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CURSOS DE ESTETICA Volume III G. W. F. Hegel Tradugdo Marco Aurélio Werle / Oliver Tolle Consultoria Victor Knoll ewe Segundo Capitulo A MUSICA Se observamos 0 percurso que fizemos até o momento no desenvolvimento das artes particulares, vemos que comegamos com a arguitetura. Ela era a arte mais incompleta, pois a achamos incapaz de expor o espiritual em presenga adequada ape- has na matéria pesada que ela apreendeu como seu elemento sensivel e tratou segun- do as leis da gravidade, e tivemos de restringi-la A preparagdo de um ambiente exte- rior adequado a arte a partir do espirito para o espitito em sua existéncia viva, efetiva. Em segundo lugar, ao contrério, a escultura fez certamente do espiritual mes- mo © seu objeto, mas nem como carter particular nem como interioridade subjeti- va do &nimo, porém como a individualidade livre que tampouco se separa do Conteti- do substancial bem como do fendmeno corporal do espiritual, e sim como individuo apenas | 132| chega a exposigio até onde & necessério para a vivificagio individual de um contetido em si mesmo essencial, e como interior espiritual penetra as For- mas corporais apenas até onde permitem a unificagio em si mesma indivisa do es- Pirito e sua forma natural a ele correspondente. Esta identidade, necesséria para a escultura, do espirito apenas existente para si mesmo em seu organismo corporal — em vez de existir no elemento de sua propria interioridade — atribui a esta arte a tarefa de ainda manter como material a matéria pesada, mas nao a forma dela, como © faz a arquitetura formando um ambiente meramente inorgnico segundo as leis da gravidade ¢ da sustentagdo, e sim a transforma na beleza clissica adequada ao espi- rito © & sua plastica ideal. Se a escultura a este respeito se mostrou particularmente apropriada a deixar © Contetido © 0 modo de expressio da Forma de arte cldssica se tornarem vivos 27 CURSOS DE ESTETICA em obras de arte, ao passo que a arquitetura, seja a qual conteddo ela também pode se mostrar Util, em sua espécie de exposigdo no conseguiu ultrapassar o tipo fun- damental de uma alusio apenas simbdlica, entio entramos em terceiro lugar no Ambito do romantico. Pois na pintura certamente a forma exterior ainda € 0 meio através do qual se revela o interior, mas este interior € a subjetividade ideal [ideelle}, particular, 0 animo voltado para si mesmo desde a sua existéncia corpo- ral, a paixdo subjetiva ¢ o sentimento do carter e do coragdo, que no mais se derramam totalmente na forma exterior, mas retratam nela justamente o ser-para- si interior e a ocupagio do espirito com o Ambito de seus proprios estados, fins ages. Por causa desta interi idade de seu contetido, a pintura no pode mais se contentar com a matéria nao particularizada, por um lado apenas configurada se- gundo 0 peso, por outro lado apenas apreensivel segundo a sua forma, e sim deve apenas escolher a aparéncia ¢ a aparéncia da cor dela como meio de expresso sensivel. Todavia, a cor apenas |133| existe para tornar aparente Formas [Formen] ¢ formas [Gestalten] espaciais, como existentes em efetividade viva, mesmo quando a arte de pintar se desenvolve em uma magia do colorido, na qual o objetivo co- mega, por assim dizer, a se esvaecer € 0 efeito quase no mais ocorre por algo de material. Por isso, por mais que a pintura também se desenvolva para o tornar-se livre ideal da aparéncia, que no mais esté presa & forma como tal, ¢ sim tem a permissio de se liberar para si mesma em seu préprio elemento, no jogo da apa- réncia € do reflexo [Scheine und Widerscheine], nos encantos do claro-escuro, esta magia da cor, todavia, é ainda de espécie espacial, uma aparéncia que existe sepa- rada e, por conseguinte, & subsistente. 1. Mas se o interior, tal como jé ocorre com o principio da pintura, deve de fato se dar a conhecer como interioridade subjetiva, entdo 0 material verdadeiramente correspondente no pode ser da espécie que ainda tem subsisténcia por si mesma. Desse modo, aleangamos um modo de exteriorizagiio e de comunicagao em cujo elemento sensivel a objetividade no mais penetra como forma espacial, para nela resistir, € necessitamos de um material que em seu ser-para-o-outro é destituido de con} téncia e que jé desaparece imediatamente em seu nascimento ¢ existéncia mesmos. Esta eliminagio nao apenas de wma dimensio espacial, mas da espaciali- dade total em geral, este completo retraimento na subjetividade segundo o lado do interior como da exteriorizagio é realizada pela segunda arte romantica — a musica Ela constitui nesta relagio 0 auténtico ponto central daquela exposigao que toma para si o subjetivo como tal tanto como contetido quanto como Forma, na medida em que ela, como arte, na verdade manifesta o interior, mas na sua objetividade permanece ela mesma subjetiva, isto é, nio deixa, tal como a arte plistica, ser para si mesma livre a exteriorizagio que escolhe e a torna uma existéncia que subsiste calmamente 278 AMOSICA em si mesma, e sim suspende a mesma como objetividade ¢ nio permite ao exterior que se aproprie, como exterior, de uma existéncia firme diante de nés. [134] Na medida em que, todavia, a supressio da objetividade espacial como modo de exposigao é um abandono dela, a qual primeiramente ainda provém da es- pacialidade sensivel das artes plisticas mesmas, esta négagio deve igualmente se executar inteiramente na materialidade até 0 momento calmamente subsistente por si mesmo, tal como a pintura em seu campo reduziu as dimensées espaciais da es- cultura & superficie. A supressiio do espacial consiste aqui, por i sso, apenas no fato de que um material sensivel determinado renuncia A sua calma separagio reciproca, entra em movimento, mas vibra de tal modo em si mesmo que cada parte do corpo compacto nao apenas modifica o seu lugar, mas também aspira a se recolocar no estado anterior. O resultado deste vibrar oscilante € 0 som, o material da mtisica. Com o som a misica abandona o elemento da forma exterior e sua visibilida- de intuitiva e também necesita, por isso, para a apreensio de suas produgées, de um outro drgdo subjetivo, o ouvido que, assim como a vista, no pertence aos senti- dos praticos, mas aos sentidos tedricos ¢ é ele mesmo ainda mais ideal do que a vista. Pois a contemplagao quicta, sem desejo, de obras de arte, deixa certamente os obje- tos subsistirem por si mesmos em repouso tal como esto af, sem querer destruf-los, mas 0 que ela apreende nao € 0 que € posto de modo ideal em si mesmo, e sim, a0 contrério, 0 que se mantém em sua existéncia sensivel. A orelha, ao contrério, sem se voltar praticamente para os objetos, percebe o resultado daquele vibrar interior dos corpos, por meio de que nao mais aparece a forma material quieta, ¢ sim a pri- meira resposta animica [Seelenhaftigkeit] mais ideal. Uma vez que, além disso, a ne- gatividade, na qual aqui penetra o material vibrante, € por um lado uma superagio do estado espacial, ela mesma novamente superada por meio da reagdo do corpo, assim a exteriorizagao desta dupla negaco, o som, € uma exterioridade que em seu Surgimento se aniquila novamente por meio de sua existéncia mesma e desaparece em si mesma [an sich selbst]. |135| Por meio desta dupla negagao da exterioridade, a qual reside no principio do som, o mesmo corresponde a subjetividade interior, na medida em que o ressoar, que ja € em si e para si algo de mais ideal do que a corpo- reidade real para si mesma subsistente, também abandona esta existéncia mais ideal e desse modo torna-se um modo de exteriorizagao adequado ao interior. 2. Se questionarmos, inversamente, de que espécie deve ser o interior para, Por seu lado, poder novamente se mostrar adequado ao ressoar € a0 som, entdo ja vimos que, por si, tomado como objetividade real, 0 som é inteiramente abstrato diante do material das artes plasticas. A pedra e a coloragio acolhem em si mesmas a Forma de um mundo amplo, multiforme dos objetos, e exp3em os mesmos segun- do sua existéncia efetiva; os sons nao sao capazes disso. Para a expresso musical, 29 CURSOS DE ESTETICA Por isso, é unicamente apropriado o interior inteiramente sem objeto, a subjetivida- de abstrata como tal. Esta é nosso eu inteiramente vazio, 0 si-mesmo [Selbst] sem contetido mais amplo. A tarefa principal da midsica consistir4, por isso, em deixar ressoar nio a objetividade mesma, mas, a0 contrério, 0 modo no qual o si-mesmo mais intimo € movido em si mesmo segundo a sua subjetividade ¢ alma ideal. 