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TEXTOS Bion formador de analistas ‘Antonio Muniz de Rezende E possivel estar em formagao com um autor com quem temos contato apenas pelos seus escritos? Neste artigo, o leitor verd uma resposta argumentada, audaciosa - e afirmativa. titulo desse artigo inspira-se no proprio Bion, quando diz que “num dado momento havia pensado em dedicar-se principalmente E andlise didatica”. $6 nto o fez, diz ele, “por- que poderia ficar meio esotérico”. Por esse motive, preferiu abrir um espago maior através de seus livros, conferéncias, cursos € supervises. No entanto, ainda assim, ele se comporta “como um analista que escreve para analistas que Iéem” (Second Thoughts). E um” analista que pensa, 0 tempo todo, na formacio de noves analistas Faz, portanto, muito sentido perguntar como € que elea concebe. A resposta encontra-se ert: toda a sua obra, ‘mas comeca por ser sugerida nos titulos ¢ subtitulos de seus livros. A tal ponto que, com eles, podemos marcar os tempos fortes da “formagiio analitica segundo Bion", O Primeiro tempo € aprender, o segundo & crescer, 0 terceiro 6 ser, 0 quarto € no ser, 0 quinto (que aparece depois da formagao) é um momento de sabedoria. 1. Aprender “Aprender com a experiéncia” é 0 titulo de um dos livros que compdem a Trilogia inicial. $6 que ao usé-lo,, Bion esta assumindo uma certa posigao, que € também filosofica, a respeito do que seja a aprendizagem através da andlise. Dessa forma, podemos pensar tanto na anélise como um processo de aprendlizagem, quanto na aprendizagem como um das aspectos essenciais da Percurso n° 12 -1/1994 TEXTOS propria andlise. Para melhor expli- citar seu pensamento, Bion serve-se de uma célebre frase de Kant: “con- Ceito sem intuigao € vazio, intuicao sem conceito € cega". Na frase citada por Bion, o con- ceito corresponde ao aprender, @ intuigio corresponde a experiencia, Tanto que podemos bionizar a frase de Kant da seguinte forma: “a expe- riéncia sem aprendizagem é cega, a aprendizagem sem experiencia é varia". Mais precisamente, isto sig- nifica que a clinica sem a teoria é ccega, €2 teoria sem a clinica é vazia, Ao fazer um uso psicanalitico da frase de Kant (© que Ihe dé um respaldo de autoridade), Bion a transforma de acordo com o critério. tantas vezes invocado, segundo o qual a psicanalise € como a prixis de uma determinada filosofia. Aqui, a filosofia de Kant. (Talvez fosse bom lembrar aquela passagem de ‘Memoria do Futuro” em que Bion dialogando com Myself afirma que cita Kant a seu modo, para dizer 0 que ele proprio quer dizer). De maneira condensada, o conceito a que Bion se refere é a teoria psicanalitica. Isso € muito im- portante em relagio A formagio, pois € a teoria psicanalitica que permite conceituar, isto €, nomear adequadamente, a experiéncia fe ta, © exemplo bem conhecido é quando ele diz a um paciente: “isso que o senhor esté sentindo é 0 que eu chamo de inveja”. E poderia acrescentar: “é o que eu chamo de inveja kleiniana”. Noutras palavras, a experiéncia que esté sendo vivida, pode ser nomeada psicanalitica- mente com a ajuda de um conceito que Ihe é dado pela teoria kleiniana a respeito da inveja. Em relagio a formagio, isso tem uma consequéncia pritica que eu transformo assim: & preciso conhecer fos melhores autores para aprender com eles a melhor teoria psicanaliti- ca. Sem ela, correriamos 0 risco de fazer uma experiéncia sem poder nomed-la adequadamente, Nesse sentido, é muito born ler Bion como alguém que conhece a teoria psica- nalitica e € capaz de no-la transmit. Grandes autores da psicandlise (nto so 120 numerosos assim!) sio aqueles que nela introduziram algu- ma diferenga significativa. Bis alguns exemplos: uma di- ferenca significativa na psicandlise de Freud é a énfase dada & sexua- lidade, Para Lacan, a énfase é na linguagem. Mélanie Klein privile- gia o emocional infantil. Para Bion, 2 caracteristica diferenciado- ra €a psicanilise do pensamento, Essas diferengas sao tao marcantes que, em tomo desses autores, sur- giramEscolas, (© outro lado da