sobre a entrada de seus produtos. Essa medidi foi estendida depois as demais nagoes. O Banco do Brasil, criado por Dom Joao VI em 1808, entrou em dificul: des desde 1821, quando o rei retirou 0 ouro nele depositado antes de partir par Portugal, e acabou sendo fechado em 1829. Dom Pedro recorreu & emissio grande quantidade de moedas de cobre, dando origem a falsificagdes € ao aul mento do custo de vida, sobretudo nos centros urbanos. Ainda nao se empr gava o termo “inflagao”, mas falava-se em algo parecido, quando se aludia 8 “in Wiis condigdes de vida, 0 atraso no pagamento do soldo, a disciplina impos- | \ vtipula estava descontente com as derrotas militares e a presenca de ofi- ii porlugueses em postos de comando. A partir de meados de 1830, os fatos se precipitaram. A queda de Carlos X Hyanga eo inicio da Monarquia de Julho, tida como liberal, repercutiram no wil, sendo objeto de discusses até mesmo no Conselho de Estado. Em mar- ile 1831, a temperatura politica subiu no Rio de Janeiro. O imperador regres- ii de uma viagem a Minas Gerais, onde fora recebido com a maior frieza. Os chacdo” do meio circulante. Mesmo 0 papel-moeda emitido pelo Banco do Brasil e pelo Tesouro era recebido fora do Rio de Janeiro. Em 1829, o papel-moeda circulava em Si Paulo por 57% de seu valor nominal. Por outro lado, a moeda brasileira desvalorizou seguidamente com relagao 8 libra inglesa no curso da década di 1820. Isso favoreceu as exportacdes mas, ao mesmo tempo, encareceu as impo! tages de bens de consumo, tao desejados pelas elites e pelos nascentes seto’ médios urbanos. Os descontentamentos aprofundaram os atritos entre brasileiros e portl gueses. Os portugueses, que controlavam boa parte do comércio de varejo, er um alvo privilegiado dos ataques nativistas. A contenda politica tinha a ver co} a divisao nacional, mas nao se resumia a isso. Na época de Dom Pedro, a elit politica se dividia entre liberais e absolutistas. Os absolutistas eram defensorel da ordem e da propriedade, garantidas por um imperador que desejavam fort e respeitado. Temiam que a “liberdade excessiva” pusesse em risco seus privild gios e aceitavam, em nome da ordem, os atos imperiais contrarios a legalidadé {\ueses decidiram realizar festejos promovidos pela sociedade secreta Co- i) lo ‘lvono para demonstrar-Ihe seu apoio. Houve reacao dos brasileiros, dai senidlo 08 primeiros tumultos, que se prolongaram por cinco dias. Seguiram- {ehlutivas de formagao de um novo ministério e novas manifestagdes de pro- ) Os comandantes militares brasileiros de maior prestigio, como os irmaos # @ Silva, um deles pai do futuro duque de Caxias, aderiram a revolta. Por y Dom Pedro foi forgado a abdicar em favor de seu filho, Dom Pedro II, a7 abril de 1831, () Hiraail (eria agora a perspectiva de sagrar um rei nascido no pais, mas qua- Wii déeada se passaria antes que isso acontecesse. O menino Pedro tinha HW Elo Anos quando o pai abdicou do trono e partiu para a Inglaterra so- Hilo eM Fecuperar OUtro trono, 6 portugués, ocupado por seu irmao Dom ijuie!, Como 05 absolutistas, os liberais se alinhavam na defesa da ordem e da propre dade, Defendiam, porém, a liberdade constitueional como forma de assegurit las e eram partiddrios das “novidades”, especialmente da grande novidade estar em oposigio ao governo ¢ ao proprio Manned: 1) periodo posterior & abdicagio de Dom Pedro I ¢ chamado de Regéncia Hie Hele o pais fol regido por figuras politicas em nome do Imperador até a 6 BED hisrona concisa DO BRASH. © BRASIL MONARQUICO (1822-1889) KEY. 57 maioridade antecipada deste, em 1840, 4 Princfpio os regentes eram trés, pas: — sando a existir um tinico tegente a partir de 1834, © Periodo regencial foi um dos mais agitados da historia politica do Bra- sil. Naqueles anos, esteve em J0g0 a unidade territorial do Pais, e os temas da Centralizagdo e da descentralizagéo do poder, do grau de autonom As reformas do periodo regencial trataram de suprimir ou diminuir as atri- IWuicoes de 6rgaos da Monarquia ¢ de criar uma nova forma de organizacao mi- Iitur, reduzindo o papel do Exército, Kim 1832 entrou em vigor 0 Cédigo de Processo Criminal, que fixou nor- 1s para a aplicacao do Cédigo Criminal de 1830.0 Cédigo de Processo Cri- Ininal deu maiores poderes aos jutzes de paz, eleitos nas localidades ja no reina- tlo de Dom Pedro I, mas que agora podiam, por exemplo, prender e julgar /eisoas acusadas de cometer Pequenas infragdes. Ao mesmo tempo, seguindo o Modelo americano e inglés, criou a instituicao do juri para julgar a grande Mnioria dos crimes e 0 habeas corpus, a ser concedido a pessoas presas ilegal- Mente ou cuja liberdade fosse ameacada, Uma lei de agosto de 1834, chamada de Ato Adicional porque fez adicées e illeragdes a Constituicao de 1824, determinou que o Poder Moderador nao po- loris ic éncia. imi é iselho de Estado, 's de provincia continuaram a ser designados pelo governo cen- Wal, mas criaram-se Assembléias Provinciais com maiores poderes, em substi- Milijo aos antigos Conselhos Gerais Além disso, legislou-se sobre a reparti¢ao de rendas entre o governo cen- {fil, as provincias e os municipios. Atribuiu-se as Assembléias Provinci: Hinpeténcia para fixar as despesas municipais e das provincias ¢ para lancar os Impostos necessarios ao atendimento dessas despesas, contanto que nao preju- Mleassem as rendas a serem arrecadadas Pelo governo central. Essa formula vaga ile reparticao de impostos permitiu as provincias a obtengao de recursos pré- }Hi08, 0 custa do enfraquecimento do governo central. Uma das atribuicées mais Iportantes dadas as Assembléias Provinciais foi a de nomear e demitir funcio- Mition publicos, Desse modo, colocava-se nas maos dos politicos regionais uma WN significativa, tanto para obter votos em troca de favores quanto para per- HHL inimigos, Quando comegou o periodo regencial, o Exército era uma instituic¢aéo mal Hanizada, vista pelo governo com muita suspeita. Mesmo apds a abdicagao de iia das pro= is acordo com a tradigéo macénica, na Sociedade Des fensora da Liberdade e Independéncia Nacional, Entre eles, havia uma alta pro- Por¢ao de politicos de Minas Gerais, S40 Paulo e Rio de Janeiro. Havia também | us Presenca significativa de padres e alguns graduados por Coimbra. Muitos cram proprietarios de terras e de escravos, Foram nomes de destaque da cor- rente Bernardo Pereira de Vasconcelos, magistrado mineiro educado em Coit bra; © padre Diogo Feij6, Veiga, r 'mportante jornal liberal de seu tempo. Na oposiea ‘0 ficavam, de um lado, og “exaltados” e, de outro, os absolutistas, Os “exaltados” defendiam a Federacao, as liberdades individuais ¢, em alguns Doin Pedro, o nimero de oficiais Portugueses continuou a ser significativo. A “sos, a Republica, Os absolutistas, chamados de “caramurus’, muitos deles pors Milor preocupagio vinha porém da base do Exército, formada por gente mal lugueses, com postos na burocracia, no Exército e no alto comercio, lutavam, PHM, Invatisfeita © Propensa a aliar-se ao povo nas rebelises urbanas. pela volta ao trono de Dom Pedro I. Os sonhos restauradores nao duraram Uma lei de Agosto de 1831 criou a Guarda Nac ional, em substituigao as an- Muito, pois Dom Pedro I morreu em Portugal em Lid, A Hjinn Miliclas, Hla era eépin de uma lei francesa do mesmo ano. A idéi consistia #1 Olyanizar uM corpo armado de cldaddos confidveis, capaz de reduzir, de um 8 REX nusvorta concisa Do BRasiL lado, os excessos do governo centralizado e, de outro, as ameacas das “classes perigosas”. Na pritica, a nova instituigao ficou incumbida de manter a ordem no municipio onde era formada. Foi chamada, em casos especiais, a enfrentar rebelides fora do municipio ¢ a proteger as fronteiras do pais, sob 0 comando do Exército. Compunham obrigatoriamente a Guarda Nacional, como regra geral, to- dos os cidadaos com direito ao voto nas eleig6es primarias que tivessem entre 21 € 60 anos. O alistamento obrigatério para a Guarda Nacional desfalcou os quadros do Exército, pois quem pertencesse a ela ficava dispensado do recruta- mento para servir no Exército. Até 1850, os oficiais inferiores da Guarda Nacio- nal eram eleitos pelos integrantes da corporacao, em eleicao presidida pelo juiz de paz. A realidade nacional e as necessidades de estabelecer uma hierarquia se sobrepuseram ao principio eletivo. As eleigdes foram-se tornando letra morta e desapareceram antes mesmo que