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PARTE Ill TEORIAS QUE NAO DEFENDO Pesan parte deste livro tentou explicar as necessidades das criangas pequenas e os motivos do seu comportamento. Mas remo que, como expliquei no injcio, os pais leiam o meu livro e logo de seguida um outro, que diga exactamente o contrario, e tentem aplicar uma mistura de tudo, pensando que, no fundo, dizemos 0 mesmo. De maneira que, em seguida, passarei em revista umas quantas teorias com as quais ndo estou de acordo. A puericultura fascista Alice Miller revé em Tu proprio bien** as recomendagées dos pedagogos alemaes dos séculos XVIII e XIX, uma corrente que foi denominada «pedagogia negra». Miller assinala que 0 objec- tivo final, ndo declarado, de tais métodos era formar stibditos obedientes e que aquele sistema de «educagao» permite explicar o éxito do nazismo na Alemanha entre cidadaos dispostos a obe- decer cegamente a qualquer figura de autoridade, mesmo que as suas ordens fossem cruéis, absurdas ou imorais. O livro de Miller (como todos os desta autora) constitui uma leitura muito reco- mendavel. Citaremos de seguida alguns desses especialistas do passado, e o leitor podera compar4-los com os actuais e ver 0 quanto avangémos. Teorias Que Nao Defendo 123) Nao se pode falar racionalmente com criancas pequenas; por isso a teimosia deve ser eliminada de maneira mecanica [...]. Mas se os pais tém a sorte de neutralizar a teimosia desde o primeiro mo- mento mediante sérias reprimendas e desferindo golpes com uma vara, obterao criancas obedientes, déceis ¢ boas, as quais podem imediatamente oferecer uma boa educagao. (J. Sulzer, 1748, citado por Miller.) E perfeitamente natural que a alma infantil queira medir forcas com a sua €, sé as coisas nao forem feitas adequadamente durante os primeiros anos, mais tarde sera dificil conseguir o objectivo. Estes dois primeitos anos apresentam, entre outras, a vantagem de poder empregar a violéncia e a coaccao. Com o tempo, as criancas esque- cem tudo 0 que aconteceu na primeira infancia. Se nessa primeira etapa os conseguirmos despojar da vontade, nunca mais voltarao a recordar que tiveram uma e, precisamente por isso, a severidade que for necessario aplicar nao tera qualquer consequéncia grave. (J. Sulzer, 1748, citado por Miller.) Outra regra muito importante, devido as suas consequéncias, é que mesmo os desejos admissiveis da crianga s6 deverao ser satisfeitos se ela propria se encontrar num estado animico de amavel inocui- dade ou, pelo menos, tranquila, mas nunca se grita ou se se mostra indécil e intratavel. [...] nao se deve dar a mais ligeira suspeita & crianga de que podera conseguir alguma coisa daqueles que a ro- deiam gritando ou portando-se incorrectamente. [...] A aprendiza- gem acima descrita daré a crianga uma notavel vantagem na arte de esperar e prepard-la-4 para outra, mais importante ainda, no futuro: a arte de renunciar. (D. G. M. Schreber, 1858, citado por Miller.) Entre os meandros de uma filantropia mal compreendida esta tam- bém a ideia de que, para obedecer com gosto, se deve compreen- der perfeitamente os motivos da ordem e de que toda a obediéncia cega atenta contra a dignidade humana. (L. Kellner, 1852, citado por Miller.) Uma pedagogia realmente crista, que aceite a pessoa nao como deveria ser, mas como é, nao podera, em prinefpio, renunciar a qualquer tipo de castigo corporal, uma vez que este é precisamente © Bésame Mucho — Como Criar os Seus Filhos com Amor © castigo mais adequado para certos delitos: humilha e transtorna, da fé da necessidade de baixar a cabega perante uma ordem superi- or e revela ao mesmo tempo toda a energia do amor paternal. (K. A. Schmid, 1887, citado por Miller.) Nascidas sob regimes politicos absolutistas e despdticos, es- tas teorias trazem para o seio da familia o modelo repressor do Estado e convertem o pai em policia, juiz ¢ verdugo (¢ a mae num simples subordinado). Quando a teoria é admitida como «verdade cientifica», reveste-se de uma falsa respeitabilidade. A ciéncia, supde-se, nao tem ideologias, é neutra e objectiva. Pessoas que jamais aceitariam um Estado repressor aceitam ago- ra uma pedagogia repressora. Em 1945, os doutores Koller, director do Hospital de Mulheres de Basileia, e Willi, chefe do Asilo Infantil de Zurique, expressavam-se em termos muito seme- Ihantes. O seu livro™ teve seis edigdes na Suica, em 1945: A psique da ctianga pequena € tio simples e tio inocente, tio facil de dirigir