Está en la página 1de 32
ARISTOTELES CONTRA PROTAGORAS Contra os que falam pelo prazer de falar, os que pensam pelo prazer de conhecer' 1. Para ter acesso ao processo dos sofistas e, no caso vertente, de Protigoras, temos de nos informar junto daqueles que tudo escreveram para nos fazer crer que a sofistica nunca existiu! Mas, ha diferencas no modo como cada um desses testemunhos foram dados. O depoimento do primeiro, Plato, nao dispensa a audicio do segundo, Aristételes, Platio depde com base num testemunho presencial, Aristteles com base num testemunho instrumental. Mas, nao se infira deste facto, que o testemunho de Platao suplanta, sem mais, o testemunho de Aristoteles. Este caso mostra como, por vezes, um testemunho, aparentemente mais fraco, pode ser mais forte do que um outro indiscutivelmente forte. © julgamento que agora sé publica nao é imparcial. E parcial relativamente a Platéo, porque n4o ignora o fascinio e a admiragao que ele exerce sobre quem © ouve; porque nao esconde uma certa suspeita e, por que nao?, uma certa indignagio, perante a destreza com que ele manipula ¢ distorce cirurgicamente alguns dos factos. Parcial, relativamente a Aristoteles, porque nao disfarga a admiracao € 0 respeito perante a forma limpa e rigorosa com que ele lida com as provas instrumentais que apresenta. Parcial, relativamente a Protagoras, 0 réu, porque nao resiste a tentagao da absolvigao ou, em Giltima instincia, de Ihe fazer chegar a sugestio do recurso, com base nos factos e/ou no direito. ' Aristételes, Metafisica, IV, 5, 1009a, 21; I, 2, 982a, 15. 41 2. Os termos em que Aristételes organiza a segunda grande investida contra a pesada e nefasta heranga protagorica, definem um estilo € um procedimento substancialmente diferentes do primeiro grande ataque, anteriormente protagonizado, por Platao. A anilise centrar-se-4, preferencialmente, no livro “Gama” da Metafisica, que 6, do nosso ponto de vista, o lugar onde o Estagirita desenvolve a arguicao mais consistente e demolidora contra as teses de inspiragao protagérica?, No mesmo passo, relevar-se-20 as diferencas de comportamento que separam Aristoteles de Platio na cruzada que ambos travaram contra 0 legado do Sofista. Colocar-se- 4, entao, em confronto o procedimento de Platéo, onde o trago literario e artistico (pinturesco, nas palavras de Werner Jaeger) é patente, € o procedimento rigoroso (austero, nas palavras de Werner Jaeger) de Aristételes, once a preocupagao didactica e pedagdgica é constante. Entretanto, como ja se disse, nao se colocard de parte a hipotese de uma saida que permita a Protégoras apelar de uma sentenga, aparentemente inapelavel, através da sugestao de algumas pistas, a serem exploradas em posterior ensaio?, 3. Tal como Platao, Aristételes convoca Protagoras a prestar Provas, € o resultado nao s6 nao se altera - Protégoras ndo passa - como se mantém os fundamentos em que radica a reprovacdo: (o candidato) Protégoras, sofista de profissio, ao ignorar a esséncia, afunda-se no terreno movedico do fenomenismo'. * Algumas ocorréncias de Protégoras na obra de Aristételes: Ret6rica 1402a; 1407b. Metafisica 998a; 1007b; 1009a; 1047a; 1053a; 1053b; 1062b, Etbica Nicomachea 1164a. Poética 1456b. Analiticos Posteriores 1.31 * © ensaio, que agora se publica, ainda que com titulo diferente, retoma, no essencial, um sub-capitulo da minha tese de doutoramento, intitulada Justiga e Concérdia em Protdgoras e Antifonte, (C. Il, B. 3), Considere-se, entao, uma Passagem, “revista e aumentada”, uma vez que se introduziram algumas notas ¢ Parigrafos, de forma a permitirem uma leitura que nao obrigue a tudo aquilo que, ha tese, antecede ¢ decorre da estrutura de uma investigacio, cujo ambito se centrava nio s6 em Protagoras, mas, também, em Antifonte. ‘Em La décision du sens, de Barbara Cassin e Michel Narcy, pode ler se, a dado paso, que, * (...) pour Aristote, comme pour Platon, si Protagoras parait comme le plus immédiatement représentauif de Vopinion a réfuter, ce n'est pas qu'il en soit l'snventeur. Nommé en premier, il n'est que le dernier représentant (le plus proche, ef en tant que tel le plus facilement attestable, peut-etre aussi le plus explicite) d'une opinion que nos deux philosophes n'bésitent pas a donner pour aussi vieille que la Pensée grecque - ce qui pour eux veut dire, sans doute, la pensée tout court (..)” 42 Aristoteles partilha com Platao o triunfo sobre os arautos da inevitabilidade da antilogia’: 0 que separa 0 fil6sofo de dialécticos € sofistas € que o ptimeiro nao se verga inevitabilidade da antilogia, recusando uma apropriacdo intelectualmente desonesta dessa “fatalidade” para, através de uma distorsao da realidade, extrair dai uma forga enganadora e manipuladora das consciéncias alheias®. Objectar-se-A que incorremos numa apreciagao falha de rigor, uma vez que Aristoteles nado é um mero repetidor de Platio, ou seja, ha uma filosofia e um procedimento propriamente aristotélicos de caracter eminentemente anti-plat6nico. Todavia, em termos de oposigao a sofistica, o fundamental dessa contestagao é, como se disse, o mesmo. O que nao significa, obviamente, que seja do mesmo modo que essa frente plat6nico-aristotélica manifesta a sua oposi¢A0", E, mais adiante, “(...) Aristote et Platon ont en commun de rassembler tous leurs devanciers dans l'erreur combattue sous le nom de Protagoras (...)". La décision du sens. Le livre Gamma de la Métaphysique d’Aristote, introduction, texte, traduction et commentaire, Paris, J. Vrin, 1989, pp. 65 © 67. 5 Segundo Pierre Aubenque, na perspectiva de Aristételes,” (..) c'est au fond leur indifference a Végard de la vérité qui a fait des sophistes les fondateurs de la dialéctique, c'est-d-dire d'un art qui enseigne @ rendre également vraisemblable le pour et le contre sur un méme probleme (...)". Le probléme de Petre chez Aristote, Paris, PULF, 1991, p. 95. ® Segundo Aristételes:” (..) 0 ente enquanto ente possui determinadas propriedades e estas sdo aquelas cuja verdade incumbe ao fildsofo examinar. Bis uma prova: 0s Dialécticos ¢ os Sofistas revestem a mesma figura do filésofo. A Sofistica é sabedoria somente aparente, e os Dialécticos discutem (disputam) acerca de todas as coisas, e a todos o ente é comum; e discutem, evidentemente, acerca de tais coisas, ‘porque sao assunto priprio da Filosofia. De facto, tanto a Sofistica, como a Dialéctica ‘andam a volta do mesmo género da Filosofia; todavia, esta difere (da Dialéctica) pelo alcance da sua capacidade, e da outra, pelo tipo de vida que elegeu; acrescente-se que a Dialéctica é intento refutagdo daquelas coisas de que a Filosofia é conhecimento, ea Sofistica aparenta ser sabedoria mas, contudo, nao 0 é (...)”