a lei fosse mudada. we As revoltas do periodo regencial nao se enquadram em uma moldura tni- ca. Tinham a ver com as dificuldades da vida cotidiana e as incertezas da orga- niza¢ao politica. Mas cada uma delas resultou de realidades especificas, provin- ciais ou locais. Muitas rebelides, sobretudo até meados da década de 1830, ocorreram nas capitais mais importantes, tendo como protagonistas a tropa e 0 povo. No Rio de Janeiro, houve cinco levantes entre 1831 e 1832. Em 1832, a situagdo se tornou tio séria que o Conselho de Estado foi consultado sobre que medidas se deveria tomar para salvar 0 imperador menino caso a anarquia se instalasse na cidade e as provincias do Norte se separassem das do Sul. Em contraste com essas revoltas, eclodiu em Pernambuco a Guerra dos Cabanos, entre 1832 e 1835. Foi um movimento essencialmente rural, que sé diferenciou também das anteriores insurreigdes pernambucanas por seu con= tetido. Os Cabanos reuniam pequenos proprietarios, trabalhadores do campo, indios, escravos e, no inicio, alguns senhores de engenho. Sob alguns aspectos, constituiram uma antecipagao do que seria a revolta sertaneja de Canudos, no inicio da Reptiblica. Lutaram pela religiao e pelo retorno do Imperador contra os chamados “carbonarios jacobinos’, em uma referéncia critica aos revolucios narios franceses De xas contra mudangas que s sociedades secretas liberais européias do século XIX. forma, as camadas pobres da populagiio rural exprewaram suas quei= io entendiam e eram elutantes de Kei mundo, Da dos 08 objetivos expressos da revolta, 0% Cabanos CONWAI CON) 6 apolo inust: (© BRASIL MONARQUICO (1822-1889) EEX 39 \udo de comerciantes portugueses de Recife e de politicos restauracionistas na capital do Império. Depois de uma guerra de guerrilhas, os rebeldes foram afinal derrotados, iro- hhicamente, por Manuel de Carvalho Pais de Andrade, a mesma pessoa que procla- Mara em 1824 a Confederagao do Equador e era agora presidente da provincia. Apés 0 Ato Adicional, ocorreram a Cabanagem no Paré (1835-1840), que hilo deve ser confundida com a Guerra dos Cabanos em Pernambuco, a Sabina- (na Bahia (1837-1838), a Balaiada no Maranhio (1838-1840) ea Farroupilha ho Rio Grande do Sul (1836-1845). Quando se sabe que muitas das antigas queixas das provincias se voltavam ‘ontra a centralizagao monérquica, pode parecer estranho 0 surgimento de luntas revoltas nesse periodo. Afinal de contas, a Regéncia procurava dar algu- §\ autonomia as Assembléias Provinciais e organizar a distribuicao de rendas #nlte o governo central e as provincias. Ocorre porém que, agindo nesse senti- tlo, 08 regentes acabaram incentivando as disputas entre elites regionais pelo tontrole das provincias cuja importancia crescia. Além disso, 0 governo perde- HW aura de legitimidade que bem ou mal tivera enquanto um imperador este- Ye no trono. Algumas indicagdes equivocadas para presidente de provincia fi- yeram o resto. A Cabanagem explodiu no Pard, regiao frouxamente ligada ao Rio de Janei- 10) A estrutura social nao tinha af a estabilidade de outras provincias, nem havia {Wn classe de proprietérios rurais bem estabelecida. Era um mundo de indios, Mestigos, trabalhadores escravos ou dependentes e de uma minoria branca for- Hcla por comerciantes portugueses e uns poucos ingleses e franceses. Essa mi- Hori se concentrava em Belém, uma pequena cidade de 12 mil habitantes. Por #hi excoava a modesta produgao de tabaco, cacau, borracha e arroz, Uma contenda entre grupos da elite local sobre a nomeagao do presidente th provincia abriu caminho para a rebeliao popular. Foi proclamada a indepen- Hldncia do Para, Uma tropa cuja base se compunha de negros, mesticos e indios Hlieou Belém e conquistou a cidade, apés varios dias de dura luta. A partir dafa feVolta se estendeu ao interior da provincia. Em meio a luta destacou-se na li- Heranga dos rebeldes Eduardo Angelim, um cearense de apenas 21 anos que HMjHara para o Pard aps uma grande seca ocorrida no Ceard em 1827. Angelim fehtou organizar um governo, colocando como seu secretério um padre — uma “tis poucas pessoas capazes de escrever fluentemente. OF Cabatios nlo chegaram a oferecer uma organizagdo alternativa ao Pad, “PHiieenLANdO-Ke NO Ataque AOS estrangelros, aos magons e na defesa da religido 90 KEY vistoria concisa Do BRASIL © BRASIL MONARQUICO (1822-1889) EEA 91 catélica, dos brasileiros, de Dom Pedro II, do Paré e da liberdade. Embora entrée os Cabanos existissem muitos escravos, a escravidao nao foi abolida. Uma in: As varias tendéncias existentes entre os “balaios” resultaram em desenten- ilinentos. Por sua vez, a agao das tropas do governo central foi rapida e eficaz. 1) rebeldes foram derrotados em meados de 1840. Seguiu-se a concessao de A rebelido foi vencida pelas tropas legalistas, depois do bloqueio da entra {Wii unistia, condicionada a reescravizagao dos negros rebeldes, Cosme foi en- do rio Amazonas e de uma série de longos e cruéis confrontos. Belém acabou jicado em 1842. No comando das tropas imperiais figurou um oficial com pre- sendo praticamente destrufda e a economia foi devastada. Calcula-se que 30 surrei¢ao de escravos foi mesmo reprimida por Angelim. ig Constante nos confrontos politicos e nas batalhas do Segundo Reinado: pessoas morreram, entre rebeldes ¢ legalistas, ou seja, cerca de 20% da popula- /\ Alves de Lima e Silva, que na ocasiao recebeu 0 titulo de bario de Caxias. gao estimada da provincia. (A mnilhares de quilometros do Norte e do Nordeste eclodiu em 1835, no Rio A Sabinada deriva da designacao de seu principal lider, Sabino Barroso, jor :yiinde do Sul, a Guerra dos Farrapos ou Farroupilhas. “Farrapos” ou “farrou- nalista e professor da Escola de Medicina. A Bahia vinha sendo cendrio de vé }\»"" sto expressdes sindnimas, significando maltrapilhos, gente vestida com rias revoltas urbanas desde a Independéncia, entre elas revoltas de escravos ou "pos. Os “farrapos” gatichos receberam de seus adversarios 0 apelido depre- com sua participagao. A Sabinada reuniu uma base ampla de apoio, incluindo livo, Mas a verdade é que, se suas tropas podiam ser “farroupilhas”, os di pessoas da classe média e do comércio de Salvador, em torno de idéias federa- ile pouco tinham disso, pois representavam a elite dos estancieiros, criado- listas e republicanas. tle gado da provincia, © movimento buscou um compromisso com relagao aos escravos, dividin= © Rio Grande do Sul era um caso especial entre as regides brasileiras desde do-os entre nacionais ¢ estrangeiros. Seriam libertados os cativos crioulos que # \emmpos da Colénia, Por sua posicao geogréfica, formagéo econdmica e vincu- # \oclais, os gatichos tinham muitas ligagdes com o mundo platino, em especial 1.0 Uruguai. Os chefes de grupos militarizados da fronteira— os caudilhos -, jv cram também criadores de gado, mantinham extensas relagdes naquele pais. }ossulam terras e se ligavam, pelo casamento, a muitas familias da elite. houvessem pegado em armas pela revolugao; os demais continuariam escravi zados. Os “sabinos” nao conseguiram penetrar no Recéncavo, onde os senthores! de engenho apoiaram o governo. Apés 0 cerco de Salvador por terra e mar, ag forcas governamentais recuperaram a cidade depois de uma luta corpo a corpo que resultou em cerca de 1800 mortos. A Balaiada maranhense comecou a partir de uma série de disputas entr Por outro lado, a economia rio-grandense, do ponto de vista da destinacao fel) produtos, estava tradicionalmente vinculada ao mercado interno. Era grupos da elite local. As rivalidades acabaram resultando em uma revolta po- centro de criagao de mulas que teve um importante papel no transporte de pular. Ela se concentrou no sul do Maranhao, junto a fronteira do Piaui, uma {idorias, no Centro-Sul do pais, antes da construgao das ferrovias. No pe- drea de pequenos produtores de algodao e criadores de gado. A frente do movi: Hilo de renascimento agricola das tiltimas décadas do século XVIII, colonos mento estiveram Raimundo Gomes, envolvido na politica local, e Francisco dos 10» dos Agores plantaram trigo, consumido sobretudo no Brasil. Quando se | | Independencia do pais, esse periodo de expansiio do trigo jé se encerrara, (ilo dy pragas ¢ A concorréncia americana. Anjos Ferreira, de cujo oficio ~ fazer e vender balaios — derivou 0 nome da re: volta. Ferreira aderiu a rebeliao para vingar a honra de uma filha, violentada