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A Histon pensaon SOBRE A TAREFA DO HISTORIADOR (1821) A tarefa do historiador consiste na exposicéo” do acontecimento.~ ‘Tanto maior serd seu sucesso quanto mais pura e completa possivel for esta exposigéo, Esta éa primeira ¢ inevitavel exigéncia de seu oficio, ¢, simulta- neamente, 0 que ele pode pretender de mais elevado. Visto por esse lado, 0 hiscoriador se mostra receptivo e reprodutor, jamais autonome ¢ criativo. No mundo dos sentidos, porém, 0 acontecimento s6 é visivel par- cialmente, precisando o restante ser intuido, concluido ¢ deduzido. O que surge desse mundo se encontra disperso, isolado ¢ estilhagado, per- manecendo alheio ao horizonte da observagao imediata o elemento que articula esses fragmentos, que pée o particular sob sua verdadeira luz ¢ que dé ao todo a sua forma, A observagao imediata s6 capta a concomitancia ¢ asequéncia das citcunstincias, jamais o contexto causal interno no qual exclusivamente se encontra a verdade essencial [inere Wahrheit). Quan- do se tenta esclarecer o fato mais insignificante, mas limita-se somente a dizer 0 que realmente aconteceu, logo se percebe que, sem um cuidado extremo na escolha ¢ na medida das expressdes, tornam-se inevitdveis os erros ¢ as imprecisées, porquanto pequenos fatores acabam se mesclando i jinal encontra-se a palavra Dansellung, que poderia ser traduzida como “aptesen- tacio”, ou ainda mesmo “representagio”. Embora a segunda pareca ser uma interessance alter- nnativa, la foi reservada para tim momento posterior do texto, em que servird de tradugio para Vorstellung, A craduco para o inglés opta pela literalidade (preren), mas preferi seguir a escalha dda traducao de Disselkamp e Laks, que adocaram a ideia de “exposicio” N.T: Prelego daca em 12 de abril de 1821. Tieulo original: “Uber die Aulgabe des Geschichts- schreibers”, em Wilhelm von Humboldt, Werke in finf Biinden, (org.) Andreas Filmer Klaus Giel, Seanngart, |. G. Cottasche Buchhandlung, pp. 585-605, : Schriften zur Anthropologie und Geschichte. Para cotejo, foram utilizadas tradugées do inglés e do francés, a saber: “On the Historian's Task’, publicado no niimezo expecial de 1967 da prestigiosa revista. Hittory aad Theory, denominado “Classics in the Pailosophy of History”, ¢ “La tiche de Vhistorien’, em G. de Humbolds, Considerations sur 1 histoire mondiale 1 Considérations sur lex causes motrices dans Uistarie mondiale | La tdche de Ubisorien, rad. Annette Dissetkamps ¢ André Laks, Lille, Pres- ses Universitaires de Lille, 1985. Esta tradugio foi originalmence publicada na revista Anima: Hisséria, Teoria ¢ Culsura, Rio de Janeiro, Editora da vc-Rio/Cutitiba: Casa da Imagem, ano 1, 1.2, 2001, pp. 79-89. 82 ‘Wunetw von Huvao.or (1767-1835) a0s eventos do passado. Como brota da plenitude da alma, a propria linguagem conttibui para tal situago, pois frequentemente Ihe faltam &xpressdes que estejam livres de conotagdes. Por isso, nada mais raro do ate ma natrativa Iiteralmente verdadeira, © nada serve de melhor prova de uma disposieao livre ¢ objetiva da alma, e de uma mente saudével, ordenada e capaz de puro discetnimento. Por isso, a verdade histérica Pode ser equiparada as navens, que somente ganham forma a distancia dos olhos. Pelo mesmo motivo, os fatos da histéria, em suas singulares circunstancias intrincadas, € por serem yerossimeis em si ese adequarem bem ao todo em que se inserem, sé0 pouco mais que o resultado da tradi- ¢40 e da pesquisa, cuja veracidade simplesmente se accita, Mal se obtém 0 esqueleto do dado através da crua triagem do que realmente aconteceu, © que se adquire por essa triagem € 0 fundamento necessdrio da histéria, seu material, mas nunca a prépria histéria, Parar este ponto significaria sacrificar uma verdade auténtica, interna e fin. damentada em um contexto causal, em beneficio de uma outra, super- ficial, literal e aparente. Significaria também optar Por ertos conhecidos ara escapar do perigo de um etto cuja possibilidade de ocorter ainda € incerta. A verdade do acontecimento bascia-se na complementacio a ser feita pelo historiador ao que chamamos anteriormente de parte invisivel do fato. Visto por esse lado, 0 historiador é auténomo, ¢ até mesmo ctiativos e néo na medida em que produz 0 que nao esté previa- mente dado, mas na medida em que, com sua propria forca, dé forma 20 que realmente é, algo impossivel de set obtido sendo meramente re. cxprivo. De um modo diverso a0 do poeta, mas ainda assim mantendo semelhangas com ele, o historiador precisa compor um todo a partir de um conjunto de fragmentos, Pode parecer duvidoso fazer com que se toquem, mesmo que o seja Sm um ponto, as dreas do historiadar e do poeta, As atividades de ambos, Porém, tém afinidades inegavcis, pois, sea exposigio feita pelo historia dor, como jf foi dito antes, 6 atinge a verdade do acontecimento se hou- ver complemenracéo ¢ articulagio do que observacio imediata se mos. tsa incompleto ¢ fragmentado, tal conquista s6 é possivel a0 historiador, caso ele, como o poeta, use a fantasia, Fica, porém, afastado o tisco de 83 A Histon FENSADA total supressao das diferencas entre as duas éreas quando se vé que o his- toriador subordina a fantasia & experigneia ¢ A investigacao da realidade. Subordinada, a fantasia nfo age livremente, razéo pela qual ¢ melhor denominé-la “faculdade da intuicéo” e “dom de estabelecer conexdes” Ainda assim, ficaria reservado & Histéria um lugar inferior. A verdade do acontecimento bem pode parecer simples, mas é 0 que ha de mais elevado a ser pensado, Conquistada integralmente, nela se desvelaria, como uma cadeia necesséria, aquilo que condiciona 0 