. Metafisica 1004b, 15-25. Sobre esta passagem veja-se a diferenciacao estabelecida entre filosofia, dialéctica e sofistica, em La décision du sens. Le livre Gamma de la Métaphysique WaAristote, op. cit., pp. 99-101. Por outro lado, em Elencos Sofisticos, pode ler-se:” (2 Assim como hd pessoas que preferem parecer sdbios a sé-lo, em vez de o serem mesmo sem parecer, dado que a Sofistica é uma sabedoria aparente e néo real, eo sofista 6 0 que negoceia uma sabedoria aparente e ndo real, assim é evidente que se Ibes torna mais necessdrio parecer que fazem obra de sabedoria, do que fazer obra de sabedoria sem parecer ...)". Elencos Sofisticos 1, 165a. 7 Para Romeyer Dherbey,” (...) Bien que Vattitude d’Aristote vis @ vis des Sophistes ait été (...) plus scientifique que celle de Platon, elle demeure une attitude 43 A um leitor menos atento poder parecer, numa primeira andlise, que os dois filsofos falam de coisas diferentes, o que nao é verdade. Essa impressio, se ocorrer, deve-se ao facto de Platio nao dissociat a expressao do pensamento puramente filos6fico da sua componente Iweraria ¢ ficcionista ou, parafraseando Werner Jaeger, a forma extremamente agradavel (pinturesca) do filosofar em ‘Platao é indissocidvel da vertente mitica, plastica e intuitiva (...). As imagens ¢ os mitos constituiam a obra mais caracteristica e irreproduzivel de Platao’. Quanto mais fundo mergulhava no inefavel, mais premente surgia a Platao a necessidade de recorrer a alegoria e 4 metafora. Dai que muito do essencial do seu pensamento pudesse iniciar-se assim: +€ como se Ora, com Arist6teles a situacao é diferente. Para ele, 0 caminho mais curto para dilucidar um problema € atacd-lo de frente, isto é, ir direito ao mesmo. A maneira como ele se desfaz de Protigoras esta nos antipodas de Platao’. Este prepara tudo com enorme esmero cénico e literério: dedicathe mais tempo, mais espaco, mais atengoes. Ficciona: «6 como se...» Protégoras tivesse estado em casa de Cilias e 0 didlogo entre Sécrates e 0 Sofista tivesse acontecido exactamente assim...; «€ como se...» Protagoras, através do medium Sdcrates, tivesse reposto a sua verdade dos factos, perante a admiragao de Teodoro e de Teeteto. Mas, todo este investimento nao foi feito inutilmente. No cémputo geral, Aristoteles € muito menos cruel e castigador do que Platio. Para este, «€ como se...» a contundéncia da depreciagao assegurasse um efeito seguro, continuado e permanente. Ou seja, a raz4o pela qual Platio nao consegue levar a cabo, de uma forma linear e sem rasto (emotivo), a tarefa de se desfazer dos sofistas, trabalho que Aristoteles executa polémique en ce sens qu’Aristote se livre ici a une réfuttation (...)"; E em concordancia com Mario Untersteiner, refere que,” (...) Aristote révele un sens historique plus grand que Platon (...)". Les Choses Mémes. La pensée du réel chez Aristote, Lausanne, Lge D'Homme, p. 55; p. 70, n. 83. Veja-se, v. g., 0 penetrante estudo de C. J. Classen, “Aristotle's picture of the sophists’ in The Sophists and their Legacy, edited by G. B. Kerferd, Wiesbaden Franz Steiner Verlag GMBH, 1981, pp. 7-24 * Werner Jaeger, Aristoteles, bases para la historia de su desarrollo intelectual, trad. José Gaos, Madrid, Fondo de Cultura Econémica, 1984, p. 20 23 *Para Pierre Aubenque, a causa das insuficiéncias de Plato sfo claramente sugeridas no livro Gamma da Metafisica:" (...) on ne répond pas a des arguments logiques par des arguments ad hominem, non plus que par des mythes (...)". Le probleme de etre chez Aristote, op. cit, p. 97. cay com pericia ¢ eficdcia'® e, conceda-se, com uma certa justica ", € que, provavelmente, para Plato, os sofistas diziam-lhe bastante mais do que a prépria razio poderia desejar. ® Talver porque,” (..) Aristote concevait la philasopbie comme une reponse aux problemes posés par lexpérience, considérée surtout comme multiplicité et devenir, ‘aspects qu'il avait illustrés avec une radicalité supérieure a celle de Platon (..)" Enrico Berti, “Les stratégies contemporaines d’interprétation d'Aristote’, in Rue Descartes I, Paris, Albin Michel, 1991, p. 51. " Segundo Romeyer Dherbey,” (..) Nous disions plus haut qu’Aristote avait été relativement juste avec les Sopbistes, mais juste, cela ne veut pas dire tendre (...)". Les Choses Mémes. La pensée du réel chez Aristote, op. cit., p. 63, Referi-se, no mesmo sentido, a judiciosa observagio de C. J. Classen sobre a forma como Atistételes refuta a posigio de Protigoras (Metafisica 1009 6- 1011b 22; 1007b 18- 25. °C.) Suffice is to emphasize that Aristotle neither distorts nor misrepresents the ‘position of Protagoras nor dismisses is lightly on general grounds, but examines it in its particular form with its presuppositions and consequences and refutes it together with the theoriés of others with a closely woven net of arguments (...)", E, mais & frente, acrescenta:" (...) Of course, invariably, he looks at the sopbists from bis point of view and argues on the basis of bis own system and, thus, he is necessatily not as one might wish d historian of philosophy be. But so far he pays attention to the sopbists (C.J, be treats them no better and worse than any other earlier thinker or writer, and he regards bis assessment and criticism of the sophistic argument, it is certainly not governed by unfounded resentement, but rather by genuine belief in its inadequacy which finds its expression again and again in specific refutation (...”, “Aristotle's picture of the sophists” in The Sophists and their Legacy, op. cit, p. 22 ¢ 24. Segundo W. K. C. Guthrie,” (...) While on the subject of Aristotle it may be as well to issue a caveat against speaking of ‘Plato and Aristotle” in one breath, as if their opposition to sophistic empiricism were equal and identical. On the subjects in which the Sopbists were primarily interested, Aristotle's standpoint was in many ways closer 10 theirs than to Plato's (...)". The Sophists, Cambridge, Cambridge University Press, 1971, p.53. H4 uma passagem na Ethica Nicomachea ( 1164a ), que nos parece ser bastante elucidativa da afirmagao que fizemos, pelo menos no que a Protigoras diz respeito. Ai, parece que Aristételes pretende estabelecer uma distingao entre os sofistas, em geral, € Protégoras, em particular, no que concerne a0 estatuto remuneratério. A dado passo, pode ler-se: ” (..) Mas quem determina o valor do servico prestado? Aquele que presta o servigo, ou aquele que é 0 beneficidrio do ‘mesmo? Parece que a primeira deixa a decisio a segunda. Era assim, segundo dizem, que Protagoras procedia; quando ensinava algo a alguém, mandava aquele que aprendeu a determinar 0 valor do conbecimento adquirido, e aceitava 0 montante assim determinado (...) “ Mas, a0 contratio, ” (...) Aqueles que recebem a quantia adiantadamente e ndo cumprem qualquer das promessas anteriormente feitas, obviamente que se tornam objecto de demtincias, uma vez que detxaram de honrar um compromisso. Os sofistas