que poucas dificuldades encontramos. Como um relégio, rea- ge as mamadas prescritas, anuncia-se pontualmente, mostra-se con- tente com a quantidade de alimento, fica tranquila entre as mamadas e dorme durante toda a noite. A mie sente-se orgulhosa e feliz por ter um filho tio ajuizado. [...] Alguns lactentes nao se conformam com as horas das mamadas ou querem mamar mais do que o prescrito ou torturam a mae todas as noites com gritos durante horas inteiras. [...] Se esta [a mae], j4 durante as primeiras semanas, corresponde a qual- quer manifestagao de mal-estar ou de mau humor, rapidamente sera escraya da crianga e sofrerd muito, Temos de a libertar dos seus erros desde logo, pois mais tarde seré muito dificil fazé-lo. E um erro tirar o bebé da cama porque chora durante a noite ou entre as mamadas; € igualmente errado pegar-lhe ao colo e dar-Lhe mais alimento. Se tudo esta normal [depois de visitar 0 médico], deixa-se chorar 0 bebé; por vezes conforma-se apds poucos dias passados, mas pode também levar semanas. Sem preocupagao, pde-se o bebé sozinho num quarto onde se ougam os gritos o menos posstvel. Teorias Que Nao Defendo @ Os bebés mais pequenos usam frequentemente o pranto para cati- varem a mae. Gritam furiosamente quando ela sai do quarto ou negam-se, também a chorar, a receber a alimentagao de outra pes- soa que nao dela. Logo desde o infcio, nao devemos levar esses gritos a sério. Curiosamente, é um autor espanhol que de forma mais expli- cita propugna a puericultura como método de doutrina politica. Trata-se de Rafael Ramos, catedratico de pediatria em Barcelo- na depois da guerra civil e do triunfo franquista. Na sua obra” de 1941, nao esconde as suas simpatias polfticas: © Estado verdadeiro é aquele que procura a felicidade dos seus sibditos, mesmo que, por vezes, se tenha de impor pela forca, ser duro ¢ rigoroso. F claro que é preferivel que o stibdito seja obediente desde o inicio, pois assim 0 Estado nao seria obrigado a usar a forga: A crianga em todos os momentos e desde o primeiro dia da sua vida deve saber que existe alguém superior a ela que vai cuidar dela, no apenas com alimentos, calor, etc., mas que vai também refrear os seus instintos: a mae [ a) Desde que a crianca nasce deve ser colocada no seu bergo ¢ ir apenas para a cama da mie quando vai ser amamentada. Se chora, nao se Ihe deve pegar ao colo nem embalé-la, mas limp4-la no caso de estar suja, colocé-la ao peito se chegou a hora de o fazer aconchegé-la se tiver frio [...], ou se chora porque tem necessidade de chorar simplesmente, mas sem que necessite de nada, deixa-se chorar tranquilamente [...]. Acexperiéncia de tantas mées assegura, se a razo cientifica ndo fosse suficiente, que uma crianca recém-nascida chora durante dez, doze, quinze dias, mas, quando se observa rigorosamente esta atitude de nao lhe pegar ao colo, nao a embalar nem Ihe dar a chucha, passado este intervalo, convencida da ineficacia dos seus protestos, a crianga vai diminuindo a intensidade do choro [...]. @ Bésame Mucho mo Criar os Seus Filhos com Amor ») Nao se deve amamenté-los sempre que chorem, mas quando for © momento e de uma maneira sistemética [...]. Também é habitual que a mde se queixe da pontualidade que exige a alimentagdo do filho, mas que pouco importante que isso é se tivermos em conta 0 empo ¢ a escraviddo prolongada que Ihe custaria se, por negligen- cia sua, 0 pequeno contrafsse qualquer transtorno ou doenga! ©) Sem ceder aos seus caprichos, quando a crianca comeca a com- preender ~ 0 que, ainda que nao o manifeste, acontece antes do que habitual crer-se -, deverd fazer-Ihe saber que esta atitude severa € para o seu bem. E assim, pouco a pouco, deposita-se na consciéncia da crianga uma semente de valor incalculvel, que a mae vai fazendo crescer. O filho sabe que existe alguém a quem est4 submetido, que cuida dele e o dirige, de quem recebe os castigos, se bem que no tenha outro objectivo que a sua felicidade. A esta crianga, mais tarde um adulto, que facil sera obedecer a uma autoridade superior! Mas, se o for assim educado desde o berco, id rebelar-se & este homem ni menor contrariedade, enfrentando o seu mestre, 0 seu chefe, 0 policia, o Estado que o governa... Observamos aqui os princfpios fundamentais filoséficos que se opOem a este comportamento de afecto entre mie e filho: * A maldade intrinseca do recém-nascido: um ser caprichoso que abusa daqueles que dele cuidam e que exige coisas de que nao necessita apenas para