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Quinta-feira, 6 de Dezembro de 1956 VIDA E OBRA DE SCHUMANN Pelo prof. Mério SimBes Dies Mendelssohn morreu, como dissemos e téda a gente sabe, em 1847. Na altura da sua morte, havia longos anos que entre ele ¢ 0 au- tor do "Carnaval de Viena" se estabelecera uma amizade profunda, eal e confiante. J& em 1837, quando Schumann se convencera de que a tenaz oposigio de Wieck ao seu casamento com Clara conse- guira, na verdede, destruir t6das as possibilidades de realiza- flo desse sonho, f6ra no convivio e na serena amizade de Félix Mendelssohn que o misico de Zwickau encontrara um dos mais pode- rosos ant{dotos para o seu des&nimo. Depois, na primavera de 1640, quando a acco contra Wieck corria nos tribunais que ainda nfio se haviam pronunciado sObre a lefitimidade das peteng&es do jdvem compositor, f0ra em Berlim, em casa dos pais de Mendelssohn e na companhia desse dilecto amigo que Schumann passara com Clara alguns maravilhosos e inesqueciveis dias, E um ano mais tarde, em Setembro de 1841, quando ao feliz casal Clara e Ro~ berto nascia a primeira filha, Maria, desejando associar o amigo de sempre a uma das mais profundas e intimas das suas alegrias, féra ainda o autor da "Sinfonia Italiana" que Schumann escolhera para padrinho da sua primogénita. Mas esta amizade, que mantinha Mendelssohn t&o perto da vida sentimental e familiar de Schu- mann, estendia-se também, como era natural, ao préprio campo ar- tistico. Em 1843, Mendelssohn fundava o conservatério de Leipzig. Schu- mann dera-lhe ent&o todo 0 seu apoio, todo o seu entusiasmo, to- da a sua valiosa colaborac&o.- Durante um ano, até & partida para Dresde em 1844, trabalhara junto dele, ensinando na nova escola e procurando, desse modo, auxilid-lo com o préprio esforco. Hen- Gelesohn impunha-se, de resto, & sua admirag&o, com o prestigio de um ser previlegiado, que recedera de Deus todos os dons do génio, da fortuna e da nobreza moral, Decerto féra marcada na fronte para altos destinos a crianga que, aos nove anos, regia, 2 na casa paterna, uma pequena orquestra que executava as suas primeiras e ingénuas tentativas sinfénicas e que, aos dezassete, compunha a deliciosa misica de cena para o "Sonho de uma noite de verfio" de Shakespeare. Prova de t&o superiores des{gnios era a solicitude com que a Providéncia lhe puzera nas m&os todos os recursos necessérios para a realizagho do seu destino: meios ma- teriais, ambiente familiar, interesse e dedicac&o de um mestre inteligente, metédico e disciplinador. E para que tudo se cum prisse nele conformemente & missfo que lhe era reservada, nem sequer lhe f6ra negada a consciéncia das responsabilidades que tantos beneffcios lhe impunham, consciéncia que o levava a uti- lizer escrupulosamente todos os dons recebidos e fazia da sua obra edificante exemplo de dignidade e probidade art{sticas. Schu- mann compreendia que o talento se aliava em Mendelssohn & nobre~ za de card&cter e parecia-lhe imposs{vel que alguma coisa viesse destruir essa soberana harmonia. Por isso a not{cia da sua morte prematura aos 38 anos o surpreendia dolorosamente, nfo sé na sua vida afectiva, mas também na sua crenga num ideal de perfeigfo terrena, como um desses golpes com que o destino tantas vezes parece caprichar em destruir, sem causa, a harmonia da vide. Do desgosto par que ent&o passou, ficou-lhe esse profundo respeito em que envolvia simultaneamente a obra do compositor e a meméria do homem que soubere transferir para os actos da vida a nobreza e a irrepreens{vel