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Antonio Lino Rodrigues de Sá


Professor Adjunto de Filosofia da Educação no Departamento de Ciências Humanas da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

ALTERNATIVA DE EDUCAÇÃO
POPULAR EM ESCOLA PÚBLICA:
UM ESTUDO SOBRE A EXPERIÊNCIA DA ESCOLA LA
SALLE EM RONDONÓPOLIS - MT

Apresentado originalmente como dissertação de Mestrado à coordenação do


Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Educação na PUC - SP
Campo Grande - MS
1993
3

Ilustração da Capa:
Richard Perassi

Programação Visual e Arte Final:


Giselda Tedesco

Composição:
Sociedade Origem & Destino

Revisão:
Inara Barbosa Leão

Apoio Cultural:
Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia
de Mato Grosso do Sul - CECITEC - MS

Sá, Antonio Lino Rodrigues de

Sllla Alternativa de educação popular em escola pública: um estudo sobre a


experiência da Escola La Salle em Rondonópolis, MT/Antonio Lino R. de Sá. São
Paulo: A.L. Rodrigues de Sá, 1987.

117 p.; 33 cm.

Tese (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1987.

Bibliografia: p.113-117.

1 - Educação pública. 2 - Escola Estadual de 1º e 2º graus “La Salle”. I. Título. II


Título: Um estudo sobre a experiência da Escola La Salle em Rondonópolis, MT.

CDD. 379.2

Coordenadoria de Bibliotecas/PREG/UFMS
4

A todos os educadores e
educadoras que acreditam na
escola pública como o lugar
privilegiado à instrumentalização
do saber para a classe
trabalhadora.
5

SUMÁRIO

1.0 - DO SIGNIFICADO AO PAPEL DA ESCOLA NA SOCIEDADE DE


CLASSES.............................................................................................................................11
1.1 A ESCOLA NA SOCIEDADE DE CLASSES ....................................................... 12
1.2 - A PROPOSTA PEDAGÓGICA DE PAULO FREIRE ...................................... 18
1.3 OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A ESCOLA....................................................... 20
1.4. - ESCOLA PÚBLICA ESPAÇO GERADOR DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
.......................................................................................................................................... 21

2.0 - DA GÊNESE AO PAPEL HISTÓRICO DA ESCOLA LA SALLE DE


RONDONÓPOLIS ............................................................................................................. 24
2.1. - A EDUCAÇÃO EM RONDONÓPOLIS ............................................................ 24
2.2. - A ESCOLA LA SALLE........................................................................................ 26
2.3. - CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 43

3.0 - REPENSANDO O PAPEL DO PROFESSOR E DA ESCOLA PÚBLICA EM


RONDONÓPOLIS. ............................................................................................................ 48

4.0 - CONCLUSÃO ............................................................................................................ 58

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................ 61
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APRESENTAÇÃO
A Escola Pública como um dos lugares viáveis para uma ação libertadora da classe
trabalhadora é a posição teórica de referência do autor, na análise que se propõe realizar
visando contribuir com o debate sobre a especificidade da escola pública. Essa discussão só
é possível em confronto com o papel que cumpre, na nossa sociedade, a escola particular.
Na prática haveria diferenças fundamentais nas formas de desenvolvimento das respectivas
propostas político-pedagógicas bem como no processo de formação dos seus respectivos
educadores. É essa, pois, a abrangência do problema em que o autor se movimenta no
decorrer de sua análise.

A Escola La Salle, objeto de seu estudo, nasce na década de 60, sob a forma de Escola
Particular Católica, atrelada explicitadamente aos interesses das classes dominantes de
Rondonópolis. Em 1978, por razões fundamentalmente econômicas, torna-se pública. Este
fato constitui o ponto de partida para sua gradativa perda de identidade como escola de
elite. Por um lado, evidencia-se claramente que o espaço cultural da escola pública não é
apropriado para a classe dominante, que dela se exclui retirando seus filhos e buscando
escolas particulares. E, por outro lado, gradativamente, a Escola La Salle explícita o seu
compromisso com a classe popular, através de ações concretas que envolvem pais, alunos e
professores. Agilizam-se entidades, como a Associação de Pais e Mestres e o Centro Cívico
e cresce a participação nas questões internas à escola e nas externas, relativas ao bairro.

O período de 1979-1985 representa para essa escola um dos mais importantes de sua
história, quando progressivamente se explícita seu compromisso com as classes populares,
a partir e no interior dos diferentes movimentos sociais urbanos e rurais que, naquele
período, se desenvolveram, na sua maioria, sob a orientação da Igreja. Nesta perspectiva de
compromisso com os interesses populares, a preocupação com a formação de um quadro de
dirigentes se torna prioritária frente à opção explícita desta Escola pela educação popular.

Nesse processo de passagem, de escola particular para pública, o aspecto político do papel
do professor ganha contornos claros na percepção da equipe dirigente, ao mesmo tempo em
que ela se defronta com um profissional descomprometido que vê na educação apenas uma
oportunidade salarial relativamente fácil e cuja intencionalidade se restringe ao imediatismo
da ação escolar. Emerge nesse processo, também, cada vez mais a dependência da
instituição escolar pública em relação ao poder político, inclusive, das variações político-
partidárias.