3. O mesmo vale para o efeito da mtsica. O que pode ser reivindicado por ela € a dltima interioridade subjetiva como tal; ela é a arte do animo que imediatamen- te se volta ao Gnimo mesmo. A pintura, por exemplo, como vimos, na verdade, era igualmente capaz de expressar a 1a ¢ 0 agir interiores, as disposigdes e as paixdes do coragio, as situagées, 08 conflitos ¢ os destinos da alma nas fisionomias € nas formas; mas 0 que temos inte de nds sio fendmenos objetivos dos quais 0 eu in- tuitivo como si-mesmo interior ainda permanece diferenciado. Por mais que queira- mos mergulhar e nos aprofundar no objeto, na situago, no cardter, nas Formas de ‘uma estétua ou de um quadro, admirar a obra de arte, entrar em éxtase diante dela, nos preencher |136| imensamente por ela — de nada adianta, estas obras de arte sio © permanecem objetos por si mesmos subsistentes, em respeito aos quais no conse- guimos ultrapassar a relagao do intuir. Mas na mdsica esta diferenciagdo desapare- ce. Seu contetido € 0 subjetivo em si mesmo [an sich selbst}, € a exteriorizagio nao conduz igualmente a uma objetividade que permanece espacial, mas mostra, por meio de sua oscilagio livre destitufda de sustentagao, que ela € uma comunicagio, a qual, em vez de possuir por si mesma uma subsisténcia, apenas deve ser sustentada pelo interior e pelo subjetivo apenas deve existir para o interior subjetivo. Assim, o som é certamente uma exteriorizagio e uma exterioridade, mas uma exteriorizagao que imediatamente se faz novamente desaparecer justamente pelo fato de que é exterio- ridade. Mal a orelha a apreendeu, ela silencia; a impressio que aqui deve encontrar lugar se interioriza imediatamente; os sons apenas ressoam na alma mais profunda, idade ideal € comovida e colocada em movimento. idade destituida de objeto const , NO que se refere ao conted- do, bem como ao modo de expresso, 0 aspecto formal da misica. Ela certamente também possui um contetido, mas nem no sentido das artes plisticas nem no da poesia; pois o que Ihe falta é justamente o configurar-se a si objetivamente, seja para as Formas dos fendmenos exteriores efetivos seja para a objetividade de intui- Ses € representagdes espirituais. No que concerne ao decurso que queremos dar as nossas consideragdes ulte- riores, temos: Em primeiro lugar, de ressaltar 0 cardter geral da misica e seu efeito, a dife- renga das demais artes, tanto pelo lado do material como pelo da Forma que assu- me o contetido espiritual. 280 AMESICA Em segundo lugar, temos de discutir as diferengas determinadas nas quais se desdobram ¢ se medeiam os sons musicais e suas figuragdes, em parte no que diz respeito & sua duragio temporal, em parte em relagdo as diferengas qualitativas de seu ressoar real. Em terceiro lugar, por fim, a miisica alcanga uma relago com o |137| con- tetido que ela expressa, na medida em que ou se associa, como acompanhamento, a0s sentimentos j4 expressados pela palavra, pelas representagdes ¢ pelas conside- ages ou se move livremente em seu préprio Ambito com autonomia sem vinculos. Se quisermos agora, depois desta indicagio geral do principio ¢ da diviséo da miisica, prosseguir para a discussio de seus lados particulares, surge entio, segun- do a natureza da coisa, uma dificuldade propria. A saber, pelo fato de que o elemento musical do som e da interioridade, para o qual se impulsiona 0 contetido, & tio abstrato e formal, nao pode ser feita outra transigGo ao particular a nao ser que se recaia imediatamente nas determinagdes técnicas, nas relagdes de medida dos sons, nas diferenciagdes dos instrumentos, nas tonalidades, nos acordes etc. Mas neste Ambito sou pouco versado e, por isso, devo me desculpar de antemio se eu apenas me restringir aos pontos de vista mais universais e as observagdes isoladas, 1. O CARATER GERAL DA MUSICA Os pontos de vista essenciais que em geral so de importancia no que diz res- peito & musica, podemos examinar segundo a seguinte sucessio: Em primeiro lugar, temos de comparar a misica, por um lado, com as artes plasticas, por outro lado, com a poesia. Em segundo lugar, desse modo resultard para nds mais precisamente a espécie € 0 modo segundo os quais a musica € capaz de aprender e expor um contetido. Em terceiro lugar, a partir desta espécie de tratamento podemos esclarecer mais determinadamente o efeito peculiar que a musica, & diferenga das demais ar- tes, exerce sobre o animo. [138 |a. Comparago com as artes plasticas ¢ a poesia No que se refere ao primeiro ponto, devemos comparar a musica com as ou- tras artes segundo trés lados, caso queiramos destacé-la claramente em sua particu- laridade especifica. @) Em primeiro lugar, ela se encontra todavia em um parentesco com a ar- quitetura, embora se oponha A mesma. 281 CURSOS DE ESTETICA aa) Se, a saber, na arquitetura o contetdo que deve se manifestar em Formas arquitetdnicas nao penetra inteiramente na forma como nas obras da escultura ¢ da pintura, mas permanece distinto dela como um ambiente exterior, entdo também na misica, como arte propriamente romantica, num modo semelhante est dissolvida novamente a identidade classica do interior e de sua existéncia exterior, mesmo que de modo invertido, jd que a arquitetura, como espécie de exposicao simbélica, ain- da niio era capaz de alcangar aquela unidade. Pois o interior espiritual prossegue da mera concentragao do nimo para as intuigdes e as representagdes e suas Formas desenvolvidas por meio da fantasia, ao passo que a miisica permanece mais capaci- tada a expressar o elemento do sentimento e envolve as representacdes expressas por si mesmas do espirito com os sons melédicos do sentimento, assim como a ar- quitetura em seu Ambito dispde em torno da estétua do Deus, de um modo certa- mente rigido, as Formas racionais de suas colunas, muros e vigamentos. BB) Assim, o som e a sua figuragdo se tornam de um modo completamente diferente um elemento primeiramente feito pela arte € pela expresso meramente artistica, do que ocorre na pintura e na escultura com o corpo humano e sua postu- 12 € fisionomia. Também a este respeito a mdsica pode ser comparada mais preci- samente com a arquitetura, a qual toma suas Formas nao do existente, |139| mas da invengio espiritual, a fim de configurd-las em parte segundo as leis da gravida- de, em parte segundo as regras da simetria ¢ da eurritmia. © mesmo faz a misica em seu ambito, na medida em que ela, por um lado, independentemente da expres- sio do sentimento, segue as leis harménicas do som que repousam sobre relagdes quantitativas, por outro lado tanto no retorno do compasso e do ritmo bem como também em desenvolvimentos mais amplos dos sons mesmos reverte variadamente para as Formas da regularidade e da simetria. E assim, pois, domina na misica igual- mente a mais profunda intimidade ¢ alma bem como o entendimento mais igoro- so, de modo que ela retine em si mesma dois extremos, que facilmente se autono- mizam mutuamente. Nesta autonomizagao, a miisica alcanga particularmente um cardter arquiteténico quando, desprendida da expresso do Animo, executa por si mesma uma construgdo musical de sons conforme a leis. yy) Em toda esta semelhanga, a arte dos sons se move, todavia, igualmente em um reino inteiramente oposto & arquitetura. Em ambas as artes certamente as relagdes quantitativas, e m: precisamente da medida, fornecem a base, contudo 0 material que € enformado de acordo com estas relagdes se contrapde diretamente. A arquitetura apreende a massa sensivel pesada em seu calmo um-ao-lado-do-ou- tro [Nebeneinander] e em sua forma exterior espacial, a misica, a0 contrério, apre- ende a alma do som que se liberta da matéria espacial nas diferengas qualitativas do fluxo continuo do movimento temporal da ressonancia, Por isso, as obras de 282 AMOSICA ambas as artes pertencem também a duas esferas inteiramente diferentes do espiti- to, na medida em que a