talvex se vejam obrigados a proceder assim, pois ninguém thes daria dinbeiro em troca do que eles sabem (... )* 45 Aristoteles ndo tem grandes contas a acertar com a época”. Ao contrario, Plato, antes mesmo de nos esclarecer a nés leitores- ouvintes, tem de tragar perante si préprio uma linha de fractura entre a cidade onde vive, que é a sua, mas que nao é a sua cidade, e a Cidade que idealiza; entre as leis da cidade, a quem deve obediéncia e sob a égide das quais foi criado"’, mas que nao so as suas leis, e a Cidade das Leis que idealiza. Em certa medida, a razio pede a Plato que radicalize as posigdes a tal ponto que a ruptura inviabilize qualquer risco de fegresso a noite sofista. A ruptura passa, Portanto, pelos sofistas, pelo que eles representam, pela influéncia que detém, pelos resultados funestos a que a sua actividade conduz. Mas, ao romper com os sofistas, ndo rompera Platio com uma Parte de si mesmo? O seu envolvimento com os sofistas, seja por fazdes de ordem hist6rico-conjuntural e/ou por razées de ordem filos6fico-temperamental foi imenso. Ele trabalhou muitas horas (com) os sofistas, Nao é impunemente que o resultado de uma obra revela tantos diilogos ad hominem, com uma carga impressiva tao intensa. Obviamente, que para obter um tal resultado, Platao teve de vestir muitas vezes a pele do sofista que habitava no mais fundo de si mesmo". \t Yejase, v. g., a contribuicho fundamental de Werner Jaeger, para o estabelecimento de uma cronologia exaustiva da vida e da obra de Aristoteles Aristoteles, bases para la bistoria de su desarrollo intelectual, op. cit. Werner Jaeger que, na opiniio de Enrico Berti, 'é 0 maior aristotelista do século XX’, vide L'Unita del Sapere in Aristotele, Padova, CEDAM, 1965, p.183, n.1; As Razées de Aristoteles, trad. D. David Macedo, S. Paulo, Ed. Loyola, 1998, pp. XI e 108. E Berti defence que W. Jaeger constitui uma referéncia obrigatéria e um modelo a seguir, para qualquer abordagem do pensamento de Aristételes: " (...) ils (Werner Jaeger, D. Ross, A. Mansion) ont continué pendant plus de trente ans, gardant un niveau remarquable di point de vue scientifique, et sont devenus, pour tous les spécialistes de la phtlosopbie ancienne, un objet d'envie en méme temps qu'un modbele 4 Imiter (..) *. “Les steatégies contemporaines dinterprétation d’Aristote” op. cit, p. 33. * Criton SAb-c. Xt Para Romeyer Dherbey,” (..) En effet Platon s'oppose aux Sopbistes de fagon violente, extréme, totale jusqu’a U'injustice. Mais leur présence est, dans les dialogues, obsédante. Cette passion méme, cette intervention de Vaffectivité dans la polémique philosophique éveille un soupgon: est-ce bien l'autre absolu que Platon exclut de sa pensée, ou bien n'est-ce pas Vexclusion par Platon d'un certain Platon que Platon refuse? (... “ Les Choses Mémes. La pensée du réel chez Aristote, op. cit, p45. 46 Um outro aspecto que podera contribuir para acentuar as diferengas entre Plato e Arist6teles, prende-se com a maneira como eles entenderam as relagdes mestre/discipulo. Enquanto Aristételes, ja © dissemos, vai direito ao assunto, amigo de Platdo, mas mais amigo ainda da verdade'’, logo, rompe com o mestre’ € segue 0 seu préprio filosofar, sem drama nem dor, Plato impée-se uma fidelidade (quase) absoluta a Sécrates. A sua cruzada € tanto contra- sofistica como pr6-socratica. No mesmo passo em que se afunda o sofista, resgata-se S6crates, colocando a sua imagem a coberto de qualquer esptiria identificagao. S6crates, cuja imagem aos olhos da opiniio piiblica aparecia ferida de tantos mal-entendidos, (teria seguido, no passado, as doutrinas dos fisidlogos? Ter-se-ia deixado seduzir, posteriormente, pelos métodos dos sofistas? Seria de concederlhe 0 estatuto de arrependido ou, como testemunham Arist6fanes e os acusadores da Apologia, Sécrates nunca deixou de ser, de facto, um sofista? ) precisa desse trabalho constante de Platao de recomposic¢ao e reabilitagao da imagem. Platao nao pode aliviar a pressio apologética: o sofista Sécrates nao é, de facto, sofista. © Platio puro e distante, 0 Platao da duplicagao dos mundos que, seguro do outro, olha este com desdém, é alguém profundamente comprometido com a sua época, com os homens, as ideias, a(s) politica(s), a cultura. O Platéo do outro mundo é o mesmo que investe tudo na Reptiblica, nas Leis, nas Sicilias”. % Referimo-nos, obviamente, a célebre passagem da Ethica Nicomachea 10962 6. 4 Ainda que, por vezes, segundo Giovanni Reale, com excessiva contumécia: “(.) BS clerto que Aristételes, en buena parte de la “Metafisica’, procede como una especie de maquina refutatoria que hace estragos entre sus adversarios, sobre todo los Platonicos, de manera verdaderamente despiadada y por muchos conceptos desconcertante En no pocos casos lega a perder el sentido de la medida y aun de Ja correcci6n. (...). Guia de Lectura de la “Metafisica” de Aristételes, trad. J. M. L6pez de Castro, Barcelona, Ed. Herder, 1999, p. 202. 1 E nesse sentido que Enrico Berti afirma que, “(...) on ne dott pas idéaliser les philosophes anciens, c'est-a-dire les placer hors du temps et les considérer comme des ‘modeles de perfection valables pour tous les temps (...). Pour juger les philosopbes anciens du point de vue philosopbique, il faut avant tout les comprendre, et pour les comprendre il faut les replacer’ dans leur temps, c'est-d-dire dans la situation historique ott ils ont vécu (...) * “Les stratégies contemporaines d'interprétation WaAristote’, op. cit., p. 49. 47 Em sintese, enquanto Aristoteles, acordando do sono platénico, se apercebe de divergéncias fundamentais resolvendo-as através de uma ruptura frontal" e, mais do que isso, publicitando-a, Platao, quando, a dado momento da sua producao filoséfica, se da conta de que 0, até af, elan Sécrates, j4 est a funcionar como condicionador da expansio dos seus projectos filos6ficos, nao sé nao assume, Publicamente, esse desenlace, como resiste a despedir o mestre, mantendo-o em cena, ainda que correndo 0 risco de Ihe atribuir um papel de mero figurante ou figura-ce-corpo-presente”, Foi tomando Plato como termo de comparagao, que afirmamos que Aristteles nao teria grandes contas a acertar com a época. Todos, de uma forma mais ou menos marcante, acertam contas com a sua €poca. O proprio acto de viver é um constante acertar de contas e 0 singular acto de filosofar ainda mais”. Mas, o sentido da afirmacao visa um objectivo muito preciso: a vida de Aristételes nao € a vida de Platao; a envolvéncia de Aristételes com a sofistica e a "* Cono refere Cornford, “(...) Nao € dificil entender que um homem de ciéncia nato tenba sentido uma irritagdo pouco consciente por ter estado tanto tempo ligado a um fil6sofo cujo pensamento, embora magnifico, era radicalmente incompativel com o seu (... * Before and after Socrates, trad. Valter 