aprendizagem € a experiencia. Que experiencia? ‘Ao responder, estaremos marcando mais uma diferenga importante da psicandlise. © “lugar” (entenda-se 0 “topos”) para se aprender psicand- lise nfo € a Universidade, nem 0 Hospital Psiquifirico, nem 0 Con- fessiondrio, mas o diva (€ a poltro- tna). Aprender com a experiéncia significa, para Bion, aprender com nossa prépria experiéncia, vivendo a andlise com a ajuda do analista Numa perspectiva mais evol como a adotada por Lacan, no se faz. disting&io entre andlise didatica € nio-diditica. Segundo ele, toda verdadeira anilise € didatica ¢ todo 28 verdadeiro analista um didata. Dizer que uns sto didatas € outros nao silo seria o mesmo que dizer que uns fazem andlise € outros nao. Neste sentido é que Lacan tem uma frase importante, cuja interpretagio nao € tio simples assim: ‘Vanalyste ne s‘autorise que de lui-méme". Nio € titulo, nio’é o diploma, que o autoriza, mas 0 seu “ser” analista “Ser” analista é que é importante, ‘io o titulo de didata ou no didata, A experiéncia € feita no diva, com a ajuda do analista, pensando € falando, falando pensando. Ha uma dindmica em tado isso, pois 0 analisando encontra o “material” em sua propria andlise para transformé- lo em “objeto psicanalitico” com a ajuda da teoria. Daqui a pouco vou falar sobre a auto-andlise. Mas toda andlise também auto-andlise. Ou melhor, toda andlise verifica-se como uma anilise que o paciente (Candidato) faz, com a ajuda do ana- lista, e que ele proprio vive, A andlise € sempre vivida pelo analisando numa experiéncia de verdade. Esse momento do diva € reco- mhecido por Bion como sendo a experiéncia basica na formagao do analista. No entanto, ela se prolonga no “aprender com a experiencia da poltrona”. Mesmo porque o candi- dato pode estar ora no diva, ora na poltrona, As duas experiéncias po- diem coexistir, como acontece, alids, nna maioria dos casos. E esta passa- gem do diva & poltrona é um mo- mento de amadurecimento do ana- lista, com um voto de confianga em. si mesmo: “vou atender, you come- ar a atender”. Do ponto de vista formal, institucional, era o analista didata que, antigamente, autorizava © candidato a comegar 2 atender. Era um voto de confianga do ana- lista, que assim reconhecia no can- didato condigées para tornar-se um. analista de verdade. Na poltrona, © novo analista observa e escreve, no sem se servi da ajuda da Grade, como um instru- mento de “andlise do discurso psi- canalitico”. No caso de Bion, ha ‘uma particular valorizagio da expe- rigncia de escrever, a tal ponto que podemos extrair, (particularmente de “Transformations” e ‘Second Thoughts”) uma verdadeira meto- dologia da escrita psicanalitica (exa- tamente aquela de que ele proprio se serve). Considerando-a um ele- mento importante na formacio do analista, vale @ pena enumerar suas diversas etapas, sem esquecer que ela 56 pode existir como um exerc- cio da fungo analitica que vai, aos poucos, desenvolvendo-se. So a5 seguintes as etapas dessa metodologia: cbservagio, transforma- $0, contnigio, interpretagio, comu- nicaglo € publicagiio, Na observacio, voo! procura ver € ouvir tado © que puder, com olhos e ouvidos analiticos. Na transformago, vocé olha uma cot sae ve oulra, ouve uma coisa e escuta outra, sem esquever que o proprio paciente € 0 primeiro a tansformar tudo aquilo que traz, A consirucio servese do material transformado, € prepara o momento seguinte da inter retacio, isto é, com o levantamento de uma hipotese definitéra, & luz da teoria psicanalitica. De inicio € uma hipdtese de interpretagio que o ana- lista guarca para si mesmo, até que possa comunici-la a0 paciente. A co- municagao € um outro momento, a ajo respeito Bion diz que o analista deve usar uma linguagem que © pa- iene possi entender e, por outro lado, faca crescer. Linguagem com- preensivel mas que abra novas pers- peetivas para 0 paciente, Uma sitima etapa € a da publicagio, quando 0 analista comunica @ outros. analistas fsso mesmo que est sendo vivido com © paciente. Pode haver entio uma troca de idéias e de