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CENTRO UNIVERSITARIO FRANCISCANO | ~ VIDYA #4 LEITURAS DA HISTORIA, yl as 2ovo O RELATO BIoGRAFICO COMO FONTE PARA A HISTORIA Marly da Silva Motia* Aixtoriografia contemporinea registra a erescente valorizagae das foutes quatitativas em reagdo a hegemania das quantitativas, bent coma o significative espage que os relatos brogrdficos ¢ as hisidrias de vide vem ncupumdo nos estudos sitmados no campo da histéria po= fitica, Nesse dmbito, impae o recurso & histéria oral. O livro Depoi- mento, deCarlos. Lacerda apresemia-se coma caso exemplar do use da entrevista de hisniria de vide como fonte histérica relevante para se entender a mancira pele qual a memdria do passado constrdi as pon- fex para @ preseme eo futuro, * Pesquisidona do Conira de Pesquisas e Documentago em Histéria Contemport- nea do Brasil (CPPOC) da Fundagdo Getilio Vargas (RU). Authe!Dezembin 2000 101 A esplritas justamente prencupados cont a Wdenieas e os ais, parece arbitraria extravir dessa mn dio de homens que fizeram a Historia uma persomalidade escolhida ¢ interrogar uma época através de suns pen goes. Arbitririo perigoso, pois o hjstoriador acaba por assumir os sentimentas de seu herdi gen vos para essa exceragiio esiiio evidenc! ida em que a Historlogralia priviloplava as mnie lises de niluiteza eeondinliea iolépica, preci “arbitririn”, ¢ resto “pe se” _selecionar un individuo dentro da masse de homens que fizeram e que ‘ennit histori, Mais praveainda era almitira possibilidade de que essa histé alos na citagiio selina. Nain tin de vida pudesse fornecer elementos de compreensio do todo social, Além disso, havin ainda o riseo de o historiador se deixar envolver pelos “senti jos" de seu bioyralndo, © que Ihe retiraria eeapecidade eriticn ¢ 6 distaneiamento indispensiveis ao offeisdepesquisador, Dessa mi 0 biogrético foi duplan Eni tcrmos cientificos, (oi assucindo a impreeisioe a subjetis i ileratira ea historia, a bigprafia se caraclerizatia pela nde loos: vials wentes de vollada para amy grande salento a consisténeia cientitica. temtos politicos. a ncusagiio se voltou aconsider He conservadora, «qual a a massa, descanheceria “as forgas profumdas da historia’ ira nétodos e técnicas que reconheciam no ima vin de acesso. no conhecimento do social nie. Na sociologia, as fife saries emtraran cm france oscil lide Chicago’, a historin de vida ficou restrita ae ambito da ial, wma vez ques Sociologia cstava agora comprometida com icnte dle leorias abstratas © com o rigor dos dados ahjetivos. lice aiviulo por in In RESIONDD, René ip 2 Jatielto * Giaival citide pur | cxlllain, Philippe, Os pertaponistas di biota inva podivey Rio de Hinciro Fuitora UPI, Fal 8), Mister ous poole Ri il Una entrevista com Howard Hecker Mirufas dfianiewiae tin de 1-186, TORS, loz VIDYA M4 MARLY DA SILYA MOTTA Os surveys, os qucstionirios, as estatsticas, métodos ditos mais sofistica~ dos e confidveis, garantirinm a objetividade que deveria marcaro ingresso das ciéncias sociais no nove patamar alcangado pelas ciéncias fisicas e matemiticas *, Pode-se igualmente atribuir, em boa medida, ao desejo do “novo” historindor em alcangor “uina tecnicidade que (...) 0 eleve ao prestigio dos novos herdis cientificos da segunda metade do século XX, 08 que controlam 6 tomo, aqueles que alcangam o Préimio Nobel” quantitativos na historia, A con mento’ da histin in positivista, pela repetigZo regular de dados selecionadose constmidos em fungio de seu cardter comparavel”.* Claro esta que a bio- rfia, por seu cariterdnico, individual c particular, estaria vinculnda a esta incomprecnsivel historia positivista”, e, portanto, fadada a desaparecer do arse metodo! pico da ‘nowa" histéria., Essa desqualificagio dy método biogrifico se inseriu em uma mu. danga mais ampla do quadra historiografico que envalveu o proprio abando- noda historia politica. Referimo-nos aqui ao ostracismo a que foram relega- «los os temas politicas no hoja da renovagao historiografica detonada camo langamento da revista Annales d'histoire économique ef sociale, em ja- neiro de 1929, por it va de Mare Bloch e Lucien Febvre, a qual deu origem a una “escola” de historiadores intitulada de“ Ecole des Annales" Essa proposta de renovagao tinka a histéria politica como modelo a ser-nepado, Fm outras palavras, a identidade dos Annales deveria ser construida coi) base na contestagio da historiografia dominante desde o sécule XIX, a qual, focalizando prioritariamente o Estado ¢ as instituigoes, as figuras ilustres ¢ os herdis nacionais, estaria comprometida com a fungao politica de legitinar © poder, construir a nagio ¢ fortalecer o Estado, Psicologizante, biogrilica, qualitaliva, narrativa, factual, e, po ideoligica”, alist * HECKER, |oward. Misiirins de vida em sociologia. In: BALAN, Jorge (org.), Lar htstornas de vida em Ciencias Sociales ; Teoria y Tecnica. Ruenos Aites: Nueva Visi6n, 1974. NORA LE GOFF. Op cit.p. 14. © PURI ngaris. O quantitative cm histiria In: NORA, Pierre © 1. GOFF, Jacques (dir), Misnbeia , newosmobtemas. Rio de Janelte : Francisca Alves, p51, ” Sobrens Annafer, ver, entteautros, BURKE, Peter, 4 excoledos Annales : 192-1989. A Retolugdo Francesa dit historiografia. Sto Manly ; Unesp, 1991 ¢ DOSSE, Frangols. A ‘histdria ent migathas dos Annales “nova hisl6ria”, S20 Paulo ; Ensnios; Campinas ; Faditora da th ton dutho/Bezembro 2000 103 W eon ane FICO COME ETT BANA A TIS TELIA, calidade social”, nn medida em que ¢ra prisioncira de fatos superticiais e ites individunis, de ancilises estreitas € descrigdes lincarcs, Foi, pais, em defesa de uma “historia total”, pautada pela he da econtmicn ¢ do social, que 6 grupo Supremacia do lato politico na predugio historiografica viger prescupagio comm ns estruturas de longa duragia, com os compeariaments, indo da