disting&o do artista. Schumann tinha o culto de Mendelssohn e um dia em que Liszt, de ordindrio t&o generoso e compreensivo do talento alheio, criti- cou, com certa severidade, a misica do artista falecido, Schu- mann, fora de si, reagiu violentamente e, depois de ferir o or- gulho do autor da "Sinfonia Dante" com palavras excessivamente auras, saiu da sala, abrupfamente, deixando, entre os que havian presenciado a cena, o pasmo e uma desagradével sensag&io de mal estar. A reunio prosseguira, sem que, no entanto, a impressfo do incidente deixasse de pesar na atmosfera, e, & despedida, Liszt confessaria a Clara que a ninguém neste mundo, que nfo f0sse Schumann, suportaria o que acabara de ouvir. Contudo, se- ria ainda de Lisat, da sua franca e leal generosidade, que viria, um ano mais tarde, a recon$iliac#o, com a proposta de realizar em Weimar, sob a sua regéncia, a primeira audic&o de "Manfredo". @udo isto revela, mais uma vez o repetimos, a funda admiracfio de 3 Schumann por Nendelssohn.. Essa admirac&o nfo seria mesmo estra~ nha a certa influéncia exercida pela misica do segundo sébre a ogra do primeiro. Schumann f6ra como se sabe, nos primeiros déz anos da sua acti vidade criadora, um compositor exclusivamente de pequenas obras para piano. Aforag as trés sonatas, que enveredam por cominho francamente ambicioso, téda a restante produgfo daquela época & constitufda por trechos breves, em que & preocupagfo de cons- truir se sobrepte quase sempre a de exprimir alguma coisa. 0 Schumann desse perfodo, assaz longo, alids, para uma carreira de vinte e poucos anos, pode por isso encarar-se como um delicioso miniaturista impressionista, cujos treves apontamentos possuem inestim4vel valor subjectivo. 0-mesmo Schumann, poético e con- centrado, subsiste nos lieder de 1840 e reaparece ainda algumas vezes ao longo da sua laboriosa carreira. Mas o exemplo de Men- delssohn impunha-se com a sua nitidez, com a pureza d& sua lin- guagem, com a mestria revelada em belas obras instrumentais. Tao perto desse exemplo, nfo pode deixar de lhe sofrer a influéncia e, @ partir de 1841, ei-lo lancgado no caminho das grandes formas sinfénicas e de cAmara. Desse momento em diante, nunca mais as abandonard e, se voltarmos ao instante em que o deixdmos hd oito dias, apés a sua instalagtio em Dusseldorf, encontré~lo-emos de novo sentado & mesa de trabalho, compondo a sua terceira sinfo- nia em mi bemol Op. 97, de que vamos transmitir imediatamente o primeiro andamento, um Allegro pleno de vida e de alegria vito-~ riosa, express&o esta, alids, que nfo e’muito frequente na misi-~ ca de Schumann, (fransmitir o 19, andamento da 38 sinfonia, D. 2501, agit faixa) Schumann comps, ao todo, quatro sinfonias, M@@™K duas(si bemol e ré menor), em 1841, outra, (46 maior), em 1845 e a Wltima, (mi bemol), de que acabamos de transmitir o primeiro andamento, nos derradeiros meses de 1850. A ordem de publicag&o 6, porém, ou- tra, pois a segunda das duas compostas em 1841, a sinfonia em ré menor, s6 déz anos mais tarde foi publicada com uma nova orques- tragfo, e figura por isso na lista completa das obras de Schu- mann como quarta sinfonia. Segundo esta ordem, que 6 a geralmen- 4 te adoptada. enumeram-se as sinfonias de Schumann da seguinte maneira: Primeira Sinfonia, em si bemol, (Primavera), 1841. Segunda Sinfonia, em 46 maior, 1845. Terceira sinfonia em mi bemol, (Renana), 1850. Quarta sinfonia em ré menor, 18§1-51. Aquela de que ouvimos o Allegro inicial é pois, por ordem de publicag&o, @ terceira, e assim lhe chamaremos