arquitetura apresenta de modo duradouro as suas imagens colossais para a intuigao exterior em Formas simbélicas, enquanto 0 mundo sonoro que passa rapida e ruidosamente penetra imediatamente pela orelha no interior do Animo e dispde a alma para sentimentos simpéticos. B) No que concerne, em segundo lugar, a relago mais precisa da mésica com 1140] as outras duas artes, a semelhanca ¢ a diversidade que se pode apontar jé estdio em parte fundamentadas naquilo que foi indicado anteriormente. aa) O mais distante da miisica esta a escultura, tanto no que diz respeito ao material ¢ ao modo de configuragio desta, como também no que se refere & comple- ta configuragao reciproca do interior do exterior, a qual conduz a escultura, Com a pintura, ao contrério, a miisica jd possui um parentesco mais proximo, em parte por causa da interioridade predominante da expresso, em parte também em relagio a0 tratamento do material, no qual, como vimos, a pintura pode se aproximar bastante do ambito da miisica. Mas a pintura, contudo, possui como o seu alvo, em comum com a escultura, sempre a exposi¢o de uma forma [Gestalt] espacial objetiva e se encontra presa por meio da Forma [Form] efetiva desta, j4 dada fora da arte. Na ver- dade, nem o pintor nem 0 escultor tomam todas as vezes 0 rosto humano, uma posi- 40 do corpo, as linhas de uma formagao montanhosa, os ramos e as folhagens de uma drvore como eles véem imediatamente estes fendmenos exteriores aqui ow ali na natureza, mas tém a tarefa de preparar o que encontram diante deles e fazé-lo adequado a uma situacdo determinada bem como A expresso que se segue necessa- riamente do contetido disso. Aqui, portanto, se encontra, por um lado, um contetido por si mesmo pronto, que deve ser individualizado artisticamente, por outro lado as Formas da natureza jé se encontram igualmente dadas por si mesmas, ¢ 0 artista, caso queira configurar um no outro estes dois elementos, tal como € seu oficio, tem em ambos pontos de sustentagao para a concepgao ¢ a execugdo. Na medida em que ele Parte de tais determinagées firmes, em parte ele tem de dar corpo de modo mais concreto ao universal da representagdo, em parte tem de generalizar e espiritualizar a forma humana ou outras Formas da natureza que podem servir-Ihe como modelos em sua singularidade. |141| © misico, ao contrério, certamente também nao abs- trai de todo ¢ qualquer contetido, mas encontra 0 mesmo em um texto que ele poe em miisica, ou reveste, de modo mais independente, qualquer disposigao na Forma de um tema musical, que cle entio a seguir configura; mas a regiao mais propria de suas composig6es permanece a interioridade mais formal, o puro ressoar, e em vez de um figurar para o exterior, seu aprofundamento no contetido torna-se muito mais um recuo para dentro da prépria liberdade do interior, uma entrega de si em si mes- mo € em alguns ambitos da misica inclusive uma cert ago de que ele, como ar- 283 ‘CURSOS DE ESTETICA tista, é livre do contetido. Se em termos gerais ja podemos ver a atividade no ambito do belo como uma liberagao da alma, uma libertagdo da opressio e do cardter limi- tado — na medida em que a arte mesma suaviza os destinos tragicos mais violentos por meio do configurar tedrico ¢ os deixa se tornarem um prazer ~ assim a mtisica conduz esta liberdade para o ponto maximo. O que, a saber, as artes pldsticas alcan- cam por meio da beleza pléstica objetiva, que apresenta na particularidade do singu- lar a totalidade do homem, a natureza humana como tal, o universal ¢ o ideal, sem perder a harmonia em si mesma, isto a mtisica deve executar de modo inteiramente diferente. O artista plastico apenas precisa produzir para fora ¢ apresentar diante dele (hervor- und herauszubringen] 0 que esta encoberto na representaco, 0 que jé esta nela (darin] desde sempre, de modo que todo o singular em sua determinidade es- sencial é apenas uma explicagao detalhada da totalidade que jé paira diante do espf Tito por meio do contetido a ser exposto. Uma figura, por exemplo, em uma obra de arte plastica, exige nesta ou naquela situagdo um corpo, mios, pés, um corpo com tal expressio, com tal posigiio, com outras figuras, com outros contextos etc. e cada uum destes lados exige os outros para se ligar com eles em um todo em si mesmo fun- damentado. O desenvolvimento do tema é aqui | 142| apenas uma andlise mais exa- ta daquilo que ele j4 possui em si mesmo [an sich selbst] e quanto mais elaborada se torna a imagem, que entio esta diante de nds, tanto mais se concentra a unidade e se reforca a conexiio mais determinada das partes. A expressiio mais perfeita do singu- lar, quando a obra de arte € de espécie auténtica, deve ao mesmo tempo ser a produ- 40 da suprema unidade. Sem divida também nao deve faltar a uma obra de arte musical a articulagio e o acabamento interiores para 0 todo, no qual uma parte torna necessdria a outra; mas aqui a execugo & em parte de espécie inteiramente diferen- te, em parte temos de tomar a unidade em um sentido mais restrito. BB) Num tema musical, o significado que ele deve expressar jé se encontra exaurido; se ele € repetido ou também conduzido para contrastes ¢ mediagdes mais, amplos, entdo estas repetigdes, digressdes, aperfeigoamentos por meio de outras tonalidades etc. mostram-se facilmente para o entendimento como superficiais e per- tencem apenas mais & elaboragao musical e ao aprofundamento no elemento varia- do das diferencas harménicas, as quais no siio nem exigidas pelo contetido mesmo nem permanecem por cle sustentadas, a0 passo que nas artes plasticas, ao contré- tio, a execugao do singular e no singular apenas se torna um ressaltar sempre mais exato € uma anilise viva do contetido mesmo. Todavia, nao se pode negar que tam- bém em uma obra musical, por meio do modo ¢ da espécie de como um tema se desenvolve, um outro se acrescenta € ambos em sua alternfincia ou em seu entrela- gamento se impulsionam, se modificam, ora sucumbem, ora novamente emergem, aqui aparecem derrotados, ali novamente surgem vitoriosos, um contetido pode se 284 AMOSICA explicar em suas relagdes mais determinadas, em contrastes, em conflitos, em pas- sagens, em complicagdes e em solugdes. Mas também neste caso a unidade no se toma mais aprofundada ¢ concentrada por meio de tal elaboragdo, como na escul- tura e na pintura, mas antes € uma amplificagdo, uma difusio, |143] uma separa- ¢Ho, um distanciamento ¢ uma retomada, para os quais 0 contetido que deve se expressar permanece certamente 0 ponto central mais universal, mas no mantém 0 todo tao firmemente unido, tal como é possivel nas formas da arte plastica, parti- cularmente onde ela se restringe ao organismo humano. Yy) Segundo este lado, a misica, a diferenga das demais artes, estd excessi- vamente préxima do elemento daquela liberdade formal do interior para que ela Possa se voltar em maior ou menor grau para o que est presente, para o contetido. A recordagio [Erinnerung] do tema assumido é, por assim dizer, uma interioriza- ao [Er-Innerung] do artista, isto é, um tornar-se-interior [Innewerden}', de modo que ele € 0 artista e pode se mover arbitrariamente e se voltar para cé ou para lé Mas o livre fantasiar é a este respeito expressamente distinguido de uma pega musi cal em si mesma fechada, a qual essencialmente deve constituir um todo articula~ do. No livre fantasiar 0 ndo-estar-preso [Ungebundenheit] & ele mesmo finalidade, de modo que o artista, dentre outras coisas, também pode mostrar a liberdade de entretecer melodias e passagens conhecidas em sua produgio instantanea, desco- brir nelas um lado novo, elaboré-las em diversas nuangas, conduzir a outras ¢ a partir disso igualmente também prosseguir para o mais heterogéneo. Mas no todo, uma pega musical encerra, em geral, a liberdade de ser execu- tada de modo mais contido e de observar uma unidade, por assim dizer, mais plés- tica ou de se mover em vitalidade subjetiva, a partir de cada ponto, com o arbitrio em divagacées maiores ou menores, do mesmo modo de oscilar para ld e para c4, de se deter em caprichos, deixar irromper isso ou aq lo € entdo novamente prosse- guir em uma rdpida torrente. Se, por conseguinte, se deve recomendar ao pintor, ao escultor, que estudem as Formas naturais, a mdsica, por seu lado, nao possui um tal circulo ja fora de suas Formas dadas, ao qual ela fOsse forgada a se manter. A abrangéncia de sua conformidade a leis € necessidade das Formas recai basicamen- te [144] no Ambito dos sons mesmos, que nao penetram em uma conexio tio es- treita com a determinidade do contetido que neles se introduz, e no que se refere & sua aplicagao, além disso, permitem, em geral, um amplo espaco de jogo para a liberdade subjetiva da execugao. 