real. © historiador também precisa buscar o necessétio e, ao contritio do poeta, nio deve submeter 0 elemento material ao dominio da forma da necessidade, mas sim 3s ideias que the servem de leis ¢ se preservaram incorruptiveis no espirito. So- mente trespassado pelas ideias pode o historiador encontrar seus vestigios durante a érdua pesquisa da realidade, O historiador abrange todas as ramificacdes da acao secular [irdis- che] e todas as marcas das ideias sagradas (siberirdischen Iden]; a soma de tudo 0 que existe & de modo mais ou menos aproximado, o objeto de seu trabalho. Partindo desse ponco, ele precisa perscrutar todos os direciona- amentos do espirito. Especulacao, experiéncia ¢ poesia néo sao atividades isoladas, limitadas ¢ opostas umas is outras, mas diferentes raios de luz que emanam de um mesmo prisma. Para aproximar-se da verdade histérica, dois caminhos precisam ser simultaneamente percorridos. Primeiramente, tem-se a fundamentacao critica, exata ¢ imparcial dos acontecimentos; em um segundo momento, ha de se articular os resultados da pesquisa e intuit o que nao fora alcan- gado pelo primeiro meio. Aquele que segue somente o primeiro caminho ignora a esséncia da propria histéria, e quem o despreza corre o risco de falsificar as particularidades, Mesmo a simples descrigio da natureza nao se basta com a enumeragio e delineamento das partes ¢ dos angulos, uma vez que nfo somente hé um sopro vital a encobrit 0 todo, mas também um cardter interior que se expressa nesse sopro, € tanto um como 0 outro ndo podem ser medidos ou simplesmente descritos. Também a descrigao da natureza se vé compelida a percorter 0 segundo caminho, pois nele se encontra a represencacao [Vorstellung] da forma da existéncia geral ¢ individual do corpo natural. Mesmo na historia, nenhuma especificidade 84 Wieva von Hunaotor (1767-1835) Pode ser encontrada através do segundo caminho. Apropriando-se da for- ma de todos os acontecimentos, o espirito deve limitar-se a compreender melhor o material investigado na realidade, fazendo com que os aconte- Cimentos se reconhegam melhor nele do que seria possivel, por meio da mera operagao do entendimento, Tisdo depende da assimilacao da forca de investigac4o ao objeto pesquisado. A tarefa do historiador terd tanto mais se aproximado da perfeigéo quanto mais profunda for, através do engenho e do estudo, a sua compreensio da humanidade e de suas acces, ou quanto mais humana for a sua disposicao junto & natureza e As cit- cunstancias, ou ainda quanto mais sua humanidade puder fair com pu reza, de que servem de prova as erénicas. Ninguém pode negar-lhes um fundamento da mais auténtica verdade histérica, ainda que, mesmo nas melhores dentre elas, haja faros deturpados e, inclusive, fébulas evidentes. As crdnicas se juntam as mais antigas das ditas memérias, ainda que a estreita relacio destas com o que ¢ individual geralmente vere 0 acesso 20 aspecto geral da humanidade, que ¢ justamente a exigencia da Historia ao se lidar com um ponto isolado. Desconsiderando que a Histéria, como qualquer ocupagao cientifi- a, se presta a muitos fins secundérios, seu trabalho, assim como a Filoso- fia ¢ a Poesia, é livre, uma arte plena em si mesma. E infnito 0 turbilhao deacontecimentos mundiais que rompem por todos os lados, gerados da condicao do solo terrestre, da natureza da humanidade, do cardter das na- 96es € dos individuos; mas que também podem surgir do nada, plantados como milagre, dependentes de forcas intuitivas ¢ obscuras, visivelmente urdidas por ideias etemas, profundamente artaigadas no seio da huma- nidade. A esta infinitude o espirito jamais poderd dar uma forma tinica, ainda que a tentativa de fazé-lo Ihe dé forcas para realizé-lo parcialmente, Assim como a Filosofia busca o fundamento primordial das coisas ¢ a Arte; por sua vez, 0 ideal de belera, a Historia persegue a imagem do destino humano em sua verdade auténtica, plenitude viva e pura clateza, ¢ ela deve ser sentida de tal mancira pela alma resguardada no objeto 2 Ponto de que, perante essa imagem, se percam e se dissolvam as opinises, 0s sentimentos ¢ as ambigbes pessoais. Produzir ¢ nutrir essa disposicéo © tiktimo estégio que 0 historiador pode aleancar, mas que s6 € atingido se 85 A Histon pension cle cumptir fielmente com a sua tarefa mais imediata préxima, a saber, a exposi¢ao do acontecimento. Despertar ¢ fazer reviver o sentido para a realidade é o que determina © historiador, ¢ seu oficio se delimita subjetivamente pelo desenvolvimento desse conceito ¢ objetivamente pela exposi¢éo do acontecimento. ‘Todo es- forgo espititual que age sobre a totalidade do homem possui algo que pode ser denominado seu “elemento”, sua forga ativa, 0 mistério de sua influén- cia sobre o espitito, Este “elemento” se distingue tio visivelmente dos obje- tos circundantes que estes geralmente servem apenas para apresenté-lo para aalma de uma maneira nova e diferente, Na matemitica, este elemento éa redugio de tudo a ntimeros e linhas; na metafisica, ele consiste na abstragéo de toda experiéncia; ¢ na arte, no maravilhoso tratamento da natureza em que tudo parece ter sido dela retirado, mas, a0 fim, as obras néo encontram na propria natureza nada que se Ihes iguale em seu modo. O elemento no qual a historia se move ¢ 0 sentido para a realidade, ¢ nele se encontram o sentimento da transitoriedade da existéncia temporal e a dependéncia em relagdo as causas passadas ¢ simultineas; a tais sentimentos se contrapoem a consciéncia da liberdade espiricual interna ¢ © conhecimento racional de que a realidade, a despeito de sua aparéncia contingente, articula-se por uma necessidade essencial. Se apenas uma vida humana