produgao edo trabalho, revelava storingrafico no qual 6 politico “ficava de fora™”, uma vez que era pereebidis como “a simple epiphenomenon, largely determined by a ional ecenanic: valorexplicati nenios politicos, englobades pela foneue dure que teria pouce i cotidiana do homer eamutn ‘A prolileragaio & a difusiio de andlises de naturezn marxist livresespecializados, masnos diditicos também, accent form relegados os temas politicas n acusada de compactuar com iia visio amena (la dominagio, w hist panbow um lugar no inferno, ¢ «nem n del comin conservador, senda, met wpressiin ¢ al allcnagiio a (irc esta a politica, seria politica eon definide, no mi tia” curl ninanic s autobiografias, terreno onde campeavamn os “es- "foram a alvo preferencin! dos ainques 4 histéria oringrilico por exceléncia doséeulo XIX, vineulou-se, exercicio aplogético dos herdis nacionnis, sendo con: n das pilares do. complexe proceso de construe jn passin le * Paracas prateciecs ds eriticas shes stamntles a histor potest » WALMAND, Chuy e MARTIN, Herve HE + Sen, 1980, Ri MOND, For wma hist ustiivo. Rive have Fallon 1, ‘etn Historia. I’ NOMA, Picrree LE GOP, fxs Jnmeirn \ Francisess ives, 1YRG, IILIAKD, Jacques A politic. \ GOFE fueques (lic), Miraieia novas abordagent. Rio de Faneiro * Erancisce Alves, 191 HIMMIELPAIH, Gerttude. i history ane the wld Massachitseis - Yavard ' ques, Political history ithe 1980" sin: RAUB, A. © ROTHIERG, F wiharorvan ihe 1980's uncthevond Princeton : Princeton University Mess, (org The itr i VIDYAM MARILY TA SILVA MOTTA gio das nagdes, Ao mesmo tempo, filiou-se a concepgiio da historia como: “mestra da vida", segundo a qual serin possivel, e mesmo desejfivel, tomar essas biografias como modelos exemplares a serem seguidos, A cientifizagao da histéria, com m adogio de métados documentnis mais rigorosos quc biscavam tragar uma razoavel distincia do estilo literé- rio, representou © primeiro embate a9 método biografica, ao mesmo tempo comprometide com a libierdade ficeional e deseomprometido com o tigor da investigagiio ea verdade histériea, No cntinto, coube 205 Annales as mais poderosas criticas a0 cinbora Febyre e Braudel tivessem toma- do figuras historicas camo marcos referenciais de suas obras, o fizeram tio sentido de situar tais vidas no correr da longa duragio: Rabelais, Lutero e Felipe If estariam, a: chitavelmente submetidos as “forgas profun- das" da historia! Foin partirda década de 80 que a histéria politica, depaisde um longo periodo no limbo, retomou um lugar de destaque no quadro da renovaraio historiognifica relacionada a chamada “crise” geral das ciéncias humanas. Crise esse que foi pautada pela faléncia dos sistemas globais de interpreta- go e dos paradiginas dominantes fornecidos pelo marxismo e pelo estrutu- ralismo, ou seja, pelo declinio radical das teorias ¢ dos saberes sobre os quais a histérin havia cscorado seus avangos nos anos sessenta c sclenta, como bem enfatiza Roger Chartier, No caso especifico da histéria, a vitalidade que. disciplina consegui- ra gragas ao eclctismo ¢ it intensa interdisciplinaridade teria desembucada numa “infiniia” pluralidade de temas ¢ numa intensa pulverizagiio de abje- tos, freqlememente tratados com metodas superficiais e conceitos forjados de outras disciplinas, com as quais o historindor, com raras excepdes, nia tinha grande intimiiade. © que estava.cm jogo era nfo apenas a renincia da historia & conquista “this ja totalidade, bem como ademanda por uma efetiva “especinlizagao” du historindor no seu méticr', Voi, pois, na senda aberta pela reagdo & fragmentagao —“a histéria cm migalhas”, na expressio de Frangois Dosse —¢ pela delimitagao de um campo especifico, que a historia palitica fez a sua renirée. Expulsos da “nova hist6ria/histaria social” sob a acusagiio, entre outras, de estarem sub- IN. Phitippe. Os protagos In: REMOND, René (arp), Por ‘politica [tio te Janeiro : Editoea UFRJ, Editora EGY, 1996, p. 143. It, Roger, Letmnde comme repnésentation, Annales ESC. Paris, (6): 1505-19. Nay - Déc., 1989, NOIIEL, Géraul. Une hisiorie sociale et politique est-elle possible? Vingtiéme Sidcle — revue d histoire, Paris, (24): 81-96, Oct, - Dé, 1989. Jutho’Dezemben 2000 105 euetaioe AWAFICH CORO HOMTE DAA A MESTORIA metidos & “ditadura da tazio”, os temas politicos foram revalorizados no bajo de uma reagio em favor da restauragio da razio on historia. Afinal, lembrava Gorges Balandicr, “o setor politico é um daqueles que mais so inareados pela historia, um daqueles em que melhor se aprendem as incon patibilidades, as contradigées ¢ as tensGes increntes a toda sociedade’"*, A clara percepgiio do espago crescentemente octipado nas 5 des contemporinens pela esforn politica abalow a tradicion em mero reflexe da estrutura sbeio: cnlapiat wbeleci- situava crite ditdas por quahjuer instine : inferno’ de win consisténcia propria conterin i estudo do politica, O jogo de interesses, a tomada de decisi 4 pritica da poder, tudo isto era agera colocado a luz de reflexdes que deixaram de bdo reducionisme eadete sina de nnilises apritwisticas vw Finalist A granule preocupagiy dos historindores canfrontidus com a reto- turiogratia pelos teinas pollticos fol a questi do politica, © risco a ser enfrentado era u de que a pulsa pola janela entrasse pela porta da frente, bu seja, dle que a rentede do politico significasse apenas wins simples valta & tradicional dos homens ¢ fatos’ © combate por uma histiria pol leressee esp las fren ayarente- ica renova se fez. em ut iudlanaga qa 8 conr i interpretagiio dos fendimuem it longa durugiio, do que se conver Je: culture politica, ou sejo, estruturas durade is nis convicgdes © Hus comparinin expocntes dos Annales, come Jacques Le Goff ¢ Jacques Julinrd, tique™ foi uma indicngio segura de que a citado por TULTAID, 1 A politica. In