1, 0 termo Erinnerung pode ser traduzido tanto por “recordasio” como por “interiorizaga0”. © termo Innewerden, por seu lado, possui igualmente dois sentidos, sendo mais comum a forma verbal innewerden “se aperceber de” (N. da T). 285 ‘CURSOS DE ESTETICA Este € 0 ponto de vista principal segundo o qual se pode opor a miisica as artes configuradas mais objetivamente. ¥) Por outro lado, em terceiro lugar, a miisica tem 0 maior parentesco com a poesia, na medida em que ambas se servem do mesmo material sensivel, do som. Mas também entre estas artes se encontra a maior diversidade, tanto no que se refere espécie do tratamento dos sons, como também no que toca a0 modo da expressio. a) Na poesia, como ja vimos na divisio geral das artes, 0 som como tal no € emitido por meio de instrumentos variados, inventados pela arte, € configurado rica ¢ artisticamente, mas 0 som articulado do rgio humano da fala é reduzido a mero signo do discurso ¢ mantém, por isso, apenas o valor de ser uma designacao de representagdes por si mesma destituida de significado. Desse modo, 0 som per- manece, em geral, uma existéncia sensfvel auténoma, a qual, como mero signo de sentimentos, representagdes e pensamentos, possui sua exterioridade e objetivida- de a ela mesma imanente pelo fato de ser apenas este signo. Pois a auténtica obje- tividade do interior como interior nao consiste em sons ¢ palavras, ¢ sim no fato de que tenho consciéncia de um pensamento, de um sentimento etc., que fago deles um objeto para mim e assim os tenho na representago diante de mim ou entio desenvolvo para mim o que reside em um pensamento, em uma representacio, des- dobro as relagdes exteriores ¢ interiores do contetido de meus pensamentos, rela- ciono mutuamente as determinagées particulares etc. Certamente pensamos sempre com palavras, sem todavia necessitarmos da fala efetiva. Por meio desta indiferen- ga do som verbal como sensivel |145| diante do contetido espiritual das represen- {ages etc., para cuja comunicagio eles so empregados, 0 som adquire aqui nova- mente autonomia. Na pintura, na verdade, a cor ea sua composigao, tomada como mera cor, € igualmente por si mesma destituida de significado ¢ um elemento sen- sivel auténomo diante do espiritual; mas a cor como tal ainda nao constitui nenhu- ma pintura, ¢ sim devem ser acrescentadas a forma [Gestalt] e sua expresso. Com estas Formas [Formen] espiritualmente animadas a coloragéo entra entiio em uma conexo muito mais estreita do que a possuem o som verbal e sua combinacio em Palavras com as representagdes. ~ Se olharmos para a diferenga do emprego posti- €o € musical do som, veremos que a misica no oprime o som em som verbal, € sim faz do som mesmo por si seu elemento, de modo que ele, na medida em que é som, € tratado como finalidade. Desse modo, o reino dos sons, jd que ndo deve ser- vir apenas para a mera designagio, pode neste tornar-se chegar a ser um modo de Configuragio que permite & sua prépria Forma, como configuragao sonora [Tonge- bilde] ricamente artistica, tomar-se sua finalidade essencial. Particularmente em €poca mais recente a misica, rompendo com um Contetido por si mesmo ja claro, Fetornou assim ao seu préprio elemento, mas para isso perdeu também tanto mais 286 AMUSICA poder sobre todo 0 interior, na medida em que o prazer que ela pode oferecer ape- nas se volta para um lado da arte, ao mero interesse, a saber, para o que é pura- mente musical da composigio ¢ sua habilidade, um lado que é apenas questiio para especialista ¢ importa menos ao interesse artistico universalmente humano. BB) Mas o que a poesia perde em objetividade exterior, na medida em que sabe eliminar seu elemento sensivel, até onde somente é permitido @ arte, ela ganha em objetividade interior das intuigdes e das representagdes, as quais a linguagem poé: tica apresenta diante da consciéncia espit tual. Pois estas intuigdes, sentimentos, Pensamentos, a fantasia tem de configurar em um mundo por si mesmo pronto de acontecimentos, agdes, disposigdes do animo | 146] e irrompimentos da paixio, e desenvolve deste modo obras nas quais toda a efetividade, tanto segundo o fend- meno exterior quanto segundo o Contetido interior, se torna intuigao ¢ representa- 40 para 0 nosso sentimento espiritual. A miisica deve renunciar a esta espécie de objetividade, na medida em que se quer manter auténoma em seu préprio campo. O reino dos sons tem, a saber, como jé indiquei, certamente uma relago com 0 4nimo ¢ uma concordincia com os movimentos espirituais dele; mas ele no chega a ir além de um simpatizar sempre mais indeterminado, embora, segundo este lado uma obra musical, se decorreu do animo mesmo e foi penetrada por uma alma e sentimento ricos, pode igualmente de novo fazer efeito ricamente. — Nossos senti- mentos, além disso, também jé transitam de seu elemento da intimidade [Jnnigkeit] indeterminada para um Contetido (Gehalf] e um entretecimento subjetivo com ele em diregdo a intuigao mais concreta a representago mais universal deste contet- do [Inhalt]. Isto também pode acontecer em uma obra musical, to logo os senti- mentos que ela suscita em nés, segundo sua prépria natureza e alma artistica, se con- figurem em nés como intuigées e representagdes mais precisas e, com isso, também levem a consciéncia a determinidade das impressdes do Animo como intuiges mais firmes e representagdes mais universais. Mas isto é entio a nossa representagio ¢ intuigao, para as quais certamente a obra musical deu o primeiro impulso, mas ela mesma, todavia, no as produziu imediatamente por meio do tratamento musical dos sons. A poesia, em contrapartida, expressa os sentimentos, as intuigdes € as repre- sentagdes mesmos ¢ também pode nos esbocar uma imagem dos objetos exteriores, embora, por seu lado, ela nao possa nem aleangar a plastica nitida da escultura da pintura nem a intimidade de alma [Seeleninnigkeit] da mtisica e, por isso, deve invocar como complemento nossa intuigdo sensivel restante ¢ apreensio animica destituida de linguagem yy) Mas, em terceiro lugar, a misica nao permanece presa a esta autonomia 1147| diante da arte da poesia e do Contetido [Gehalt] espiritual da consciéncia, € sim se irmana com um conteiido [Inhalt] ja inteiramente desenvolvido por meio 287 (CURSOS DE ESTETICA da poesia ¢ expresso claramente como decurso de sentimentos, consideragdes, even- tos © ages. Se, todavia, o lado musical de uma tal obra de arte deve ser o essen- cial ¢ 0 que predomina nela, entZo a poesia como poema, drama etc. nao pode se apresentar com a reivindicagio por validade peculiar. Em geral, no interior desta unio entre a miisica ¢ a poesia o predominio de uma arte € prejudicial para a outra. Se, por conseguinte, o texto como obra de arte poética tem por si mesmo valor completamente auténomo, entéo ele pode esperar apenas um apoio insigni- ficante da misica; como, por exemplo, a miisica nos coros draméticos dos antigos era um acompanhamento meramente subordinado. Mas se, inversamente, a misi- ca alcanga a posigio de uma peculiaridade por si mesma mais independente, 0 texto, segundo sua execugao poética, pode entio novamente ser apenas superficial € ficar preso aos sentimentos universais © as representages mantidas de modo universal. ElaboragSes poéticas de pensamentos profundos fornecem tampouco um bom texto musical bem como descrigdes de estados da natureza exteriores ou da poesia descritiva em geral. Cantos, drias de éperas, textos de oratérios etc. po- dem, por conseguinte, no que se refere execugdo postica mais precisa, ser insu- ficientes e de uma certa mediocridade; © poeta, caso 0 misico deva conservar li- vre espago de jogo, nao deve querer ser admirado como