Diante das contradições estabelecidas a institucionalizadas pela sociedade, os movimentos


sociais são um dos poucos meios de que as classes populares dispõem para reivindicar
direitos fundamentais de vida e sobrevivência (moradia, educação, trabalho, etc.), Cobram
da escola um espaço para o desenvolvimento sistemático do saber e uma redefinição do
papel dos intelectuais que nela trabalham. São esses movimentos sociais que constituem,
para o autor, um dos grandes fatores de viabilização da escola pública, como educação
popular. Popular no sentido de que não é qualquer educação que nela se desenvolve, mas
uma educação em que está presente o ideário transformador, significando que nela há, por
7

porte da população que a freqüenta, a conscientização da necessidade de buscar uma


transformação estrutural da sociedade.

Embora consciente dos limites estruturais e conjunturais da ação escolar no contexto sócio-
econômico, político e cultural, o autor vê na dialeticidade dos movimentos sociais os
fundamentos reais do novo significado e papel da escola e do educador. Com base na
análise dessa dialeticidade ele conclui que: a escola é um espaço alternativo para uma
educação popular, comprometida com uma prática transformadora da realidade social, é
preciso descobrir na própria escola os espaços viáveis para concretizar essa prática, não se
podendo homogenizar uma proposta transformadora de educação; os movimentos
populares, no interior da escola, constituem o meio para exigir, controlar e propor
alternativas de educação para a sua classes e o papel dos educadores (como dirigentes e
professores) na escola é o de assegurar a estas classes um ensino rigoroso, acessível e
correspondente às suas necessidades de luta pela conquista de seus anseios de caráter
coletivo.

Emergem de suas análises dois aspectos fundamentais inter-relacionados e conseqüentes a


necessidade de pensar a formação de quadro de professores a partir desta perspectiva,
definindo (ou redefinindo) a dimensão cultural e política de tal formação nas Escolas
Normais e Universidades; e a necessidade de repensar a própria prática educativa da escola
em suas relações culturais e políticas uma vez que o modo de produção ao qual está
submetida a escola lhe impõe estruturalmente os limites de ação, garantindo que a maioria
da população permaneça marginalizada culturalmente e economicamente em função da
manutenção das minorias dominantes.

Conforme lembra o autor a separação entre o saber intelectual e o saber prático, separação
entre teoria e prática, é o elemento assegurador dos interesses dominantes. Esta divisão do
trabalho intelectual e prático encontra no sistema dual de ensino resposta conveniente. Está
claramente estabelecida na prática social a equação entre escola pública e privada: a escola
privada está para a classe dirigente do processo produtivo, político e intelectual, assim
como a escola pública está para a classe trabalhadora e dominada. A Escola, como os
demais serviços públicos, não é equacionada segundo as necessidades efetivas da classe
trabalhadora que a freqüenta, mas segundo as conveniências do sistema capitalista,
garantindo o poder do capital e a postura submissa do trabalhador.

A experiência da Escola La Salle, segundo o autor, caracteriza-se pelo esforço de descobrir,


nos limites estruturais que a constituem, a sua viabilidade como escola para a classe
trabalhadora, tornando-a de interesse desta classe. Analisa a especificidade da escola
pública, ultrapassando a característica jurídica e econômico - social - estatal, gratuita e
freqüentada pela classe destituída de recursos econômicos. Não foi apenas a nova situação
de ter-se tornado pública, que lhe conferiu a característica popular. Ela se tornou
gradativamente popular, através do processo de sua ação voltada para os interesses
coletivos dessa classe, ultrapassando os limites institucionais de uma prática educativa
formal, em que a transmissão de um conjunto de conhecimentos sistematizados tem por
base objetivos decorrentes de critérios político-ideológicos voltados à manutenção do
sistema de dominação.
8

Portanto, para além do conteúdo conceitual jurídico e econômico-social, o prof. Antônio


Lino destaca o político, enquanto dimensão diferenciadora frente à escola particular,
fundamentando seu ponto de vista numa prática efetiva de atuação escolar numa
perspectiva popular. A prática cultural e política da Escola La Salle, objeto de análise nos
capítulos II e III, constitui a base histórica de referência para sua posição teórica freireana.
Por outro lado, é esta mesma prática que, a partir da confluência de dois fatores, confere à
experiência desta escola um caráter peculiar e diferenciador de outras escolas públicas. O
primeiro é referente ao processo que a torna pública, já que originariamente ela era
particular e atrelada explicitamente aos interesses de classe dominante; tornando-se pública,
aos poucos, por opção política, torna-se também popular. O segundo diz respeito à clareza
da postura política, medida pelo caráter religioso de sua equipe dirigente, que funda raízes
numa determinada concepção de mundo, que é não só anterior e prévia à definição da tarefa
especificamente escolar, como também a ultrapassa.