por um capitao de policia. Paralelamente, surgiu um lider negro conhecido como Cosme ~ sem sobrenome pelo menos nos relatos histéricos — a frente de 3 mil escravos fugidos. Os “balaios” chegaram a ocupar Caxias, segunda cidade da provincia. De suas raras proclamagées por escrito constam vivas a religido catdlica, & Conse A erlagio de gado se generalizou, assim como a transformacao da carne {ni em charque (carne-seca). O charque era um produto vital, destinado ao HMO da populagio pobre e dos escravos do Sul e do Centro-Sul. Criadores ido © charqueadores formavam dois grupos separados. Os criadores esta- #itubelecidos na regido da Campanha, situada na fronteira com o Uruguai. tituigdo, a Dom Pedro II, a “santa causa da liberdade”, Temas de natureza social ¢hwrqueadores tinham suas industrias instaladas no litoral, nas areas das la- ou econdmica nado sio evocados, mas ¢ dificil Imaginar que Cosme e seus homens nio estivessem lutando por sua causa pesiodl de liberdade, fosse ela santa ou nio, ' ii) Onde Ke Concentravam cidades como Rio Grande e Pelotas. Criadores e jiiencdores de utilizavam de mao-de-obra escrava, além de trabalhadores i dependentes, oy EEX misrorta Concisa DO BRASIL As queixas do Rio Grande do Sul contra o governo central vinham de lon= ge. Os gatichos consideravam que, apesar da contribuigao da provincia para economia brasileira, ela era explorada por meio de um sistema de pesados im- postos. As reivindicagées de autonomia e mesmo de separagao eram antigas abrangiam muitas vezes tanto conservadores quanto liberais. ‘A Regéncia e 0 Ato Adicional nao vieram abrandar as queixas. As provin cias que nao podiam arcar com todas as suas despesas recebiam recursos do go: verno central, provenientes em parte de outras provincias. Isso acontecia ant do Ato Adicional e continuou a acontecer depois dele. O Rio Grande do St mandava seguidamente fundos para cobrir despesas de Santa Catarina e de ou: tras regides. Entretanto, a revolta nao unin todos os setores da populagao gaticha. Pre: parada por estancieiros da fronteira e algumas figuras da classe média das cida- des, obteve apoio principalmente nesses setores. Os charqueadores, que depen: diam do Rio de Janeiro — maior centro consumidor brasileiro de charque e di couros -, ficaram do lado do governo central. Além das queixas gerais j4 apontadas, os estancieiros tinham raz6es espect ficas de descontentamento. Pretendiam acabar com a taxagao de gado na fron’ teira com o Uruguai ou reduzi-la, estabelecendo a livre circulac&o dos rebanho} que possuiam nos dois paises. Além disso, como jé estavam organizados mili tarmente com seus pequenos exércitos particulares, baseados em uma chefia discutivel, consideravam uma novidade perigosa a criagao da Guarda Nacion com cargos cletivos de oficiais. Os Farrapos contaram com 0 concurso de alguns oficiais do Exército, che gados havia pouco ao Rio Grande do Sul. Em suas fileitas destacaram-se tam bém pelo menos duas dezenas de revolucionarios italianos refugiados no Bra- sil, sendo 0 mais célebre deles Giuseppe Garibaldi. A figura mais importante d movimento foi Bento Gongalves, filho de um rico estancieiro, com larga expe riéneia militar nas guerras da regido. Organizou lojas mag6nicas na fronteira ¢ usou o servigo postal dos magons como uma alternativa para sua correspony déncia secreta, A luta foi longa e baseada na agao da cayalaria, Garibaldi e Davi Canabarro) Jevaram a guerra ao norte da provincia, assumindo por uns tempos 0 control de Santa Catarina, Na regio gaticha dominada pelos rebeldes foi proclamad na cidade de Piratini, em 1838, a Republica de Piratial, euja presidéncia coubs a Bento Gongalyes, © BRASIL MONARQUICO (1822-1889) KE 93 A posigao do governo central foi entremeada de combates e concessdes aos jwbeldes, A lideranga dos Farrapos era constituida de gente de elite e a regio nde lutavam tinha para o Império grande importancia estratégica. Por exem- jlo, em principios de 1840 o governo cedeu a uma das principais exigéncias eco- HiOmicas dos “farrapos”, decretando uma taxa de importacao de 25% sobre a fiitne salgada vinda do Prata que concorria com a nacional. Um passo importante para pér fim ao conflito ocorreu quando, em 1842, Caxias foi nomeado presidente e comandante de armas da provincia. Ele com- Ninou habilmente uma politica de ataque militar e medidas de apaziguamento. inal, em 1845, apés acordos em separado com varios chefes rebeldes, Caxias Canubarro assinaram a paz. Nao era uma rendigao incondicional. Foi concedi- {{i) uma anistia geral aos revoltosos, os oficiais farroupilhas integraram-se, de ieordo com suas patentes, ao Exército brasileiro, e 0 governo imperial assumiu Wi dividas da Reptiblica de Piratini. Nao se pode afirmar com seguranga que os farrapos desejavam separar-se tl) Brasil, formando um novo pais com o Uruguai e as provincias do Prata. Seja {omo for, um ponto comum entre os rebeldes era o de fazer do Rio Grande do {iil pelo menos uma provincia auténoma, com rendas préprias, livre da centra- Iiyagto do poder imposta pelo Rio de Janeiro. \ revolugao farroupilha forcou o Brasil a realizar na regiao platina uma po- ijicn externa bem diferente da tradicional. Durante anos, o Brasil ficaria na con- {iiipencia de nao ter uma politica agressiva no Prata e de buscar acordos com Menos Aires para poder ocupar-se de uma revolucao em suas fronteiras. O fim tli Varroupilha reacendeu as pretensoes brasileiras de manter forte influéncia {i Uruguai e os temores de que um mesmo poder controlasse as duas margens ‘Mh blo da Prata, Esses temores cresciam na medida em que, a frente de Buenos je ¢ outras provincias argentinas, Juan Manuel de Rosas promovia uma ten- iva de consolidagao do poder. Uma coalizao anti-rosista se formou entre o Brasil, faccao dos “colorados”, {Hiilicionais aliados do Brasil no Uruguai, ¢ as provincias argentinas de Corrien- 1h ¢ Entre Rios, rebeladas contra Rosas. A presenga brasileira foi dominante na Wiet iniciada em 1851, quando Dom Pedro II jé assumira 0 trono. Cerca de Mil soldados brasileiros, recrutados principalmente no Rio Grande do Sul, iiiticlparam do conflito, Garantido 0 controle do Uruguai pelos “colorados”, {ropas rosistas foram derrotadas em territério argentino (Monte Caseros, fe- lvo de 1852), perenne aaa 94 KES HisTORIA CONCISA DO BRASIL ‘ © BRASIL MONARQUICO (1822-1889) KJ 95 eS _ Em cada capital de provincia havia agora um chefe de policia nomeado pelo endéncias politicas no centro ministro da Justica. Foram criados cargos de delegado ¢ subdelegado nas paré 0 cen y Justi aré- ¢ dois grandes partidos im- Quias e municipios. Eles assumiram muitas fungGes antes atribuidas aos ja : : : Juizes e F inclusive as de julgar pequenas causas criminais. Passava pois a policia, iguns casos, a ter atribuigdes nao s6 de investi ; ; estigar como de - as e aplicar penas. i mn O proceso de centralizacao politica e de reforgo da figura do imperador — Enquanto as rebelides agitavam 0 Brasil, as t dlirigente iam-se definindo. Apareciam em germe o periais — 0 conservador e o liberal. Os conservadore burocratas, uma parte dos proprietarios rurais, especialmente do Rio de Janei- ro,Bahia ¢ Pernambuco, ¢ os grandes comerciantes, entre os quais existiam mui- Os liberais agrupavam a pequena classe média urbana, alguns s reuniam magistrados ¢ tos portugueses. padres e proprietari lo, Minas Gerais ¢ Rio Grande do Sul. O sistema politico, porém, ainda nao se estabilizara. Nas eleigdes para a re géncia tinica, realizadas em abril de 1835, 0 padre Peijé derrotou seu principal competidor, Holanda Cavalcanti, proprietatio rural em Pernambuco. Pouco m setembro de 1837, Feijé renunciou. Sofrera pres mais de dois anos depois, ¢! sees do Congresso, sendo acusado de nfo empregar suficiente energia na repr sao aos Farrapos, entre cujos chefes estava um de seus primos. Nas eleigdes que se seguiram triunfou Pedro de Araijo Lima, futuro mar ques de Olinda, antigo presidente da Camara ¢ senhor de engenho em Pernam. buco. A vitéria de Aratijo Lima simbolizou o inicio do “regresso”. A palavra in dica a atuacao da corrente conservadora, politica e ao refor¢o da autoridade. Uma das primeiras leis nesse sentido con ‘uu em uma “interpretacao” do Ato ‘Adicional (maio de 1840), retirando day especialmente no que dizia respeito a no jos rurais de areas menos tradicionais, sobretudo de Sao Pau sidentes de provincia, aumentando-se as exigéncias de renda para assumi: i os postos. A hierarquia ficava estabelecida e se garantia o recrutamento dos = Guarda Nacional e Exército, existiria uma divisdo de fungdes. Ca- fia 4 Guarda Nacional a manutengao da ordem e a defesa dos grupos domi- tir as fronteiras manter a estabilidade geral do pats. tee desejosa de “tegressar” & centralizacio . co Embora os liberais se beneficiassem das medidas centralizadoras quando 4am no poder, nem tudo ocorreu tranqitilamente. Nos primeiros anos d: fda de 1840, o governo imperial carecia ainda de uma sélida base social de 0. ppevoltas liberais haviam eclodido em maio e junho de 1842, em duas icias pouco afetadas por rebelides — Sao Paulo e Minas Gerais —, esten- O»se ao Vale do Paraiba, na provincia do Rio de Janeiro. Os grandes ro E rurais se dividiram entre os dois campos em luta. No Rio de fee por um dss paradoxoscomuns pol, sts is spurte gree pr mam ea mas 0s liberais, que apressaram a ascensao de Dom Pedro a ilar a sonegagao de impostos ef ia oe ees gressionistas”, promoveram no Congresso a antecipagio di ile Ao tréfico de escra ee rifico de escravos. provincias varias de suas atribuigoes, meacio de fanciondrios pablicos. 