poeta. Segundo este lado, Particularmente os italianos tiveram grande habilidade, como, por exemplo, Me- tastésio® e outros, ao passo que os poemas de Schiller, que também nao foram feitos de modo algum para tal finalidade, se revelam como muito pesados ¢ inaproveité- veis para a composigio musical. Onde a misica chega a um desenvolvimento mais de acordo com a arte, entende-se alias pouco ou nada do texto, particularmente em nossa Ifngua e prontincia alemas. |148| Por conseguinte, também constitui uma dirego nao-musical colocar © peso principal do interesse no texto. Um puiblico italiano, por exemplo, conversa durante as cenas menos significativas de uma Spera, come, joga cartas etc., mas se comega alguma dria que se destaca ou uma outra pega musical importante, entio cada um presta a maxima atengdo. Nos alemies, a0 contrério, temos 0 maior interesse no destino e nas falas dos principes ¢ das Princesas das 6peras, com seus criados, escudeiros, confidentes e criadagem; e certamente existem ainda hoje muitos que, tZo logo comega o canto, deploram que © interesse foi interrompido ¢ entdo se consolam conversando. — Nas miisicas sa- cras 0 texto também é muitas vezes ou um credo conhecido ou composto por pas- 2. Pietro Trapassi, chamado Metastésio (1698-1782). Poeta e dramaturgo italiano do século XVIII, autor de ‘ensaios crticos ¢ de dramas musicais, nos quais preconizava o equilfbrio entre a expressio literéria e a expresso musical. Suas pegas, dentre as quais se destacam Semiramis, A Cleméncia de Titus e Artaxerxes, foram musicadas (N. da 7). 288 AMOSICA sagens singulares dos salmos, de modo que as palavras devem ser vistas apenas como ocasiao para um comentario musical, que se torna por si uma execugio pré- pria e nao deve porventura apenas elevar o texto, mas toma dele basicamente ape- nas 0 universal do contetido, de modo semelhante ao que faz a pintura quando escolhe suas matérias das hist6rias sagradas. b. Concepgao musical do contetido Se questionarmos, em segundo lugar, 0 modo de concepgéo, distinto das de- mais artes, em cuja Forma a misica, seja ela acompanhante ou independente de um texto determinado, pode apreender e expressar um contetido particular, entio cu ja dizia anteriormente que a mtsica é dentre todas as artes a que abrange em si mesma a maior possibilidade de se libertar no apenas de cada texto efetivo, mas também da expresso de qualquer contetido determinado, a fim de se satisfazer me- ramente em um decurso em si mesmo acabado de combinagées, de mudangas, de oposigdes e de mediagdes, que recai no interior do Ambito puramente musical dos sons. Mas entio a musica permanece vazia, sem significado e, jd que Ihe falta 0 lado principal de toda a arte, o |149|contetido ¢ a expresso espiritual, ela ainda nao pode ser considerada propriamente como arte. Apenas quando no elemento sensivel dos sons ¢ em sua figuragao variada se expressa algo de espiritual de modo adequado, a méisica também se eleva A verdadeira arte, independentemente se este contetido alcanga por si expressamente sua designagao mais precisa por meio de palavras ou se deve ser sentido mais indeterminadamente a partir dos sons ¢ de suas relages harmoniosas ¢ animagies melédicas. @) A tarefa peculiar da misica consiste a este respeito no fato de que ela nao transforma qualquer contetido para o espirito assim como este conteddo reside como representagdo geral na consciéncia ou jé esté de outro modo presente como forma exterior determinada para a intuigo ou alcanga por meio da arte sua aparigao mais adequada, e sim no modo segundo o qual ele se torna vivo na esfera da interiorida- de subjetiva. A dificil tarefa que convém & misica consiste em deixar ressoar em sons esta vida em si mesma encoberta ou acrescenté-la as palavras e representa- Ges expressas € mergulhar as representagdes neste elemento, a fim de produzi-las novamente para o sentimento e a simpatia. ca) A interioridade como tal é, por conseguinte, a Forma na qual ela é capaz de apreender seu contetido e, desse modo, é capacitada a acolher em si mesma tudo ‘© que em geral pode entrar no interior e especialmente revestir a Forma do senti- mento. Mas aqui entio reside, a0 mesmo tempo, a determinagio de que a miisica 289 CURSOS DE ESTETICA no pode querer trabalhar para a intuigio, mas deve se restringir a fazer apreensivel a interioridade ao interior, seja para querer deixar penetrar a profundidade interior substancial de um contetido como tal nas profundezas do 4nimo ou para privilegiar a exposi¢ao da vida e do atuar de um Contetido em um interior subjetivo singular, de modo que para ela esta intimidade [Jnnigkeit] subjetiva mesma se torne seu ob- jeto mais proprio. 1150188) A interioridade abstrata tem como sua particularizag’o préxima, com a qual a misica entra em conexio, o sentimento, a subjetividade ampliadora do eu, que na verdade prossegue para um contetido, mas neste fechamento imedia- to ainda o deixa no eu € na relagdo destituida de exterioridade com o eu. Desse modo, 0 sentimento permanece sempre aquilo que apenas reveste 0 contetido, ¢ & esta a esfera reivindicada pela mtisica. Yy) Aqui entio ela se amplia para a expresso de todos os sentimentos parti- culares ¢ todas as nuangas da alegria, da serenidade, do gracejo, do humor, do cla- mor e do jabilo da alma, igualmente as gradac&es da angdstia, da afligao, da triste- za, do lamento, do desgosto, da dor, da saudade ete. € por fim do respeito, da adoragio, do amor etc. tornam-se a esfera peculiar da expresso musical. B) Fora da arte, 0 som como interjeigao, como grito de dor, como suspiro, como riso é jé a exteriorizagao imediata a mais viva dos estados da alma e dos sen- timentos, 0 “ah!” e “oh!” do 4nimo. Nisso residem uma autoprodugio e uma objeti- vidade da alma como alma, uma expresso que esti no centro entre a imersio des- tituida de consciéncia ¢ 0 retorno em si mesmo para pensamentos determinados interiormente, ¢ uma produgio que ndo € prética, mas tedrica, como também o pis- saro em seu canto possui ele mesmo este prazer e esta producio de si mesmo. A expressiio meramente natural das interjeigdes, todavia, ainda nfo é nenhuma miisica, pois estas exclamagdes na verdade ndo so nenhum signo arbitréri lado de representagdes como o som verbal ¢, por isso, também ndo enunciam um con- tetido representado em sua universalidade como representacdo, mas do a conhecer no som e junto a ele mesmo uma disposigio e um sentimento que se introduzem de modo imediato em tais sons e permitem ao coragio se aliviar por meio de sua emis- so |151 |; esta libertago, contudo, ainda nao é nenhuma libertagio por meio da arte. A missica, a0 contrério, deve colocar os sentimentos em relagdes sonoras determina- arti das ¢ retirar a expresso natural de sua selvageria, de seu irromper rude e moderé-la. y) Assim, as interjeigGes constituem certamente 0 ponto de partida da misi- ca, entretanto, ela mesma é, pela primeira vez, arte como a interjeigdo cadenciada € a este respeito tem de preparar artisticamente seu material sensivel em um grau mais elevado do que a pintura e a poesia, antes que 0 mesmo seja capaz de expres- sar de modo artistico 0 contetido do espirito. © modo mais preciso segundo o qual 290 AMOSICA © reino do som se torna elaborado para tal adequagdo, temos de considerar apenas mais tarde; por ora quero apenas retomar a observagdo de que os sons sio, em si ‘mesmos, uma totalidade de diferengas, que podem se dividir e se unir nas espécies mais diversas de sintonias imediatas, de oposigdes, de contradigdes e de mediagdes essenciais. A estas oposigdes e unificagdes, bem como a diversidade de seus movi- mentos e transigdes, do seu intervir, progredir, lutar, dissolver-se ¢ desaparecer corresponde, numa relagdo mais préxima ou mais distante, a natureza interior tan- to deste ou daquele contetido quanto também dos sentimentos, em cuja Forma o Coragao e 0 animo se apoderam de um tal contetido, de modo que tais relages so- noras, apreendidas nesta adequagio, dio a expresso animada do que est presente no espirito como conteiido determinado. Mas 0 elemento do som se mostra, por isso, mais aparentado a essencialidade simples interior de um contetido do que o material sensivel