Dessa forma, nesta Escola, unem-se duas experiências de natureza distinta: a religiosa e a
escolar, o que, no entanto, não minimiza sua contribuição ao debate público sobre o
significado e o papel da escola para a classe trabalhadora e a correspondente formação do
seu quadro de professores, o que desde o início de suas discussões, constituía o objetivo
principal do seu trabalho.

A tese do prof. Antônio Lino é uma contribuição para o aprofundamento do debate. Destaca
a postura política, por parte do professor, sua tomada de partido nas relações de classe,
como condição fundamental para o seu trabalho enquanto profissional da educação na
escola pública de 1º 2º Graus. Essa posição teria implicações no processo da formação
desses, profissionais, a nível da Escola Normal e da Universidade; bem como na
administração da dinâmica interna do trabalho escolar, onde se constrói a especificidade da
escola enquanto pública e da classe trabalhadora.

Por outro lado, a leitura do seu trabalho, nos coloca mais uma vez diante da questão do
significado da escola pública para a classe trabalhadora e da natureza da prática educativa
especificamente escolar: o que a classe trabalhadora espera encontrar na escola é o mesmo
que os educadores pretendem que ela seja? Deveria a escola pública constituir um espaço
alternativo para realizar uma ação educativa comprometida com a transformação social? Ou
ela é efetivamente o lugar onde as classes trabalhadoras vão buscar os conhecimentos
necessários para enfrentar com capacidade técnica, científica e política os desafios do dia a
dia da sociedade capitalista?

Célia Schmidt de Almeida


Professora-adjunta IV
Universidade Federal de Mato Grosso Dep. Educação
9

INTRODUÇÃO
Este trabalho se propõe a uma interpretação do papel político-pedagógico desempenhado
pela Escola La Salle ao longo de sua prática educacional. A instituição em questão é
estadual, dirigida por um grupo de religiosos educadores, católicos e leigos que,
comprometidos com uma ação ligada aos movimentos eclesiásticos e sociais - populares,
têm buscado encontrar formas alternativas de fazer do espaço escolar um lugar privilegiado
para uma tarefa educativa voltada a atender os interesses das classes trabalhadoras.

A referência teórica utilizada para se entender esta experiência está alicerçada no projeto
político-pedagógico desenvolvido ao longo da obra de Paulo Freire.

É preciso que fique claro, porém, que se essa leitura se mostrar frágil e incompleta é
resultado da nossa limitação, uma vez que tanto o referencial teórico utilizado como a
riqueza da prática desenvolvida pela Escola La Salle mereceria um melhor autor.

A Escola situa-se em Rondonópolis, uma cidade de porte médio ao sul do Estado de Mato
Grosso, que teve sua origem a partir da instalação de um posto de comunicação dos
Correios e Telégrafos em 1992 e que, mais tarde, por estar situada em local de fácil acesso
tanto para o norte como para o centro-sul do país, veio a tornar-se um centro urbano
importante e com próspero crescimento. Este crescimento se deu a partir dos interesses
governamentais e dos grandes proprietários de terras, facilitando, assim, o surgimento de
um centro urbano que representa para o Estado uma fonte de recursos econômicos e de
grande influência política. A sua base econômica está na pequena empresa, tanto comercial
como industrial e, sobretudo, na agropecuária.

A Escola La Salle, ao longo de sua existência, vem contribuindo tanto para a história da
educação em Mato Grosso como para a de Rondonópolis. A preocupação de se fazer uma
análise crítica de sua ação pedagógica se fundamenta em dois pontos importantes: o
primeiro, compreender que a tarefa da escola não se constitui apenas no lugar que garante
ao professor a passagem dos conteúdos para os educandos com o objetivo de instruí-los,
mas também o lugar onde se oportuniza a estes uma tomada de consciência em relação à
luta que se trava nas relações de classes, que se refletem no interior da escola, cabendo
àquele, no seu compromisso com as classes trabalhadoras, se constituir um elemento
instrumentalizador destas, de forma a oportunizar-se uma educação libertadora. O segundo
ponto refere-se à necessidade de se organizar, no interior da escola, uma equipe de
dirigentes que estejam atentos a uma ação pedagógica voltada para libertar as classes
trabalhadoras do domínio e dos interesses dos grupos dominantes.

A ação educativa transformadora da Escola La Salle, até então ligada aos interesses das
classes dominantes, é desafiada. Este desafio tem como ponto de partida o compromisso de
sua equipe de dirigentes com as lutas e os interesses das classes trabalhadoras. Tal
compromisso tem deixado, entre aqueles que não assumem esta opção, a oportunidade de
questionar e criticar o projeto educativo sobre o qual está fundamentada toda a tarefa
assumida por este grupo. Assim, tem-se procurado, através das reuniões pedagógicas, de
leituras atualizadas, de debates e de cursos, oportunizar a todos os demais professores
10

Condições de ação e reflexão, a fim de que estes, de modo lúcido, possam assumir o
compromisso e a ação educativa transformadora qual se propõe a escola na sua tarefa
educativa.