2.2. 0 SEGUNDO REINADO nao foram os conservadorely 0 trono. Superadot pelas iniciativas “re maioridade do rei, por mais uma interpretagao arranjada do Ato Adicional. Aw sim, ainda adolescente, Me sanatderi ‘ nda adoles . A denominagao deriva de um jornal liberal - 0 Diario Novo - cuja sede Tho de 1840. rua da Pre fe a Praia, em Recife. O ano de 1848 nao foi os ee ee , Oa nao foi um ano qualquer, pois AS medidas de iced prosseguiram af u 5 Curso uma série de revoluges democraticas varreu a Europa. fe Sa stabelecido e 0 Cédigo de Proc sso Criminal modificado, em 1841, Todo @ Fespiravarse o que uM autor andnimo, adversario di 1 im ‘drt veetdanite , adversirio das revolugées, cha- cidrio voltow As mios do governo central, com) Wultos anos antes de “maligno vapor pernambucano”. © vapor eee tes perderan lmportinela em favor da polieliy Ha Lambe de critica soelal @ Lddias soelalintan, um ees) Rigas, 5 0 de critico Pedro II assumiu aos 14 anos o trono do Brasil, em ji foi aparelho administrativo e judi excegio dos juizes de paz, Mas es! al 6 KEY HISTORIA CONCISA DO BRASIL social contundente é AntOnio Pedro de Figueiredo, que nas paginas de sua revis- 1 como grandes males sociais ta O Progresso, publicada entre 1846 ¢ 1848, apontot da provincia a estrutura agraria, com a concentragao da terra nas maos de uns poucos proprictarios ¢ 0 monopdlio do comércio pelos estrangeiros. Idéias so- Jladas por gente tao diversa como Louis Vauthier, arquiteto cialistas foram veicul francés contratado pelo presidente da provincia para embelezar Recife, € 0 gene- ral Abreu e Lima, autor anos mais tarde de um pequeno livro intitulado O Socia- lismo. Nao se tratava do socialismo de Marx, pouco conhecido naquela altura Owen. mesmo na Europa, mas de Proudhon, Fourier ¢ cialista. Precedida por manifes- ‘A Praieira nao era porém uma revolugio so portugueses, das quais originaram-se varias mortes no Recife, no campo, senhores de engenho ligados 20 partido liberal. Sua do controle da provincia para os conservadores oO onde se destacava a figura do velho republicane favoravel ao federalismo, pela abo: portugueses € a nacionalizagao do por eles. Uma novidade ¢ a de mitidas algumas restriges, como idade minima de um minimo de renda. Cerca de ados. A luta, sob a forma de a0 tagdes contra os teve como base, razio de queixa era a perda nicleo urbano dos praieiros, Borges da Fonseca, sustentou um programa ligao do Poder Moderados, pela expulsio dos comércio a varejo, controlado em grande parte fesa do sufragio universal, a er votado, mas sem a exigéncia sendo porém derrot entretanto maiores problemas para votar € s 2.500 homens atacaram Recife, guerrilhas, prosseguiu até 1850, sem causar governo imperial. wee ‘A Praieira foi a ultima das rebelides provinciais. Ao mesmo tempo marcoul «6 fim do ciclo revoluciondrio em Pernambuco, que vinha desde a guerra contri os holandeses, com a integragéo da provincia & ordem imperial. Bem antes de eclodir a Praieira, as elites imperiais vinham procurando {or alizar as regras do jogo politico. O grande acordo, afinal alcangado, tinh como pontos basicos 0 reforgo da figura do imperador, com a restauragao «0 Poder Moderador e do Conselho de Estado e um conjunto de normas ritas, As tiltimas constituiam 0 ava, de uma forma delibe e”. Comegou confunde porém com o pif a Conall que se cham: e nao-escl a funcionar um s radamente vaga, “o espirito do regim 0 assemelhado ao parlamentar que nao se ntido proprio da expresso, Hin primero lugar, parlamentaristiy De acordo com seus govern Jamentarismo, no s tuigio de 1824 nao tinha nada de sitivos, o Poder Executive era cheflado dispar escritil) stema de 4 le Htabor rinelpai fe ‘aborai, um dos principais chefes do partido, tinha uma fa pelo Lmperndar wexercido por minintral (© BRASIL MONARQUICO (1822-1889) KEY 97 de Estado liv: re poe oe nomeados por ele, Durante o Primeiro Reinado ¢ a R pe , ee pratica parlamentarista. Ela foi se desenhando e. i: , de ums i i a oc ai peculiar e restrita, a partir de 1847. Naquele an = : criou a figura do presid : el lente do Con: ini indi = ‘onselho de Ministros, indicado pelo Esse persona; iti - ee ' ae a passou a formar o ministério, cujo conjunto col selho de Ministros ou Gabii ; a , abinete, enca id _— ! ; , encarregado do Poder Executivi oe ento do sistema presumia que, para manter-se no governo, o Fi i : : - ia merecer a confianga tanto da Camara quanto do Imperador. H : . Hou- -: : : — forcou a mudanga de composigao do Conselho de se oO i cos: Mas Nise detinha uma considerdvel soma de atribuicgdes ‘i eaneaae: ew loderador, distinguindo-se pois o sistema politico imperial mo mesmo na fase que vai d 5 le 1850 a 1889. O eo . © Imperador usava : ee : des Poder Moderador quando a Camara nao apoiava o Gabi referéncia. Nesse caso, col i , com base no Poder Mod i i loderador, dissolvia a Ca- me: oe © Conselho de Estado e convocava novas eleigdes. Como nas i : an governo era muito grande, o Imperador conseguia eleger um: a ; armonizava com o Gabinete por ele preferido. ‘ iy ‘aves cles: i , ee s mecanismo houve, em um perfodo de cinqiienta anos, a su: ine bat. i z ae be tes, com a média de um ano e trés meses de duracao. Na apa- pe icaria uma grande instabilidade. Mas, de fato, apesar das cri : pe x a > » crises, 0 P . : ed permitiu 0 rodizio dos dois principais partidos no governo. ivesse ica i : pane ivesse na oposicao, havia sempre a esperanca de ser chamad pone a it, O recurso as armas se tornou assim desnecessério, ill is clois grandes partidos imperiais ~ 0 Conservador e o Liberal uidos poe ins es fade de 1830. Afinal de contas, havia ae ais entre a sari : Te oregon atranan I cre uma ie ariuta so polities prambucann Holanda Cx Hi; nada se assemelha mais a um “saquarema” do que ponesa e o das alforrias. A ce de uma “brecha camponesa” é sustentada pelos autores, Ciro stacal importa ardoso a frente, que destacam a importancia do setor dedicado ao mercado no na economia brasileira colonial e do século XIX. A tese parte da consta- flo de que nas fazendas de cana e sobretudo de café os escravos tiv = é, café os es s tiveram per- silo de trabs mM quintais préximos a suas caban. equel tes alhar em quintais préximos a suas cabanas ou em pequenos lotes terra, produzindo géneros alimenticios para seu sustento e para vel 10 ag s nto e pi nda n cado. Essa perm: e teria generalizi it e erter em wi permissao se teria generalizado a ponto de se converter em um me. Desse modo, afirma-se que, ao produzir por conta prépria para o mer- > 5 Pp : mer: ) 0 escravo se tornou também um camponés, abrindo uma brecha no siste- w sis | escravista. A constatacao aponta ra o fat embora 0 escravo ainda para o fato de qi Ie, juridicamente uma coisa, acabav: nati relagdes sociais por ter , acabava na pratica das rela¢« pi is direitos derivados do costume. © problema da alforria é suscitado pela existéncia de um grande ntimero problei sus Pp isténci grande nt eravos libertos nas colénias es rasil, e1 mpara¢do com as a espanholas e no Brasil, paraci |, em compara¢ao ises inglesas e francesas. J4 tocamos no assunto ao tratar do Brasil colo- 4 0. d il especialmente com refers caso mine! e fato, apesar