visto até 0 momento, pois © som, em vez de se afirmar em formas espaciais ¢ alcangar consisténcia como mul- tiplicidade do que esté um ao lado do outro e fora do outro, antes recai no Ambito ideal do tempo e, portanto, nio progride para a diferenca do interior simples e da forma ¢ do fendmeno corporais concretos. |152| O mesmo vale para a Forma do sentimento de um contetido, cuja expressio cabe principalmente & miisica. Na intui- Gao © na representacao, a saber, como no pensamento autoconsciente, jé entra a di- ferenciagao necesséria do eu que intui, que representa, que pensa, ¢ do objeto intuido, Tepresentado, pensado; porém, no sentimento esta diferenca é apagada ou antes ain- da nao € destacada, e sim o contetido esta entretecido indiferenciadamente com 0 interior como tal. Se a musica, por conseguinte, também se une como arte acompa- nhante com a poesia ou inversamente a poesia se une com a misica como intérprete clarificadora, entdo a misica no pode, todavia, querer tornar intuivel exteriormente ou querer reproduzir representagdes © pensamentos tais como sio apreendidos pela autoconsciéncia como representagGes e pensamentos. Mas ela deve, como jé foi dito, ou levar ao sentimento a natureza simples de um contetido em tais relagdes de sons, tais como esto aparentadas com a relagdo interior, ou deve mais precisamente procu- ar expressar aquele sentimento [Empfindung] mesmo ~ que pode estimular o conteti- do de intuigoes e representagdes no espirito tanto simpatico [mitempfindenden] quanto representador — por meio de seus sons interiorizadores ¢ que acompanham a poesia. c. Efeito da misica A partir desta diregdo também se deduz, em terceiro lugar, a poténcia com a qual a mdsica atua principalmente sobre o animo como tal, 0 qual nem prossegue 291 CURSOS DE ESTETICA para consideragGes intelectuais [verstandigen] nem dispersa a autoconsciéncia para intuigdes isoladas, e sim est acostumado a viver na intimidade [Innigkeit] e na profundidade nao aberta do sentimento. Pois justamente esta esfera, o sentido in- terior, a percepgdo-de-si abstrata é 0 que a musica apreende e, desse modo, tam- bém coloca em movimento a sede das transformagées interiores, 0 coragio eo Animo como este ponto central concentrado simples do homem inteiro. [153] a) A escultura, particularmente, dé as suas obras de arte uma existén- cia que subsiste inteiramente por si mesma, uma objetividade em si mesma fecha- da, tanto segundo 0 contetido, quanto segundo o fendmeno artistico exterior. Seu Contetido é, na verdade, a substancialidade do espiritual individualmente vivifica- da, todavia repousando autonomamente sobre si mesma, sua Forma [Form] & a for- ma [Gestalt] espacialmente total. Por isso, uma obra da escultura também conserva como objeto da intuigao, a maior autonomia. J4 0 quadro, como vimos na conside- ragdo da pintura (vol. III, p. 205), entra numa conexio mais precisa com o especta- dor, em parte por causa do contetido em si mesmo mais subjetivo que 0 quadro expde, em parte no que se refere 4 mera aparéncia da realidade que ele dé e, desse modo, demonstra que no quer ser nada para si mesmo aut6nomo, € sim ao contré- rio essencialmente apenas para um outro, para o sujeito que vé e sente. Entretanto, também diante de um quadro nos resta uma liberdade mais auténoma, na medida em que sempre apenas nos ocupamos com um objeto dado no exterior, que somen- te sobrevém a nés por meio da intuigdo e, desse modo, faz efeito primeiramente sobre 0 sentimento e a representagio. O espectador, por isso, pode se mover para 1 e para ca na obra de arte mesma, observar isso e aquilo nela, analisar 0 todo, jé que ela permanece imével diante dele, estabelecer reflexdes variadas sobre ela e conservar assim a plena liberdade para a sua consideragiio independente. aa) A obra de arte musical, ao contrério, certamente avanga como obra de arte em geral para 0 comego de uma diferenciagao do sujeito que desfruta e da obra objetiva, na medida em que alcanga em seu soar que ressoa efetivamente uma exis- téncia sensivel distinta do interior; mas em parte esta oposi¢ao no aumenta como na arte figurativa para um subsistir exterior em si mesmo duradouro no espago e para a intuitibilidade [Anschaubarkeit] de uma objetividade existente por si mesma, ¢ sim inversamente volatiza sua existéncia real para um diluir temporal imediato da mes- ma ~ em parte a miisica nao faz a separagdo entre o material exterior e |154| 0 contetido espiritual como a poesia, na qual o lado da representagio, mais indepen- dente do som da linguagem ¢ em todas as artes 0 mais separado desta exteriorida- de, se configura num curso peculiar de formas espirituais da fantasia enquanto tais. ‘Sem diivida poderia ser aqui observado que a miisica, segundo o que indiquei ante- riormente, pode inversamente, de novo, liberar os sons de seu conteiido e, desse 292 AMOSICA modo, autonomizé-los; mas esta liberago nao é 0 que é propriamente adequado a arte, que consiste, a0 contrério, em empregar 0 movimento harménico e melédico inteiramente para a expresso do contetido e dos sentimentos uma vez escolhidos, que o mesmo € capaz de despertar. Uma vez que a expresso musical tem por seu Contetido o interior mesmo, o sentido interior da coisa e o sentimento, e o som em sua existéncia sensivel pura e simplemente passageito que na arte pelo menos nio progride para as figuras espaciais, entdo ela penetra com os seus movimentos ime- diatamente na sede interior de todos os movimentos da alma. Ela, por conseguinte, prende a consciéncia, a qual ndo tem mais nenhum objeto que se Ihe opée e, na perda desta liberdade, € levada ela mesma pela corrente continua dos sons. Mas também nestas diregdes as mais diversas, para as quais pode se voltar a miisica, possivel um efeito diversificado. Se, a saber, falta A misica um contetido mais profundo ou em geral uma expresso mais plena de alma, entdo pode acontecer que, por um lado, nos alegremos sem um movimento interior mais amplo no mero ressoar sensivel € na eufonia ou, por outro lado, seguimos com as consideragées do entendimento o decurso harménico € melédico, pelo qual o nimo interior nao é mais amplamente comovido ou conduzido. Alids, existe na misica especialmente uma tal mera andli- se do entendimento, para a qual na obra de arte no se apresenta outra coisa senio a habilidade de um virtuosismo [virtuosen Machwerk]. Se abstrairmos, porém, des- te aspecto do entendimento [Verstdndigkeit] e nos deixarmos levar despreocupada- mente, entdo a obra de arte musical |155| nos atrai inteiramente para dentro dela mesma e nos leva com ela independentemente da poténcia que a arte como arte exerce em geral sobre nds. A poténcia peculiar da miisica é uma poténcia elemen- tar, isto 6, ela reside no elemento do som no qual a arte aqui se move. BB) Por este elemento o sujeito nao é apenas captado segundo esta ou aquela particularidade ou apreendido meramente por meio de um contedido determinado, mas € elevado para dentro da obra segundo o seu si-mesmo simples, segundo 0 cen- tro de sua existéncia espiritual, e colocado ele mesmo em atividade. Assim, por exemplo, em ritmos destacados, que transcorrem facilmente, temos imediatamente © prazer de seguir 0 compasso, de acompanhar a melodia, € na misica de salao nossas pernas so contagiadas: em geral o sujeito é reivindicado como esta pessoa. Inversamente, em uma atividade meramente regular — que, na medida em que re- cai no tempo, torna-se adequada a0 compasso por meio desta uniformidade ¢ no tem nenhum outro contetido ulterior — exigimos por um lado uma exteriorizagao desta regularidade como tal, para que este fazer se torne um modo ele mesmo sub- jetivo para 0 sujeito, por outro lado pedimos uma realizago mais precisa desta igualdade. As duas coisas sio oferecidas pelo acompanhamento musical. Deste modo, € acrescentada misica a marcha dos soldados, a qual estimula o interior para 293 CURSOS DE ESTETICA as regras da marcha, mergulha o sujeito nesta ocupagdo ¢ o preenche harmoniosa- mente com o que tem de ser feito. De modo semelhante é igualmente molestavel a inquietagdo sem regras em uma table d’héte® onde ha muita gente ¢ a estimulagao insatisfeita que provocam; este