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HOWARD S. BECKER METODOS DE PESQUISA EM CIENCIAS SOCIAIS "TRADUGAO MARCO ESTEVAO RENATO AGUIAR REVISAO ‘TECNICA MARCIA ARIEIRA Quarta Edigéo EDITORA HUCITEC ‘Sao Paulo, 1999 CAPITULO 1 Sobre Metodologia A metodotogia é importante domais para ser deixada aos metodélogos. Por meio desta pardfrase trivial, quero expressar ‘uma distingao que ficara mais clara quando eu definir o8 termos. A metodologia 0 estudo do método. Para os socidloges, presu- ‘me-se que seja estudar os métodos de fazer pesquisa sociolégica, de analisar o que pode ser descoberto através delas e 0 grau de confiabilidade do conhecimento assim adquirido, e de tentar aper- feigoar estes métodos através da investigagao fundamentada e da critica de suas propriedades. Pode-se dizer que a metodologia assim definida é assunto de todos os socidlogos, uma vez que eles participam na realizarao de pesquisas ou na leitura, critica e ensino de seus resultados. Isso certamente é verdade. Porém, temos cursos de metodologia que alguns sociélogos ensinam, mas nem todos. Temos uma Segio de Metodologia da Associagdo Sociolégica Americana A qual al- guns socidlogos pertencem, mas nem tados. Em suma, alguns s0- ciGlogos séo metodélogos, mas outros nao sio, o que significa dizer que em algum sentido institucional a metodologia nio é assunto de todo socislogo, a despeito de que devesse sé-lo ou néo, ou de na realidade sé-lo ou nao. Surge entéo a questo de determinar se 0s metodélogos — os guardides institucionalmente aceitos da metodologia — lidam com o espectro pleno de questées metodo- logicas relevantes para a sociologia ou se lidam com um subcon- junto nao aleatoriamente selecionado (como eles poderiam dizer) destas questocs, ‘Obviamente eu levanto essa questo porque acredito que eles 18 SOBRE METODOLOGIA nao Tidem com o espectro pleno de questées com que deveriam lidar, Em vez disso, eles tentam influenciar outros soviélogos para que adotem certos tipos de método; ao fazé-lo, deixam os prati- cantes de outros métodos sem 0 necessério aconselhamento me- tadolégico © nao conseguem fazer uma anslise adequadamente plena dos métodos que eles de fato consideram, Nao estou fazendo este julgamento severo com 0 objetivo de confronto. Estou menos preocupado em provar que os metodélogos causaram danos do que em aperfeigoar a prética metodolégiea por meio da remogiio de algumas das barreiras atualmente nao investigadas entre a metodologia e a pesquisa Primeiro abordo a questo dos limites da metodologia conven- cional, demonstrando (0 que pode ser ébvio) seu carter predo- minantemente proselitizante. Entdo considero modalidades alter- nativas de diseurso metodolégico, inclusive algumas que, se fos- sem mais comumente usadas, poderiam aperfeigoar nossa mestria metodolégica, Finalmente, diseuto algumas questées importantes de método que padecem, neste momento, de falta de investigagao ‘metodolégica sustentada. CIALIDADE PROSELITIZANTE Embora alguns renomados metodélogos ¢ fildsofos da ciéneia acreditem que a metodologia deve se dedicar a explicar e aper- feigoar a pratica sociolégica contempordnea, a metodologia con- vencional em geral nao faz isso. Ao contrario, ela se dedica a dizer aos sociélogos 0 que deveriam estar fazendo e que tipos de método deveriam estar usando, ¢ sugere que eles ou estudem 0 ‘que pode ser estudado por estes métodos ou se ocupem em ima- ginar como 0 que querem estudar pode ser transformado no que pode ser estudado por estes métodos. Chamo a metodologia de especialidade proselitizante por causa desta propenséo muito for. te dos metoddlogos a apregoar uma “maneira certa” de fazer as coisas, por causa de seu desejo de converter os outros a estilos de trabalho apropriados, por causa de sua relativa intolerdncia com o “erro” — todas estas caracteristicas exibindo a mesma con- viegdo autoconfiante de que “Deus esta do nosso lado” que esta associada as religies proselitizantes. Que forma de salvagdo a metodologia vende? © que eles pro METODOLOGIA COMO UMA ESP! SOBRE MBTODOLOGIA 19 em como caminho apropriado para uma ciéneia melhor? Os de- talhes variam e de fato demonstram uma tremenda quantidade de culto da novidade. Em certo momento, pode nos ser assegurado que somente através do uso de concepgdes experimentais estritas em condigoes controladas de Iaboratério podemos obter proposi- 80s cientifieas rigorosamente testadas. Um ano depois, uma ou- tra pessoa nos urge a prestar uma atengao mais euidadosa aos nosso procedimentos de amostragem, do contrario nossas con- clusdes acabario por ser inaplicdveis em qualquer universo maior. Alguns lamentam a ineapacidade dos socislogos de repro- duzir estudos anteriores, e outros recomendam um uso mais ex- tensive de modelos estatisticos de inferéncia causal, “path ana- lysis, modelos matematicos, téenieas eomputacionais — cada ‘uma dessas opgdes tem seus eampedes. Por baixo desta aparente diversidade, pode-se discernir facit- mente um padrao comum: uma preocupacao com métodos quanti- tatives, com a concepgio @ priori da pesquisa, eom téenicas que minimizem a chaneo de obier conclusdes nao confidveis devido a variabilidade incontrolada de nossos procedimentos. Seria exees- sivamente extremo dizer que os metodslogos gostariam de trans- formar a