da precarie- feréncia ao mineiro. D Pp dos nuimeros, constatam m do p lo colonial, os libertos o , constatamos que, no fim s do periodo colonial, os lib Fepresentavam 42% da lag rigem africana paren mula- populagio de origem africar ( 0; a © 28% de pulagdo brasileira, en 0 OS escravos correspon, b \ al da populaga leira, enquant corresp 4 48% desse total, Segundo ox dados do recenseamento de 1872, libertos 126 KEY HISTORIA CONCISA DO BRASIL ou livres eram 73% da populagao de origem africana e 43% do total da popula- ao brasileira, sendo escravos 15% desse total. ‘As alforrias ocorriam quando o escravo ou um terceiro comprava sua liber- dade, ou quando o senhor decidia liberta-lo. O fato de que o maior numero de alforrias mediante pagamento tenha ocorrido nas cidades indica que nelas exis- tia maior possibilidade de 0 escravo juntar economias. ‘Uma explicagao facil para os atos de libertagao por iniciativa dos senhores seria que eram libertados apenas velhos e doentes, por razoes econdmicas. En- tretanto, alguns estudos poem em diivida essa hipotese. Por exemplo, uma pes- quisa abrangendo 7 mil libertos em Salvador entre 1684 ¢ 1785 revelou que a jdade média dos beneficiados era de apenas 15 anos. Isso nao quer dizer que se devam eliminar as consi 10 de alforrias. Os estudos existentes sugerem que, as em decadéncia, deragdes econdmicas en- tre as causas do grande mimer: na comparagio entre zonas de economia em expansao € zon: havia mais alforrias nestas do que nas primeiras. Mas as razoes afetivas podem ter pesado fortemente nos atos de libertagdo, pois na divisdo entre sexos cons tata-se uma nitida predominancia de mulheres. Assim, na cidade do Rio de Ja- neiro, entre 1807 e 1831, as mulheres constituiram 64% dos alforriados. Essa proporcao é bastante alta se considerarmos que a propor¢ao de homens na po pulagao escrava era bem superior a de mulheres. Por tiltimo, lembremos que os libertos nao tinham condicio idéntica populagao livre. Até 1865, a alforria mediante pagamento ou gratuita podia se! revogada pelo antigo senhor, alegando simplesmente ingratidao. Além disso, no papel ou na pratica, a libertacao, em muitos casos, era acompanhada de uma série de restrigdes, especialmente a de prestar servigos ao dono. A legislacao pow terior a 1870 incorporou alias esse costume, a0 determinar a liberdade de crian as e velhos sob condigao. Embora encontremos libertos em agoes rebeldes da populagdo negra, esi apro categoria ficou em uma posigao jntermedidria entre livres e escravos, ximando-se socialmente dos brancos pobres. As alforrias suavizaram assil 0 ‘Além disso, em certas condigdes de forte presenga da po rriados tiveram um papel importante de preserv: os libertos no século XIX anne s africanas @ ada choque racial direto. pulagao negra, os alfo munitaria. O caso mais tipico éo da Bahia, onde sténcia de uma comunidade que ago 60) combinou eulte guraram ae européias. © BRASIL MONARQUICO (1822-1889) KEY 127 2.8. O REPUBLICANISMO a Sane tivera curso es dois movimentos pela Independéncia, a es is d ty seal XVIII, associando-se a idéia de revolugao e de algum o a ae Alguns membros do movimento republicano, que Renee. io le Janeiro, herdaram essa concep¢ao. Homens como ‘ Ee ith signatério do manifesto republicano de 1870, e Silva Jardim — este eo ie coos 7 Impésio ~ eram defensores de uma revolugio popular ee ae a Republica. A grande maioria seguia a opiniao eens idario de uma transigdo pacifica de um regime para eo : ee a morte de Dom Pedro II. eee aneage ee era constituida principalmente por , grupo cuja emergéncia resultou do d - lento das cidades e da expansao do ensino, além dos mili os do Rio de anc asocinvam a Republica A moe representa pee 8 cidadaos, aos direit rantias indivi a Federacao, ao fim do regi- ‘Os e gat s individuais, G Bi: A novidade da década de 1870 foi o surgimento de um movi leano conservador nas provincias, tendo como maior expressao 0 tactile Hicano Paulista (PRP), fundado em 1873. Os quadros do PRP = 7 Baariomente er cafeeira. O ponto fundamental do venta consistia na defesa da Federagao, assegurando a i las. prpbora wie dos grandes iene do He aes : ie tentasse a idéia de uma monarquia federativa, os republicanos de s a meneeram-se de que o Império seria incompativel com a Federaca i hil coisas, a Federacdo significaria o controle pelas provincias da : ia i ria e de imigragao, assim como a descentralizacao das renda: ial Bspublicanismo paulista se diferenciava do existente no d i nlor énfase dada a idéia de Federagao, pelo menor interesse na i i Wes civis e politicas e pela forma de lidar com o problema da es i ae OF Acaso, tendo em vista sua composigao social, o PRP evitou ae i flare acerca da escravatura ou mesmo discutir o problema até emt Aboligio. As queixas dos republicanos paulistas contra o ce a ee outros pontos, A sub-representagio de ae satel NOs Grgios executivos, Havia também reclamagoes na aplicaca : Hovernamentais, Salientavaswe que Sio Paulo, a eicatten a - 128 KEY nisroriA CONCISA DO BRASIL expansio, contribuia cada vez mais para a receita do Império, sem receber be- neficios proporcionais. Apesar de muito ativo na propaganda e na edigao de jornais, o movimento republicano do Rio de Janeiro nao conseguitt organizar-se em partido politico. Os partidos republicanos com significagao até o fim do Império foram os de Sao Paulo ¢ Minas Gerais, especialmente o primeiro. Em 1884, aliado aos con- servadores na oposi¢ao, o PRP elegeu para a Camara dos Deputados Prudente de Moraes e Campos Sales, que seriam mais tarde os dois primeiros presidentes civis da Repiblica. Segundo estimativas de 1889, um quarto do eleitorado pau- lista (3 600 pessoas) ea republicano, ficando porém atras dos liberais (6600) ¢ dos conservadores (3900). ee Na década de 1870, as relagGes entre o Estado e a Igreja se tornaram tensas. ‘A uniao entre “o trono eo altar”, prevista na Constituigao de 1824, representava em si mesma uma fonte potencial de conflito. Se a religiao catélica era oficial, a propria Constituigao reservava ao Estado 0 direito de conceder ou negar vali dade a decretos eclesidsticos, desde que nao se opusessem a Constituigao. O conflito teve origem nas novas diretrizes do Vaticano, a partir de 1848, no pontificado de Pio IX.O pontifice condenou “as liberdades modernas” e tra tou de afirmar o predominio espiritual da Igreja no mundo. Em 1870, o pode! do papa foi reforgado quando um Concilio Vaticano proclamou 0 dogma de sus infalibilidade. Essa postura da Igreja teve repercussoes em varios paises. No} tados Unidos, por exemplo, ela coincidiu com 0 ingresso de um grande nimera de imigrantes catélicos irlandeses. Temia-se nos circulos dirigentes protestantes que os Estados Unidos se convertessem em um pais catdlico. No Brasil, a politi ca do Vaticano incentivou uma atitude mais rigida dos padres em matéria de disciplina religiosa e uma afirmacao de autonomia perante 0 Estado. O conflito nasceu quando o bispo de Olinda, Dom Vital, em obediéncia determinacéo do papa, decidiu proibir o ingresso de macons nas irmanda(le religiosas. Apesar de numericamente pequena, a magonaria tinha influéncia n0§ circulos dirigentes, O visconde de Rio Branco, que presidia entao o Conselhit de Ministros, eta macom. A partir dos desentendimentos, Dom Vital, tratadid “funcionario rebelde’, foi preso e condenado, ocorrendo depois a prisio & arranlil ja dow como a condenagao de outro bispo. A tempestade s6 amainou gragas a um (1874-1875) que resultou na substituigao do gabinete Rio Branco, na anis bispos e na suspensito pelo papa das proibigdes aplicaclay aos magons. © BRASIL MONARQUICO (1822-1889) KEY 129 eee __ A participagao de oficiais do Exército no governo foi significativa até a ab- dicagao de Dem Pedro I. A partir dai ocorreu um decréscimo cada vez maior Bessa participa¢ao. A presenga da tropa nas agitacdes populares apés a Indepen- dencia contribuiu para que a institui¢ao fosse olhada com desconfianga. Os li- berais do periodo regencial, com Feij6 a frente, reduziram os efetivos militares @criaram a Guarda Nacional. Argumentava-se que um grande exército perma- mente levaria ao surgimento de pequenos Bonapartes, como ja acontecia na Ar- entina e no México, A Marinha, pelo contrario, recebeu muitas atengdes, sendo vista como uma jorporacao nobre, até porque havia incorporado oficiais ingleses nos primeiros 10s apés a