1. Siqueira (Antes e depois de Sécrates), Martins Fontes Ed., 8, Paulo, 2001, pp. 76-77. Como se sabe, as Leis sao 0 Gnico Didlogo onde Sécrates nao est presente, enquanto, v. g., no Parménides, Sofista © Politico cle tem um papel extremamente discreto, * Logo, Aristoteles acertou contas. Veja-se, v. g., a penetrante andlise de Romeyer Dherbey, “Le statut social d’Aristote a Athénes”, onde se refere, entre outros aspectos de relevante importancia, o conjunto de circunstincias que empurraram Arist6teles para uma certa marginalizagdo numa cidade, Atenas, que ele, desde cedo, havia adoptado como sua. Como refere, a dado passo, Romeyer Dherbey, A existéncia de Aristoteles é desde muito cedo, a de um bomem s6 :* (...) Aristote est donc, tot dans lexistence, un homme seul (...) *. Revue de Métaphysique et de Morale, 3, Paris, 1986,, pp. 365-378. Ou scja, é importante que se afaste "C..) 0 mito de un Aristételes frio, estdtico, inmuable y puramente critico, sin ilusiones, experiencias, ni historia (...) * Werner Jaeger, Aristételes, bases para la bistoria de su desarrollo intelectual, op. cit., p. 47, Remetemos, entretanto, € mais uma vez, para, entre outros, os excelentes estudos de Romeyer Dherbey, Les Choses Mémes. La pensée du réel chez Aristote, op. cit; Werner Jacger, Aristoteles, bases para la historia de su desarrollo intelectual, op. cit. Para uma panorimica das diferentes interpretacdes do pensamento de Aristételes, veja ¥. 8, Enrico Bert, “Les stratégies contemporaines dinterprétation d’Aristote” op. cit; L'Unita del Sapere in Aristotele, op. cit; Giovanni Reale, Introdugao a Aristételes, trad. Artur Moro, Lisboa, Ed. 70, 2001, pp. 136-156. 48 turbuléncia por ela despoletada, nao é a mesma de Platao. Aristoteles € posterior. Vive numa época em que os grandes sofistas ja nado sao vives." Em Ultima anilise, Aristételes nao é Plato, isto é, estamos, certamente, perante temperamentos muito diferentes que determinaram métodos de abordagem e estilos de escrita, igualmente diferentes”. Dai, poder dizer-se de Aristételes que, "(...) a ele esta ligada qualquer coisa de ao mesmo tempo impessoal e intemporal (...; que era dono de “(...) uma forma dura e austera (...) “, assim como, “ (...) de um estilo cujo tinico objectivo era ser puro e claro, tal como é natural no puro homem de ciéncia (...)" Em suma, enquanto Platio, ao ser apanhado em pleno teatro dos acontecimentos, nao pode suster a eclosao de uma boa dose de emotividade no seu envolvimento com os mesmos, Aristoteles goza da distancia suficiente para lidar com os sofistas e, no caso vertente, com Protagoras, que €, no conjunto dos sofistas, o seu interlocutor % Romeyer Dherbey, Les Choses Mémes. La pensée du réel chez Aristote, op. cit, p. 49. ® Segundo Cornford, “(..) Na raiz desse antagonismo estd uma incompatibilidade de temperamento fundamental; e 0 temperamento de um fildsofo tem mais a ver com os rumos da sua filosofia do que ele pode admitir (...) “ Before and after Socrates, op. cit, p. 76. Na mesma linha, Giovanni Reale, no seu estudo da Metafisica de Aristételes, sublinha que, * (..) al leer a contraluz la “Metafisica” no tarda uno en darse cuenta de que las criticas de Aristoteles contra la teorta platénica de las Ideias tienen por objeto diferenciarlo al mdximo de su maestro, para demostrar la originalidad de su propria posici6n ...) “ advertindo, todavia, logo de seguida, que, “C..) debemos estar bien persuadidos, en efecto, de que, si no se bubiera dado el descubrimiento plat6nico del mundo de las Ideas o Formas inteligibles, habria sido imposible la doctrina de Aristételes sobre las formas, que solo son la transformacién de las Ideias trancendentales de Platén en estructuras ontolégicas inteligibles e inmanentes (...) * Guia de lectura de la “Metafisica” de Aristételes, op. cit., pp. 203-204. ® Werner Jaeger, Aristételes, preficio a primeira ediclo, Berlin, 1923, apud M. Helena da Rocha Pereira, Estudos de Hist6ria da Cultura Classica, I volume, op. cit, p. 472. * Werner Jaeger, Aristételes, bases para la historia de su desarrollo intelectual, op. cit,, pp. 198 ¢ 42. Na mesma linha se pronuncia Theodor Gomperz, para quem os tratatados filoséficos de Aristételes so de uma estrita objectividade, para nao dizer secos, acrescentando ainda, que ha nele uma rigorosa contensao das pulsdes, uma vez que, as paixdes extremas foram-lhe estranhas. Pensadores Griegos. Aristoteles y sus sucessores, Tomo Ill, trad. C. G. Kérner, J. R. Bumantel, P, Haselberg, E. Prieto, Barcelona, Ed. Herder, 2000, pp. 39 ¢ 40 49 Privilegiado*, de uma forma mais técnica e institucional e, consequentemente, muito menos pessoal. 4, Regressemos, entdo, 2 questao inicialmente colocada. Quais sio as fragilidades, concretamente, os erros manifestados pelo pensamento de Protégoras, que fundamentam a argumentacao de Arist6teles com vista & eliminagao das teses do Sofista? Se Aristételes tivesse que dar uma justificagio, concisa e por escrito, da nao aprovagio de Protégoras, onde radicariam os fundamentos da mesma? Do nosso ponto de vista, numa tripla insuficiéncia: incapacidade de ascender do plano fenoménico ao plano numénico; incapacidade de ascender do plano antilégico ao plano légico; incapacidade de estabelecer uma rela¢aio correcta e coerente entre o plano do Ser e o plano do discurso. Protagoras no atingiu os objectivos minimos exigiveis a qualquer candidato a filosofia. Protagoras nao medita, nao reflecte, nao pensa pelo prazer de conbecer, fala pelo prazer de falar”. Nao Ihe custa nada, fala barato. Ele, e a sofistica em geral, podiam acenar diplomas de sabedoria, esgrimir curricula que, todavia, nao passariam nunca perante o jtiri dos filésofos. Competia a estes por a descoberto que os sofistas proferem parecer fazer obra de sabedoria, do que fazer obra de sabedoria sem parecer, que a sabedoria sofistica é uma pura aparéncia de sabedoria, pretendendo associar-se @ filosofia nao preenchendo, contudo, requisitos minimos indispensdveis, a saber: *(..) Il faut noter tout d'abord que Vinterlocuteur privilégié d’Aristote pour cette confrontation sera Protagoras. Aristote semble le connaitre et lestimer particuliérement, (...) Protagoras demeure un sophiste hors de pair méme si on le compare a Gorgias qui, dans le Corpus, n'a pas droit & une réfuutation en régle (. Romeyer Dherbey, Les Choses Mémes. La pensée du réel chez Aristote, op. cit., p. 53. Na mesma linha se pronuncia C, J. Classen, “C..) The only sopbist whose doctrine and teaching Aristotle presents and examines more thoroughly is Protagoras(...)". “Aristotle's picture of the sophists’, in The Sophists and their Legacy, op. cit., p. 22 * E por isso que, segundo Romeyer Dherbey, “(...) 