percorresse o es- pitito, ela seria agatrada por este momento excepcional através do qual a histéria estimula ¢ envolve; ¢ assim o historiador, se quiser cumprir a tarefa de seu oficio, deve compor os eventos de tal mancira que a alma se ponha no mesmo movimiento da tealidade. Vista por este lado, a histéria tem afinidade com a vida ativa, Ela nao Lhe presta servigo ao fornecer exemplos que devem ser seguidos ou evitados, pois isso geralmente conduz a0 erro raramente ensina. Sua utilidade verdadeira e incomensurdvel é, mais com o auxilio da forma a que se aderem os eventos que do contetido, fazer reviver o sentido para a realidade, enfatizando ¢ proibindo ainda que o historiador nao passe para a regido de ideias puras, mas sem com isso deixar que ele se guie pelas ideias. A alma deve, entéo, se manter presente nesta ténue trilha interme- didtia, de modo que néo tenha sucesso nenhuma outra empreitada que se aventure no tumulto dos eventos, salvo aquela que, de maneira clari- 86 ‘Whi von Humpounr (1767-1895) vidente, reconhega a verdade em cada direcionamento preponderante da ideia, tecendo, destarte, um sentido sdlido. A histéria deve sempre produzir esse efeito interno, néo importan- do, no caso, se 0 seu objeto é uma teia de eventos ou a narrativa de um fato singular. O historiador digno deste nome deve expor cada evento como parte de um todo, ou, o que a mesma coisa, a cada evento dar a forma da Historia. Isso leva ao desenvolvimento preciso ¢ exigido do conceito de ex- posigio. A teia dos eventos se mostra ao historiador como uma aparente confusio, somente inteligivel em seus fatores cronolégicos e geogrsficos. Para dar forma a sua exposicio, cle precisa separar o necessétio do contin- gente, descobrir as sequéncias internas, cornar vistveis as verdadeiras forcas ativas. Tal forma nao esté assentada sobre um valor filoséfico imaginado ou prescindivel, ou sobre um estimulo poético do mesmo tipo, mas sobre sua necessidade primordial e essencial, sua verdade e sua autenticidade, uma vez que um evento acaba sendo conhecido somente pela merade (ow de maneira deturpada) se apenas se considera sua aparéncia superficial, A todo instante 0 observador comum atribui equivocos ¢ falsidades aos eventos que somente sero dissipados através da verdadeira forma revela- da unicamente pelo olhar do historiador, um dom natural burilado pelo estudo ¢ pelo exercicio. Como o historiador deve proceder para que seu intuito tenha sucesso? Assim como a artistica, a exposigao histérica é uma imitacao da na- tureza. © fundamento de ambas ¢ 0 conhecimento da forma verdadeira, a descoberta do necessirio ea eliminacao do contingente. Nao devemos nos intimidar em aplicar ao historiador 0 processo criativo do artista, j4 que neste é mais evidente © seu processo do que naquele, sobre 0 qual recaem muitas dividas a respeito deste tema, A imitagéo da forma orginica pode se dar através de um duplo ca- minho, seja ela através da reproducio imediata de tragos exteriotes, que pode ser feita com olhos e mios, ou ainda de dentro para fora — 0 que se da nao somente através do estudo prévio do modo pelo qual os tragos ex- teriores surgem dos conceitos ¢ a forma provém do todo —, mas também através da abstragéo de suas relagdes e, ainda, por meio de um trabalho 87 A Histoma rensaba mediante 0 qual a forma é reconhecida de modo totalmente diferente do que é percebida pelo olhar nao artistico, para depois ser recriada pela imaginagao. Assim, junto & semelhanca inerente com a natureza, ela traz consigo uma verdade mais elevada; afinal, o maior privilégio da obra de arte consiste em revelar a verdade interna e obscurecida da forma quando esta aparece na realidade. Ambos os caminhos tém sido, através dos tem- pos e géneros, os critérios de verdade ¢ falsidade em arte. Essa diferenga se mostra visivelmente em dois poyos, os egipcios e os mexicanos, que sio distantes no tempo e diferentes em suas circunstancias histéricas, mas que reptesentam os primeiros momentos da cultura. Tem-se mostrado, e com razio, varias semelhancas entre ambos, pois tanto um quanto 0 outro precisaram ultrapassar 0 maior obstéculo para toda arte, nomea- damente a utilizacdo da imagem para a eserita; todavia, enquanto nos mexicanos nao se vé nenhuma caracteristica da forma, nos egipcios hé estilo mesmo no mais insignificante hieréglifo.' O que é muito natural. Nos desenhos mexicanos mal se encontra um resquicio de intuigio da forma interna ou de conhecimento da estrutura organica; tudo parte da imitaggo da forma exterior. A tentativa da arte inferior em usar como modelo os tracos exteriores leva necessariamente ao fracasso completo, e, portanto, ao desfiguramento, ao passo que a investigagdo das proporgées eda harmonia, por outro lado, pode ser feita mesmo se forem deficientes as maos € os instrumentos. Quando 0 traco da forma se fez compreender de dentro para fora, & necessério que se recorra, acima de tudo, 4 forma e a esséncia do or- ganismo; logo, 4 Matematica e as ciéncias da natureza. Estas fornecem © conceito; aquela, a ideia de forma. As duas se junta necessariamente, como um terceiro fator a articuld-las, a expresso da alma e da vida es- piritual. A forma pura, tal como se apresenta na simetria das partes ¢ no equilibrio das proporgées, é 0 mais essencial, ¢ também o mais primitivo, posto que © espirito ainda fresco e vivo est4 mais aberto para a ciéncia pura, podendo melhor superar os obstéculos do que a preparagio variada exigida pela experiéncia. Isso fica claro nas obras iconogrificas dos egip- cios € dos gregos. Por todos os lados, surgem primeitamente pureza € rigor da forma (que dificilmente recuam perante a dureza), @ regularidade 88 ‘Wiureun von Hunotor (1767-1835) dos circulos e dos semicirculos, a precisio dos Angulos ¢ a definigao das linhas; somente sobre esse fandamento seguro edifica-se 0 taco exterior, Logo, evidencia-se sem disfarces a falta do conhecimento exato da forma- $0 organica, e quando o artista se rornava Mestre no dominio deste tipo de formagio, quando passava a lhe empresiar una graca encantadora ea que se Ihe apresenta como indispensdvel é também 0 que ha de primor- dial e mais clevado, E por isso que mesmo toda a variedade e beleza da vida nao ajudam © artista quando ele, em sua fantasia solitétia, nao se defronca com amor cntusiasmado pela forma pura. Com isso, tornacse concebivel como a arte surgitt em um povo cuja vida nao era das mais movimentadas ou gra- ciosas ¢ que dificilmente se expressatia através da beleza, mas que, desde cedo, logo encentrou sentido profndo na matemitica € na mecanica, € orientou seu gosto na direcao de incrtyeis construcées rigorosamen- te regulares, ainda que bem simples. O fato é que essa arquietura das Proporgoes pode ser transposta para a imitacdo da forma humana, e seu material pesado disputava com ela o elemento de cada linha, Jé a sitwagao dos gregos era diferente em todos os aspectos; com beleva encantadora, de seu sentido aristico quando se nota que, a despeito de toda.a sedugio Por encantos superficias, somente através de um conhecimento sélido da estrutura orginica os gregos superaram a rigides egipcia. Pode parecer tranho fundamentar a arte no s6 na riqueza da vida, mos também na aridez da contemplacao matematica, Iss0, todavia, nao torna a vida me- nos verdadeira, ¢ o artista nao Precisaria da forga alada do genio caso nao “stivesse determinado em converter a seriedade de ideias largamente pre- telasoes entre espaco e tempo, evidenciem-se elas ems sons, niimeros ou 89 A Histon PENSADA linhas. Sua observagao oferece por si mesma, ¢, a cada vez, uma satistagéo na descoberta constante de novas relagées ¢ de tarefas que se solucionam. Em nés fica debilitado apenas o sentido para a beleza da forma da ciéncia pura no que diz respeito a sua aplicagao precoce e variada. A imitagio do artista surge, pois, das ideias, ¢ a verdade da forma se Ihe apresenta por seu intermédio, © mesmo precisa suceder nos estudos histéricos, uma vez. que nos dois casos verifica-se a imitacao da natureza. Uma pergunta surge entéo: hi ideias que estejam na condicao de guiar 0 historiador? Em havendo, quais seriam? Caso se queira avanear, 0 momento exige agora grande prudéncia, de modo que a simples mengo a “ideias” nao prejudique a pureza da autenticidade histérica. Afinal, se tanto 0 artista quanto o historiador procedem por exposi¢ao € imitagio, por outro lado, os seus objetivos sdo totalmente diferentes. Aquele retira da realidade uma aparicdo fu- gaz, limitando-se a tangencié-la para que dela escape; este simplesmente corre em seu encalgo, e nela precisa aprofundar-se. Justamente por esse motivo, € porque o historiador nao pode se contentar com a resolucio de contextos exterhos &s particularidades, mas, na verdade, deve buscar 0 ponto central a partir do qual o encadeamento interno pode ser pensado, ele deve procurar a verdade do acontecimento por meio de um caminho semelhante ao do artista. Os acontecimentos da histéria se fazem muito menos presentes do que os do mundo sensfvel, ¢, assim, sua observacio clara € bem menos vidvel; sua compreensao é apenas 6 resultado da uniéo de sua condicao com o sentido atribuido pelo observador; e, como na arte, esta compreensio no pode ser de todo deduzida logicamente atra- vvés da cognicao (como se uma coisa fosse deduzida apés'a outra) a ser de- pois dissolvida em conceitos. Somente se apreende o que € correto, sutil e velado, caso 0 espirito ja se encontre disposto a fazé-lo. Assim como o desenhista, o historiador nao produz mais do que caricaturas caso dese- nhe somente aspectos particulares do que se lhe apresenta, ou, por outra, se apenas reproduz a sua aparéncia ou a sequéncia em que se mostram; ¢, se ainda nao atribui uma ordem rigida ao contexto que lhe é interno, se nao aprimora a visto das forgas atuantes, se nao reconhece a direcao por elas tomada em um dererminado instante, se néo sair em busca da 90 Wiaieun vou! Humeoior (1767-1835) articulago da situacio contemporanea com as modificacées vividas no passado, o historiador, de fato, sé produziré caricaturas. Para poder realizar o que deve, ele precisa, sobretudo, se manter fiel 4 condigio, ao efeito, & conflitante dependéncia dessas forgas, em que a plena percepgao do que é especifico pressupde sempre o conhecimento do geral que o subsume. Nesse sentido, a apreensio do evento precisa ser sempre guiada por ideias. Assim, encende-se por si mesmo que as ideias provém do préprio seio dos eventos, ou, para dizer de mado mais preciso, provém do espitito, através da considerago dos eventos a partir de um sentido autenticamente historico; as ideias nao precisam ser em- prestadas & Histéria, como se fossem um elemento adicional, um erro em que facilmente cai a dita Histéria Filoséfica. A abordagem filoséfica re- presenta uma ameaga muito maior para a autenticidade histérica do que © tratamento poético, pois este pelo menos esté acostumado a dar livre curso ao material com que lida. A Filosofia dita um objetivo aos eventos, ¢, assim, esta busca por causas finais, sejam clas deduzidas da esséncia da natureza ou do préprio homem, perturba ¢ falsifica toda visio livre sobre a agao prépria das forgas. A Histéria Teleoldgica jamais alcanga a verdade viva dos destinos do mundo, porque, afinal, o individuo sempre precisaria alcangar o seu apogeu dentro