Destacamos dois elementos fundamentais para esta análise: a documentação que se


encontra nos arquivos, tanto da Escola “La Salle” como da Comunidade Religiosa que
assume a direção da escola, e a leitura feita a partir da experiência do autor, que tenta, de
maneira crítica, fazer uma análise e estabelecer juízos quanto ao papel da escola em estudo.

O trabalho encontra-se dividido em três partes:

A primeira se constitui na fundamentação teórica de Escola e as suas determinações


enquanto respostas aos anseios dominantes, destacando-se no espaço desta instituição a
necessidade de assumir um papel cultural e político criado pela expectativa das lutas das
classes trabalhadoras junto ao ensino público.

A segunda se dá na busca limitada de uma breve reconstituição da história da educação em


Rondonópolis, com o propósito de se poder localizar a Escola La Salle no contexto local,
objetivando-se, assim, uma leitura crítica de sua ação e do seu papel educativo.

A terceira busca elabora, a partir das considerações e das inquietações que irão surgir, uma
proposta que venha se apresentar como mais uma contribuição no pensar e no re-pensar o
papel do professor e da escola pública como meios de se encontrar espaços alternativos
numa prática educativa voltada para as classes trabalhadoras via ESCOLA PÚBLICA.

Ao longo do trabalho, o autor procura destacar o papel que tem a escola na sociedade de
classes e, sobretudo, o desempenho que deve ter a sua equipe de dirigentes ao assumir uma
proposta pedagógica voltada para os interesses das classes trabalhadoras como forma de
superação dos interesses dominantes, de tal modo que o rigor do saber científico não seja
atenuado por propostas basistas e populistas.

Daí se acreditar que esta prática popular e não populista deva assegurar à classe oprimida
um conhecimento que lhe possibilite dominar o saber científico como uma das fórmulas de
garantir a sobrevivência e sua organização, estabelecendo nas camadas populares uma
consciência sistematizada de seus interesses de classe na sociedade civil.

Este trabalho não se limitará à análise de ideologias ou a prescrever métodos mágicos, mas
sim, proporá caminhos e sc esforçará por abrir um debate em torno da questão levantada,
como forma de cooperar no processo histórico e cultural da prática pedagógica escolar em
Rondonópolis, assegurando, assim, uma tentativa de redefinição do significado da escola
pública nesta região.
11

1.0 - DO SIGNIFICADO AO PAPEL DA ESCOLA NA SOCIEDADE DE


CLASSES
A Escola, numa sociedade burguesa, desempenha a tarefa de formar os seus quadros e
procura garantir, através de sua prática e relações pedagógicas, a dominação e a inculcação
das ideologias e valores burgueses.

toda atividade prática tende a criar uma escola para os próprios dirigentes
e especialistas e, conseqüentemente, tende a criar um grupo de
intelectuais de nível mais elevado, que ensinam nestas escolas.1

Este papel atribuindo à escola pela burguesia reflete na sua prática tanto a necessidade de
instrumentalizar o saber científico como a de preparar para o exercício do poder na
sociedade - o privilégio que vem ao encontro dos interesses daqueles que, abastados
economicamente, nela encontram o lugar capaz de perpetuar o “status quo”.

Diante disto, quer-se evidenciar que a Escola Estadual 1º e 2º Graus La Salle exercera uma
liderança, enquanto atrelada aos interesses das classes dominantes, mas devido à postura
assumida pelo seu quadro de dirigentes de comprometer-se com uma proposta voltada a
atender às classes trabalhadoras, houve, por parte desta escola, que até então se reservava o
direito de atender exclusivamente aos interesses dos grupos dominantes locais, uma série de
mecanismos que foram utilizados e que culminaram com a viabilização de uma definição
de sua proposta educacional.

A partir de então se pergunta:

Pode a Escola, enquanto espaço que garante à burguesia a reprodução e a


transmissão de suas ideologias, se constituir como lugar da Contra-
Reprodução.

A escola, enquanto espaço contraditório, pode ser um dos lugares que


instrumentalize a classe trabalhadora a conquistar o poder?

Mesmo reconhecendo o papel de reprodutora da ideologia dominante que a escola exerce


numa sociedade de classes, estamos também de acordo com uma análise desta instituição
que se recuse apenas a vê-la como um espaço de reprodutora, que não satisfaz à realidade
social, histórica, política e cultural, uma vez que a sua tarefa é apenas um momento e um
espaço do sistema social, e não uma relação mecânica, mas dialética e contraditória.

Querendo fazer uma retomada do significado desta reprodução da ideologia burguesa


exercida pela escola, vale salientar alguns pontos que servirão de base ao longo deste
trabalho, para provar que é muito mais fácil reproduzir a ideologia do que manter uma
postura crítica e antagônica às suas propostas.