daqui por diante, embora rigorosamente seja a ultima que Schumann compés. No seu conjunto, estas quatro sinfonias nfo deixam de oferecer certa diversidade de forma e de expresso. A primeira, em si be~ mol, chamou o préprio Schumann "Sinfonia da Primavera" e o sev cardcter de alegria ligeira e descuidada justifica plenamente o titulo. Schumann escreveu-a no seu primeiro ano de casado, sob a influéncia, portanto, de uma felicidade recente, a que se mistu- rava o sentimento de uma vitéria bem ganha. Segue o plano tradi- cional da sinfonia cldssica, a que o compositor voluntariamente se sujeita, obedecendo a um desejo consciente de auto-discipli- na. No mesmo ano, compSe a Sinfonia em ré menor, que ficaré por publicar até 1851 e que constitui por isso a sua quarta sinfo~ nia. Aqui o plano tradicional 6 levemente alterado, pois os qua~ tro andamentos, em vez de constituirem trechos separados, apre- sentam-se ligados entre si, sem a menor solugfo de continuidade. Isto lhe confere certa aparéncia de improvisacfio, que justifica o tftulo de "Fantasia Sinfénica" que primitivamente Schumann lhe deu. A tranquila felicidade dessa quedra de calma espiritual nfo deixa ainda de reflectir-se nesta "Quarta Sinfonia". Bem diferente das precedentes é a segunda, em dé maior, compost em Dresde, quando Schumann sentia ainda os efeitos da terr{vel crise de 1845. 0 combate da vontade contra os males que o per- seguiam a ideia central, o pensamento inspirador de téda a obra. Daf o seu dramatismo, o conflito de elementos contradi- térios que se entrechocam e d&%o & obra uma diversidade, uma in~ const@ncia, que alguns encaram como riqueza expressiva e outros como falta de unidade, como incapacidade construtive, como grave defeito de desiquilfbrio formal. De qualquer forma, a " Segunda Sinfonia" nfo deixa de encerrar algumas belas ideias e a sua prépria desordem pode conferir-lne o valor de significativo do— @umento psicoldgico. # em 1850 que Schumann compte a terceira sinfonia conhecida pelo 5 nome de "Renana", A recente instalac&o em Dusseldorf, a mudanga de ambiente, a perspectiva de novas ocupagfes, tudo isso produ- gira nele o benéfico efeito que quase sempre uma mudanga de vida ou de meio produz nos doentes de nervos. Além disso, esta nova composiglo destinava-se a celebrar um acontecimento festivo, a elevacto do arcebispo de Colénia ao cardinalato, e tudo.isso, as esperancas de futuro, os festejos populares, a recordagfo da ca~ tedral de Colénia, que era por exceléncia a catedral alema, a aproximag#o do Reno, a cuja poderosa influéncia nenhum bom ale- m&o sabe fugir, tudo isso, repetimos, contribuia para dar a esta sinfonia uma express&o bem diferente daquela que surpreendemos na sinfonia em a6 maior. Parece que a ideia de uma tremenda fa- talidade do destino, de um elemento adverso, permanentemente ameagador, se arredou para sempre ol espfrito de Schumann. A “Per- ceira Sinfonia" é uma das raras obras do Mestre de Zwickau em que n&io passa uma sombra de melancolia, de receio ou de dtvida. Dir-se-ia que todos os males est&o definitivamente vencidos, que tOdas as ameacas desaparecera& do horizonte, quase sempre carre- gado, da. vida do compositor. A prépria construcHo parece tradu- air essa plenitude, mas, emquanto o tempo nos nfo sobra para desse ponto nos ocuparmos, ougamos o "Scherzo" da "Sinfonia Re~ nana" e vivamo& despreocupadamente a sua alegria franca, sadia e generosa. (fransmitir o "Scherzo" da Sinfonia em mi bemol, D. <2501. a, 28 faixe)

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