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Capituto 2 Natureza dos arquivos HA uma rorte tendéncia, por parte dos que exercem uma nova profissao, para criar termos com significados altamente especializados. E, além disso, quando se trata de disciplina que carece de substancia cientifica ou erudita, surge outra tendéncia, a de criar termos com significados nao s6 especializados, mas também tao obscuros que dao a falsa impressao de grande profundidade. A arquivistica, ainda que relativamente nova, nao carece de substancia cientifica ou de erudigao e, fugindo regra, tentou evitar uma terminologia especializada. Mas, pelo simples uso de termos comuns, os arquivistas mui- tas vezes caem na obscuridade em sua literatura técnica. Pretendo, portan- to, definir os termos usados neste livro 4 medida que ocorram. Neste capitulo tratarei amplamente das definigdes dos termos “docu- mentos” (records) e “arquivos” (archives), nao por merecerem atengao es- pecial, mas porque é essencial para o nosso estudo uma anilise das princi- pais caracteristicas dos documentos e dos arquivos, ou seja, do material de arquivo. Definicoes A palavra archives, de origem grega, é definida no Oxford English Dictionary como: a) “lugar onde sdo guardados os documentos publicos e outros documentos de importancia; e b ) “registro histérico ou documento assim preservado”, Essa definigao ¢ um pouco confusa, em virtude do seu duplo sentido. Na linguagem corrente, e principalmente na literatura técni- ca, deve-se distinguir entre a instituigdo e os materiais de que se ocupa. Essa distingao s6 se poderd tornar clara pelo uso de termos diferentes para os dois casos. Os alemaes usam o termo Archivalien para designar os mate- riais, mas o seu equivalente em inglés, archivalia, jamais logrou aceitagao geral. Para esclarecer essa distingao, a palavra “arquivo” (archival institution) sera empregada neste livro para designar a instituigao, enquanto a expres- 36 + ARQUIVOS MODERNOS sao “material de arquivo” ou simplesmente arquivos (archives) sera usada para indicar o material que é objeto da instituigao. A definigao do citado diciondrio, ademais, nao deixa clara a natureza intrinseca do material de arquivo, 0 que passaremos a analisar agora. Para isso, sera de grande utili- dade examinarmos as definigdes encontradas nos manuais técnicos escritos por arquivistas de varios paises. Do ponto de vista da contribuicdo universal para a arquivistica o mais importante manual escrito sobre administragao de arquivos é, provavelmen- te, ode um trio de arquivistas holandeses, $. Muller (1848-1922), J. A. Feith (1858-1913) e R. Fruin (1857-1935). Esse manual, intitulado Handleiding voor het Ordenen en Beschrijven van Archieven, foi publicado em 1898 sob os auspicios da Associagao Holandesa de Arquivistas. Uma tradugao em in- glés foi feita por um arquivista americano, Arthur H. Leavitt, e publicada sob o titulo Manual for the arrangement and description of archives, em Nova York, em 1940.* Essa tradugao define a palavra holandesa archief como “o conjunto de documentos escritos, desenhos e material impresso, recebi- dos ou produzidos oficialmente por um orgao administrativo ou por um de seus funciondrios, na medida em que tais documentos se destinavam a per- manecer sob a custédia desse orgao ou funcionario”."* A palavra archief, que Leavitt traduziu por archival collection, significa realmente documentos de uma determinada entidade que foram mantidos num servico de registro (registry office).* * Sir Hilary Jenkinson, no seu manual inglés intitulado Manual of archive administration, edigao de 1937 (1" edigdo publicada em Oxford, 1922), defi- niu arquivos como documentos “...produzidos ou usados no curso de um ato administrativo ou executivo (piblico ou privado) de que sao parte constitupinte e, subseqiientemente, preservados sob a custédia da pessoa ou pessoas responsaveis por aquele ato e por seus legitimos sucessores para sua propria informagao”.”” * N. do T.: Traduzido para o portugués por Manoel Adolpho Wanderley e editado na série Publicagées Técnicas, pelo Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, em 1960. 