do limite da existéncia transitéria, nao conseguindo de maneira alguma incorporar 4 vida o que seria 0 seu objetivo final dos acontecimentos, mas sim em instituigées mortas ¢ na busca de conceitos que falam de uma totalidade ideal. Isso pode se dar no desenvolvimento geral do cultivo ¢ povoamento do solo terrestre, no progresso cultural dos povos, na uniao interna entre eles, na conquista definitiva de uma sociedade civil perfeita ou em qualquer ideia desse tipo. Disso tudo dependem imediatamente, porém, a felicidade e a atividade das individualidades; ¢ tudo 0 que cada geragao recebe, como conquista de uma geracao anterior, nao serve de prova de sua forca, e muito menos de material de trabalho desta. Pois tudo 0 que é fruto do espirito — cién- cia, arte, instituigdes morais — perde o que nelas ha de espiritual, e se torna matéria se 0 espitito no as renova a cada vez. Todas essas coisas trazem consigo a natureza do pensamento, mas s6 podem ser preservadas se forem pensadas, 9r A Histom rensany O historiador deve, entio, debrugar-se sobre as forcas ativas ¢ cri doras. Aqui ele se encontra em seu préprio terreno. Caso pretenda em- prestar [yeitbringen]’ forma ao labixinco dos eventos da histéria mundial, © historiador deve estar imerso em sua prépria alma, depurando a forma a partir dos eventos, pois somente naquela aparece o verdadeiro contexto destes. A aparente contradigao se desfaz se o problema for observado mais de perto. Toda consideragao de uma coisa pressupde, como condicéo da sua possibilidade, algo andlogo ao que seré entendido posteriormente, a saber, uma concordancia prévia e origindria entre sujeito objeto, O ato de aprender [Das Begreifér] nao pode ser resumido, de jeito nenhum, & mera transferéncia subjetiva, ¢ muito menos a uma simples reproducio objetiva. Deve, na verdade, ser a ago simulinea de ambos os meios, pois, e de uma vex por todas, 0 ato de aprender consiste na aplicacio de uma totalidade previamente dada a algo de novo e especifico. Onde duas esséncias encontram-se inteiramente separadas por um abismo nao hi ponte que torne possivel 0 encontro, , para que se compreenda a si mesmo, € necessétio jé se ter obtido esta compreenséo de si em um outro sentido. Na histéria, é muito claro este cardter de fundamento preliminar exercido pela compreensio, uma yer que todo agente da hist6ria mundial jd se movimenta na esséncia do homem. O quanto mais profundo for © sentimento da alma de uma nagéo por tudo que é humano, o quanto snais tefinado, rico ¢ puro for o seu envolvimento com tal sentimento, melhores so as condig6es para que essa nagio produza um auténtico historiador. A tais condigdes prévias é necessdrio acrescentar 0 exercicio critico que tenta ajustar-lhe 0 objeto estudado a ponto tal que, com a repeticao dessa interacao, surjam tanto clareza como certeza. Desse modo, através do estudo das forgas criadoras da histéria, o historiador forma para si mesmo a imagem geral da forma do contexto composto pela integridade dos dados; e, nesse circulo, encontram-se as N,T: A solucio literal seria “trazer consign”, mas considero que a mesma ndo soa bem em por- ‘ugués. A ideia de Humboldt consiste na abstragio da forma a partir dos préprios eventos, eral abstracdo da origem a forma na medida em que. historiador estéimerso.em sa prépria alma. O ‘ermo mit (“com, em portugués)represenca a comunhéo do historiador com sua prépria alma, ‘inico meio possivel para eaprar a forma dos eventos. Dafa ideia de "empréstimo” 92 ‘Wirieun von Humscouor (1767-1835) ideias — 0 que jé fora mencionado aqui anteriormente. As ideias nao pe- netram na histéria, mas formam sua prépria constituigao, pois toda forca, viva ou morta, age de acordo com as leis de sua natureza, e tudo que ocor- re na histéria se d4 em um contexto indissociavel no tempo ¢ no espaco. Por mais que se mostre viva ¢ rica perante a nossa vista, aqui a histéria se revela um relogio a funcionar segundo leis inexordveis dirigidas por forcas mecanicas, afinal, um evento acaba gerando outro, ¢ 0 parimetto e as condigées de cada agio, bem como o aparente livre-arbitrio do homem, sao, na verdade, determinados por fatores estabelecidos absolutamente muito antes de seu nascimento, ou mesmo do surgimento da nagao a que pertence, Nao é impossivel em si o cileulo de toda a sequéncia de fatos passados — ou mesmo futuros — feito a partir de cada momento histérico; na verdade, sua impossibilidade provém da ignorincia factual de varios momentos ctuciais. Todavia, j4 se sabe hé muito tempo que o célculo, como caminho de investigacao, nao pode ser o iinico a ser seguido, do contratio, perde-se de vista as forgas verdadeiramence criadoras, pois sem- pre escapa ao cilculo elemento principal que determina cada agao em que a vida esta em jogo; ¢ mesmo em toda determinagio que se mostra aparentemente mecanica, na verdade, ha originalmente uma obediéncia a um impulso ativo livre. Assim, ao lado da detetminagio mecinica de um dado pelo outro, Enecessdrio que se veja com maior atengio a esséncia prépria das forcas, pois nela jé se encontra o seu primeiro estagio de agio fisioldgica. Todas as forcas vivas tm em comum natureza, desenvolvimentos € leis; 0 ho- mem com as plantas, as nagdes com os individuos, a humanidade com cada povo; ¢ 0 mesmo vale para as criagdes do espirito, na medida em que estejam baseadas no progresso determinado de uma tradigéo, como literatura, arte, costumes ¢ a forma exterior da sociedade civil. Aqui en- contramos inegavelmente uma série de explicagées histéricas; mas néo € apenas o principio criador que € encontrado. Na verdade, conhece-se somente a forma a que ele se subordina sempre que nela vé mais