1
GRAMSCI, Antônio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 117.
12

1.1 A ESCOLA NA SOCIEDADE DE CLASSES


Situada numa sociedade, na qual as relações de produção são determinantes no definir e no
dividi-la em classes sociais, a escola torna-se assim o lugar na superestrutura através de
cujas práticas garantem-se para a burguesia a elaboração, a sistematização e a divulgação
dos seus interesses de classes. O seu privilégio, na sociedade civil, é ser enquanto aparelho
ideológico um dos lugares onde se processa a divisão entre o saber formal e o saber
informal. Pode-se dizer que ela se constitui assim o lugar onde se refletem as contradições
da sociedade.

Gramsci, ao se referir à escola enquanto instituição a serviço dos interesses ideológicos


burgueses e de Estado, a define como sendo:

O conjunto dos organismos vulgarmente ditos privados, que corresponde


à função hegemônica que o grupo dominante exerce sobre toda a
sociedade.2

Enquadra, assim, a escola, ao assegurar esta hegemonia, o faz de acordo com os interesses
da sociedade enquanto dividida em classes, uma vez que ela é reflexo das relações sociais
de produção e das contradições geradas a partir destas relações. Isto se constata, à medida
que se observam, na sociedade e no conjunto de suas relações de produção, os mecanismos
de dominação que determinam na superestrutura uma visão de mundo assegurada pela
escola. Em outras palavras, a escola, prestando um serviço enquanto aparelho ideológico,
não só determina o que deve ou não ser transmitido, mas também estabelece os limites
dentro dos quais esta ideologia deverá ser repassada aos alunos. Com isto, ela se constitui
no instrumento de luta encarregado de assegurar, a qualquer preço, a dominação da
ideologia burguesa contra o adversário real: o proletariado.3

Desta forma, a compreensão do significado da escola só será assimilada diante das


contradições da sociedade em que esta se situa e onde se dá, através das relações de
produção, o antagonismo das relações sociais.

Enquanto lugar reprodutor das relações de produção, a escola, por meio da divisão dos
trabalhos intelectuais e manual no seu interior, já estabelece a divisão de classe e determina
quem serão os dominadores e os dominados, pois, o domínio do saber sistematizado se
torna privilégio da burguesia.

Esta postura assumida pela escola torna-se uma das estratégias usadas pela burguesia, como
meio de mascarar a luta de classe e até mesmo de alienar as camadas populares da sua
necessidade de se unirem e de se educarem numa perspectiva e numa proposta crítica e
combativa diante do processo social para o qual a escola se põem a serviço.

2
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a Organização da Cultura. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio
de Janeiro: Civ. Brasileira, 1979, p. 10 e 11.
3
CUNHA, Luiz A. Uma Leitura da Teoria da Escola Capitalista. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980, p. 15.
13

Por isso, quando se estuda a escola na sociedade capitalista, não se pode perder de vista os
interesses de classe no que se refere às relações de produção, pois o espaço torna-se um dos
lugares privilegiados que assegura aos dominantes a sua hegemonia, uma vez que esta,
estabelecida nesta sociedade, tem como objetivo atender aos interesses de classe. Tais
interesses se atem a partir da divisão da escola em duas redes: a humanista e a profissional.

A diferenciação feita entre a escola humanista e a profissional é um reflexo dos interesses


impostos pelas relações de produção, que fazem com que também sejam no interior da
escola reproduzidas estas relações e garantida, assim, a divisão das classes sociais. A luta
de classes neste caso se dá na escola, à medida que a burguesia se vê desafiada pela classe
trabalhadora.

Marx nos adverte de que nas sociedades de classes, onde as relações de produção se
manifestam de forma a determinar os interesses de uma classe, o reflexo destas relações se
dará não só na vida material, mas sobretudo na vida social, política e espiritual. Daí afirmar
que:

Não é a consciência do banem que determina o seu ser, mas, pelo


contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência.4

A divisão de classe na sociedade capitalista é estabelecida pelos modos de produção,


tornando-se explícita no momento em que estas relações são antagônicas. Este
antagonismo, refletido na escola, faz com que esta, através de sua prática, o estimule. Para
isto, se faz necessário estabelecer nos seus limites, nas suas práticas e nas suas relações
pedagógicas, linhas mestras que deverão encaminhar uma resposta a serviço dos interesses
das classes dominantes.

É assim que as contradições da sociedade refletem-se na escola. Este reflexo se verifica nas
práticas e relações pedagógicas, quando são separadas a teoria e a prática.

As relações burguesas de produção são a última forma antagônica do


processo social de produção; antagônica, não no sentido de um
antagonismo individual, mas de um antagonismo que provém das
condições de vida dos indivíduos.5

Esta separação entre o saber intelectual (teoria) e o saber prático se observa nas práticas
escolares, principalmente quando a escola profissional, destinada aos filhos dos
trabalhadores, não é capaz de prepará-los para exercerem uma profissão; pois na fábrica ou
no ambiente de trabalho, ao serem pressionados pelas condições que lhe são impostas e
pela necessidade de sobrevivência, é que estes profissionais completam a sua formação. Na
maioria das vezes até refazem esta formação, pois o que foi ensinado pela escola está longe
de atender, nos meios de produção aos interesses e às necessidades da sociedade capitalista.