1 en va tout autrement pour Aristote. Le caractere passionnel de la polémique chez lui s'estompe, qui conduisait Platon tant6t @ un mépris immérité pour les Sopbistes, tantot & des louanges excessives. Ces deux moments opposés chez Platon sont en fait complémentaires: Aristote les rejette tous deux : @ ses yeux les Sopbistes n'ont mérité ni cet exces dbonneur, ni cette indignité (...) *. Les Choses Mémes. La pensée du réel chez Aristote, op. cit., pp. 46-47. * Metafisica, 1, 2, 982a, 15.; IV, 5, 1009a, 21. 50 libertar-se da tentagao facil do parecer saber, para elevar-se & dimensdo real do saber, Ou seja, enquanto a sofistica negoceia uma sabedoria aparente e nao real, a filosofia pratica um principio tinico: 0 da sabedoria verdadeiramente sdbia®. E mais, um dos tragos intoleraveis da cultura sofistica consistiria na criagao de doutrinas sem moderacdo, que impedem a determinagao pelo pensamento seja do que for, isto é, nao estabelecem qualquer diferenga objectiva entre o bem e o mal, o verdadeiro e 0 falso®. Enfim, havia que concordar com Platao quando afirmava que 0 sofista discute acerca do que néo é®, Discurso predominantemente narcisico ¢ redundante, cintilante, de ocasiao e perecivel', o logos sofistico ao envolver-se consigo mesmo numa relacao autista e auto- contemplativa, acabava por nao querer saber da realidade para nada*, Assim, parece que Aristételes sabia n’io sé que em toda a dimensio fenoménica acidental hé a presenca ainda ausente de uma esséncia que apela ao des-velamento, como estaria firmemente convicto da indiferenga do Sofista acerca dessa matéria. Mais, quando Aristoteles diz que, “ (...) Uma vez que as coisas ndo se produzem tal como o desejariamos, é necesstirio desejd-las tal como elas se produzem (...)"8, € como se estabelecesse, avant la lettre, a fronteira entre principio do desejo e principio da realidade e, no mesmo passo, a distingao entre voluntarismo sofista e racionalidade filoséfica. Mas, Protégoras nao sabia, suspeitava que essa presenga se ® Reportimo-nos, parafraseando, a passagens de Elencos Sofisticos I, 165a; Metafisica 1004b, 15-25. * Aristételes, Metafisica, IV, 4, 1009a, 5-6. ® Platao, Sofista, 237a; 254a. Aristételes diz que, “( ... ) Efectivamente, s6 esta (a sofistica) se ocupa do acidental, pelo que Platdo andou bem quando disse que 0 sofista discute acerca do que nao é(...)“ Aristételes, Metafisica, XI, 8, 1064ab, 30. °C...) la nature méme du discours sopbistique qui est un discours oral, rononcé précisément dans les grandes “occasions”, discours scintillant et périssable. ‘Au contraire le discours écrit, qui sera celui des philosophes, fait entrer en jeu le temps comme continuité ( ....) “ Romeyer Dherbey, Les Choses Mémes. La pensée du réel chez Aristote, op. cit, p. 60. » Aristoteles, Metafisica, IV, 4, 1009a, 5-6. % Estobeu, Florilégio, 3, 53. ., apud Romeyer Dherbey, Les Choses Mémes. La pensée du réel chez Aristote, op. cit, p. 66. 51 encontrava perdida na multiplicidade do particular. Para ele, a esséncia da realidade radicava no seu caricter inevitavelmente equivoco, contraditério, ambivalente, acidentalmente casual Protdgoras diria, de boa fé, que a antilogia nao era um logro ou uma forma ardilosa de manipulagio da realidade. A antilogia representava © limite de um saber a quem nunca fora dada a sabedoria para resgatar a unidade que faltava* Porém, para Aristoteles, as coisas nao se passariam dessa maneira. Mesmo nao usando de md fé para avaliar a boa fé do * Paula Gottlieb diz que, “(..) Protagoras thinks that the objects of perception Gre relative to our perception of them, and that the objects of perception are not prior to our perception of them. According Protagoras, if there were no perceivers there would be no objects of perception. Indeed, when there is no perception of them the objects of perception do not exist (...) *. “Aristotle versus Protagoras on relatives and the objects of perception “ in Oxford Studies in Greek Philosophy, XI, Oxford, 1993, p. 119. “(..) Autrement dit, les choses ne sont pour lui que dans leur apparaitre et qu'en tant qu elles lut apparaissent. C'est donc Vapparaitre des choses qui sera pour chacun leur étre, Si une chose ne se manifeste pas par Ventremise des sens, elle n'existe pas pour l'homme (..) “ Vincent Cartalade, “Protagoras défendu par Socrate...". Revue Philosophique (Philosophie Grecque), Paris, PULE, 1998, p. 166. Ora, em tiltima analise, esta perspectiva leva, necessariamente, a concluir que, para Protigoras, 0 mundo-exterior ao sujeito-pensante, nao existe, nao tem qualquer consisténcia ontol6gica. O mundo nao seria mais do que uma realidade inter-pessoal sonhada ao-vivo. Fis a nossa grande divida, Ter sido Protigoras tio dogmatico ao ponto de postular, peremptoriamente, a inexisténcia do eventualmente existente nao presente ao acto perceptivo? Do nosso ponto de vista, © Sofista ndo nega, em absoluto, a possibilidade da existéncia de algo nao presente 40 acto perceptivo, mas, limita-se, wo-s6, a afirmar a realidade do percepcionado (he peri ta phainomena aletheia), Aristételes, Metafisica, IV, 5, 1009b, 1-2. Nesse sentido, dirfamos com Jan Lukasiewicz, algo que, por certo, Protigoras subscreveria: " G.) Ce n'est pas l'homme qui a créé le monde, et il n'est pas en mesure de pénétrer ses secrets (...) “ “Sur le principe de contradiction chez Aristote” (présentation et traduction par Barbara Cassin et Michel Narcy) in Rue Descartes I, Paris, Albin Michel, 1991, p. 30. Talvez, caiba a Adolfo Levi, 0 mérito de ter encontrado 0 ponto de equilibrio necessario. De facto, ele afirma que, “C..) si pud dire che Protagora non metteva in dubbio Vesistenza degli oggetti del mondo esterno, ma riteneva che tutte le affiemazioni che si possono fare su di essi sono uguatmente vere, perché i fatti (ciok Tappartenere o no alle cose stesse di certe determinazioni) esistono o no in relazione 4 ogni soggetto singolo. La sua concezione, quindi, non @ soltando un relativismo che stabilisce una relazione indissolubile fra Vesistenza dei fatti del mondo della natura €!'uomo, relazione consistente in un atto di connoscenza (sensibile e intellecttuale), ‘ma un soggettivismo che fa dipendere tale relazione dalla costituzione dei diversi soggetti (...) “ Storia della Sofistica, Napoles, Morano Editore, p. 128; vide, no mesmo sentido, pp. 147-148, oe Sofista, esta nao se furtaria nunca & acusacao de se tratar de um mero expediente daqueles para quem negociar constantemente uma sabedoria aparente compensa bem mais do que elevarse a dimensdo real do saber. Para Aristételes, a sofistica nao quer e/ou nao pode elevar-se acima da empobrecedora dimensio do acidental®, Alias, convém-lhe manter as coisas neste claro/escuro, neste plano indistinto, o qual serve de cortina de fumo a todos os jogos antilogicos. Protagoras estabelecera a aparéncia como o limite da realidade possivel. Nao se tratava de saber previamente se, sob a camada aparencial, se escondia uma realidade permanente. Antes, havia que esclarecer se as capacidades cognitivas dispunham de um meio mais cortante e cirirgico do que a mera visdo perceptiva, capaz de extrair o ser da aparéncia. Ora, para Protagoras, nao ha. Para la do limite dessa visdo perceptiva, cava-se o abismo do incognoscivel”. E essa superficie fenoménica, que para Aristdteles nao é mais do que 0 primeiro passo para o conhecimento profundo, que, segundo o Sofista, estimula a visdo perceptiva e dé o conhecimento possivel. Mas, Protagoras sabe-o, o que resulta desta relagdo derrapante entre sujeito e objecto é qualquer coisa de eminentemente particular, fragil e precirio. Ou seja, € uma outra maneira de permanecer num certo nao-saber, na suspeicao de que 8 Arist6teles % , Elencos Sofisticos |, 165a; Metafisica 1004b, 15-25. que, “(..) 