Independéncia. Apesar dessa desigualdade de tratamento, 0 quadro de oficiais do Exército caracteristicas de elite até 1850. Essa composi¢ao social mudou bastante nas jcadas seguintes, A baixa remuneragao, as mas condigses de vida e a lentidao promogées tendiam a desencorajar os filhos das grandes familias a dedicar- A carreira militar. Cresceu o numero de filhos de militares ou de burocratas }0 aspirantes ao oficialato. Do ponto de vista regional, a maioria dos novos oficiais provinha de muni- Hos do interior do Nordeste e do Rio Grande do Sul. Em geral, os do Nordes- ‘am originarios de familias tradicionais em declinio que nao podiam pagar tudo de seus filhos. No Rio Grande do Sul, regiao de fronteira onde se con- ‘avam contingentes militares, a carreira no Exército se apresentava como ivamente prestigiosa. Uma indicagao disso é o fato de que, em 1853, 0 go- criou naquela provincia uma Academia Militar para oficiais de infantaria ailaria. mudanga de composigao social do Exército contribuiu para afastar os ofi- elite politica do Império, especialmente dos bacharéis formados pelas lades de direito. Os “legistas’, como eram chamados na visio a Jam a cultura inutil, a corrupgao eleitoral e impediam com sua teia de leis lamentos o desenvolvimento do pais. a de 1850, em um periodo de prosperidade, o governo tomou al- para reformar o Exército, Uma lei de setembro daquele ano MOU A estrutura do corpo de oficiais, atribuindo aos portadores de di- Hi Academia Militar privilégios em relagao aos que nao o possutssem, jeelal nos ramos téenicos da corporagio, A Academia Militar, existente ah ‘desde 1810, abrangia un curriculo de engenharia civil, combinado com 130 KEY nistor1a CONCISA DO BRASIL outro de ensino militar estrito, Em 1858, 0 ministro da Guerra separou o curso de engenharia do curso militar, transferido para a Praia Vermelha, onde perma neceu até 1904, Antes da Guerra do Paraguai j4 haviam surgido, entre os oficiais, criticas contra o governo do Império. Essas criticas se referiam tanto a questées especi ficas da corporacao, como o critério de promogoes, 0 direito de casar-se sem pedir consentimento ao ministro da Guerra, quanto a outras mais gerais, refe rentes a vida do pais. Os jovens militares defendiam a énfase na educagao, ni industria, a constru¢ao de estradas de ferro e o fim da escravatura. Com a reorganizagao da Academia Militar e apés a guerra, o Exército se re forsou como corporasao. Ao intervir na drea politica, muitos oficiais passaram a se expressar como militares, e nao como militares que eram também politi cos. Os exemplos mais notaveis, marcando as diferencas entre duas geracdes, silo os de Caxias e Floriano, Caxias era sem diivida uma figura de grande prestigio no Exército, mas era também um dos lideres do Partido Conservador, a ponto de chegar jé antes da Guerra do Paraguai a presidéncia do Conselho de Minis tros. Floriano, apesar de suas conexdes com a ctipula do Partido Liberal, que 0 ajudaram a progredir na carreira, falava como militar e como cidadao. Sua leal dade basica se localizava no Exército. A Escola Militar da Praia Vermelha, pensada na origem como institui¢ao de ensino militar, converteu-se na pratica em um centro de estudos de matemili a, filosofia ¢ letras. Foi no seu ambiente que os ataques ao governo passaram ter como alvo o préprio regime mondrquico. Ganhava terreno a idéia da Repti blica. Para isso foi muito importante a influéncia do positivismo, que teve cres cente aceitagaéo depois de 1872, quando Benjamin Constant se tornou professor da Escola. A doutrina comtiana teve ampla influéncia na América Latina, em paisel como 0 México, o Chile, a Argentina e o Brasil, parecendo dar uma resposta cl entifica e dentro da ordem aos impasses politicos e sociais a que conduziri 0 liberalismo oligdrquico. Ao valorizar as inovagoes técnicas e a industria, atralil particularmente as elites emergentes que criticavam 0 conhecimento formal doy bacharéis em direito. No caso brasileiro, o positivismo continha uma formula de modernizagila conservadora, centrada na acao do Estado e na neutralizagao dos politicos tra dicionais, que teve forte ressonancia nos meios militares. Nesses meios, sua it) fluéncia raramente se deu pela aceitagio ortodoxa dos prinefpios, Em geral oy oficiais do Exército absorveram ox aypeetow Mais Afinados com suas pereepyoes, © BRASIL MONARQUICO (1822-1889) KEY 131 ditadura republicana assumiu a forma da defesa de um Executivo forte e in- nvencionista, capaz de modernizar 0 pafs, ou simplesmente da ditadura militar. x4 Afora a abolicao da escravatura, uma das medidas mais importantes do pério na década de 1880 foi a aprovacao de uma reforma eleitoral conhecida mo Lei Saraiva, em janeiro de 1881. A reforma eleitoral estabeleceu 0 voto ireto para as elei¢des legislativas, acabando assim com a distingao restritiva Itre votantes ¢ eleitores. Manteve-se a exigéncia de um nivel minimo de renda © censo econdmico ~ e introduziu-se, a partir de 1882, o censo literario, isto 6, Yoto restrito aos alfabetizados. O direito ao voto foi estendido aos nao-catéli- ) aos brasileiros naturalizados e aos libertos. _ Justificada como instrumento de moralizagao das eleigdes e de ampliagao cidadania, a Lei Saraiva comegou a ser aplicada com éxito nas eleigdes de 181. As unanimidades pareciam ter acabado, pois o Partido Conservador, em- fa ficasse em minoria, elegeu uma expressiva bancada de 47 deputados. Nos seguintes, porém, voltaram os velhos vicios, as fraudes e pressdes sobre os itores. A esperanca de alcangar a “verdade eleitoral”, desejada nos meios ur- 10s ¢ letrados do Império, acabou assim se apagando. Ao mesmo tempo, de- iS notar que, ao proibir 0 voto do analfabeto, em um pats de analfabetos, a Saraiva reduziu drasticamente 0 corpo eleitoral. Por exemplo, nas eleicoes 1872 os votantes representavam 10,8% da populagao do pats. A Pporcenta- caiu para 0,8% nas eleigdes de 1886. A partir de 1883, surgiram varios desentendimentos entre 0 governo, de- dos ¢ oficiais do Exército. Um dos mais expressivos atritos ocorreu quando, 1884, 0 tenente-coronel Sena Madureira, oficial de prestigio e amigo do Im- jador, convidou um dos jangadeiros que havia participado da luta pela liber- dos escravos no Ceara a visitar a escola de tiro do Rio de Janeiro, da qual Comandante, Transferido para o Rio Grande do Sul, Sena Madureira publi- no jornal republicano A Federagao um artigo narrando 0 episédio do Ceara. ‘Ao laclo do caso Sena Madureira havia outros, gerando polémicas, nos jor- | O ministro de Guerra assinou entio uma ordem proibindo os militares de Aitir pela imprensa quest6es politicas ou da corporagao. Of oficiais sediados no Rio Grande do Sul realizaram uma grande reuniao Porto Alegre, protestando contra a proibigio do ministro, Deodoro da Fon- 132 HISTORIA CONCISA DO BRASIL do Rio Grande do Sul, recusou-se a punir os ‘Afinal surgiu uma formula conciliaté- jogada ¢ 0 gabinete censurado pelo seca, na presidéncia da provincia oficiais e foi chamado ao Rio de Janeiro. ria, favordvel aos militares. A proibigao foi rev Congresso. ‘Aessa altura (junho de 1887 associacdo permanente para defe' sidente, No mesmo més de funda da Guerra que 0 Exército nao fosse mais obrigas ecusa do ministro em atender a0 pedido. paganda republicana cresciam quando, em ju- 0 visconde de Ouro Preto ~ mas ), os oficiais organizaram o Clube Militar como nnder seus interesses, sendo Deodoro eleito pre- a0 do clube, Deodoro solicitou ao ministro do a cagar escravos fugidos. Isso aconteceu na pratica, apesar da r ‘A insatisfagdo militar e a proy nho de 1889, o Imperador convidou um liberal — para formar um novo gabinete. Ouro Preto propds uma série de reformas, contribuiu para acender os animos ao nomear, para a presidéncia do Rio Gran de do Sul, um inimigo pessoal de Deodoro. Contatos entre alguns lideres republicanos paulistas ¢ gatichos e os milita res, visando derrubar a Monarquia, vinham acontecendo esporadicamente des de 1887. A 11 de novembro de 1889, figuras civis € militares, como Rui Barbosa, Aristides Lobo e Quintino Bocaitiva, reuniram-se com 0 0 de convencé-lo a liderar um movimento contra 0 s espalhados pelos jovens militares, falando da pri sao de Deodoro, da reduio dos efetivos ou mesmo da extingao do Exército, le you Deodoro a decidir-se pelo menos no sentido de derrubar Ouro Preto. Nas primeiras horas da manha de 15 