4
ENGELS, Marx. Prefácio à “Contribuição à Cristina da Economia Política”. In: Obras Escolhidas, Vol. I,
São Paulo, alfa Omega, p. 302.
5
ENGELS, Marx. Prefácio à “Contribuição à Cristina da Economia Política”. In: Obras Escolhidas, Vol. I,
São Paulo, alfa Omega, p. 302.
14

Esta separação entre a teoria e a prática legitima o poder burguês, torna-se nas relações
sociais o espaço gerador e assegurador dos interesses dominantes. A legitimação da
dominação se dá na escola, a partir das contradições sociais e das relações de produção, que
existem na sociedade. Estas, ao se reproduzirem na escola por meio das ações e práticas
pedagógicas, reafirmam, no meio de sua clientela, a formação trazida de sua família, bem
como aquela trazida do ambiente social que a envolve.

Assim, passa a escola no seu interior a garantir na sociedade capitalista o lugar de controle,
dominação e de consumo. Esta postura assumida na escola tanto por educadores como por
educandos contribui na afirmação da luta de classe e na separação entre dominador e
dominados.

Estas condições de dominação se dão, na maioria das vezes, através dos meios de
comunicação de massa que, estando a serviço dos interesses capitalistas de consumo,
estimulam e criam nas camadas populares formas de pensar e de ver o mundo sob a ótica
centralizadora e manipuladora das classes dominantes. Torna-se, assim, um dos meios de
assegurar na sociedade, a manutenção e a perpetuação de um sistema que, ligado a grupos
minoritários, exerce o poder de decidir sobre os destinos daqueles que passam a ser apenas
objeto de manipulação.

É nestes limites de contradição e diante de uma postura crítica acerca da sociedade, que
pretendemos, a partir de uma prática concreta, oferecer subsídios que venham contribuir na
contra-reprodução ao sistema como meio de possibilitar, através da escola, um espaço para
o pensar e repensar o seu papel diante de um compromisso com as classes trabalhadoras.

Por outro lado, vamos encontrar na sociedade capitalista, e principalmente nas relações
entre patrão-operário, a efetiva divisão entre o poder burguês e a postura submissa do
trabalhador diante do patrão. Estes mecanismos fazem com que os interesses de classe se
manifestam não só nas relações de produção, mas também no interior da escola.

Estas contradições se tornam compreensíveis na escola, à medida em que se faz a diferença


entre o saber formal e o saber informal

Não se compreende nada da escola primária (nós veremos que ocorre o


mesmo com o aparelho escolar inteiro) se não se pensa em termos de
contradição.6

Estas contradições que permeiam a escola só são percebidas quando se aprofunda no seu
interior o levantamento de questões que venham contribuir no entendimento da luta de
classe que se trava nela. Isto só é possível de se perceber quando, na sistematização de suas
práticas e relações pedagógicas, busca-se a partir de uma leitura do exterior da escola
relacionar o que acontece na sociedade com o que ocorre em seu interior. Assim, a tarefa
escolar de reproduzir e de assegurar os dominantes, na sociedade capitalista, as suas
ideologias, torna-se para as classes trabalhadoras, o lugar para obtenção dos instrumentos
formais que os encaminham a reivindicarem os seus direitos na sociedade.

6
ESTABLET, R. A Escola, in a Escola Capitalista.
15

Esta visão de mundo reflete-se na prática pedagógica através dos conteúdos transmitidos
pela escola que, na maioria das vezes, são selecionados e voltados aos interesses da
burguesia como meio de garantir o seu espaço hegemônico e também o de caracterizar a
separação entre as classes sociais.

Daí poder se dizer que, nesta passagem de conteúdos, as relações entre a teoria e a prática
se encontram defasadas. Esta defasagem se dá a partir das contradições que a escola,
enquanto instituição, assimila da sociedade burguesa.

Estes conteúdos, dissociados das práticas do dia-a-dia do educando, fazem com que ele
busque nas relações de produção resposta de aprendizagem que o torne apto a vender a sua
força de trabalho como meio de sobrevivência. Para ele, a escola, que sonhara como
condição de “ascender” na escola social, o frustra e o marginaliza.

Compreendida assim, encontramos uma escola cujo papel é - e tem sido ao longo de sua
história - o de ajustar as suas propostas e práticas pedagógicas aos conhecimentos políticos,
econômicos e sociais das sociedades as quais ela serve.

A ideologia da escola a apresenta além do mais, como um sistema,


subtendendo a idéia de um mecanismo bem lubrificado, automático,
perfeitamente regulado e adaptado aos sistemas econômicos e sociais. 7

Luiz Antônio Cunha chega a tecer a seguinte observação: o papel da escola tem sido o de
ser instrumento gerador da luta social, encarregado de assegurar, a qualquer preço, a
dominação da burguesia através da inculcação de ideologia e dos valores burgueses nas
classes trabalhadoras, como meio de gerar, no seio destas, uma desarticulação de suas
propostas e anseias. Isto se justifica quando se parte da preocupação que tem a classe
dominante com relação à classe oprimida. Esta postura se torna mais confiante à medida em
que a burguesia vê a classe trabalhadora como adversário real.