0 acidente é algo semelbante a um mero nome. Por isso Platdo afirmou, com certa razio, que a Sofistica trata “do que nao é”. Os raciocinios dos sofistas versam, acima de tudo, acerca do acidente (...) “ Metafisica, VI, 2, 1026b, 15. A passagem de Plato, a que Arist6teles se refere, encontra-se em O Sofista 254a. » Essa impossibilidade esti bem patente na asserclo de Protégoras sobre os deuses (Cicero, Sobre a natureza dos deuses, |, 24, 63). Como afirma Paula Gottlieb, "C..) Aristotle would be pointing out that what is wrong with Protagoras'view is that it leaves no room for the existence of substance: Protagoras does not recognize that there are things in the world which are only incidentally perceptible, It is these which can exist unperceived (...) “ “Aristotle versus Protagoras on relatives and the objects of perception’, op. cit, p. 117. Mais uma vez, estamos perante um conflito de prevaléncias: enquanto para Protigoras © que determina a existéncia das coisas € a possibilidade da sua perceptibilidade, para Aristoteles ha coisas que, ainda que nio perceptiveis, existem. Por outro lado, ainda, enquanto para o Estagirita 0 sujeito que conhece algo, conhece a esséncia (ovata) de algo, para o Sofista s6 se pode afirmar, com seguranga, que 0 sujeito conhece algo swfeito ao sujeito. Sublinhe- Se que, como jé foi referido em nota anterior, nada disto obriga a supér que Protigoras tivesse limitado todo 0 existente, ao todo percepcionado. 53 algo mais se podera passar para 14 do mero acto perceptivo. Perante a impossibilidade de ultrapassar essa dificuldade, a solugio de recurso encontrada pelo Sofista consistira em colocar o ser sob a égide do logos*. Mas, para Aristoteles, o resultado desta inversao redunda numa adulteragao inaceitavel da ordem do conhecimento e, consequentemente, da propria verdade das coisas. O Sofista, sob a forma de uma predicagao acidental transpée, para o discurso, o caracter contingente da realidade, atribuindo-lhe a dignidade da esséncia. Segundo Aristételes, o facto de a esséncia da realidade poder nao apresentar um cardcter exclusivamente univoco”, nao condena a que se conclua pela sua insanfvel equivocidade®, Quando se coloca, sobre a plataforma do Jogos, um ser fragil e leve, sem peso, Consisténcia nem determina¢do, algo, afinal, que nao é um ser, mas, ainda, um mero aparecer, verifica-se um efeito de reciprocidade: 0 logos revela-se escorregadio para um ser inconsistente e 0 ser, que é um falso ser, ou um permanente vir a ser, porque nao passa de um mero acidente, perde capacidade de aderéncia, isto é, no tem a forca que Ihe é dada pelo seu caracter univoco e substancial (obote), para se impor, na economia do ® Daf, segundo Pierre Aubenque, esta auséncia de distancia, entre a palavra e © ser, permitir afirmar que as teorias dos sofistas sao “C..) des théories immanentistes du langage, le langage est pour eux une réalité en soi, qui fait corps avec ce qu'elle exprime, et non un signe qu'il faudrait dépasser vers un signifié, non pas donné, ‘mais problématique - ce qui supposerait une certaine distance entre le signe et la chose signifiée (..) * Le probleme de 'étre chez Aristote, op. cit., p. 100. Como pode ler-se em La décision du sens, ”(..) La question n'est pas plus alors d'un discours ajusté aux phénomenes, dans la crainte de les trabir (...) mais d'un assujetissement du phénoméne par le discours (...) ” Barbara Cassin et Michel Narcy, La décision du sens. Le livre Gamma de la Métaphysique d’Aristote, op. cit., P. 72. Alids, jd anteriormente, € num outro registo, (Plato, Protdgoras, 320d-324d), © Sofista havia demonstrado que, se esta limitag2o nao for competentemente gerida, isto é, com “moderacao” e “justica” (aidos e dike), os resultados sero extremamente devastadores, tanto individual como colectivamente. £ que, © logos, concretamente, © kreitton logos (discurso forte) nao dispensa aidas e dike. » *(...) O Ente diz-se em muitos sentidos; porém todo o ente se diz em ordem a um tinico principio (...” Arist6teles, Metafisica IV, 2, 1003b, 6-7. ® Vide Pierre Aubenque, Le probleme de létre chez Aristote, op. cit., p. 143, concretamente, C. II “Etre et Langage”. © Segundo Pierre Aubenque, a ousia deve ser entendida como a unidade objectiva que fundamenta a unidade da significagao das palavras ¢ a que Aristoteles oa discurso, um lugar certo, seguro e permanente*. Ora, Aristételes, em determinadas passagens*, parece dar a entender que o discurso tem. uma fungdo apofantica, no sentido heideggeriano de ex-por, des- velar, tornar manifesto, deixar-ver, des-cobrir aquilo sobre o qual incide o discurso%. Para Aristoteles, 0 vicio antilégico radica precisamente nesta sucessio de displicéncias ¢ erros de anilise: aborda-se a realidade pela rama fenoménica € conclui-se, in perpetuuim, pelo seu caricter naturalmente contradit6rio. Dai, 0 impacto da afirmagao, “C..) 0 mesmo pode ser e ndo ser, simultaneamente e no mesmo sentido (.. ad Segundo Aristételes, as vantagens que oO Sofista retira desta indiferenciacio de planos sao, como jé se disse, evidentes: ganha, ilegitimamente, espaco de manobra e de livre manipulacao. Constitui-se como um homem de palavras mas, nunca, como um bomem-de-palavra®. Ou seja, cle estabeleceu as coisas de tal chama de esséncia (odo{a) ou ainda quididade, “aquilo que é". Mais 4 frente, o A. refere-se 2 distingao que, do seu ponto de vista, deve ser estabelecida, entre ousia ¢ substincia, tanto sob 0 ponto de vista hist6rico, como filos6fico. Le probléme de Patre chez Aristote, op. cit, pp. 127 ¢ 136, n. 2. Ainda para o A., 0 Ser mio tem outro significado senao o de Esséncia. Vide, op. cit., p. 140. 