do que uum veiculo enobrecedor ¢ elevado de sua mensagem. Muito menos previsiveis em seu percurso € muito pouco afeitas a serem subordinadas a leis (quando muito podem ser apreendidas analogica- 93 A Histon rensapa mente) sio as forcas psicolégicas das habilidades, sensibilidades, pendores ¢ paixées humanas, todas elas misturadas entre si de maneira variada. Como sfo as forgas propulsoras das agées € causas imediatas de acontecimentos que delas surgem, o historiador Ihes dé preferéncia ¢ frequentemente as usa como explicagao para os eventos. Essa perspectiva, porém, exige extrema cautela. Ela ¢ a que menos dé conta da dimensio mundial da histéria, degradando-a aos dramas do cotidiano, ¢ nao sé compele facilmente 20 isolamento do evento em seu contexto, bem como poe, no lugar do destino mundial, razdes pessoais motivadas por mesquinharias. Tado 0 que emana dessa perspectiva enfatiza 0 individuo ¢, ainda assim, mesmo este nao é reconhecido em sua profundidade e unidade, em sua esséncia auténtica; afinal, o individuo nao pode ser cindido, analisado ¢ julgado por experién- cias que, por terem sido feitas por muitos, deveriam ser aplicadas a outros tantos, sendo assim impregnado por seu selo ¢ seu cardter. Poder-se-ia classificar o historiador segundo as trés perspectivas aqui delineadas, mas a caracteristica que verdadeiramente lhe dé 0 génio no é esgotada por nenhuma das trés e muito menos pela sua soma. E isso por- que tais perspectivas nao esgotam a causa do contexto dos eventos € nao se encontra em sua alcada a ideia fundamental [Grundidee] a partir da qual € possivel a compreensao da verdade plena dessa causa. Estas trés perspec- tivas abrangem somente os fendmenos da natureza orginica, inorganica spiritual que se mostram de maneira ordenada ¢ regular; mas sempre Ihes escapa o impulso livre e auténomo de uma forca originatia; todo fendmeno inscrito na esfera dessas perspectivas certifica apenas a regularidade de uma lei conhecida, ow a experiéncia segura de um desenvolvimento que se re- pete; mas tudo aquilo que surge milagrosamente, ainda que possa se cercar de explicacdes mecAnicas, fisiolégicas ¢ psicoldgicas, jamais seré derivado destas; sob tais perspectivas, tal tipo de fendmeno n&o sé permanece sem explicagao, mas, na verdade, ele é sequer conhecido. Qualquer que seja a perspectiva adotada, a regio dos acontecimen- tos s6 pode ser compreendida a partir de um ponto que lhe seja externo, ¢ tio isento de perigo quanto um distanciamento cauteloso é a certeza do erro mo caso de uma imerséo cega na mesma regido. A histéria mundial € incompreensivel sem um governo. mundial. 94 Wiunevn von Hunaovor (1767-1835) Uma vez consolidado este ponto de vista, obtém-se uma significa- tiva vantagem em nao considerar definitiva a compreenséo dos eventos através de sua explicagao proveniente do circulo da natureza. A propésico, tal explicagao mal chega a facilitar ao historiador a sua passagem pela til- tima parte do caminho, também a mais importante e dificil, pois ele nao € dotado de qualquer érgéo que permita a investigagao direta do plano da histéria mundial, ¢ qualquer tentativa de obté-lo levaria a percorrer caminhos equivocados, como € 0 caso da busca por causas finais, Embora situados fora dos processos naturais, a regéncia dos eventos revela-se, po- rém, nos préprios eventos, ¢ ral revelacio se faz através de meios que, em- bora nao sejam eles mesmos fenémenos, est4o nao somente acoplados aos eventos, mas também neles se reconhecem como esséncias incorpéreas. Estas, porém, jamais poderao ser observadas se, ao se distanciar da regiéo dos fendmenos [Etscheinungen], nao se realiza a transferéncia espiritual para a regio de onde elas se originam. Em sua investigacao consiste a tiltima condicdo para a realizacio da tarefa do historiador. © niimero de forgas criadoras na histéria nao se esgota naquelas que aparecem imediatamente nos eventos. Mesmo quando o historiador examina todas as especificidades ¢ suas respectivas relagbes muituas — a forma, as transformagées do solo terrestre, as variagées do clima, a inte- ligéncia e a sensibilidade das nagdes, as caracteristicas individuais mais prdprias, as influéncias da arte e da ciéncia, as organizacécs civis em sua atuagdo mais profunda ¢ influéncia mais ampla —, ainda assim restard algo cuja atuagéo é mais poderosa, que nao se mostra imediatamente, mas que atribui a cada forga um principio que as impulsiona ¢ orienta: sdo as ideias, que, de acordo com sua prépria natureza, situam-se fora do cixculo da finitude, mas que organizam e dominam a histéria mun- dial em cada uma de suas partes. Nio resta a menor diivida de que tais ideias se revelam por si mes- mas, ¢ que determinados fendmenos, cuja explicagio nao se elucida pela mera acio regular das leis nautais, devamn a sua existéncia & vitalidade de tais ideias; e muito menos ditvidas restam a respeito do fato de o histo- riador poder localizar-se para além dos eventos em si a ponto de perceber sua verdadeira configuracio. 