NORA, Pi LE GOFT, lacques me a es ce iiest A Lxcabin'e quinn. Vitiime Siete Resto Sosa Pais, 18) Toil = Sep 12 lm vibya a MANLY Da SILVA MOTTA, “nova” historia politica podcria ser balizada, em grande medida, pelos parimetros da “cole, Tal perspectiva foi endossada por René Rémond, que partilhava a idéin de que a rcnovagio da historia politica deveria nila 36 valorizar a interdisciplinaridade ¢ lidar com dados serinis na longa duragio, como ex- plorar todos os aspectos da vida social, sendo capaz.de passar de uma histéria “particularizada” para uma historia “total”. A presenga do politica em todas as cesferas da atividade lnmana o.colocaria no “corngaio" da realidade, tommando a histtria politica uma “‘sefence id adhntheae qu ee sen tia: social ido yriiliea” fil mareade pelo distanchamedto emi rckogdo to paradigm dos Annales, Nesse sei foriador francés se filiou a corrente que nao apenas se balin por uma “nova” histéria politica descomprometida com a pluridisciplinaridade “exagerada” ¢ com a "aml 80" da histéria total, como buscava estabelecer um arcabouo metodaligico e-conceitual especifico para trabalhar com o politico." De qualquer moco, pelas trilhas renovadas nos métodos, nos abjetos eas problematicas, pode a histéria politica ampliar seu campo de investiga- go num movimento entre a politica no sentido mais classico do terma — eleigdes, partidos ¢ assoclagaes, Iddias politicas, elites, biografias -, c 0 polilicn em termos de cultura potitica, ou seja, o imaginario, as represcata~ gdes, amen colctiva; os mitos ¢ as mitologias pollticas.' Se a crise da histéria politica produziu a queda ds biografia, a volta | triunfal do politico levow d sua ascensio, Por um lado, no hé como ighorar ‘o hoa de biografias no mercado editorial, ocupando os primeiros lugares tua lisin dos best-sellers, e provocando o surgimnento de segbes especializadas nas livrarias ¢ bibliotecas, O voyeurismo ea avidez em conhecer a imtimida- de de pessoas famosas justificariam, em grande parte, o sucesso desse tipo de fiteratur A questiio foi, noventanio, bem mais complexa quanto a reutilizagiio do método biogriifico nas ciéncias soeiais € na histéria, De um modo geral, tal fato se relacionou 4 revalarizagdo das fontes qualitativas pelas ciéncias GOFF, Jacques. (it) Bares les pewvaire Paris : Seuil, 1989. MOND, Romi Uni historia present nlitica. fi: REMOND, R. Corg.). Por um histdria politica, (ioe haneine 1 UIFRU, Editora FG, 1996, " NORIED, Gérard. Une histnire sociale du politique est-clle possible? Fingtizme Siecle Revie d'hastowre Vanis, (24): 81-96, Oct, + Dée., 1989, MHALMAND, Pascal. Le renouveau de l'histoire politique, In: HOURDIE, Guy MANTIN, Hervé, Ler deoles hittariquer. Paris : Seuil, 1989, Jutho/Desembro 2000 107 UeREE ATS OFR AR ICOHCO MEO FTI: PARA. A TIS TENE, suciais “humanistas”, em (ranca tcagio a “exce: I quantificagao, curneteflsticn dus métodos estatistices. O antropMogo norte- amerivano Howard Becker, por exemplo, procurou demonstrar a importin- cia da hist6ria de vida como método que “permile compreender el aspecto subjetivo ile los muy estudiados procesos institucionales, aera de los quales a menudo se hicen lambién supasiciones no verificadas."”? © que Becker pretendia comprovar era qtie a aproximagae com determinados objets — a delingigneia, por exemplo ~ ow o acesse a certos dados 8 pessaw explica seu comportamente “delingiiente” — so ern larga medida, gragas si cmprego da métode biografico, assooiade, em eral, av “poimento ul A relagie da historia com o método bingrailico foi bem I EOC econcedidaa “liber erdade" eo “rigor da arte”; do outre,.0" lugar, a supervalorizagio do individu como i dicional divisio entrea Tteratura, a quer rin, comprometida cons sja, de win lade, o“romaneista io resisténcias € dividns, a reeuperagiio do metodo binged- » qiadeo historioprafico a partir dos anos 80 se de dupla via, De un lado, as descrilivas, exen que os nmoruime come lugares ¢ feliz, expnessiivr de I Ii: BALAN, Jorge (org). Lar Macros Altes : Nueva Vision, is, ubticada no dlornat do firey, Cattery WdinetT MIDICA, Piette. Lee few ole amennnee, V1 aftepabliqne, Faris: Gallimard, 1984. (19) ry VIDYAM MALY DA SILA MOTTA da irrelevante. Na avaliagao de Giovanni Levi, em artigo publicado em 1989 na revista Annales", estava-se vivendo entio uma fase intermediaria que, embora considerasse o papel da biografia, reconhecin sua ambiglidade, jé que tanto podia se con: ‘em um instrumento da pesquisa histérica, como ser um meio de se fugir dela. O desafio estaria em enfrentar um método cheio de armadilhas, especialmente perigoso para quem concebia a vida de um individuo como um modelo de racionalidade, que nssociava a uma per- sonalidade cocrente, decisdes sem incerteza e ag6es sem divida,”* A riqueza da biografia residiria justamente na possibilidade de escapar das explicagdes monecausais e lineares ealcadas apenas no “destino final”, de reciperar os complexos processos de elaboragdio ¢ tomada de decisBes. Seria possivel, assim, airavés da reconstrugio das trajetérias de vida de deter- iminados personagens, iluminar aspectas pouco esclarecidos pela documenta- gio, em geral muito prédiga em destacar os afos e muito pobreem detalhar os meandros decistiris. Desatada das mathas do reducionismo eda simplificacio, abiografia permitiria nio s6 perceber as margens de liberdade ede constrangi- mento no interior das quais os individuos se moviam, como refletir sobre os mites da racionalidade do ator histérico,> a A relagao entre a vida individual & 0 contexto histérico er outro poiite delicado, ¢ cm Larne do qual os historiadores freqlientemente divergi- am. O método biogrifico teve uma importante contribuicdo para essa dis- cuss, iia medida em que quebrou o esquematismo simplista, ao desvendar asrelagdes cnire o ator individual — © seus varios