caminhar para ld e para céi, o rufdo, a conversa de- vem ser regrados e, uma vez que que temos tempo livre depois da comida ¢ da bebida, o vazio deve ser preenchido. Também nesta ocasifio, como em mi tras, a musica intervém de modo eficaz e, além disso, afasta outros pensamentos, distragdes e idéias. yy) Aqui se mostra ao mesmo tempo a conexdo do |156| interior subjetivo com 0 tempo como tal, que constitui o elemento universal da miisica. A interiori- s OU- dade, a saber, como unidade subjetiva, é a negagio ativa do subsistir-lado-a-lado indiferente no espago e, com isso, unidade negativa. Inicialmente esta unidade per- manece, todavia, consigo mesma inteiramente abstrata e vazia e consiste apenas no fato de se fazer a si mesma objeto, mas em superar esta objet idade ~ que é ela mesma apenas de espécie ideal ¢ € 0 mesmo que o sujeito — e, dese modo, produ- zir-se a si como a unidade subjetiva. A atividade igualmente ideal é, em seu ambi- to da exterioridade, 0 tempo. Pois primeiramente ele elimina o um-ao-lado-do-ou- tro [Nebeneinander] do espacial e contrai a continuidade do mesmo para 0 ponto temporal, para o agora. Mas ponto temporal, em segundo lugar, se mostra imedi- atamente como negagdo de si, na medida em que este agora, tio logo ele , se su- prime para um outro agora e, desse modo, apresenta sua atividade negativa. Em terceiro lugar, por causa da exterioridade em cujo elemento 0 tempo se move, cer tamente no ocorre a passagem para a unidade verdadeiramente subjetiva do pri- meiro ponto temporal com o outro, para o qual o agora se suprime, mas 0 agora permanece, todavia, em sua mutabilidade, sempre 0 mesmo; pois cada ponto tem- poral é um agora ¢ igualmente difereciado do outro, tomado como mero ponto tem- poral, assim como 0 eu abstrato do objeto, para o qual ele se suprime e no mesmo se retine consigo, j4 que este objeto é ele mesmo apenas o eu vazio. Mais precisamente, o eu efetivo pertence ele mesmo ao tempo, com o qual ele coincide, quando abstraimos do contetido conereto da consciéncia e da auto- consciéncia, na medida em que ele nada é senio este movimento vazio de se por como um outro ¢ de superar esta mudanga, isto &, alcangar a si mesmo nisso, 0 eu © apenas 0 eu como tal. O eu é no tempo, € o tempo € 0 ser do sujeito mesmo Uma vez que € 0 tempo € nio a espacialidade como tal que fornece o elemento essencial no qual o som, no que diz respeito A sua validade musical, conquista exis- 3. Em francés no original: “mesa de bar” (N. daT.). 204 AMUSICA téncia, e 0 |157| tempo do som ao mesmo tempo é 0 tempo do sujeito, entdo o som jé penetra, segundo esta base, no si-mesmo, apreende-o segundo a sua existén- cia a mais simples ¢ poe em movimento o eu por meio do movimento temporal e seu ritmo, ao passo que a outra figuragdo dos sons, como expresso dos sentimen- tos, acrescenta, além disso, um preenchimento mais determinado para 0 sujeito, pelo qual este é igualmente tocado e transportado. E isto que se deixa indicar como fundamento essencial da poténcia elementar da misica. B) Para que a miisica exerga seu efeito pleno, porém, é necessério mais do que 0 som abstrato em seu movimento temporal. O segundo lado, que deve ser acres centado, € 0 conterido, um sentimento pleno de espfrito para o animo, e a expres , alma deste contetido nos sons. Por isso, no devemos cultivar nenhuma opiniio sem gosto sobre a onipotén- cia da misica como tal, da qual escritores antigos, profanos ou sagrados, nos rela- tam tantas histéria fabulosas. Ja nos milagres civilizatorios de Orfeu os sons e seu movimento bastavam para as bestas selvagens que se colocavam mansas em torno dele, mas nao para os homens que exigiam o contetido de um ensinamento mais elevado. Assim como, pois, também os hinos que nos foram herdados sob 0 nome de Orfeu, mesmo que nao em sua forma original, contém representagdes mitolégi- cas ¢ outras. De modo semelhante os cantos de guerra de Tirtaio também sao famo- Sos, por meio dos quais, como se conta, os lacedeménios, depois de tantas lutas em vaio, foram incitados a um entusiasmo irresistivel e por fim conseguiram a vit6ria contra os messénios. Também aqui 0 contetido das representagdes suscitadas por estas elegias era a questo principal, embora também no se possa negar ao lado musical seu valor e seu efeito, em povos barbaros ¢ particularmente em épocas de paixdes profundamente revoltas. Os assobios | 158| dos escocesses contribuiram es- sencialmente para o incitamento da coragem, ¢ a poténcia da Marselhesa, do Ca ira etc., na Revolugao Francesa, no pode ser negada. Mas o auténtico entusiasmo en- contra seu fundamento na Idéia determinada, no interesse verdadeiro do espirito, do qual uma nagao esté preenchida, ¢ que pode ser elevado por meio da miisica para um sentimento instantaneamente mais vivo, na medida em que os sons, o ritmo, a melodia, arrastam consigo 0 sujeito que a eles se entrega, Na época atual, porém, no iremos considerar a misica capaz de produzir jé por si mesma tal disposigao da coragem [Mut] e do desprezo da morte. Hoje em dia, por exemplo, tem-se pratica- mente em todos os exércitos uma miisica regimental relativamente boa, que ocupa, dispersa, estimula & marcha, inflama para o ataque. Mas com isso nao se pensa que se pode derrubar o inimigo; a coragem ainda no vem com 0 mero soprar e tambo- Tilar, e haveria de se reunir muitos trompetes antes que uma fortificagio desabasse 295 CURSOS DE ESTETICA diante de seu som como as muralhas de Jericé. O entusiasmo do pensamento, os canhées, a genialidade dos generais sio 0 que agora provocam este efeito e no a miisica, que apenas pode valer como suporte para as poténcias que de outro modo jd preencheram e cativaram o animo. y) Um iiltimo lado que diz respeito ao efeito subjetivo dos sons reside no modo segundo 0 qual a obra de arte musical chega até nés, a diferenga de outras obras de arte. Na medida em que os sons nio possuem, por si mesmos, como as obras da arquitetura, as estdtuas, os quadros, uma subsisténcia objetiva duradoura, e sim em sua stibita passagem j4 novamente desaparecem, entio a obra de arte musical, j4 por causa desta existéncia meramente momenténea, necessita, por um lado, de uma reprodugao sempre repetida. A necessidade de uma tal vivificagdo renovada tem, contudo, ainda um outro sentido, mais profundo. Pois na medida em que € o inte- rior subjetivo mesmo que a misica toma para si como contetido, com a finalidade de se levar & aparigdo nao como forma exterior e como obra que est4 presente ob- jetivamente, ¢ sim como interioridade |159] subjetiva, entdo a exteriorizagao tam- bém deve resultar imediatamente como comunicagao de um sujeito vivo, na qual o mesmo introduz toda a sua interioridade propria. Isso ocorre com mais freqéncia na cangao da voz humana, e relativamente j4 na mtisica instrumental, que apenas é capaz de chegar a uma execugo por meio do artista que a executa ¢ por meio de sua habilidade viva, tanto espiritual quanto técnica. Por meio desta subjetividade, no que concerne a efetivagao da obra de arte musical, completa-se primeiramente 0 significado do subjetivo na misica, mas que entio, segundo esta diregdo, também pode se isolar no extremo unilateral, de modo que a virtuosidade subjetiva da reprodugao como tal é tornada 0 tinico ponto cen- tral e contetido da fruigao. Creio que estas observagGes sio suficientes no que concerne ao carter geral da misica. 