aborrecer. Apenas através de uma educagio fortemente repressiva chegarA a adquirir os valores morais do adulto. Isto choca frontalmente com a antiga ideia crista da crianga inocente, sem uso da razio, que nao necesita de se confessar antes dos sete anos, por- que é incapaz de pecar. ° Acrianga «necessita de chorar». O choro nao é reconhecido como sintoma de sofrimento, mas uma actividade normal e inécua, quando nao mesmo malévola, da crianca. Teorias Que Nao Defendo @ + A exigéncia de abnegacéo materna: ainda que as vezes se invocasse o direito da mie a descansar para justificar estas regras rigidas ao criar os bebés, aqui é dada uma versdo oposta e mais de acordo com a realidade: a mae tem tendéncia para pegar no filho e responder ao seu choro, pelo que facilmen- te o educa mal por «negligéncia». Seguir as regras e os hora- rios, pelo contrario, é dificil e a mae queixa-se disso, mas deve sactificar-se para nao fazer com que a crianga contraia doengas. + £ para o seu bem. O tratamento mais rigido justifica-se nao pelo bem-estar da mae, mas pelo do préprio filho. Ao mesmo tempo, mostram-se alguns dos métodos tradicio- nalmente empregues para impor estas teorias entre as maes: * A autoridade cientifica (quando, na verdade, nao existe qualquer base cientifica e se tratam de opinides pessoais). * A ameaga e a culpa: a crianga ficara doente se nao se se- guem as normas. Este trabalho mostra também claramente as implicagGes po- liticas da puericultura: a submissio absoluta da crianga é apenas uma preparacio para a submissao do adulto. Lamentavelmente, estas teorias pedagégicas nao desaparece- ram com a ditadura que as justificava. Autores que, sem divida, ja nao partilham as ideias politicas do Dr. Ramos. continuam a partilhar com ele as ideias pedagégicas. Cinquenta anos depois, voltamos a encontrar o mito da crianga manipuladora e astuta: Se esta corrigida [a causa] e continua a chorar, tenha paciéncia e deixe chorar. Quando a crianga se convence de que ninguém Ihe presta atencfo, cala-se. Se assim no fizer, até 0 mais pequenino logo se dara conta do poder que detém e repetiré a cena, tendo af fatalmente lugar o inicio de uma educacio deficiente. A crianca de peito é mais esperta do que cremos. (Ramos, 1941.) © Bésame Mucho — Como Criar os Seus Filhos com Amor [.-.] Juanito € um ser inteligente, muito inteligente, e j4 nao se vai dobrar & nossa vontade & primeira. Além de pedir agua, dizer chucha..., truques dos quais jé falmos, pode mesmo vomitar. Nao se assustem, ndo tem importancia: as criangas sabem provocar 0 vémito com muita facilidade. (Estivill, 1995.)'5 Eo mito da mae abnegada e a imposigao das regras aos pais mediante ameagas e culpa: £ claro que criar e educar correctamente uma crianga pressupée sacrificios, rouba muitas horas 4 mae, mas a saide e alegria da crianca € recompensa suficiente. Nao o fazer, deixando-se como- ver pelo choro, é nao gostar do pequeno e fazer dele um infeliz. (Ramos, 1941.) O men filho vai para a cama depois das onze horas da noite, por- que © meu marido costuma chegar a essa hora e quer vé-lo. Faze- mos mal? [Resposta.| Desfrutar da crianga sem ter em conta as suas necessidades bioldgicas € uma atitude egofsta [...]. Pensar [sic] que, sobretudo entre os cinco € os sete meses, os pais esto a ajudar a crianga a adquirir habitos correctos de sono e que, se assim nao for, isso se repercutiré na sua satide fisica e mental. (Estivill, 1995.) A ordem A ideia de que as criangas necessitam de uma vida ordenada e de rotinas fixas € j4 antiga: A comida ¢ a bebida, a roupa e o dormir e, em geral, o pequeno mundo familiar das criangas devem reger-se pela ordem e nunca se- rem alterados em fungao da teimosia ou das extravagancias infantis, para que eles préprios aprendam a submeter-se as normas da ordem j4 na sua primeira infancia, [...] se as criangas se acostumarem desde muito cedo a uma ordem determinada, mais tarde irdo vé-la como algo perfeitamente natural, pois ndo tomarao consciéncia de que ela Ihes foi imposta de forma artificial. (Sulzer, 1748, citado por Miller.) orias Que Nao Defendo © Dois séculos mais tarde, outros especialistas continuam a de- fender as mesmas ideias, ainda que com argumentos diferentes: ‘Aeducagio do bebé comega desde 0 primeiro dias temos de acostur mélo imediatamente A ideia de que existe alguém que o dirige, Deve ser observada uma ordem rigorosa nas horas de sono e de alimenta- do logo desde 0 inicio, e nao devemos tolerar que se imponha com F seu choro, Se cedermos, nem que seja apenas uma vez, isso serd gravado na meméria do bebé, o qual, em seguida, tratard de impor: -nos a sua vontade, (Stirnimann, 1947.)8 Durante o primeiro ano de vida, a crianga desenvolve-se de mane!