145p. *° Muller & Fruin, 1940:13. ** N, do T.: Equivale a protocolo geral. Ver nota da tradutora no capitulo 8. ” Jenkinson, 1937:11. T. R. SCHELLENBERG * 37 O arquivista italiano Eugenio Casanova (1867-1951), no seu manual in- titulado Archivistica, publicado em Siena, em 1928, define arquivos como “a acumulagao ordenada de documentos criados por uma instituigao ou pes- soa no curso de sua atividade e preservados para a consecugao de seus obje- tivos politicos, legais e culturais, pela referida instituigdo ou pessoa”."® Oarquivista alemao Adolf Brenneke (1875-1946), por muitos anos dire- tor do Arquivo do Estado da Prassia, cujas conferéncias foram reunidas em forma de manual por Wolfgang Leesch numa publicagao intitulada Archivkunde, publicada em Leipzig, 1953, define arquivos “como 0 conjunto de papéis e documentos que promanam de atividades legais ou de negécios de uma pessoa fisica ou juridica e se destinam a conservagaéo permanente 19 em determinado lugar como fonte e testemunho do passado”. Elementos das definicées Se analisarmos os elementos destacados nas definigdes dos arquivistas dos diversos paises, veremos que se relacionam tanto a fatores concretos (tangible) como a fatores abstratos (intangible). Os elementos relativos aos fatores concretos — a forma dos arquivos, a fonte de origem e o lugar de sua conservagdo — nao sao essenciais 4 caracterizagao do material de arquivo, pois os arquivistas, em suas definigdes, deixam claro que os arquivos podem ter varias formas, podem vir de varias fontes e podem ser guardados em varios lugares. Os elementos relativos a fatores abstratos sao os elementos essenciais. Sou de opiniao que sé existem dois elementos dessa natureza; contudo, consideraremos também um terceiro elemento que Jenkinson re- puta essencial. O primeiro elemento essencial refere-se a razio pela qual os materiais foram produzidos e acumulados. Para serem considerados arquivos, os do- cumentos devem ter sido criados e acumulados na consecugio de algum objetivo. Numa reparticao do governo, esse objetivo é o cumprimento de sua finalidade oficial. Os arquivistas holandeses salientaram o fato de que os arquivos sao “oficialmente recebidos ou produzidos”, Jenkinson acentuou que a producao dos mesmos tem origem “no curso de um ato administrativo “* Casanova, 1928:9. * Brenneke, 1953:97. BR + Agguivos wonkkwos ou executivo”; e para Brenneke, resultam de “atividades legais ou de negé- cios”. &, pois, importante a razko pela qual os documentos vieram a existir, Se foram produzidos no curso de uma atividade organizada, com uma deter- minada finalidade, se foram criados durante 0 processo de consecugio de um certo fim administrativo, legal, de negécio ou qualquer outro fim social so entio considerados como tendo qualidade de material de arquivo em potencial. O segundo dos elementos essenciais refere-se aos valores pelos quais os arquivos sao preservados. Para que os documentos sejam arquivados devem ser preservados por razées outras que nfio apenas aquelas para as quais fo- ram criados ou acumulados. Essas razdes tanto podem ser oficiais quanto culturais. Em suas varias definigdes de arquivos Jenkinson ressaltou a pre- servagdo por quem os haja eriado “para sua propria informacdo” ou “para sua propria referéncia”. & interessante observar-se que em seguida, quando analisa a maneira pela qual os documentos se tornam arquivos, Jenkinson, embora essencialmente interessado em arquivos do passado, formula ob- servagdes posteriormente enunciadas por arquivistas que se ocupam de do- cumentos modernos, ao declarar que os documentos se tornam arquivo