95 A Histon reNsapa A ideia se expressa, entéo, de duas maneiras: primeiramente, como uma dirego que, em seu movimento gradual que, de inicio, 20 se mos- trar invisfvel, depois visivel e ao-fim irtesistivel, acaba englobando muitas particularidades em lugares diferentes ¢ sob condigoes diversas; e, depois, como produgao de forcas que néo podem ser deduzidas em todo 0 seu escopo ¢ majestade pelas circunstancias que a acompanham. Para a primeira encontram-se exemplos sem maiores dificuldades, pois quase nio hé época em que tenham sido desconhecidos. Mas é muito provavel, porém, que ainda haja varios eventos, até hoje explicados de ma- neira mecinica ¢ material, que precisem ser vistos a partir deste prisma. Como exemplos de produgio de forgas e fenémenos para os quais é insuficiente a explicagao pelas circunstancias dadas, temos a anteriormen- te citada erupgao da arte em sua pura forma no Egito, ou ainda, talvez, 0 stibito desenvolvimento da individualidade livre e mutuamente limitado- ra na Grécia, cuja lingua, poesia e arte, em sua perfeicio, resistem aquele que busca em vio um desenvolvimento gradual ¢ progressive, pois sem- pre me pareceu que o mais admirdvel na cultura grega, eo que dé a chave para'a sua compreensio, é ela ter ficado livre do jugo do sistema de castas de varias nagées, cuja heranca, porém, serviu de matéria para que os gte- gos elaborassem o que ha de mais grandioso, porquanto mantiveram uma analogia com o sistema de castas, cujo abrandamento na educagao ¢ nas cooperativas livres produziu, com uma viva a¢éo conjunta ¢ como jamais fora visto em nenhum outro povo, a diferenga entre as individualidades por meio da miiltipla disseminacio do espirito nacional original em tri- bos, povoados ¢ cidades aussnomas. Por esse meio, a Grécia estabelece uma ideia de nacionalidade que nao conheceu predecessor nem sucessor, e, como o mistério de toda a existéncia se encontra na individualidade, todo o progresso da histéria mundial da humanidade esté baseado no grau da liberdade e da singularidade de seus efeitos recfprocos. De fato, a ideia também pode se mostrar apenas em comunhao com a natureza, € também em tais fendmenos pode ser verificada uma quanti- dade de causas favordveis ¢ uma transicao da imperfeicéo para a perfeigao que podem muito bem cobrir as lacunas monstruosas em nossos conhe- cimentos. Mas o elemento miraculoso nao Ihe deve nada ao abranger 0 96 Wiergua von Huwaounr (1767-1835) sentido primordial ¢ as centelhas da primeira faisca. Sem estas nao atin- giriam os seus objetivos, mesmo se séculos pata isso forem necessérios, as circunstancias favordveis, 0 exercicio ¢ 0 progresso gradual, A ideia pode somente se fiar em uma forga individual do espitito, mas o faro de que a semente com a qual o espitito se implanta na forga se desenvolva por si ‘mesma, & que esse modo de desenvolvimento permaneca sendo mesmo, "20 importando ai a individualidade a que ele se transfira, que a planta que dele brota alcanga sua maturidade através dela mesma, e depois mur- che e desapareca, sendo, no caso, irrelevante como as citcunstincias e os individuos tenham se formados tudo isso mostra que é a nacureza auté- noma da ideia que perfaz esse percurso pelos fendmenos, Desse modo, as formas adquirem realidade em todos os génetos da existéncia e criacéo intelectual, Nestas formas, alguma face da infinitude é refletida, sua incursio na vida acaba produzindo novos fendmenos, No mundo corpéreo — fonte inesgotével de analogias que dio investigacéo do mundo espiritual um caminho seguro — néo podemos es- petar pelo surgimento de novas ¢ significativas formas, A mulciplicidade dos organismos jé encontrou suas formas permanentes, e, ainda que esta jamais se esgote na individualidade de cada organismo, essas discretas puangas jamais se apresentam imediatamente visiveis em sua ago sobre a formasao intelectual (geisrige Bildung). A criagéo do mundo corpéreo ocorre de uma vez no espago, jé a do mundo espiticual o faz gradual- mente no curso do tempo, ou a primeira, ao menos; encontra muito antes sua estabilidade [Ruhepunkil, na qual a ctiacio se perde ¢ dé vez a uma continuidade por repetigo. © mundo espiritual esté muito mais proximo da vida orginica do que da forma ¢ da estrutura fisica, ¢ as leis da vida orginica podem ser aplicadas 20 mundo espiritual, ¢ vice-versa. Em um estado em que a forga se mostra vigorosa, isso se mostra menos visivel, ainda que seja bastante plausivel, mesmo em tal estado, que isso Possa acontecer durante as mudangas das relagées e das wendéncias que, or seguirem causas ocultas, determinam de tempos em tempos a vida organica de uma maneira diferente. Mas, em um estado excepeional da vida, isto é nas formas doentes, pode haver inegavelmente uma analo- gia de tendéncias que, seguindo suas préprias leis originadas gradual ou 97 A Histon PtsADs bruscamente, sem causa que as explique, indicando um contexto velado que dé sentido as coisas. Nao faleam observagoes queas confirmem, ainda que, mesmo assim, muito tempo seria necessdrio para que delas seja feito uso histérico. Cada individualidade humana é uma ideia que se arraiga no fend- meno, ¢ em algiins tal ideia reluz téo brilhantemente que parece ter-se tornado a forma do individuo, para que nele'se revelasse a si mesma, Quando se acompanha a progressio da aio humana, algo de original petmanece apés a subtracio de todas as causas determinantes, de modo que, em ver de sufocar,tais causas acabam adquirindo um novo formato; eno mesmo elemento ha um esforgo ativo ininterrupto em proporcionar A sua natureza propria e auténtica uma existéncia exterior [dnsserliches Daseyn). Nao € diferente com a individualidade das nagdes, ¢ em muitas partes da histéria tal clemento chega a ser mais visivel nelas do que nos individuos, porquanto a humanidade, em determinadas épocas ¢ em de- terminadas condigées, viveu como se fosse um rebanho. Mesmo no meio de eventos conduzidos pela necessidade, paixéo e aparente contingéncia, 6 princfpio espiritual da individualidade age de mancira mais poderosa do que os elementos anteriormente citados; no meio da necessidade, da paixio ¢ do acaso o principio espiritual procura espaco para a ideia que neles habita, ¢ 0 faz com sucesso, assim como 0 crescimento orginico da planta mais delicada é capaz de romper seus recipientes, a despeito da re~ sisténcia da agéo dos séculos. Justamente ao sentido dado & humanidade pelas ag6es dos povos e clos individuos, ainda é deixado por estes 0 legado de formas de individualidade espiritual, que se mostra mais dutadouro ¢ influente do que dados e acontecimentos. Hé ainda formas ideais que, sem serem uma individualidade hu- mana, estéo relacionadas a esta de maneira mediada. A tais formas ideais pertencem as linguis, pois, ainda que o espitito da nagio nelas se espelhe, cada qual tem um fandamento anterior ¢ mais independente, e, assim, sua propria esséncia e contexto interno so téo poderosos ¢ determinan- tes que sua autonomia exerce mais influéncia do que é influenciada, de modo que cada linguagem importante aparece como forma propria da criagao ¢ comunicagao das ideias. 