42 segundo B. Terray, “(..) L'étre que le langage est capable de susciter ou méme de créer, clest Vétre de Protagoras, cest-a-dire Vapparence et la répresentation. Le langage s'apparente ici a la magie: de méme que, par le seul miracle de sa parole, le ‘sorcier fait surgir les spectres dont il pronnonce les noms, les mots se substituent a la réalité absente pour produire sur lame les impressions que celle-la lui aurait apportés (...) * ta philosophie dans la caverne, Paris, Scuil, 1990, p. 41, apud Vincent Cartalade, “Protagoras défendu par Socrate...", op. cit, p. 170. Concretizando, “(..) Cest en ce sens que Fopinion n'est pas uraie, puisque la vérité (aletbeia) ou la réalité (ta onta) de Vimpression n'y est plus, elle n'est qu'un pale reflet dela réalité, et & ce titre peint plus ou moins bien la réalité, c'est-a dire a plus ou moins de valeur (....) * Vincent Cartalade, op. cit, loc. cit. ©Y. g, Ret6rica, Ill, 2, 1404b, 1 4 Segundo Pierre Aubenque, Aristételes “(.) attribuait au discours une ‘fonction ‘apophantique’, c'est-d-dire révélatrice: (...), ce serait rendre manifeste dans le sens d'un ‘laisser-voir dévoilant’ de sur quot porte le discours (...) *. E, mais adiante, “(..) La fonction apopbantique n'appartient donc pas au discours en général, mais au discours judicatif, car celui-la seul “fait voir” ce que les choses sont et qu'elles sont ce qu'elles sont; celui-la seul, comme on l'a vu, entretient avec les choses qu'il exprime un rapport qui n'est pas seulement de signification, mais de ressemblance (...) *. Le probleme de l’étre chez Aristote, op. cit., p. 112. ‘Vide, v. g,, Arist6teles, Metafisica IV, 4, 1006a; 1008b, 3; XI, 5, 1061b, 36. % Uma vez que nao cumpre com o preceito, segundo o qual, “C..) Cada palavra (...) ba-de ser compreensivel e ba-de ter um significado, nao muitos, mas um 55 maneira, isto €, a inevitabilidade da validade absoluta do conhecimento relativo”, que nunca ficara preso & palavra-dada, uma vez que a mesma se limita a acompanhar e a reproduzir 0 caracter ondulatério da realidade acidental*. Esta metéfora serve para nos apercebermos de que, para Aristételes, havia uma fronteira intransponivel entre 0 homem-de-palavra, o fildsofo, ¢ os homens- das-palavras, os sofistas, e que era aqui que 0 combate decisivo, entre filosofia e demagogia, tinha de ser travado®. Se ao primeiro nao resta sendo seguir 0 problemdtico caminho da construgio de uma ontologia da esséncia, os segundos limitam-se a elevar a condi¢ao de ciéncia o absurdo de uma ontologia do acidente®. Donde, poder dizer-se que, “ (..) Toda a estratégia de Aristételes 30. B, caso tenha mais do que um significado, ha-de esclarecer-se a qual de entre eles se refere a palavra (...) *. Ao contrério, “(... ) aquele que afirma que “6 e nao é isto”, nega aquilo que afirma e, consequentemente, diz que a palavra ndo significa aquilo que significa. Mas, tal coisa & impossivel. Portanto, se algo significa “Ser isto”, é impossivel que 0 enunciado contradit6rio seja verdadeiro (... ) “ Metafisica, XI, 5, 1062, 13-20. © O que para Arist6teles ndo correcto, uma vez que, “(...) nem todas as coisas $do rolativas, ja que algumas existem em si e por si, donde nao serd verdadeiro tudo aquilo que aparece; & que 0 aparente é aparente para alguém; de maneira que, aquele que afirma que todas as coisas verdadeiras sto aparentes, converte todos os entes em relativos (...) * Arist6teles, Metafisica, IV, 6, 10011a, 18-22 “Na introdugio, sob o titulo, “Parle si tu est un homme”, da obra que temos vindo a citar, os autores referem, a dada altura: “C...) ceux dont le logos est tout entier dans les sons de la voix et dans les mots, ceux-la ne signifient pas quelque chose, ne parlent pas, ne sont pas des hommes (...)_* ; mais adiante, pode ler-se ainda: “(..) la négation du principe de non-contradiction, c'est la capacité sophistique de traduire indéfiniment tout discours en son contradictoire, donc de pouvoir en toute occasion soutenir tout discours (...) “ Barbara Cassin et Michel Narcy, La décision du sens. Le livre Gamma de la Métaphysique d'Aristote, op. cit., pp. 53 ¢ 77. ® Num plano andlogo, Frangois Chatelet, ao comentar uma das alocugées de Gillcles, no Gorgias de Platdo, diz, a daclo passo, o seguinte: “...) 0 fildsofo é alguém que usa a palavra. Por isso, 0 que néo se interessa pela palavra, que a utiliza de ‘maneira exclusivamente pragmatica, estilo: “Passe-me 0 sal”, que podemos fazer com ele? Ele & quem, na comunidade, se serve da palavra como de um instrumento, como de um martelo, de uma faca ou de um cacete, mas sem se inquietar com a significacao das palavras, sem se esforcar por construir um discurso exigindo a adesdo dos outros. Que fazer no seu caso? Trata-se da grande questao da filosofia (...)". Uma Hist6ria da Razao, irad., Miguel Serras Pereira, Lisboa, Ed. Presenga, 1993, p.31. ® Vide Pierre Aubenque, Le probleme de Vétre chez Aristote, op. cit., p. 143. Entretanto, sobre a questio da atribuigdo a Aristoteles do termo “ontologia’, ha que (er em conta, como adverte Tomis Calvo Martinez, que “(...) El tratamiento de la 56 consiste em provar aos seus adversdrios que eles ndo sabem o que dizem (...) 1, que * (...) falam por falar (Aéyou xdpw A€yoou (...)°, tentando demonstrar 0 que € indemonstravel*. 5. O livro Gamma da Metafisica constitui uma _referéncia obrigatoria, uma vez que é ai que Aristoteles leva a cabo um confronto directo com a doutrina antilégica de Protagoras, nao descurando, também, a oportunidade para acertar contas com as doutrinas pré-socrdticas, concretamente com Heraclito e Anaxdgoras*, que, do seu ponto de vista, incorreram no mesmo vicio antilégico™. primera de estas temdticas Co A. refere-se ao “lo que es, en tanto que algo que es” [ ‘én béi én] ) puede muy bien denominarse “ontologia’, aun cuando tal nombre aparezca en Aristoteles y su acunacién sea relativamente tardia en la historia de la metafisica (...) * Arist6teles, Metafisica, introducciGn, traduccién y notas de T.C. Martinez, Madrid, Editorial Gredos, S.A., 1994, pp. 17 € 161, n. 1 5 *(..) Toute la stratégie d’Aristote consiste donc & prouver a ses adversaires quits ne savent pas ce qu'ils disent (...)* Barbara Cassin et Michel Narcy, La décision du sens. Le livre Gamma de la Métaphysique d’Aristote, op. cit, p42. % Isto €, falam pelo prazer de falar. Arist6teles, Metafisica, V, 5, 1009a, 21. £ neste sentido que segue a traducao de Barbara Cassin ¢ Michel Narcy da referida passagem: “(..) ceux qui parlent pour le plaisir de parler...) “, ¢ observam que, perante esta sequéncia, Aristételes apresenta uma outra: “(.) fou eidenai kbarin, pour le plaisir de connaitre(...)". Metaftsica, |, 2, 982a, 15. E concluem que, neste sentido, segundo Aristételes, “C..) ceux qui ne font que parler ne parlent pas du tout (..)* Enfim, “(...) si la vérité du discours de Protagoras est sa performativité, elle n'est effective que dans Vactualité de son énonciation. Vérité qui s'évanouit avec la voix: flatus vocts ( ...)