graus de liberdade de agir —earede histériea — se a reflexiio historingrifica e o gosto do piiblico exigiram a volta do metodo © db péneto biogrifices, a redugiio da concepgio “hiperso- ada” do homens associada # retomada do individualismo al lariicnte favoravel as histérias de vida. A procura de inguilr o homem na sociedade, o reconheeimento da liberda- iI de escola, ¢ a confrontagio entre sociedade e individuo na fixagaio de valores, convergiram para .a necessidade da busca do “eu”, Levi (1989), blicadoem FERREIRA, Marieta de Moraes Junainn (org). Uroy eathusas da distde de Jai fain Tileressante dchate sabre-a validade do métndo biogréfica, ver BOURDIEU, Picare. A ils biogrAfica. In: FERREIRA, M. de M,e AMADO, Janaina (org). Usare aban ofa hestdria oat UNI, Giewonni. Les usages de la biopraphie. Annates ESC Paris, (6): 1325-316, 1989 *MOPIA, Marly Silv ‘nome da independéncin, da compettncin e da neutralidiade: osddepaimentes ee Ociavin Gouvea de Nullides e Dtnio Ferreira, In: FERIELA, Maricta de Moraes (weg) Fuue-vinlas: abordagens e usos da histdria oral. Rie de’ Inneiro Faitora PV, 197. Jutho/Dezembrn 2000 109 OMULATO HOURAFICO COMO YOHTE PAIA A HISTORIA ‘Conquanto a renowngae historiogrifica des anos 80 tivesse en frag cido as rengdes contritias ao método biognifico, a resistencia 86 sc reduzi rin efctivamente na década seguinitc. O principal exemplo dessa "conver- silo" fo . 1 yolumosa biografia de Saint Louis escrita por Le Goff, ¢ publicada na Franga em 1996, Na Inteedugdo, Le Goff pode afirmar cam todas as lettas que © steuly XID no ¢, entretante, a objeto deste estuilo Vamos cricontra-lo aii, claro, porque Labs ncke viveu e ele é matdria de sua vida ¢ de sta aga Mas cute Livro trata de um homem e nao fala de sew tempo andy ser quando iss permita eselarecdlo (...), A fronta hoje © historiadar com os pro’ porém chissiens — de seu offets de imetite aigudo ¢ camplexo,™ No Brasil, essa aproximagio historin-biografia acibou resultianide beneficiog para ambos os lados. De um lado, a produgdo historioprafi beneficion, entre outros cmpreen “Os que fazem a histérin™, dirigida pelo histori mesmo que, no inicio dos anos 90, chamara a atengilo para “pontos sensi- veis" do métedo, De outro, as bioprafias de corte mais tradicional i “Perfis Parlamentares”, publicada pela Camara dos Deputados pelo Se nado, é um bom exemplo- reecbernin un tratamento metodotogice intrin- seeo 4 prit posigio de um problenia, busea c fintes, estirga. Também favoreceu « feos das bingrafias © das autobiografias o fato de terem se transformade em um tipo de fonte bastante atraente para iF especialmente aqueles fitindos & histé- ans “despossuidos”, abrindy a perspectiva de dar vor. aos figurantes mudos da historia, de tomar “eu” quein era ninguém, Ou seja, através do testemu- iter ex eamffite. Bai inco tubes: MC eSeuil, 1990, p. 19-20 Marco. Frei Caneca, Rin de laneine nies aia Guamubaru: « camp put de Jancine (1960-78), Rio de Janeiro: Editorn GV, 2000; GONCALVES, ‘clipe. Rui Barbas Riv de Janeiro: Hditara FGY, 2000, RODRIGUES. Antinia son M. fide de Rie Rin de Janeiro: Editor PGY, 2000, A. Matly Silvuda. Teotinie bieda. Wrnsiliae Senso Federal, 12%. To) VIDYA M MARLY 1A SILVA MOTTA nho dessas histérias pessoais, puderam ser revelados os detalhes da cotidiana e dos costumes ¢ habitos dessa populaga “silenciosa”.” Depoimenta: esta & 4 minha vida... Das amobiografias ¢ memérias, em boa parte elaboradas ao sabor das lembrangas solitirias, passou-se aos depoimentos autablogtaficos pro- vecados a partir do didloge emre o informante e o pesquisador, entre o entrevistadoe o entrevisiador. O resultado desse empreendimento fai a pro- dugio intencional de um determinndo tipo de fonte histérica que apresenta tanto afinidades quanto especificidades em relagdo a outra espécie de do- cumentagiio, A singular participagaio do pesquisador na. construg3o da fon- te, através do cuidaidoso proceso de indagar, de reconstituir, de rememorar, otorma parceiro do seu entre ando a narrativa e alargan- do o Ambito do rekito autobiografico, entrevistader e entrevistado envol- vem-se no objetive de compor um discurso comum, Os riscos de distorpdes, de ertos ¢ de falhas presentes na fonte oral nao sdo maiores nem menores do que nas outras fontes documentais: uma. carta, por exemplo, pode conter mais “mentiras" do que uma entrevista. O- depoimento de histéria oral permite, sim, 0 acesso a uma versio do pasado, ou seja, d maneira pela qual o entrevistado concebe o pasado, Nilo se trata, pois, de recuperar a histéria “tal como ela efetivamente acorreu", mas de reconstrui-ta através das iwilliplas versdes veiculadas pelos atores que vivernm avoitecimentos e conjunturas do pasado. Ascntrevistas ie histériasde vida com membros daelite politica envol- vem algumias especificidades inerentes ao proprio objeto de estude," Seme- Ihante As duos faces de uma mesma moeda, na frente, o politico oferece a indispensdivel descnvoltura de expor oralmente as suas idéias, principal arma fia atividade 4 quiil se dedica, Expostoa opinifi e Acritica piblicas, exerce cotidi- anamente n tarefa de fazer perguntas ¢ articular respostas. No verso, noentan- {o, tem-se um discurse “fechado", onde a livre expresso fica tolhida pelos interesses do entrevistado no jogo politico. Dal o depoimento excessivamente cuidadoso, os “esquecimentos” e os siléncios ao lado das énfases dos desta- ques, tudo medido e avaliado pelo impacto que poderd causar & sua propria imagem e ii posigfo que ocupa na arcna de poder, ‘Tais caracteristicas da elite politica tornariam, pois, seu depoimento uma fonte historica fala ¢redumdante, Falha, porque 0 diseurso do polltico THOMPSON, ant. Foes do pasado: htstdria oral, Rio de Janciro: Paz e Terra, 1992. "Ver, cnire outros, FRANK, Robert, La mémoire ct tm histoire. Ler