2. A DETERMINIDADE PARTICULAR DOS MEIOS DE EXPRESSAO MUSICAL. Depois de termos até 0 momento apenas considerado a misica segundo o lado de que ela deve configurar e animar o som para o ressoar da interioridade subjeti- va, pergunta-se agora como é possivel € necessario que os sons nio sejam nenhum mero grito natural do sentimento, e sim a expresso artistica configuradora do mes- mo. Pois 0 sentimento como tal tem um contetido, mas 0 som como mero som é destituido de contetido; ele deve, por isso, ser primeiramente capacitado por meio de um tratamento artistico para acolher em si mesmo a expresso de uma vida in- terior. De modo mais geral pode-se estabelecer sobre este ponto o seguinte: 296 AMUSICA Cada som é uma existéncia auténoma, em si mesma pronta, que todavia nem se articula para a unidade viva como a forma animal ou humana e se recolhe subje- tivamente, nem por outro lado mostra nele mesmo, como um elo particular | 160|do organismo corporal ou de qualquer outro trago singular do corpo espiritual ou ani- malmente vivificado, que esta particularidade em geral apenas pode existir na as- sociago animada com outros membros e tracos, ¢ conquistar sentido, significado € expressiio. Segundo o material exterior, um quadro consiste certamente em tra- gos © cores singulares, que também j4 podem estar af por si mesmos; a auténtica matéria, ao contrério, que primeiramente faz de tais tragos e cores uma obra de arte, as linhas, as superficies ete. da forma, possuem apenas um sentido como um todo concreto. O som singular, a0 contrario, & para si mais auténomo e pode tam- bém ser animado até um certo grau por meio do sentimento ¢ aleangar uma ex- pressiio determinada. Inversamente, porém, na medida em que 0 som nao é nenhum ruido e ressoar meramente indeterminados, ¢ sim possui em geral primeiramente validade musical por meio de sua determinidade e pureza nos mesmos, ele esté imediatamente, por meio desta determinidade, tanto segundo o seu ressoar real como também segundo a duragdo temporal, em relagdo com outros sons. Alids, esta relagao primeiramente confere a ele sua determinidade efetiva auténtica ¢ com ela a diferenga, a oposigao a outros sons ou a unidade com outros sons. Na autonomia mais relativa, esta relago permanece, contudo, para os sons algo exterior, de modo que as relagdes nas quais eles siio colocados no perten- cem aos sons singulares mesmos, segundo 0 seu conceito, tal como aos membros do organismo animal ¢ humano ou também as Formas da natureza paisagistica. A combinagao dos sons diversos em relagdes determinadas €, por conseguinte, mes- mo que também ndo seja contréria a esséncia do som, algo contudo primeiramen- te feito € nao de outro modo ja dado na natureza. Tal relacdo parte nesta medida de um terceiro ¢ € apenas para um terceiro, para aquele que, a saber, apreende a mesma, Por causa desta exterioridade da relagdo, a |161|determinidade dos sons e sua combinacao repousa no quantum, nas relagdes numéricas que, sem davida, es- tao fundamentadas na natureza dos sons mesmos, mas so empregadas pela miisica de tal modo que sao primeiramente encontradas por meio da arte mesma e nuangadas de modo o mais variado Segundo este lado, ndo é a vitalidade que constitui em si e para si, como unidade organica, a base da misica, e sim a igualdade, a desigualdade etc., em geral a Forma do entendimento tal como € dominante no quantitativo. Se, por conseguinte, deve ser falado de modo determinado dos sons musicais, entdo as indicagdes s6 CURSOS DE ESTETICA podem ser feitas segundo relagdes numéricas bem como segundo as letras arbitra- rias por meio das quais se est acostumado, entre nés, a designar os sons segundo estas relagdes Em tal recondugio aos meros quanta e sua determinidade exterior intelectual, a miisica tem seu parentesco mais especifico com a arquitetura, na medida em que ela, como esta, constréi suas invengdes sobre a base firme € a estrutura das propor- Ges, que no se desdobram em si ¢ para si em uma articulagdo livre organica ~ na qual, se ha uma determinidade, logo sio dadas as restantes, € que se concentra em uma unidade viva — mas apenas nas configuragGes ulteriores, que ela permite sur- girem daquelas relagdes, comega a ser uma arte livre. Se a arquitetura nesta liber- taco nao conduz além de uma harmonia das Formas e a uma animagio caracteris- tica de uma eurritmia secreta, a misica, ao contrario, jé que tem por seu conteddo a vida e o atuar livres subjetivos os mais interiores da alma, se debate na mais pro- funda oposigao entre esta interioridade livre e aquelas relagdes fundamentais quan- titativas. Ela no pode, contudo, permanecer presa a esta oposigao, mas aleanga a dificil tarefa de igualmente acolhé-la nela mesma e de ultrapassé-la, na medida em que ela dé aos movimentos livres do 4nimo, os quais ela expressa, por meio daque- las proporgdes necessérias uma |162| base e terreno seguros, em direcdo aos quais entio a vida interior se move ¢ se desenvolve em liberdade primeiramente plena de Contetido por meio de tal necessidade. A este respeito tém de ser distinguidos inicialmente dois lados no som, se- gundo 0s quais ele pode ser empregado de acordo com a arte: uma vez a base abs- trata, 0 geral, 0 elemento ainda nao especificado fisicamente, 0 tempo, em cujo Ambito recai o som; a seguir, a ressondncia mesma, a diferenga real dos sons, tanto segundo 0 lado da diversidade do material sensivel que ressoa, quanto também no tocante aos sons mesmos em sua relacdo reciproca como singulares e como totali dade. A isso se acrescenta entio, em terceiro lugar, a alma que vivifica os sons, os torna acabados para um todo livre ¢ dé a eles uma expresso espiritual em seu movimento temporal ¢ em seu ressoar real. Por meio destes lados alcangamos, para a articulagdo mais determinada, a seguinte sucessio: Em primeiro lugar, temos de nos ocupar com a duragdo e © movimento mera- mente temporais que a arte nfo pode deixar ao acaso, mas deve determinar segun- do medidas firmes, tornd-los variados por meio de diferengas ¢ nestas diferengas reconstituir a unidade. E isto que fornece a necessidade para a medida temporal, 0 compasso ¢ 0 ritmo. 4. As notas sio designadas por letras no dominio musical germanico (N. da T). 298 AMOSICA Mas, em segundo lugar, a miisica nfo tem de se ocupar apenas com o tempo abstrato ¢ as relagdes da duragdo mais breve ou mais longa, com as pausas, os acen- tos etc., e sim com 0 tempo concreto dos sons determinados segundo o seu ressoar, 08 quais, por isso, néo so apenas distinguidos uns dos outros segundo sua duragio. Esta diferenga repousa, por um lado, sobre a qualidade especifica do material sen- sivel, por meio de cuja vibragdo surge o som, por outro lado, sobre o néimero diver- s0 de vibragdes nas quais os corpos sonoros vibram em idéntica duragio temporal. Em terceiro lugar, estas diferengas se mostram como os lados essenciais para a re- lagdo dos sons em sua concordancia, sua oposigio e mediagao. |163| Podemos de- signar esta parte com uma denominagao geral como sendo a doutrina da harmonia. Em terceiro lugar, por fim, € por meio da melodia sobre estas bases do com- passo animado ritmicamente e das diferengas e dos movimentos harmOnicos que se retine o reino dos sons para uma expresso espiritualmente livre, e nos conduz, desse modo, para a tiltima segdo principal que a mtisica tem de considerar em sua unitio concreta como o contetido espiritual, o qual deve se expressar no compasso, na harmonia e na melodia. a. Medida temporal, compasso e ritmo No que concerne inicialmente ao lado puramente temporal do ressoar musi cal, temos primeiramente de falar da necessidade de que na méisica é 0 tempo em geral que domina; em segundo lugar temos de falar do compasso como a medida regulada apenas segundo o entendimento; em ferceiro lugar do ritmo que comega a vivificar esta regra abstrata, na medida em que ressalta partes determinadas do com- asso, outras, ao contrério, pde em segundo plano. @) As formas da escultura e da pintura esto uma ao lado da outra no espago no tempo e apresentam (darstellen] esta ifusdo real em totalidade efetiva ou apa- rente, Mas a miisica apenas pode produzir sons na medida em que faz vibrar em si mesmo um corpo que se encontra em um espaco e 0 coloca em movimento oscilat6- rio. Estas oscilagdes apenas pertencem & arte segundo o aspecto de que se seguem sucessivamente, ¢ assim em geral o material sensivel entra na misica, nfo com a sua Forma espacial, mas apenas com a duragdo temporal de seu movimento. Na verda- de, cada movimento de um corpo esta sempre também presente no espaco, de modo que a pintura ¢ a escultura, embora sua formas estejam em repouso segundo a efet vidade, alcangam, todavia, 0 direito de expor a aparéncia do movimento; a mtisica, contudo, nao acolhe 0 movimento no que concerne a esta espacialidade; e a ela res- ta, por isso, apenas 0 tempo para a configuragio, no qual recai o vibrar do corpo. 299

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