experiéncias, sem excluir a passibilidade de uma ‘mua supervisto, ‘Tudo isso integra o processo de aprendizagem analitica como tempo forte da formacao. Esta tiltima consis- te em aprender psicandlise com a experigncia analitica, isto é, uma ex perigncia que é também pensada, amadurecida, com a ajuda de outros analistas, luz da teoria psicanalitica 2. Crescer © outro momento forte na for mago € o crescimen to, como sugerido no subtitulo de Transformagées: “inudanga da aprendizagem ao crescimento”. E como se Bion dissesse: “voce apren- deu? agora é hora de crescer". Alids, nem dé para separar. Na verdade, 0 crescimento & um outro vértice da mesma aprendizagem, pois o que se aprende era antes desconhecido. Na propria aprendizagem ha cresci- mento. Por que entio, a insisténcia no crescimento? Gostaria de dar como exemplo © trabalho de Sénia N. de Rezende sobre “o papel da observacao de bebés na formacio de profissionais da saiide mental”. Eo terapeuta que cresce ao fazer a observacio. A vivéncia do aprender faz-se com transformagdes do proprio analista Em que sentido? Desenvolvendo nele a funcao simbélica com a pritica da mudanga de véstice. Simbolizar €mu- dar de vértice, descobrindo a possi- bilidade de ver as mesmas coisas com outros olhos. E é reconhecer que © analisando no s6 é uma outra pes- soa em crescimento, mas que seu crescimento pode ajudar © proprio analista a crescer. A rélagio analista- analisando proporciona a experién- cia da akeridade e da diferenga na transformagiio de ambos. 2» Isso pode ser trabalhado mos- trando as diversas dimensdes do objeto psicanalitico, que se tornam mais claras com a ajuda das seguin- tes perguntas: vocé olha e vé 0 qué? vyor# ouve € escuta o qué? voce sente € faz 0 qué? voce vé e pensa © qué? voot afirma e nega o qué? (Trabalhei essas questées no curso de “Introducao a0 pensamento de Bion”, oferecido em Campinas). Blas significam que vocé est pen- sando e que o paciente esté fazendo ‘vooe pensar. Paul Ricoeur sintetiza tudo isso em sua famosa frase “le symbole donne a penser”, o simbo- lo faz pensar. Vivida de maneira simbélica, a situacio analitica faz pensar € crescer. Em relagio a essas dimensOes do objeto psicanalitico € que pode- mos distinguir cinco graus de sim- bolizagio, (que eu trabalho mais longamente no men livro, Bion e 0 futuro da psicandilise), em relagio ‘a0s trés modelos epistemol6gicos de que Bion se serve o tempo todo: © Cientifico-filoséfico, 0 estético-ar tistico € 0 mistico-religioso. Segundo Bion, a vivéncia da experiéncia analitica € uma vivéncia, de crescimento tanto do paciente quanto do analista. E ele chega mes- mo a dizer que uma boa interpreta- io faz crescer, pondo a mente do paciente em movimento, a tal ponto que nao é certo que o analista seja capaz de acompanhéto. Aprender para crescer, crescer para ser. Bion trabalha esse tema do ser (“Being”) principalmente a partir de Atencao e Interpretacdo, a0 falar da Realidade Psiquica. No capftulo terceiro, depois de haver proposto a superagio do modelo médico, ele diz. que precisamos passar da reali- dade sensivel para a realidade pst quica. Nessas alturas, serve-se de expressdes tais como “o analista real” ou o “analista que €”. E 0 analista que 6, 6 aquele que se en- TEXTOS contra com a Realidade Uiima na propria mente do paciente. Nao se trata de observar a Realidade Ultima, nem de entendé-la mas de ... ser. Para Bion isso significa ter vida interior. © analista tem de ter vida psiquica. Ou ento, usando essa mes- ma expresso, ele tem que ser um “ser psiquico”. Tenho trabalhado essa quesizo distinguindo tts tipos de qualidade: qualidades.priméias, qualidades secundaria € qualida- des terciirias. Um analista “psiqui- co” precisa ter acesso as qualidades terciirias, como a um nivel propria mente espiritual (Simbélico, no di- zer de Lacan). Se nao tiver acesso a esse nivel, no serd capaz de iden- tificarse ao paciente em sua vida interior. A-esse respeito, € que Bion fala de uma mudanga catastréfica como indispensfivel ao “estar-se-sendo” analista. A grande transformacao € essa: voc’ mo era e passa a ser, mas com mudanga no proprio sex. O exemplo que sempre dou é o de Galiles. Ele estava observando os astros e vendo como sé movem. A seu lado, os cientisas se negavam a “olhar”, invocando a teoria fisica de Arist6teles, segundo a qual os astros slo iméveis. Se ‘olhassem ¢ vissem” a teoria deles cairia por tera, catastrofi- camente, ¢ eles teriam que entrar num mundo inteiramente diferente. (Ora, nés todos temos uma teo- ria sobre nds mesmos, sem excluir, € claro, o proprio paciente. Se ele for capaz de verse da maneira como €, suas teorias a respeito de si mesmo caem por terra. Assim surgem ao mesmo tempo os crité- rios de verdade e vida, que vou comentar daqui a pouco. 4. Nio-ser Com 0 nio-ser, vem a queda das teorias, mas vem também a coragem de reconhecer que "nao sabemos" muita coisa a respelto da Realidade Ultima, que € de outra rdlem, Nesse sentido, costumamos dizer que a psicandlise de Bion nao € tanto uma psicanilise do incons- Giente mas da Realidade Ultima In- cognoscivel. Tudo 0 que dizemos sobre ela, no é ela, nem correspon- de ao que ela realmente é. Isso coloca tanto o analista como © paciente numa atitude de despojamento, de um saber nao- dogmatico, de um saber ndo-insta- lado ou autoritério, Bion diz isso naquela proposta que ficou famosa: “sem desejo, sem meméria e sem ‘compreensio”. Ser é mais importan- te que compreender, que lembrar- se, ou que fazer projetos. Mas é um ser que € também nflo-ser, como sugerido pela Cesu- ra, Quem se define estabelece os limites dentro dos quais se encon- tra, mas deixa em aberto a expan- sao do pensamento ao reconhecer que além dos limites pode haver muito mais do que dentro. O estra- nhamento torna-se inevitével. Esta- mos familiarizados com 0 que so- mos € conhecemos, mas h4 muito mais coisas que nos permanecem estranhas, misteriosas. 5. Critérios Na perspectiva da formacio, tudo isso leva Bion a estabelecer critérios para uma boa interpreta- 30 go. Critérios que precisam ser aprendidos no de maneira acade- mica, mas internalizados na propria vivéncia. Quais sto eles? Critérios de verdade, vida, expansito e nega- tividade. Verdade © critério de verdade € apon- tado por Bion no texto sobre a “Cesura”. Se estou atendendo um paciente e se ele vem procurar anilise, © pressuposto inicial é de que ambos estejamos querendo fa- zer isso “de verdade”. Nao € uma brincadeira, ndo € uma repre- sentacao, nao € um jogo. Estamos 2 procura da verdade, tanto assim que, no fundo, a catarse, a libera- ho, € aquela que decorre da ex: periéncia da verdade. Falando a respeito da tolertincia, Bion deta entender que, no fundo, ela é re- lativa & verdade: “seré que sou capaz de suportar a verdade sobre mim mesmo?” Vida (© segundo critério (apontado em “Conversando com Bion”) € um prolongamento do primeiro. Partindo do confito entre pulsto de vida e pulsio de morte, uma interpretagio que signifique vida tem de ser a preferida, Chega uma hora em que o paciente tem de escolher entre o que o levaria & morte € 0 que 0 conduz 2 vida (Wm rapaz homosexual aidético dava-me esse testemunho: havia entendido que tinha de renunciar a um tipo de experiéncias sexuais, se quisesse no comprometer suas chances de vida). E isso € verdade: no ha como evitar a cesura, a de-cisio. Quem suporté-la estar sendo favordvel 2 sua propria vida. H4 uma hora em que vocé tem que optar entre vida e morte, dizendo “sim” a uma e “no” 2 outra Expansio Oterceiro critério € 0 da expan- so (que jf haviamos encontrado a respeito do crescimento)e que Bion apresenta de maneira muito clara ‘em Conferéncias Brasileiras I & in- terpretacdo que faz crescer, a expe- rigncia analitica que faz crescer, € também aquela que poe a mente do analisando em expansio, em sinto- nia. coma expansao do universo em que se situa, Nés quase poderiamos dizer, partindo da experiéncia do autismo, que o autista se encontra num mundo muito pequeno, sem possibilidade de expansio. Ora, a expansio € 20 mesmo tempo cres- cimento do universo e da vida. ‘ver num mundo pequeno € ter uma vida