cahiers de |" HTP. Paris, (21), 1992 Jutha‘Dezembro 2000 ut CORDATE HOH APICO}COME FOMTICPARA 4 1118 1A, seria sompre tendenciose ¢ ambiguo, menos “verdadeiro™, portanto, do que aqicle do homem comum, Redundante, porque a elite, principalinente a politica, farin ouvir sun voz.a qualquer hora em qualquer canto, Para que enido gistir fila © papel com pessoas que sempre lém esses recursos & disposigaie para filaro que quiser, quando quiser? Sobre a vilidade do depoimento oral do poliliee como foute | silsins pontos devem ser esclarecidos. En primeiro lugar, come bem desta- elites so, em grmde parte inconmes de ‘diuilo embora scus homes estejan nas reinilos nos pois, sair dis generalidades sobre a elite politiva, estas wulaias, © apurar a anilise no sentido de entender ndio si suns linngas que a sustentam, esiratégias de controle ¢ de manutengio do poder, ben eon ges, interesses e valores que compartifham. Ou seja, através das préiprlas dvelaragdes dos atores compreender padriies de acesso a posighes ppallti- cas, significado das redes de imter-relagdes pessonis, vritérios de solidar| mn, fatores de coesdo ¢ de cisdo, articulagho com 10 de pollticas istdrica, oripens ¢ sv ies Ofivio Depataenta, de Carlos Lacerda, publicade em 1978, resuliow da edigdio de uma entrevista por cle concedida a jornalistas dks Jorial da Tarete, a0 longo de trés fins de semana— 19 © 20, 26 ¢ 27 de murgo e 16 de abril de 1977 um més antes da sum morte ocorrida a 27 de » livry deve ser entendido coma o balange final de vida desse poli- que durante duns décadas tinha sido um dos principais polos da vida nacional, ¢ yve agora se preparava para novamente voliar a sé-lo. Afinal, dentrode da cin 1925, acaharia 0 prazo da cassagio de seus direitos ¢. como ele proprio reconhecia, ainda nda estavana idade de sair 2 morte sibita contrarion as previsdes ¢ destruiu as aspira- como ele, tinha se “preparado a vida inteira para uma deter- ada coisa”, para a presidéncia da Repiiblies, é ekarn,” “CAMARGO, Aspitsia. he actor and the system: tijectory of the Tacitian tes Hn) MEEAUN, Daniel (edit.), Miergrephy and soemene: the lilt apprnac in the tines, LORD es uses fistriciral eda hist elites pulitieas, Pandas Revbsta de Citucio Socials, Pein de phe Hee dlliter ae Jao Réymbligpne — 180-1900, Pari: Fay, 1997 “PRIA, Carlos. Depatucuty, Rio de Inncire: Non Fronteira, 1978. pe 408. ne VIDYA 34 MANLY DA SILVA MOTTA Na defini¢io de seus editores, Depaimento era um “documenta histori- code grande valor”, rim em que “nem palnvras nem fatos foram ensai- ados ou medidos”. Document “apaixonado”, marcado pelo tom “emocions- do" do depoente, Depoimento ndioera isento da "paixko partidéria”,o quic alids caracterizaria os documentos porsi mesmios, reflexos que cram do “espirito do tempo." Em oulras palavras, Depaimento seria a versio de Lacérda, a sua interpretagiic ~ parcial ¢ comprometida—de uma época de nossa historia. Umi breve histérico da concepgdo e realizagio de Depoimento se fiz necessario, Conta Ruy Mesquita, diretor de Jarnal da Tarde, que im “dia qualquer de outubro de 1976", o redator do jornal the prapés a Forrma- gio de uma espécie de “banco de informagdes historicas” destinadas a quem, no fuluro, pretendesse estudar a vida politica brasil das (altimas quatro décadas, A propesta era de levantar os nomes das principais perso- nagens do "drama polltico brasileiro” c gravar seus depoimentos, com o compromise de que-os mesmos nio scriam divulpados enquanto vivessem os depoentes, A justificativa para tal empreendimento ligava-se, sem diivi- da, percepyao de que o rigor da eensuira © 0 cerceamento da vida politico- ilucional determinados pelo regime militar haviam provocado uma “des- Preocupagiio” com a histéria recente do pais, quase que monapolizada pelos bwazilianisias."* ‘Tal preneupagia ~ cvitar que a fembranga do passado recente do pals se perdesse alrvés da gravagiio dos depoimentos dos principais atores que ent ocuparam a cena politica era compartithada por outros segmen- tos da intelectualidade brasileira, empenhados em produzir fontes hist6ricas para o estudo dis tltinas décadas da historia nacional, A criagao do Centro de Pesquisa © Documentagio em Histéria Contemporinea do Brasil {CPDOC), da Fundagio Gelulio Vargas, em 1973, se Inseriu nesse mor mento, conforme o depoimento de Aspasia Camargo: Naquele momento em quese iniciava um proceso de aber Jura politica, esses contatos eriaram um estimuto 4 mais para compreendermos o nosso passada recente, ainda envalio em brumas (_.), Confirmaram, acima de tudo, nossa crenga na necessidade de consolldar um poder cl- edemocritico. MLACERDA, Calas Pjwineento, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978p. 10 2 fhider, pH CAMARGO, A. Apreseilngdo. In: ALDERT, Verena. Histdria oral: a experiécia do CP DOC Rin de Juneirer fiditora FGV, 1990, p. VET Sulko/Derembra 2000 m3 (FKELATO HHOGKAEICO COMO FONTE MARA A THESTORES Portanto, além da vontade manifesta de preservar a memoria do pas- sido, hii que se levar em conta que a segunda metade da déeada de 1970 inmugurou-se coi o anineio da abertura lenta e gradual do regime. ni brou-se, assim, « perspectiva da volta dos cassados em 1964 no mundo politivoe, principalmente, o retorno A normalidade institucional, Isso impli- cava una ampliagdo da ester da atuacio das paliticas, visios até ento eon desennfianga pelos militares, e mantidos a uma razoiivel distincin dos centros decisdrios de poder, Sea vez. dos politicns estnva chepando, era u Thes Unie vow A ofirmayio de Ruy Mesquita quanto a “obviedude” da escotha do ¢ Catlox Lacer ji pela inlubitével presenga do lider udenista ios e is marcantes do pais ocorridos nos dltimos tempos. A Lacs essa oportunidade parn se reinserir na polit Inuindo © lugar que the caberia neste momento de Iransigdo. Pr da longa entrevista