pesquisa sociolégica em algo que uma maquina pudesse fazer? Acho que nao, pois os procedimentos que eles recomendam tam todos em comum a redugao da area em que o julgamento Jhumano pode operar, substituindo este julgamento pela aplicagao inflexivel de alguma regea de procedimento. Esta substituigio é certamente recomendivel, pois nio se pode ter uma ciéneia quando se permite que proposigdes sejam feitas sem outra garantia que ndo a de que “parece ser assim para mim’. ‘ais afirmagoes estdo notoriamente sujeitas a todo tipo de in- fuéneias estranhas, sobretudo a racionalizagao do desejo. E as proposigées geradas por procedimentos mais cientificos podem, ainda assim, estar sujeitas a estas influéneias em qualquer ponto onde 0 que deve ser feito nao for especificado. Portanto, um pro- cedimento de amostragem plenamente especificado, a semethanga de uma maquina, 6 methor do que a amostragem por eotas, que deixa & escolha do entrevistador quais homens brancos de meia- * Opton-se aqui pela manutengio do termo em inglés por ser de uso cor- rente na producao brasileira em Sociologia e Kstatistica (nota da revisora) 20 SOBRE METODOLOGIA idade ele entrevistard, e portanto a mercé de quaisquer biases* nao aleatérios que possam afetar o que o entrevistador faz, com o perigo de que estes biases tenham uma correlagao com atitudes em estudo, Se um entrevistador, temendo a rejeicao, escolhe pes- soas “legais”, e se este “ser legal” estiver correlacionado a atitudes politicas liberais, por exemplo, o procedimento de amostragem indo especificado pode produzir resultados distorcidos, o que nao ocorreria quando se utiliza a amostragem probabilistica, Portanto, a atividade da ciéncia como maquina tem muito a recomendé-la, eliminando todo tipo de tendéncias incontroladas. Mas, como se sabe muito bem, é dificil reduzir a ciéneia a tais procedimentos estritos e a algoritmos plenamente detalhados. Diante desta dificuldade, podemos optar entre dois eaminhos pelo ‘menos, Ao invés de insistir em procedimentos mecénicos que mi- nimizam 0 julgamento humano, podemos tentar tornar as bases destes julgamentos tao explicitas quanto possivel, de modo que outros possam chegar a suas préprias conclusées. Ou podemos transformar nossos problemas em problemas que possam ser re~ solvidos por procedimentos tipicos de uma maquina. Ou podemos decidir nao estudar os problemas que nao possam ser transfor- mados da maneira acima, sob a alegagao de que é melhor aplicar nossos limitados recursos em problemas que possam ser manipu- lados cientificamente. De maneira geral, os metodélogos contempo- rraneos escolheram o tiltimo eaminho.! Poderfamos considerar a opgao deles como razoavel, nio fosse pelo fato de que a maioria dos sociélogos ativos em pesquisa nio a aceitam. As pessoas que fazem pesquisa sociolégica muitas ve- zes aceitam e até mesmo defendem a tendéncia geral dos meto- preferncia, inclinago, vies ete. Entretanta,optamos por deixar o coneito SOBRE METODOLOGIA 21 délogos de demandarem métodos mais “rigorosos”. Porém, elas nao aceitam a recomendago implicita de n&o fazer © que néo pode ser feito desse modo rigoroso, Embora respeitem as reali- zagdes dos metodélogos, respeitam outras realizagdes também. E estas outras realizages sao concretizadas com métodos pelos quais a metodologia convencional, por nao chegar a aprové-los especificamente, fez pouco no sentido de formular, criticar ou aperfeigoar. Permitam que eu proponha um teste simples para aquilo que Richard Hill denominou de “relevancia da metodologia’.® Pode- ‘mos pegar o presidente da Seco de Metodologia da ASA para representa os socidlogos cujo trabalho metodolégico € particu- larmente respeitado, 03 verdadeiros portadores da tradigdio me- todologica. E podemos pegar os livros que receberam um dos trés mais importantes prémios de sociologia conferidos regularmente — os Prémios Maclver, Sorokin e Mills — para representar tipos de anélise sociolégica geralmente considerados como dignos de atengao. Quantos dos métodos usados para produzir livros ven- cedores de prémios poderiam ter sido aprendidos com 0 estudo dos métodos associados aos presidentes da Segao? As Tabelas 1.1 ¢ 1.2 dao a lista dos presidentes da seco desde sua fundagao em 1961 e dos ganhadores dos prémios principais desde as suas diferentes datas de uigdo. Sem caracterizar 0 trabalho do presidente da segao em detalhes espeeificos, pode- ‘mos dizer com seguranga que todos eles foram associados a tra- batho metodologico do tipo restrito que deserevi; métodos de “sur- vey”, andlise estatfstica, amostragem e 0 uso de modelos mate. miticos. E claro que, ao estudar tais métodos, alguém poderia ter aprendido a produzir algum dos livros veneedores de prémios: American Occupational Structure, de Blau e Duncan, Delinquency Research, de Hirschi e Selvin, o estudo feito por Hollingshead ¢ Redlich chamado Social Class and Mental Iliness, demonstrando que 0s metodélogos nao sao totalmente privados de reconheei- ‘mento em seu préprio pais. Porém, muitos outros vencedores de prémios usaram métodos aos quais nossos mais venerados me- todologos haviam dedicado pouco tempo. O ponte central aqui 2 Richard J. Hill, “On the Relevance of Methodology”, Et Al, 2 (vero de 1969), 26-9

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