Entretanto, esta estratégia tem levado a classe trabalhadora a uma preocupação em


conquistar a escola como forma ou meio que possibilite, favoreça e organize no seu espaço
uma tomada de consciência de classe proletária enquanto classe, como também a da
necessidade de se conquistar espaços alternativos na sociedade civil com vistas a uma
conquista da sociedade política, não só entre os intelectuais, mas sobretudo no meio
daquela.

Daí a escola ter na sociedade um papel político muito importante.

No contexto brasileiro, vamos encontrar uma escola que, nas últimas décadas, mantém uma
prática autoritária e de não participação, onde tanto aqueles que detém o poder (o
dominador ou classe dominante) como aqueles que representam os interesses destes (as
classes médias ou semidominantes) introduzem no sistema escolar medidas e normas que
inviabilizam qualquer forma concreta de participação e/ou até mesmo de transformação.

7
CUNHA, L.Antônio. Uma da Teoria da Escola Capitalista. Rio de Janeiro: Achimé, 1980, p.14
16

Hoje, as experiências populares de grupos de mulheres, das CEBs, dos movimentos de


oposição sindical e sobretudo do movimento de “diretas já”, desenvolvidas ao longo dos
últimos anos, têm levado a se ver que, paralelas à escola, existem forças que cobrem desta,
enquanto espaço sistemático do saber, uma redefinição da imagem do intelectual como
alguém não só capaz de criar idéias, mas sobretudo a daquele que, estando à frente dos
grandes momentos históricos e comprometido com os processos sociais de mudanças,
interferem na redefinição política da sociedade. Isto vem confirmar o que se diz Jean Piotte:
“sem intelectual não existe transformação”.8

Daí, quando se pensa na função do intelectual na sociedade, não se pode perder de vista a
sua identificação com o tipo de sociedade na qual ele está inserido e da qual ele está a
serviço. Esta exigência se faz a partir da postura como também da forma pela qual o
intelectual assume o seu compromisso na sociedade.

Um outro aspecto muito importante a ser ressaltado é a competência técnica e científica do


intelectual. Não como uma tarefa ou meio de produção e/ou reprodução, mas uma prática
intelectual capaz de, mesmo estando condicionado a normas e espaços impostos pela
dominação, poder estabelecer na sociedade, através de sua ação, uma ligação entre a
infraestrutura e a superestrutura (intelectual orgânico).

Compreendida, assim, a formação do intelectual, o seu papel na escola enquanto educador é


o de instrumentalizar a classe a qual ele representa com o saber formal, numa perspectiva
crítica que venha contribuir na superação da dominação burguesa numa proposta educativa.

Para esta tarefa, o educador deverá receber na sua formação condições para esta superação.
Considerando o tipo de formação recebida nas escolas e até mesmo nas universidades, a
preparação dada teria que ser repensada diante de um novo projeto social imposto pelos
movimentos sociais, que, paralelos à escola, exercem grande influência no papel desta
diante da sociedade. Com isto não tem sido tarefa da escola, cabe, portanto, aos educadores
comprometidos com os interesses e anseios das classes trabalhadoras descobrir a realizar
propostas que tornem viáveis no interior da escola e das universidades momentos para o
aprofundamento de discussões em torno de uma nova maneira de se pensar a formação
destes.

Desta forma, este educador constitui-se como um elemento que, mesmo estando a serviço
dos interesses da burguesia, passa a contestar estes interesses com a sua prática e, à medida
em que o educador consciente de seu papel na escola assume uma proposta transformadora,
ele faz de tal jeito que venha por si mesmo contrapor à ideologia dominante.

Assim, estando a escola e por sua vez o educador a serviço da burguesia, não a serve na sua
totalidade, pois, no seu interior haverá pessoas que contestarão esta prática formativa
dominante.

8
PIOTTE, JM. El Princípio Educativo in Gramsci.
17

Há escolas onde existem educadores comprometidos com a educação transformadora e que


lutam por realizar esta prática, motivados pelas necessidades das lutas e dos anseios da
classe dominada. Comprometendo-se, assim, querem estes educadores, com os espaços que
surgem na escola, realizar uma tarefa educativa onde haja um questionamento da ação da
escola e das suas relações com a classe dominante.

Este questionamento se processa através de uma luta onde se busca, por meio da ação
educativa, reclamar para a classe oprimida o direito a uma educação voltada para as suas
necessidades. Este direito reclamado se propõe a ser uma prática transformadora da
estrutura social.

Com esta postura, querem estes educadores se compro-meter com uma prática
transformadora, para o que é absolutamente indispensável um trabalho com as classes
trabalhadoras.