niio deixaria divide sobre a bre sua volta a atividade politica, tio logo vencessem os dex anos le seus dircitos politicos: © niimero ide pessoas que nto sabe que tui eassade ¢ i1o maior talyez do que o nimern de pessias que sabe (1, Achy que tenho obrigagsio de dizer iyse um po pinta ver se cullia de alguinas pessoan veren| e dizetea Nao, ollia aqui. Ele esta dizenda al que nto: teait, mem aahandonow nie, B qine ele foi proibid de fi Hats presente vo ful gordo passade, Depeanento buscou constrain ponies com o ldo, estaya o presente, emoldurade pela anistia, jegavam um papel de a forma de "LACEIIDA, © Op. eu YL APIEREIU, Niele Di ee Te, ma ‘VIDYA 34 MARLY 1A SILWA MEITTA No passado, » chave para o presente e para o futura” Composto de 34 capitulos, Depoimento se inicia pela formagao poli- tica de Lacerda, onde sfio ressaliados nfo sé as ralzes de sua familia na politica carioca € nacional, bem como o “efervescente™ ambiente da ex- cupital federal, A atividade jornalistica, o ingresso na vida partidarin apés 1945, a carrcira parlamentar, as articulagdes politicas, os perfis dos e rivais, 0 eleigao par o governa da Guanabara, 0 movimento de 1964 ¢ 0 pastorior ostracism politico, sto narrados com detalhes. Apesar: ou inelhor, por isso mesino, Depoimenta nfo fot reconhecido por cientistas politicos ¢ historiadores como uma fonte relevante para a histéria contem- pordinea brasileira, A selelividade da meméria — Lacerda nao relataria “oda” a historia ~ ¢ o interesse consciente em registrar determinadas agdes com Vistas a uma Futura utilizagio— Lacerda construiria uma auto-imagem “fal- sn — scriam fatorcs decisivos da debilidade dessa fonte, que no suporta- tin uma andlise critica mais “rigornsa”, Paradoxalmente, serdo esses mesmos fatores que propiciariio a va- lorizagdiodesse tipo de fonte. De um lade, verificou-sea Importincia de se entender que percepeao 0 Hider politico tem de si mesmo ¢ dos outros, como. ele justifies as ages significativas de sun vida, e de que modo organiza as ideias acerca do seu pasado. Como enfatiza Wilkie, as elites pollticas tém um conjunto de crencas sobre si mesmas ¢ sobre a histéria de seu pais, a partir das quais tomam decisdes de conseqléncias importantes: devemos, pois, “tener en cuenta el ‘hecho’ de que lo que la gente piensa que ocurre en ta historia puede ser-tan importante como la que realmente ocurre,™! Dessau mancira, a sel 0-0 um importante meio de acesso a ipotosas”. Afimal, em vez.de se imaginar umasimples oposighoci=— fre memiria © esquecinento, déve-se vilorizar, sim, a relag%o que ambos _ mantém entre si, 7 De_outro lado, deu-se o desenvolvimento de uma corrente de estu- dos na drea da histiria © da antropologix que enfatiza a importincia du memdéria coma elemento fundamental da relagao entre o individuo e a soci- Sobre a construto da ingen de Carlos Lacerda, ver MOTTA, Marly Silva da. Carlos Lacerda: ie dennolider de presidentes a condutor de estados. in : BOM MEY, José Carlos Sebe (org, }. (Re) witroducinde-a histéria eral de Brasil, Sho Paulo: Xama, 1996. “WILKIE, James W.Hlictie. In: BALAN, Sociales: Tentin y Tecnica. Nuenas Aires: Nueva Visién, 1974.p, 104, VELHO, Gilberto Meméria, identidace © prnjeto. Texypo Brasileiro, (95) : 119-26. Out. - Dez. 1988 Jutho/Dezembror 2000 5 Grin, longe de ser um obstéculo no (& COU ATO IDEN APICE- COME FOMAT Pata a TTESTMEA dade, 9 minoire coltective:" Funcionsndo como un depdsito-onde o individuo busca eles the permitem identi ficar-se-social ¢ histori- camente, memdria coletiva funda-se niin. apenas na.comunhiio de simbo- ficados compartilhades coma sociedade, como.se atualiza nas, iudividuais e purticulares, Ou seju, se, por um Indo, o individuosé sado-como um ser social, por.oulro, bi quese idual dessa meméria. Como disse Lyndon presidente véns coisas le uma perspee- lewar en Johnsene nica, A intersegiio entre memndria individual e social esti preseate em De- poimente, Abrin irevista com a afirmagio de que “fui er ncio politica; ouyi filarde politica em ensa desde que me entendo por pet- ou construirum dos pitares di sun idemtidade, qual " pura a arte da politica fiwerita na sun biogeatin ual. Senavd, Sebastiiio Lacerda, fora deputado federal, ministre da Viagaio ¢ Obras Pablieas (1896) ¢ ministro do Supremo Tribunal seu pul, Matiticio de Lacerda, vereador ¢ deputado federal Vvciesta Federal (191 idade do Rio de Janeiro a partir da décnda de 1910, tivera destacada como Lacerda Jita pelos ditcitos das operirivs. Dessa ma inclusive, pa ir nos debates un Camara Mu seu ue Mas de Lacerda ta Brasilein Assim, se nal que se nultia a formagiio i lideres do Partido Ce ura de obras camui tnanido e Pail faram-to ina | 1a", Lacerda destacou ainda ter vivido ¢ feito politica sempre “clervescente” enpital federal, bem como ter pertencido a “uma fetagao politizada desde cede, exatamente por que criada deniro da idéin de hitar contra a ditadtira que entio se prenuneinva,”” vocngaie politica” “OAL WACH rice, A memiiriacnlesiva, Rig Ue Janeitn; Veitice, 1990. “Cin James W. Elictore, In: KALAN, forge (org,) Lax historias de vida en Cienctns Soctates: Tentiay Tecnies, Nuienns Aires: Naewa Visidn, 1974 “LACERDA, CO) 01, p27 "Thule 6 VIDYA 34 MAILLY DA SELVA MOTTA, Acarreira deLacerda sempre esteve intimamente ligada ao estilo de fazer politica priticado no Rio de Janeito, entiio capital federal. Especificidade essa em grande parte configurada pela relago entre a cidade e 0 governo federal. A Constituigio de 1946, niio atendendo a certas demandas autonomistas, manteve a indicaglio do prefeito do Distrito Federal pelo pre- sidente da Republica, o que garantia uma interferéncia direta de Executivo federal na vida politica ¢ administrativa da capital, Vereadormais votado na eleigho de 1947, com mais de 30 mil votos, Lacerda renunciou ao mandato