98 ‘Wuveun von Huvaotor (1767-1835) F um modo ainda mais puro e pleno ¢ proporcionado pelas ideias fundamencais [Urideen] eternas de existéncia e valor que possam ser pen- sadas; a beleza, em todas as formas coxpéreas e espirituais; a verdade, na ago inelutével de toda forca rumo a sua lei imanente; a justica, no pro- cesso inexoravel dos eventos que se justificam e punem a si mesmos. A perspectiva humana néo é capaz de viskimbrar imediatamente a diretriz do mundo, mas somente pode chegar até ela pelis ideas através das quais tal plano se revelae, por isso, pata tal perspectiva, a historia nao € sendo a atualizagio de uma ideia, ¢ nela estéo simultaneamence a forgae 0 objetivo; e isso 56 & possivel na medida em que se metgulha na observa. Sto das forcas criadoras, por meio de um caminho certo que leva is cates Finals, pelo que o espitito anscia naturalmente. O objetivo da histéria pode Ser apenas atualizasio de ideias representadas através da humanidade: tai ‘deias podetiam ser vistas por todos os ladas ¢ em todas as formas nas quais Sea possfvel articular a forma finita com a ideia, ¢ 0 caminho dos eventos 86 pode ser interrompido quando as dua, isto é, forma finita« ideta, néo tiverem mais condig6es de se relacionarem, Chegamos entao ao ponto em que encontramos a ideia que precisa guiar 0 historiador, ¢ podemos retornar 4 comparacao ja feita anterior mente entre ele ¢ o artista. O que neste se mostra como conhecimento da narureza ¢ estudo da estrutura organica, naquele podemos ver a inves. tigagio de todas as forgas ativas ¢ apaixonadas que aparecem na vida; 0 que no segundo encontramos como medida e proporcionalidade ¢ ainda conceito de forma pura, no primeiro ja podemos ver o desenvolvimento das ideias ~ mas nao o encetramento delas — no majestoso e silencioso Contexto dos eventos mundiais. O oficio do historiador, em sua resposta definitiva, mas também a mais simples, é a exposigfo da aspiracéo de uma ideia, a conquista de sua existéncia na realidade. Mas deve ser dito quea ideia nem sempre obtém o que pretende em sua primeira tentativa, antes mesmo chega a degenerd-la sempre quando nao consegue dominar com clareza a matéria que se lhe opse. Duas coisas © percurso deste ensaio tentow estabelecer: que uma ideia estd presente em tudo 0 que acontece, ¢ ainda que esta néo possa ser percebida imediatamente, podendo ser apenas conhecida nos eventos, 99 A Hasta pensana Por isso, o historiador néo pode latgar 0 seu dominio sobre a sua exposicao ao s¢ limitar a procurar tudo na matéria objetiva; ele precisa, ao menos, deixar espago para a agio da idcia; mais adiante, ele precisa, com o tempo, deixar sua alma receptiva para a ideia e manté-la viva, intui-la e teconhecé- -la; precisa, acima de tudo, se precaver em nao atribuir & realidade suas préprias ideias, ou ainda, em ndo sactificar ao longo da pesquisa a riqueza viva das individualidades em prol do contexto totalizante. Esta perspec tiva sutil e livre precisaria estar tao entranhada em sua propria narureza a ponto de poder transpé-la para cada evento} afinal, nenhum evento esta totalmente dissociado de seu contexto geral, e, de cada coisa que acontece, hd, conforme mostramos anteriormente, uma parte que nao pode ser imediatamente percebida. Se faltasse ao historiador tal liberdade de perspectiva, ele nao conheceria o evento em sua circunstincia e em sua profundidade; falte-Ihe a beleza de tudo o que é sutil, ¢ acaba sendo violentada sua verdade simples e viva. ‘Tiadugio: Pedro Caldas Nowa ‘Aqui apenas se pretencle justifcar com um exemplo 6 que foi dito sobre a arte; longe de mim, ‘com al exemplo, estabelecer um juizo definido sobre os mexicanos. Hi inclusive obras icono- _gfcas deles, como 2 eabega crazida por mew irmao (N. T-: Alexander von Humboldt) para.o ‘iosso museu real [N. Ts em Berlim] que testemunham bem sua habilidade artistiea: Quando se considera quiZo parcos so nossos conhecimencos sobre as mexicanos, e como sto tardias as pinturas que deles conhecemos, vemos logo que seria arriscado avaliar sua arte por meio destes ‘exemplos, que claramente provam de uma época de extrema decadéncia. Que monstruosidades artisticas possam conviver com a mais elevada educagao formal [Ausbildunel foi algo que perecbi nas pequenas figuras de bronze enconcraveis na Sardenha —€ notdrio que tas figuras se originam dos gregos e dos romanos, inas, ainda assim, nada devem aos mezicanos no que diz respeito & falta de proporcionalidade nas figuras. Uma colecio desse tipo de arte se encontra no Collegium Romanum, em Rom. E também verossimil, mas por outras razbes, que os mexicanos tenham atingido um alto nivel culrural [Bildung] ein uima época anterior em outro lugar, o que est in- dicado nos vestigios histéricos de suas migragies, todos cuidadosamente reunidos ¢ comparados nas obras de meu irmo. 100

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