de novembro de 1889, assumit 0 co’ para o Ministério da Guerra, onde se encontravaiit mando da tropa e marchou 9s lideres monarquistas. Seguiu-se um episédio confuso, para © qual existem verses diversas, nao se sabendo ao certo se naquele dia Deodoro proclamou it Repiiblica ou apenas considerou derrubado o Ministério. Seja como for, no dil seguinte a queda da Monarquia estava consumada. Alguns dias mais tarde, a {i milia real partia para o exilio. Benjamin Constant, marechal Deodoro, tratands regime. Uma série de boato 2.9. A QUEDA DA MONARQUIA O fim do regime monérquico resultou de é identico, Duas forgas, de caracteristicas muito diversas, leven o Exéreito e um setor no PRP, O epladdio de n ser em primeiro lugar: Sao Paulo, organizado politicamente nasceu da iniciativa quase exclusiva do Hxdreltay uma série de fatores cujo peso Nit altadal expresaivo da burguesia cafecira dé 15 de novembrt que dew um pequeno mas de © BRASIL MONARQUICO (1822-1889) EX 133 Brive cexpanto para apressar a queda da Monarquia. Por outro lado, a burgue- Be cafeeira permitiria & Republica contar com uma base social estavel, que nem o Exército nem a populagio urbana do Ri i i j io de Janeiro podiam por si proporcionar. il 2 , Ee ainda fatores humanos a considerar. A doenga do Imperador, atacado fb . . 3 F jiabetes, Urou do centro das disputas um importante elemento estabilizador. = seu prestigio pessoal e o derivado do trono, Pedro II servia de amortece- a das uae militares. Sua auséncia colocou os oficiais do Exército em con- onto direto com a elite imperial, a quem faziam muitas restrig6es. A elite, por sua vez, nao abriu mao de sua crenca no predominio da autoridade civil, reve- lada, entre tantos exemplos, na nomeagao de civis para 0 Ministério da Guae momentos em que a prudéncia nao recomendava esse procedimento. ; oe problema consistia na falta de uma perspectiva animadora a um peciro Reinado. Por morte de Dom Pedro, subiria ao trono a os isabel a conde d’Eu — era francés e uma personalidade, no minimo, Foi comum, no passado, atribuir papel importante na queda da Monarquia dois outros fatores: a disputa entre a Igreja e o Estado e a Abolicado. O primei- deles contribuiu em alguma medida para o desgaste do regime, itias = peso io a a exagerado. A queda da Monarquia restringiu-se a uma disputa en- elites divergentes, e nem entre os monarquistas nem entre os republicanos a ja postia forte influéncia. Pelo contrario, os positivistas, ortodoxos ou nao, inciavam-se dela. ‘ Quanto a Abolicao, as iniciativas do Imperador no sentido de extinguir gra- mente ° sistema escravista provocaram fortes ressentimentos entre pro- Barios rurais, endo sé entre eles. Os fazendeiros de café do Vale do Paraiba ludiram-se do Império, de quem esperavam uma atitude de defesa de seus esses. Com isso, o regime perdeu sua principal base social de apoio. Mas 0 dio em si da Abolicao nao teve maior significado no fim do regime Os es Bomiinenses; tinicos adversarios frontais da medida, tinham-se tornado ressivos, em 1888, como fora social. 2.10, ECONOMIA E DEMOGRAFIA. No periodo que estamos considerando, reali: eaMentos yi da populagio, em 1872 © 1890, Admitidos todos os seus 10H, OF CeNsON CoMmegaraN A apredentar HiMeros Mais confidveis do que os aranv-se os dois primeiros re- 134 KEY nisroriA CONCISA DO BRASIL até entdo existentes. De uma populacao calculada em torno de 4,6 milhdes de pessoas, incluindo-se 800 mil indios em 1819, chegou-se a 9,9 milhdes em 1872 ea 14,3 milhdes em 1890. Segundo os dados de 1872, Minas Gerais continuava a ser a provincia mais povoada, com aproximadamente 2,1 milhdes de habitan- tes, vindo a seguir a Bahia com 1,38 milhao. Pernambuco e Sao Paulo tinham populacées muito semelhantes, em torno de 840 mil pessoas. As alteragdes mais relevantes eram a ascensio de Sao Paulo ea queda da provincia do Rio de Janei- ro, que passou do segundo para o quinto lugar. Do ponto de vista racial, os mulatos perfaziam cerca de 42% da populacio, os brancos 38% e os negros 20%. Cresceu assim a proporgao de brancos, esti- mada em menos de 30% em 1819. Isso se liga ao ingresso de imigrantes. Pouco mais de 300 mil entraram no pais entre 1846 e 1875, em uma média de 10 mil por ano, metade dos quais era constituida de portugueses. Os primeiros dados gerais sobre instrugao mostram as enormes caréncias nessa area. Em 1872, entre os escravos, 0 indice de analfabetos atingia 99,9% e entre a populacdo livre aproximadamente 80%, subindo para mais de 86% quando consideramos s6 as mulheres. Mesmo descontando-se 0 fato de que os percentuais se referem a populagao total, sem excluir criancas nos primei- ros anos de vida, eles so bastante elevados. Apurou-se ainda que somente 17% da populagao entre 6 ¢ 15 anos freqiientava escolas. Havia apenas 12 mil alu- nos matriculados em colégios secundarios. Entretanto, calcula-se que chegava a8 mil o mimero de pessoas com educagao superior no pais. Um abismo separava pois a elite letrada da grande massa de analfabetos ¢ gente com educacdo rudimentar. Escolas de cirurgia e outros ramos da medici na surgiram na Bahia e no Rio de Janeiro por ocasiao da vinda de Dom Joao VI. Essas escolas, assim como a de engenharia, estavam vinculadas em sua origem a instituig6es militares. Do ponto de vista da formagao da elite, 0 passo mais im portante foi a fundagao das faculdades de direito de Sao Paulo (1827) ¢ de Olin- da/Recife (1828). Delas sairam os bacharéis que, como magistrados e advoga- dos, formaram o micleo dos quadros politicos do Império. © Brasil continuava a ser um pats essencialmente agricola. Considerando se as pessoas em atividade em 1872, 80% se dedicavam ao setor agricola, 13% aos servi¢os e 7% a indiistria. Observemos que na categoria “servigos” mais da metade se refere a empregados domésticos. Vé-se como ainda era incipiente a industria, tanto mais que nesse item esta inclufda a mineragio, O Rio de Janeiro, com seus 522 mil habitantes em 1890, constitufa o tinico centro urbano, A capital do Lmpérlo eoneentiiva a vida politica, as di grande © BRASIL MONARQUICO (1822-1889) KEX 135 versdes e um grande ntimero de investimentos em transportes, iluminagiio, em- belezamento da cidade. Vinham a seguir Salvador, Recife, Belém e sé entao Sao Paulo, com modestos 65 mil habitantes. Mas a cidade, que se convertia no cen- tro dos negécios cafeeiros e atraia cada vez mais imigrantes, comecara uma ar- rancada de longo alcance, crescendo a uma taxa geométrica anual de 3% entre 1872 e 1866 e de 8% entre 1886 e 1890. Por volta de 1870, consolidou-se a tendéncia de desenvolvimento econémi- co do Centro-Sul e de declinio do Nordeste. Isso, em grande medida, resultou dos estimulos diversos provenientes do exterior para a produgio agricola. Nos paises consumidores de café, o numero de habitantes e sua renda aumentaram enormemente. A populacao dos Estados Unidos - maior pais consumidor — quase triplicou entre 1850 e 1900 e o habito de tomar café se ampliou. Esse fato, ao lado de outras circunstancias, permitiu aos produtores absorver as flutuagdes de preco, ou seja, dada a expansao da demanda, foi possivel enfrentar eventuais erdas nos periodos em que o preco do café caia no mercado internacional. A principal atividade econémica do Nordeste nao teve o mesmo destino do afé, embora continuasse a ser relevante. O aticar manteve o segundo lugar na jauta das exportagoes brasileiras aps ser superado pelo café, com excecio do odo 1861-1870, em que foi ultrapassado pelo algodao. Mas a situacao do agticar brasileiro no mercado mundial nao era facil. O duto tinha dois fortes concorrentes: 0 agticar extraido da beterraba, que em weados do século XIX passou a ser produzido em larga escala na Alemanha, eo Weniente do Caribe, ai se destacando Cuba. Ao contrério do Brasil, a ilha en- tava dificuldades de mao-de-obra. Entretanto, a fertilidade das terras e os itais disponiveis — espanhdis e depois norte-americanos — deram a Cuba uma igiio de lideranga nao sé na produgo como na modernizacao da industria icareira. Outro fator a ser lembrado é a maior proximidade de Cuba dos cen- § consumidores. Em torno de 1860, 70% dos engenhos cubanos usavam ma- {4s a Vapor, em comparacao com apenas 2% dos engenhos pernambucanos. No Nordeste brasileiro, os esforgos de modernizagao, com auxilio governa- ital, foram lentos e os resultados bem mais restritos. Nao é assim de se sur- inder