pequena. Viver num mundo grande € ter uma vida grande. Dito de maneira mais simples ainda: num. mundo pequeno, mesms os peque- nos problemas ficam relativamente grandes, Num mundo grande, mes- mo os grandes problemas tornam- se proporcionalmente menores. Os problemas sto grandes ou.peque- nos, relativamente ao universo em. que se inserem. Negatividade Esse quarto critétio € apresen- tado em Second Thoughtse Atengao @ Interpretacao, No artigo intitulado “Uma teoria do pensar’, Bion mos- tea como o moralismo tema ver com onipoténcia e a onisciéncia, em decorréncia da intolerincia & frus- tragao. Dogmatismo onipotente onisciente que nos leva a “afirmar”, invocando nossa prépria autorida- de: “€ assim como eu afirmo”, O dogmatismo resulta da intolerincia a frustracio, a comegar pela dificul- dade em “negar” © que eu mesmo afirmo. A negatividade liberta-nos mio s6 do moralismo, mas da pre- tensio de saber o que na verdade € incognoscivel. 6. Uma psicanalise do ‘Pensamento ‘Tudo isso ajuda-nos a entender em que sentido a psicanilise de Bion € uma psicanilise do pensa- mento, € em que medida a “forma- 40 psicanalitica” consiste também ‘em formar pensadores. Bion ensina © analista a “pensar € a repensar psicanaliticamente a experiéncia psicanalitica”. Isto significa, antes de tudo, desenvolver a fungao ana- litica (no sentido em que se fala de funcio alfa), como sendo uma fun- ¢20 simbélica, uma funga0 que transforma € a0 mesmo tempo per- mite a assimilagao do que fot trans- formado. Dizer que a formacio ensina 0 analista a pensir € a repensar a psicandlise como psicanilise do Pensamento permite também en- tender um aspecto importante da clinica de Bion. Ele examina atenta- mente como pensam o psicético, especialmente o esquizofrénico, eo neurstico, ‘Analisa © pensamento em rela- ‘glo atudo 0 que vem antes € depois. © agir, mas também 0 atuar, decor rem de uma certa maneira de pensar. ‘A andlise do pensamento que “pre- 31 para” a ago € também uma forma de tranformar esta cltima, Se pensamento em sua ori- ‘gem tem tudo a ver coma frustragio ea tolerancia a ela, o pensamento psicético manifesta uma especial dificuldade em tolerar a realidade tanto extema como interna. Com édio a realidade, cle a nega, fugindo ou atacando-a frontalmente. Uma de suas manifestagdes € a raciona- lizacio ea teorizagao desvinculada da realidade. Jé a neurose pode ser entendida como uma defesa contra a psicose através do recurso ao imna- gindrio. $6 que ao fazer isso, 0 neurbtico af se enrosca, ficando pre- so numa rede de emogées. Nao chega a ser uma negacao da reali- dade, mas fica bem mais complica do levi-la em conta. (© esquizofrénico ataca © pro- cesso de pensar, por um lado, no estabelecendo uma boa articulacio do pensamento, e, por outro, no estabelecendo vinculos afetivos com as pessoas. O ataque ao vincu- Jo C'Atacks on linking”) eao elo de ligagio é feito tanto aos pensamen- tos como aos pensadores. 7. Auto-andlise Essa proposta bioniana, ele a poe em pritica em si mesmo, por meio da auto-andlise. Ela € por assim dizer, 0 ponto alto da forma- (do, no no sentido de dispensar 0 didata, mas no sentido de um ana- lista ja ter desenvolvido suficiente- mente a fungao analitica a ponto de poder exercé-la sobre si mesmo. A Trilogia final, que Bléandonu chama de “fantdstica’, eu sugiro que a consideremos como uma auto-ané- lise, em que Bion deixa aflorar seu inconsciente tanto em sua forma prt- mitiva, como atual. £ 0 espermatoz6i- de (Bion) que fala com o évulo Gion), e o somito (Bion) que conver- sa como homem adulto (Bion), mas é também Bion e Myself, procurando articularse, © nem sempre conse- guindo, E que a auto-anilise ocome TEXTOS como uma experiéncia da Realida- de Ultima, ¢, portanto, na negativi- dade. Essa aulo-anilise, eu quase disia, €osinal de que houve formagiio, e de queo analista conseguiu fazer a expe- riéncia, aprendendo com ela, viven- do-a de maneira criteriosa, poden- do aplicar a si mesmo tudo 0 que foi aprendido, O momento da auto- anilise é um momento de autono- mia em relagio, digamos, ao “meu analista” € ao “meu paciente”. 