quan- do, “terminado o seu uso corrente, sejam definitivamente separados para preservacio uma vez julgada conveniente a sua guarda”” ébvio que os arquives modernos so guardados para serem usados por outros que nao aqueles que os criaram, ¢ devem ser tomadas decisdes conscientes quanto ao valor dos mesmos para tal uso. Casanova ressaltou a preservagdo dos ar- quivos para atenderem a fins politicos, legais ou culturais. O arquivista ale- m&o afirmou que os arquivos sao preservados “como fonte e testemunho do passado”, portant, é claro, para fins de pesquisa. Esta é também a opiniaio dos arquivistas americanos. Devemos admitir que a razio primordial para a preservagio da maioria dos documentos é aleangar 0 objetivo para o qual foram criados e acumulados. Em se tratando de um governo, este fim, como sabemos, é realizacao de sua atribuigio. Documentos conservados somente em fungio dessa finalidade nao so necessariamente arquivos. Para que o sejam faz-se mister uma outra raz4o — a de ordem cultural. Sao preservados para uso de outros além de seus proprios criadores. * Jenkinson, 1937:8-9 T. R. ScHELLENBERG * 39 Um terceiro elemento, que, segundo Jenkinson, é essencial 4 caracteris- tica dos arquivos, refere-se a custédia. Para este autor os documentos sio arquivos se “o fato da custédia ininterrupta” puder ser estabelecido, ou, se ao menos, se puder estabelecer uma “presuncao razoavel” do mesmo. Uma “razoavel presungdo” desse fato, segundo aquele autor, é a differentia entre um documento que é e um que nao é considerado material de arquivo." Ou, como afirma no seu Manual of archive administration, “a caracterizagao dos arquivos (archive quality) depende da possibilidade de provar a conti- nuidade de uma linha imaculada de custédias responsaveis”.” A opiniao de Jenkinson em relagao a custédia difere da opiniao dos arquivistas holande- ses para os quais bastava que os documentos fossem criados no intuito de permanecerem no servigo originario. Isto, na verdade, significa que aceita- vam, como possuindo todas as condigées para serem considerados material de arquivo, aqueles que houvessem permanecido fora de custédia oficial. Ao formular esse principio de custédia responsavel, Jenkinson provavelmente pensava na possibilidade de esta ser estabelecida na base dos antigos rolos da Chancelaria, da Fazenda e dos tribunais de Justiga. Em se tratando de documentos produzidos sob modernas condigdes de governo, a prova da “li. nha imaculada de custédias responsaveis”, ou da “custédia ininterrupta” nao pode ser tomada como um teste de caracterizagio dos arquivos. Os docu- mentos modernos existem em grande volume, sao de origem complexa e sua criagao é, muitas vezes, casual. A maneira pela qual sao produzidos torna infrutifera qualquer tentativa de controlar os documentos de per si, ou, em outras palavras, de seguir “linhas imaculadas” de “custédia intacta”. Isto é uma verdade, nao importa o sistema de arquivamento usado. Por conse- guinte, se forem oferecidos documentos modernos a um arquivo, serao acei- tos como arquivos, desde que satisfagam os outros quesitos essenciais, na “suposicdo razodvel” de que sejam realmente documentos do 6rgdo que os oferece. O arquivista moderno, é légico, interessa-se pela qualidade dos docu- mentos que recebe de um érgio do governo. Aspira a ter a “integridade dos documentos” preservados. Por isso, entende-se que os documentos de um determinado érgao: a) devem ser conservados num todo como documentos * Great Britain, Public Record Office, 1949. parte 1, p. 2. Jenkinson, 1937:11. 