* Ibidem, pp. 47, 48, 58, 73. » Ariswteles, Metafisica IV, 6, 1011a, 12-14 + Vide, v. g., Metafisica, IV, 3, 1005b, 25; IV, 4, 1008b, 4; IV, 7, 1012a, 25-31; IV, 8, 1012, 34-35; XI, 6, 1063b, 24 sqq. Refira-se, entretanto, que, além de Heraclito © Anaxagoras, Arist6teles reporta-se a outros physikoi. Vide, v. g., Metafisica, IV, 5, 1009, 16; XI, 5, 1062a, 23. % Veja-se, também, a aproximacio estabelecida entre Heraclito € Protigoras, v. g, Metafisica, XI, 6, 10062b, 12 sqq. Entretanto, segundo os Autores de La Décision du Sens, “(...) pour Aristote comme pour Platon, si Protagoras parait comme le plus immédiatement représentatif de Vopinion a réfuter, ce n'est pas qu'il en soit linventeur (...) il n'est que le dernier représentant (...) d'une opinion que nos deux philosophes n’bésitent pas @ donner pour aussi vieille que la pensée grecque - ce qui pour eux veut dire, sans doute, la pensée tout court (...) * E, mais adiante: “(..) La comparaison du Thééiete et du livre Gamma met en évidence qu’Aristote et Platon ont en commun de rassembler tous leurs devanciers dans V'erreur combattue sous le nom de Protagoras (...) * Ibidem, pp. 65 67. on Segundo Clemente de Alexandria, “ (...) Os gregos dizem, e Protdgoras foi o primeiro a afirma-lo, que a qualquer argumento (logos) se opde outro contrario (...)"%., Protagoras teria afirmado, também, que, “ (...) Acerca de qualquer assunto é possivel sustentar, com a mesma validade, tanto uma tese como a sua contraria, e isto, inclusive, acerca, da questéo de saber se, a respeito de todas as coisas é possivel opér 0 pro e o contra (...)". Ora, toda a contestagao de Aristételes centrar-se- 4, exactamente, heste ponto: é ilegitimo, tanto do ponto de vista légico (dos enunciados), como ontolégico (da realidade), postular o totalitarismo da contradig’o ou, noutros termos, a realidade nio tem de ser global e necessariamente contraditéria e o Pensamento nao esta condenado a laborar, exclusivamente, sob © peso da antilogia®. Alias, os dois planos sao indissociaveis. Todo © discurso (A6yog) 86 adquire pleno sentido desde que enuncie 0 ser (oveta) daquilo a que se reporta®, A doutrina de Protagoras, levada as suas tltimas consequéncias, conduz ao bloqueio intelectual, a pura insanidade mental, uma vez que nao se pode afirmar, seja acerca do que for, que o mesmo se % Clemente de Alexandria, Sromateis ( Miscelanea ), V1, 65, DK. 80 A20. » Séneca, Eptstolas, 88, 43, * *C..) La contradiction, ainsi que le démontre Vensemble du chapitre 4 @ partir d'une réflexion sur la signification, a comme double conséquence Vindistinction entre les mots et l'indistinction entre les choses; Aristote interpréte cette indistinction en termes d'indifférence (...) “ Barbara Cassin et Michel Narcy, La décision du sens. Le livre Gamma de la Métaphysique d’Aristote, op. cit., p. 46. Como refere Pierre Aubenque, “(..) le plan de la dénomination renvoie au plan de l'étre, puisque seule Videntité de Vétre autorise I'unité de la dénomination (...) “ Le probléme de létre chez Aristote, op. cit, p. 128 ®*(..) se todos dizem, na mesma medida, a verdade e a falsidade, aquele que 0 sustenta no poder’ falar nem dizer nada; de facto, diz e nao diz as mesmas coisas simultaneamente. E se ndo pensa nada, crendo e ndo crendo por igual, em que que se diferenciard 0 seu estado do estado das plantas? (...) * Metafisica, IV, 4, 1008b, 5 sq © *G.) Libomme qui se maintient dans la contradiction s'exclut de sa propre essence, et son inconséquence est sinon un mal, du moins une ménace radical (...) * Ta décision du sens. Le livre Gamma de la Métaphysique d’Aristote, op. cit., p 15. “G..) Par conséquent deux actes de croyance correspondant & des propositions Contradictoires ne peuvent exister en méme temps dans la méme conscience (...) “ Jan Lukasiewicz, “Sur le principe de contradiction chez Aristote’, op. cit., p. 16. 58 da e nao se dé no mesmo, simultaneamente e no mesmo sentido”. Uma tal assercao significa privar o pensamento de um principio que Ihe é inerente, condicao sine gua non a todo 0 acto de pensar € do qual ndo hd demonstragdo em sentido absoluto®, uma vez que ele é 0 fundamento de toda a demonsiragio™: 0 Principio de Nao-Contradigao%. Numa aproximagio a uma terminologia moderna, de raiz kantiana, poder-se-ia falar no © Metafisica, IV, 3, 1005b, 18-20. Veja-se o seguinte caso: "(...) se “homem" e “nao-bomem” ndo tivessem significados distintos, é evidente que aquilo em que consiste ser-homem ndo seria distinto daquilo em que consiste ndo-ser-homem e, por conseguinte, ‘ser-bomem” seria “ser-ndo-bomem'”: seriam, com efeito, uma mesma coisa (...)* Ibidem, IV, 3, 1006b, 22-26. B, mais a frente: “(...) Se todas as coisas fossem simultaneamente verdadeiras acerca do mesmo sujeito, 6 evidente que todas as coisas ‘seriam uma s6. A mesma coisa seria, com efeito, trirreme e muralba e bomem, se é verdade que um predicado qualquer se pode afirmar ou negar acerca de tudo, como acontece necessariamente a todos aqueles que defendem a doutrina de Protdgoras. ‘De facto, se parece a alguém que o homem ndo é um trirreme, evidentemente que nao & um trirreme e, portanto, também o & na condigdo de que a contradigao é verdadeira (...) “ Ibidem, 1V, 4, 1007b, 18-25. © Como refere Jan Lukasiewicz, ...) Aristote considere le principe ontologique, cest-a-dire logique, de contraction, comme une loi ultime indémontrable (...) * mas, mais adiante, chama a atenso para o facto de que, "C...) Bien qu’Aristote proclame Vindémontrabilité du principe de contraction, il s’efforce pourtant de fournir des preuves pour ce principe (Metafisica, IV, 4, 1006a, 11-13). (..) Or il y a la une contradiction que recouvre de manidre seulement apparente le mot “élenctique’, mais que Vinterprétation ne peut en aucune maniére évacuer...) *. “Sur le principe de contradiction chez Aristote”, op. cit. pp. 17 € 19 “ Metafisica, XI, 5, 1062a, 3. © Para uma abordagem detalhada do Principio de Nao-Contradicao, em Aristételes, veja-se, v.g., La décision du sens. Le livre Gamma de la Métaphysique d’Aristote, op. cit. Jan Lukasiewicz, “Sur le principe de contradiction chez Aristote”, op. cit. Emanuele Severino, Il principio di non contraddizione. Libro quarto della Metafisica, Brescia, 1959. Segundo Giovanni Reale, relativamente ao Principio de Nao-Contradigao, “(...) Aristoteles nos explica por qué la verdad no se refuta jamds. Las verdades supremas, efectivamente, tienen una potencia que quien las niega estd obligado sin mas a utilizarlas en la misma tentativa de negarlas (...) ". La Sabidurta Antigua, trad. S. Falvino, Barcelona, Ed. Herder, 2000, p. 80. E, segundo Enrico Berti, “(...) L'unico principio infaui di cui la filosofia dispone, in quanto capace di abbraciare tutto essere, & it principio de non contraddizione, dal quale non si pud dedurre nulla, e che pud essere usato soltanto per escludere il contraddittorio, cio® per confutare ...)". L'Unita del Sapere in Aristotele, op. cit., pp. 180-181 59

También podría gustarte