- ra considerdvel; para a ajudar, 0s pais e educadores devem dirigir os seus esforcos em direccio ao objectivo de instaurar nela bons habitos. [..] No seu primeiro perfodo de desenvolvimento, a crianga necessita de organizar a sua existéncia em redor de indicadores externos que Ihe marquem 0 ritmo ¢ a ordem, de acordo com os ritmos bioldgicos. (Ferterés, 1999.) Em duzentos ¢ cinquenta anos, apenas mudou a forma de ven- der o produto. Antes explicavam-se os verdadeiros motivos: a or- dem é algo de artificial que os pais impdem para sua propria conveniéncia, enganando os filhos € vencendo-lhes a vontade. © objectivo principal € que a crianga S€ habitue & obediéncia & chegue a acredirar que as ordens recebidas constituem, na reali- dade, as suas proprias necessidades. Duzentos anos depois, Stirnimann continua a exprimir-se nos mesmos termos. Agora so- ‘mos politicamente correctos (que é uma outra forma politicamente correcta de dizer que somos hipécritas), e a mesma ordem preten- de passar como necessidade da crianca, algo que surge a partir dos seus ritmos biolégicos. O objectivo principal é ajudar a crianga. Nao é maravilhoso que os educadores de antigamente, sem © menor respeito pela ctianca, decidissem «impor de forma artifi- cial» uma ordem que, casualmente, acabou por ser exactamente aquilo de que as criangas anecessitavam»? E se os ritmos so bio- légicos (isto é, internos e surgem por si so nas criangas), por que razio «marcé-los com indicadores externos»? ésame Mucho — Como Criar os Seus Filhos com Amor Sem diivida que os investigadores e estudiosos contribuiram para que se desse importancia as rotinas. Por exemplo, Bowlby** cita o estudo de Peck e Havighurst numa pequena cidade norte- -americana nos anos quarenta e cinquenta. Observaram cuida- dosamente um grupo de criangas para avaliar como se desenvolvia a sua personalidade ¢ como a familia as influenciava. As crian- gas mais valorizadas pelos investigadores e também pelos seus préprios companheiros de escola, «bem integradas, emocional- mente maduras, com principios morais firmes e interiorizados», tinham pais que as aprovavam, confiavam nelas e partilhavam as suas actividades. Eram mais indulgentes do que severos. As relac6es entre os pais eram boas. E aqui chegamos 4 nossa ques to: um pouco menos extrema: ‘Tomemos um exemplo: algumas criangas chegam a casa depois de um longo passeio, cansadas e esfomeadas. Esperam que lhes sir- Teorias Que Defendo @ vam o jantar, Contudo, em vez disso, tomam conhecimento de que chegon a hora da aula de autocontrolo. Tém de se manter de pé, durante cinco minutos, em frente do prato da sopa quente. Nunca ouvi qualquer educador, inédico on psicélogo reco- mendar 0 método dos choques eléctricos. Mas ouvi dezenas de sugestdes semelhantes a esta segunda: fazer esperar deliberada- mente o bebé que chora ou a crianga que pede algo; ensinar-lhe a «atrasar a satisfagdo dos seus desejos», a «tolerar a frustragao». Talvez algumas pessoas me considerem extremista quando afir- mo que estas manobras me parecem cruéis € indignas. «Que exa- gero», pensam, «nao € o mesmo torturar as criangas com choques eléctricos e fazé-las esperar cinco minutos para jantar». Pois bem, para Skinner é 0 mesmo, s4o dois exemplos perfeitamente intercambiaveis do mesmo método. £ claro que nao causa qualquer dano a uma crianga esperar cinco minutos para jantar. Isso aconteceré naturalmente deze- nas ou centenas de vezes durante a sua infancia. Vai pedir 0 jantar e este nao esta pronto. Ou senta-se A mesa e tera de se Jevantar para ir lavar as maos. Vai querer ver um programa de televisio e tera de aguardar que comece. Tera de esperar pelo Natal para receber as suas prendas, mesmo se os embrulhos jé esto escondidos no armério dos pais. O bebé ira acordar a cho- rar desesperado e a mae vai levar cinco minutos a chegar porque esta a dormir, no duche ow a fritar croquetes com dleo quente € podem queimar-se. Nada disto provoca qualquer dano & crian- ca. Nem lhe provoca qualquer dano receber, por acidente, uma pequena descarga eléctrica, cait quando brinca e fazer uma equimose ou esfolar um joelho. O que é verdadeiramente danoso em todas estas técnicas «

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