que, em torno de 1875, a participacao do Brasil no mercado mundial Aicar, tradicionalmente de 10%, cafsse para 5%. O cultivo de algodao e Nordeste, concentrando-se em Pernambuco, no Maranhao, em Alagoas e na ba, Bra produzido por pequenos e médios lavradore tiras de alimentos para a propria subsisténela ea venda nos mercados locais, se desde a Col6nia pelas provincias do Norte e em combinagiio com 136 KEY stort CONCISA DO BRASIL Desde 0 inicio do século XIX, a concorréncia do algodao americano come- cou a desbancar a producio brasileira no principal mercado importador, a in- diistria téxtil inglesa. A guerra civil nos Estados Unidos, entre 1861 ¢ 1865, deu um stibito alento as exportag6es brasileiras, a ponto de o algodao figurar em segundo lugar na pauta das exportagdes no decénio 1861-1870. Mas esta foi uma situagao efémera ¢ logo se seguiu 0 declinio. O impulso posterior da pro- dugao algodoeira estaria vinculado ao mercado interno, com a expansao das industrias téxteis no pais. Na regiao amazénica a extragao da borracha comegou a ganhar importan- cia, atraindo a esparsa populacao local e os trabalhadores dispontveis do Nor deste, A demanda mundial pelo produto surgiu a partir de 1839, quando Char- les Goodyear aperfeigoou o processo de vulcanizagao. Gragas a ele, a borracha se tornou resistente ao calor e ao frio, sendo utilizada, a principio, em produtos diversos como correias, mangueiras, sapatos, capas de chuva. ‘Até 1850, as exportagoes brasileiras eram insignificantes. Elas cresceram a0 longo dos anos, figurando na década de 1880 em terceiro lugar, com 89% do va lor das exportacées, porcentagem muito proxima a do agticar (10%). A grande expansao — 0 boom da borracha ~ comega nessa época. Nao s6 as exportagoes aumentaram como ocorreu a formacao de um polo econdmico regional. Até ai, os negécios se concentravam nas maos de um pequeno grupo de intermedia. rios portugueses e de algumas casas exportadoras estrangeiras. Com a expan sao surgiu uma rede bancéria, cresceu o nimero de intermediarios e de casi importadoras de bens de consumo, dai resultando o crescimento de Belém ¢ Manaus, $6 a sorte do trabalhador e do pequeno seringueiro nao melhorou, Apesar de os Estados Unidos serem o principal pais importador do cal brasileiro, a Inglaterra até a década de 1870 figurou em primeiro lugar enti 05 paises de destino das mercadorias exportadas pelo Brasil. Entre 1870 ¢ 1874) correspondeu a Inglaterra quase 40% do valor das exportagdes brasileira, vind a seguir os Estados Unidos, com 29%. Tomando-se os mesmos anos como It feréncia, verificamos que 0 Brasil importava bens predominantemente da Ii glaterra (53% do valor total), situando-se a Franga em um distante seguniil lugar (12%). ‘Assim como ocorrera na Colénia, nem toda a produgio do pais se destiny s dreas dedicaram-se A criagio de gado e outros animall s, tanto para subsisténela propria quanto para vendi tl anc om va a exportagao. Vari a produgao de aliment mercado interno, Duas delas se destacaram nense aipector Minas C do pais, especialmente o Rio Grande do Suk © BRASIL MONARQUICO (1822-1889) 137 . O territ6rio mineiro se dividia em varias regides muito diversas e fracamen- te integradas por vias de comunicagao deficientes. A Zona da Mata produzi ee e estava ligada ao Rio de Janeiro. O Vale do Sao Francisco era ume en rl criagao de gado que tinha relagoes mais estreitas com a Bahia e a do po come da provincia. O sul da provincia ligava-se a S40 Paulo e & capi- Apesar do crescimento da produgao cafeeira, exportada pelo Rio de Janei to, Minas Gerais nao se vinculava predominantemente ao mercado extern 7 _ base de sua economia consistia na criagao de animais e no cultivo de a Bo que parece, grande parte de alimentos vegetais, como 0 milho, o feijio : 4 de mel era consumida na propria provincia, enquanto nd porcos e seus derivados r i i ‘ ehe epresentavam 0 item mais importante das exportagées Até a Abolicao, Minas Gerais foi a provincia com maior populagao do pai © maior ntimero de escravos, embora proporcionalmente a provincia ‘Ris Janeivo a superasse em ntimero de cativos. A expansao do café absorveu um ‘ande paUITieTO de escravos, mas a maior concentragio ficou ainda nas regié: esfeciras de Minas. Manteye-se assim uma caracteristi que vinha i ee a, OU seja, a combinagao de relagdes escravistas com uma economia voltad: icipalmente para o mercado interno. ‘ No Sul do pais, a produgao para esse mercado liga-se ao setor tradicional tiadores de gado e ao ingresso de imigrantes. A atracao de imigrantes nas ai mais cedo do que em Sao Paulo e teve caracteristicas bem diferentes. En- to em Sio Paulo tinha por objetivo fornecer trabalhadores para a pas = ee ela esteve ligada aos planos de colonizagao baseados na pequena co pates da Independéncia, José Bonifacio e Dom Pedro, por razdes ndmicas e militares, realizaram os primeiros esforgos a fim de atrair W alemaes para o Sul, especialmente Santa Catarina e Rio Grande do Sul. lonifiicio esperava incentivar a formacao no Brasil de uma classe média run a to de Porto Alegre, surgiu a colénia mais bem-sucedida de todas —a = lem de Sito Leopoldo (1824). A colonizagao alema se estendeu pelo nor- Santa Catarina, onde surgiram as colénias de Blumenau (1850), Brus- ona Francisca, atual Joinville. i. 'Imigrantes dedicaramsse A eriagiio de porcos, galinhas, vacas leiteiras, Verduras ¢ frutas até entio inexistentes no Brasil, Saino a shagh Tive. bd um papel importante na inatalagio de oficinay e Seid aesnigt iss KEY risroria concisa Do BRASH. tos industriais. Surgiram assim, a principio modestamente, a industria de bi nha, de laticinios, de conserva de carne, de cerveja e outras bebidas. Gragas sobretudo ao fluxo para o Sul, os alemaes figuraram em segundo lu gar na imigragao de estrangeiros para o Brasil entre 1846 e 1875. Entretanto, desde 1860 o fluxo comecou a diminuir. Isso se deveu a uma série de razos, entre elas as mds condi¢6es de tratamento dos colonos, especialmente dos sui gos e alemaes engajados na experiéncia de parceria do senador Vergueiro, ei) Sao Paulo. Em 1871, o Império alemao unificado suspendeu o apoio a imigra 40 para o Brasil. Os dados referentes ao Rio Grande do Sul mostram a diferen ¢a entre duas épocas: os alemaes representaram em torno de 93% dos imigran tes recebidos de 1824 a 1870 e apenas 15% dos que entraram entre 1889 € 1914, Depois de 1870, o governo imperial incentivou a vinda de colonos italianoy para 0 Rio Grande do Sul. Pequenos cultivadores procedentes em sua maioria do Tirol, do Véneto e da Lombardia estabeleceram uma série de colénias, diy) quais a de Caxias foi a mais importante. A atividade econémica dos italianos, além de seguir alguns caminhos semelhantes ao dos alemaes, especializou-se no cultivo da uva e na producao de vinho. Entre 1882 e 1889, em um total de 4| mil imigrantes que ingressaram no Rio Grande do Sul, 34 mil eram italianos, A tnica semelhanca entre a economia dos imigrantes e a dos criadores dé gado residia no fato de que ambos produziam para o mercado interno. No mail tudo era diferente, desde a época de ocupacao da terra até a estrutura da pro priedade. Os estancieiros concentravam-se e ainda hoje se concentram na Cam panha gaticha e em territério uruguaio, sendo proprietarios de grandes exten sdes de terra. Do gado utilizavam o couro processado nos curtumes e, ei) especial, a carne. A carne era consumida localmente ou transformada ei) charque nas charqueadoras estabelecidas na regiao do litoral. O charque se dev tinava a alimentar a populacao pobre e escrava do Centro-Sul. Os charqueadores gatichos produziam assim essencialmente para o mercado inter no. Sua constante dor de cabega nascia da concorréncia da carne platina, capay de competir em melhores condigdes no préprio mercado brasileiro. A escassa integracao territorial e econémica do pais que vinha dos tempos da Colénia persistiu no Brasil independente, apesar do relativo avango dos transportes. Tal como sucedera na Coldni: zada estava muito presente nas regi Jores @ a administragao imperial centrall ma pro 4 Corte e em algumas capitals de provincia, esfarelando-se nas dreas mais distantes. Mesmo no dmbito de cad provincia havia regides diversas ¢ dispersas, A Republica assumiu na sua orga nizagho politica essa marca regional que esteve na base do regime federativo,

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