8. Reandlise ‘Chega, no entanto, um momen- fo em que, na relagio com “meu paciente”, eu encontro meus préprios limites e sinto necessidade de re-and- lise. Ela € vital para todos nés. E ent2o © caso de dizer que a formacao psi- canalitica nfo termina nunca. Se a experiéncia de auto-andlise éummo- ‘mento importante no sentido da ma- turidade do analista, essa propria ma- turidade 0 leva a recomhecer que ainda hé coisis nao-rabalhadas, € ‘que aparecem noseu relacionamento ‘com o paciente. Volto’ andlise como uma necessidade vital, sentida por mim, especialmente no relaciona- ‘mento cor meus pacientes. Pensando nos quatro critérios, posso dizer que, se sou verdadeiro comiigo mesmo e com meu pacien- te, vai chegar o momento em que vou reconhecer a necessidade de mais anilise. Sentir, de verdade, que para viver minha andlise, eu preciso de re-anilise. Nao se trata de estabelecer um ‘ronograma: “de cinco em cinco anos, faca-se uma re-andlise”, Essas coisas no podem ser cronometradas dessa forma, mas tém de ser vividas. 9. Revisio Nesse contexto de reanilise, si- twa-se também a experiéncia da re- visio de alto nivel (Second Thoughts). quando dois analistas experientes, formados, trocam suas ‘experiéncias, um tentando aprofun- dar com a ajuda do outro. Ou dos outros, porque a revisio pode ser feita em grupo. Na perspectiva de Bion, esta seria a fungao das famo- sas reunides cientificas nas Socieda- des, quando um analista experi- ‘mentado traz um caso com o qual sid traballrando, e para o qual pede 2 colaboracio dos colegas. Nao s¢ trata de “cumprir 0 re- gulamento”, mas de atender a uma necessidade, em alto nivel de troca de experincias. Ao mencionar esse “alto nivel”, estou pensando numa expresso de Fernando Pessoa ao falar do “estado de graca” do escri- tor. E um nivel € um estgdo em que “0” acha-se presente, € em que a ‘experiéncia analitica’ € algo vivo, ‘comum a todos os que esto parti- cipando. Se € um estado de graca, € também uma experiéncia de fé. De -m “0”, pois nao vemos as claras. Nao se trata de jogar fumaca nos olhos de ninguém (© que seria uma maneira errénea de entender a ce- gueira artificial de que nos fala Freud). Trata-se antes de reconhe- cer que a realidade psiquica nao é visivel, mas pode ser experimenta- a no nivel do ser. 32 10. A experiéneia final No fim, a grande transformacao nto € nenhuma visio beatilica, ne- nhuma revelagzo, nenhum deslum- bramento, Eantes 0 grande momento de humildade, de despojamento, de “Abgeschiedenheit”. No final da vida, num aitigo de abril de 1979, Bion escreveu essa frase: “a gente 56 faz, aquilo que pode fazer’. Quando al- guém chega a esse nivel de despoja- mento em que reconhece os préprios limites, € porque atingiu um nivel superior de sabedoria: voce sabe que no sabe! Voo nao est mais na ilustio de saber. Ai, sim, vocé pode acolher seu paciente, e tudo que ele traz, sem se escandalizar, sem cobran- sas, sem desejos, mas, 20 contrario, criando condigdes para queo pacien- te faca a sua propria experiéncia Conclusio ‘Termino reafirmando que Bion € um formador de analistas. Sua obra, toda ela, € uma obra de for- magio. Quem freqiienta Bion entra num proceso de formagio que é 40 mesmo tempo de crescimento, de transformacao, e mullo exigente, Porque muito verdadeiro. Desse Ponto de vista, gostaria de dar um testemunho pessoal: sinto-me em formacao com Bion, e sinto quanto bem isso me tem feito. Sinto quan- to isso me tem ajudado a viver ‘minha andlise, a comegar por minha relagio com meus pacientes, mas também em minha auto-andlise. Acho que todos os que vivem ou convivern com pensamento de Bion vao nessa direcao de viver sua anilise, quer na forma da anélise, da reanilise ou da auto-anilise, sentindo que a experiencia analitica € possivel, € pode ser verdadeira. Evidentemente, outras propos- tas também chegam a resultados positives. Creio, porém, que no caso de Bion, eles se tornam quase patentes, ao longo do caminho pro- Posto para a formacao.

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