quando o Senado, ao volur a Lei Organica do Distrito Federal, retirou da (Ciimara Municipal » poder de examinar os vetos do prefeito. No entaiiio, como em uma via de mio dupla, 0 debate politicotravadono Rio de Janeiro tinh wna reper cariocas, em geral, nla se restringia aos um lado, a interferéncia direta do governo federal introduzia um elemento complicador mn politica local, por ou i plataforina det nente de politicos no firmamento nacional, Laverda cnearnaria, assim, « identidade ambigua do politica earioca, sempre dividido entre as demandas do nacional ¢ do local. Seu governo no estado da Guanabara (1960-65) alias, foi marcato por essa dupla solicita- lado, Lacerda (ocava a politica local, pantada pela montagem (jtativa do neve estado; de outro, jogava para o pablica ainda era, de fate, a capital da Repablica, possivel pio de 1965, Juscelino Kubitschek, tinha Brasilia, a Novacap, como um vailinso trunfo na futura disputa, © governador carioca precisava apresentara Guanabara, » Bclacap quatrocentona, como modelo de uni nave tipa de adininistragaio. ‘© dado peracional 6 relevante em Depoimento. Nascido em 1914, Lacerda é da gerigiio cuja memoria foi balizada por fates — a Revolugao de 30, o Estado Novo ¢ # posterior redemacratizagaio — por figuras — Getilio Vargas ¢ |-uiz Carlos l'restes talvez fossem os mais paradigmaticos -, e por ldéios, come o comunismo co liberalismo, A abordagem geracional tem-se revelado particularmente fecunda em estudos que tratam das elites politicas ou intelectuais.” Relativizando o “Sobre 9 governo Laccnti io estede da Guanabara, ver MOTTA, M.S. da. Sendades da Guanabare: 0 campo ta cidade do Rio de Janeiro (1960-75), Rio de Janeiro: Editora FGY, 2000 “WINOCK, Michel, Les genéralions Paris, 22: 17-39. 1989. SIRINELI, Vingiidme Sidete Reseed histatre. teltccluclles. Vingiidme Siécte — Revue d* histoire Jean-Frangois. Génération et histoire politique. ris, 22: 67-80, 1989, Julho’ Dezembrn 2001 Ww (HRLLATO HORN ADICD COMO PONTE PARA A TIESTORIA, », Cenfatizande 9 grau de envolyimento dos individiios com deter Hecimentos, essa nova concepgio de geragio s¢ define “comunidade de experiéncias", wa qual a memoria comum t fundamental, pois a ela cabe instaurar o papel fundador de reo geracional. Ao estudar o Partido Comunista Francés, Annie porexemplo, destacou como elemento fundamental ia trajetria do militante comunista a linha ideologica que prevalecia no momento da sua cutrada no partido, independentemente da idade que tivesse A poca. Mais do que-a idade, o que tragava a solidariedade geracional era partithar da mesma incindria scletiva © reconhecer ox mesmos chiligos de meessn to passe, oi, pois, a partirdesse referencial geracional que Lacerda seu pasado em Depoinento. Nele,a Revolugio de 1 e Ceti mo lugar de divisor de aguas ia histérta bra Carguisimo conformou um campo de disputa e se-tornow um marco de refe- réncia obriga onstrugiio da idemtidade dos politicos dessa gorngao. plos relevantes dessa ambigua relagio de ateagio © reicigaio a Vargas, nhum outro politico teve a sua identidade tio relacionada wo chefe de Esta- do Novo como a ferozantigetulista Carlos Lacerda. Paradoxalmenie, a ima gem do “ditndor poderoso" que emergi de longo depoimento de Lacerda fo outro tema que mobilizowa peragiio de Lacerda, interessante painel de “elima de ebuligiio eval id nas déeadas dh: 1930 € | 940), ein longa citag: Na faculdade, o clinia era intciramente politizada, porque grande parte dos professares ¢ alunos era das figuras que foram de de Direito do mei) tempo: Edgard Castro Rebelo & Lednittas Rezende, ambos marxistas (...). Nos famos con- versarna casa deles. Dal, surgiram as minhns aprowl des com as exquerdas comunizantes da época, Fa tempo cm que o Mario Lago fundow a Liga dos Estudan- ily Annie. Fe communistes feangase: essa om IRDA. Gyn ent THM, ethnographic potitiqne, Paris, 18 VIDYAM MANLY DASILVA MOTTA, tes Ateus (...) fundou-se também a Federagfio dos Estu- dantes Vermelhos (...), Nessa ocasiio, Miguel Lins e ow: {ros fizeram o Clube da Reforma (,..), Dali saiu gente para os lados. Para o integratismo sairam alguns poucos, pars ‘9 comunisima muitos, ¢ para um vage liberalismo alguns ‘Tinha também 0 grupo do Caju, com Adriano Gattotti, San iago Dantas, Otavio de Farias (...). Quem conviviacom a pente era.a furma marxista (,..), eu, Chagas Freitas, Evandro Lins e Silva, ficdvamos até de madrugada batendo papo e conversando sobre Marx e Engels.” Se aadesio ¢ 0 posterior rompimento cam o Partido Comunista Bra- sileiro foram comuns # boa parte dessa geragio de intelectuais € politicos, no caso de Lacerda, essa experiéncia, agora relembrada, assumia uma fun- go explicativa de sua futura trajetéria politica, A aproximagia Vargas- Prestes teria selado 4 unidio daquilo contra o que Lacerda iria lutar durante toda a vida, ou seja, a “ditadura” € 0 “populisma”." O golpe militar de 1964 ocupou um espago significativo no balango que Lacerda fez da sua trajetéria pessoal ¢ politica, Mais uma vez, 0 “derrubador de presidentes” entrou em cena. Depois de Getilio e de Jinio, foraa vez de Joao Goulart, afastado por uma conspiragio, da qual, embora seja considerado umn dos cabegas, ele garante nfo ter participado, Ao con- trévie da maioria dos seus companheiras da UDN, que integrario as equi- pes ministeriais dos governos militares ¢ organizarfo a Arena, o partido oficial, Lacerda romperd com a “revolugio”, inconformado com a pracro- gagao do mandato do general-presidente Castelo Branco, ¢ a conseqilente suspensia das eleipies de 1965, 0 que acabou por bloquear suas aspira- goes de chegara presidénciada Repdblica. A articulagdo da Frente Ampla com Juscelino ¢ Joao Goulart, a partir de 1966, colocou Lacerda no centro da oposigao do regime militar, e, mais umn vez, no papel de demolidor de governos, S6 