40 + ARQUIVOS MODERNOS desse 6rgao; b) devem ser guardados, tanto quanto possfvel, sob o arranjo que lhes foi dado pelo 6rgao no curso de suas atividades oficiais; e c) devem ser guardados na sua totalidade, sem mutilagao, modificag4o ou destruigéo nao autorizada de uma parte deles. O valor de prova do material do arquivo para o arquivista moderno baseia-se na maneira pela qual foram os docu- mentos mantidos na repartigao do governo, de como passaram a custédia do arquivo e nao no sistema pelo qual eram controlados, de per si, na repar- tigdo. Definicdo de arquivos modernos Os arquivistas de diversos paises, como vimos, definiram o termo “ar- quivos” de maneira diferente. Cada qual definiu-o segundo 0 modo como se aplica aos materiais com que lidam. Assim, os holandeses denominaram arquivos 0 contetido de um archief, ou servigo de registro, e elaboraram re- gras para o seu arranjo e descricao codificados em um manual. O arquivista inglés Jenkinson da mesma maneira definiu arquivos como correspondendo aos antigos documentos putblicos dos quais essencialmente se ocupou e ela- borou principios para o seu tratamento aplicaveis particularmente aqueles documentos. Portanto, é claro, nao ha uma definicdo do termo “arquivos” que possa ser considerada final, que deva ser aceita sem modificagdes e que seja preferivel 4s demais. A definigao pode ser modificada em cada pafs de acordo com suas necessidades peculiares. Deve fornecer uma base sobre a qual o arquivista possa lidar de fato, eficazmente, com o material produzido pelo governo a que serve. Nao deve ser aceita uma definigéo que nao corresponda a realidade. Uma definigao que tenha surgido da observagio de material da Idade Média nao podera atender as necessidades dos arquivis- tas que trabalham principalmente com documentos modernos. A reciproca desse fato também é verdadeira. O arquivista moderno, penso eu, precisa de fato dar nova definigao ao termo “arquivos” de maneira mais adequada as suas préprias exigéncias. O elemento selecao deve estar implicito na sua definicao de arquivos, pois o maior problema do arquivista atual consiste em selecionar, da massa de do- cumentos oficiais criados por instituigdes pablicas ou privadas de todos os géneros, os arquivos que se destinam a preservagao permanente. Minha de- finigéo de documentos (records) é a seguinte: TR. SCHFLLENRERG + 41 “Todos os livros, papeis, mapas, fotografias ou outtas especies docu- rmentaras, independentemente de sua apresentagio fsica ou caract ristica, expedidos ou recebidos por qualquer entidade pibliea ou pri- vada no exereicio de seus encargos legais ou em fungio das suas atividades ¢ preservados ou depositados para preservagao por aquela ‘entidade ou por seus legitimos sucessores eomo prova de suas fun ‘ces, sua politica, decisdes, métodos, operacoes ou outras atividades, ‘ou em virtude do valor informative dos dados neles contidos. Pode-se observar que esta éa definigio,ligeiramente modificada, que aparece na Lei de Destinagio das Documentes (Records Disposal Act) de 7 de julho de 1943 (44 US. Code, 966-80). Outrossim, é preciso lembrar que term “entidade”apliea-se também ‘organizagées como igtjas, firmas eomercias, assoctagdes, ligas eaté mes- smo a familias, O termo “arquivos" pode agora ser definido como: “Os documentos de qualquer instituigzo piblica ox privada que ha- jam sido considerados de valor, merecendo preservagio permanente para fins de referéneia ede pesaisa e que hajam sido depositados ox selecionados para depésito, nur arquivo de custédia permanente.” As caraeteristicas esseneiats dos arquivos relacionam-se, pois, com as azes pelas quais os documentos vieram a exist eeom as razies pelas quais foram preservados, ‘Aceitamos, agora, que, para serem arquivos, os documentos devem ter sido produzidos ou acumulados na consecugao de um determinado objetivo €e possuir valor para ins outros que ndo aqueles para os quais foram produ- ‘dos ou acumulades. Arquivos piblicos tém, entdo, dois tipos de valores: os, para. a repartigdo de origem, e valores secundaios, para valores prima as outras repartigGes e para pessoas estranhas 20 servigo pablico,

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