que ox ynifitares resolyeram exorcizar por um bom tempo o fantasma do fombenr, © Lacerda foi cassado pelo Al-5 por um periodo de dez anos. Com Depermento, nove anos depois, Lacerda buscou garantir um espago proprio para o seu breve retorno a vida pablica brasileira, da qual saira “contra a vontade”, ¢ 4 qual voltava com a missfio de “cuidar do pais": #LACERDA, C Op. ett p, 28-29. "'Mhidem. cap. 2 Jutho'Dezembeo 2000 119 COME PORTE Panes a HESTOHIA Agor di mipoa, sobretude quando yaed senie que o pals est4 com pouca gente para cuidar dele (._.). Se eu estivesse vendo sureir uma geragio preparatla pura ocu- ar os luyares que a gente tentou ocupar, eu estarin feliz € tranigilo ¢...). Mas quando voce pensa que 9 Brasil est nesse negécio de escolher qual & 0 general, e que nem sequer é preciso que ele tenha uma follia de servic, tein que suberse cle &mais antigo ou mais moxerno, quantos Aanques ete tem. Ao contra: vigo". a qual ele fi Depoimenta, Sex assegurar un lay tivo claro era dar erin vin lena qquestiode apresentar, de maneirn ben selecionada, em cla que, a seu ver, poderia © deveria ser ¢apae de the -chave na eandugéo futura dos destinos do pais. © obje- m sentilo &.agdo do individuo no fluxo da histdria, teeer os lagos enire seu passado, descontinuo-c fragmentado, ¢ sew projetu futuro, que buscava estabelecer continuidade ¢ diregdo a situagbes e Matus vivides anteriormente, Seria através dessa dindmica entre uma memoria do passa- do ¢ um projeto para o fituro, que Lacerda buscaria (re) camstruir Am sun identidade politica. Afinal.como alerta Gilberto Vellio, A binge reinterprotagties, A idéia, ja dn sense con iia é seletiva, ein pmite se explica par essa dos projetos e da constragdo de identidade, q referdncias do passaclo a um proceso permanente de (de) © (re) constrngiio .) est sujeita a periddicas revises & 1, le qe a 110 politico no inicio de 1977, oferecia a p He volta dos paliticas —até mesmo dos cassados pelo regime militar centros de poder do pais, A questi ue tipo de politica, especinimente dentre estes “ex rt volta? Quc trunfos valarizados ¢ que qualidades scriam requeridas para esse retorno? Ou seja, que perfil de politico seria capaz de atender tanto as delicadas condligies do presente, ainda pontuado pelos rigores da ditadura militar, quanto As perspectivas futuras de implaniaglo de uma democracia plena? "LACERDA,C. Op. eit py. 40x K», Gilbert Memorin, identidade © projeto. Temp Urasiteins Ita de thneito, (151 119-26 Quieter ORR 10 VIDYA 34 MARLY IDA SILVA MOTTA Ora, sc 0 passado do politice tinha naquele momento um peso rele vante, necessirio scria que se procedesse a uma “adequada” leitura desse pasado. Nesse seittide, ao rememorar sua histéria de vida, Lacerda proct- rou iluminar alguns aspectos que Ihe pareceram especialmente significa Vos para # composigao de um perfil que lhe permitisse conquistar um Iupar noreordenamento politico que se avizinhava. Em primeira Ingar, destacou a sélida formagio politica advinds do meio familiar. Ao lado disso, o fato de ter atuado politicamente no Rio de Janeiro, “cnixa de ressondncia do pais", e de ter periencido a uma gerngiio “politizada™, ter-he-iam conferido igualmente umacstatura de “politico sional”, cuja presenga teria sido marcante nos eventos mais significativos do pais nas tltimas décadas, Dessa maneira, ao invés de “tanqucs”, © capacitava era, além da sua vocagao politica “inata”, o duro exc conquista do voto, através do que tinha sido eleito vereador, deputado fede~ ral ¢ governidor de estado, A presidéncia da Repiblica, esta Ihe fora “confiscada™ arbitrariamente, Aadesao “irrestrita” aos valores democriticos era outro componen- te fundamental da identidade politica de Lacerda, A fidelidade aos principi- osda democracia teria sido “inequivocamente" demonstrada nfo sé na luta sem trégua que moveu contra a “ditadura varguista” eo * munista", mas principalmente pela rejeigio aa regime mi plantiade em 1964. Cassado quando buseava articular a Frente Ampla, que ele qualifigou como wma “alternativa politica ao fechamento do regi- me", podia se apresentar, neve anos depois, como a lideranga civil mais “capaz” de nepocinr a transig#o democratica. Noentante jor trunfo de Lacerda, cuidadosamente-cultivado paraa sua yemtrde 1a cena politica, foia imagem de administrador piblice competes te, distante tanto do modelo “autoritario e contratizador da tecnocracia imespon- sivel”, quanta do padide clientelista da tradicional politica do toma |4, da ca. Desse modo, a fini de “demolider’, que tanto prestigio the rendera no passa- do, Lacerda julyiva mais proveitoso, nesse momento,dde"construtor™. Resi- mindo as maiores realizagdes de sua vida, disse: Acho que (fia) duas coisas: uma, foi ter ajudado a derru- bar uma ditadura, ou duas e ® outra, muito mais anite porque ¢ mais pasitiva (...), foi ter eriade no governo um esplrito, uma mentalidade (.,,), a iddin de que um governo foi feito para servit e no para se servir (.,,). Vort repare que depois do governo ma Guanabara huuve dutho'Dezembro 21100) iit (MEL ATO BOLI AFIOD CONG FORTE PARA AMIS TORIA una porgie de governos al que tentaram nos imitar inas esqueceram aquela coisa fundamental que erao espl- rita com que a gents Fazia isso, Relaty bingrifice, Depoiment permite uma dupla leitura, Por um lado, ligou-se a um projeto de reintegragio an cendrio politico no final dos ‘anus 70, dinnte do qual Lacerda teria de comparecer com uma identidade bem delinida: na reconstrugo do passado, a chave do presente © 9 con- qquista co future, que atir io chegaria para ele. Por outro, é uma fonte histirica importante para se entender o complexo processo de reconstrugaio di passado, onde se cruz a imemdrin coletiva ca meméria individual, SPACERS Cpe eo p 400 192 NOVA 14

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