Eles, ao buscarem uma forma de reinventar o ato educativo, reclamam para as classes
oprimidas uma escola comprometida e competente, que ofereça aos filhos destas condições
tanto intelectuais como sociais para que eles possam construir um espírito de solidariedade
e ao mesmo tempo se auto-desenvolverem, assumido assim uma consciência de classe
comprometida, limitando-se a não reproduzir o saber sabido e sim o saber comprometido. É
com esta proposta que reclamam uma mudança na macroestrutura educacional e social na
qual a escola está inserida e comprometida.

Ao buscar repensar o compromisso da escola com a classe dominante, os educadores fazem


com que, na própria escola, surjam espaços alternativos e contestatórios do próprio sistema,
como também do próprio significado da Escola Pública.

Ao trabalhar o tema exposto e buscar justificá-lo a partir de uma prática concreta, entre o
que se pretende e o que representa a concretude da própria prática, impõem-se um caminho
que conduza à descoberta do significado do espaço Escola Pública como lugar possível de
uma prática em educação popular, tem-se como fim conquistar para a classe oprimida algo
que a ela pertence por direito - direito enquanto instrumento de luta e de conquista do saber.
E, ao mesmo tempo, uma forma de se garantir também os interesses da classe dominada.

A prática que se procurará estudar dar-se-á numa Escola Pública de 1º e 2º Graus;


localizada na cidade de Rondonópolis - Mato Grosso. O quadro administrativo é composto
por uma equipe de educadores Religiosos e leigos, que se vêem desafiados por uma
proposta transformadora de educação.

A prática tem-nos levado a compreender, situados no contexto regional matogrossense, que


uma proposta educacional direcionada para classe oprimida só é possível mediante a
participação desta classe.

Acreditar na classe popular - como capaz de auto - instrumentalizar-se e de se orientar


numa postura dialética de compreensão do mundo e de suas necessidades - significa um
posicionamento que tem como ponto de partida a crença no fato de que esta mesma classe
18

terá condições de descobrir o seu papel na sociedade e construir uma consciência de classe,
desde que se possa possibilitar-se condições de aprendizagem do saber científico.

Numa prática transformadora de educação, não deve haver simplesmente uma oposição
teórica, mas sim uma oposição concreta entre dominadores e oprimidos, entre um poder
burguês e um poder popular.

Com isto, pretende-se, através de uma prática em Escola Pública de 14 e 2º Graus, buscar o
significado da escola enquanto espaço alternativo de uma educação comprometida com
uma prática transformadora, e não homogeneizar uma proposta transformadora de
educação, mas, a partir da heterogenização, a qual a escola se presta como estando a serviço
das classes na sociedade, descobrir os espaços que nelas se encontram para se poder
concretizar a prática.

Por fim, a eficácia desta pretensão se evidencia pelo comprometimento de seu quadro de
funcionários (educadores) com a classe popular.

1.2 - A PROPOSTA PEDAGÓGICA DE PAULO FREIRE


No Brasil, surgem, na década de 1960, os diversos movimentos culturais e de Educação
Popular.9 Destaca-se a proposta educativa do educador Paulo Freire - Paulo Freire é um
educador de terceiro mundo, comprometido com este, e toda a sua proposta tem refletido a
lucidez de alguém que, preocupado com uma prática pedagógica transformadora, busca na
problemática da educação, tanto em território brasileiro como estrangeiro, encontrar
respostas às inquietações daqueles que acreditam ser a educação um dos momentos
privilegiados para a consolidação de uma transformação social. É Freire um nordestino que
sobreviveu a todos os preconceitos e marginalizações e que hoje se constitui respaldo para
tantos outros educadores que se propõe à tarefa de encontrar novos caminhos para uma
leitura do avanço educacional brasileiro e até mesmo de outras regiões do mundo. Tem uma
significativa importância, pois esta se presta a ser uma prática que, alicerçada na realidade
de miséria e do analfabetismo em que se encontrava a maioria da população brasileira,
torna-se por assim dizer um movimento de libertação e de conscientização do homem.

O resgate do significado do homem enquanto “ser no mundo e com o mundo”10 é ponto de


partida para sua fundamentação educativa, onde, através deste situar o homem de modo
concreto na sociedade, fazendo a história, estabelece um caráter avançado em termos de
trazer para o próprio homem a necessidade de criar uma consciência histórica.

Já a partir de sua obra “Pedagogia do Oprimido”, torna-se cada vez mais evidente a
preocupação de Freire com relação às relações entre as classes sociais e às lutas da classe
oprimida no sentido de conquistar uma libertação política, social, cultural e econômica,
tendo como ponto de partida a instrumentalização do saber.

9
PAIVA, Vanilda. Educação Popular e Educação de Adultos. São Paulo: Loyola, 1973
10
FREIRE, Paulo . Educação como Prática de Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1979.
19

A contribuição Freireana para com a educação tanto no Brasil como noutros países pode ser
compreendida sob dois aspectos: o primeiro diz respeito a sua fundamentação quanto à
tarefa da EDUCAÇÃO, e o segundo se refere ao binômio EDUCADOR-EDUCANDO.

Com relação ao primeiro aspecto, o que se observa de imediato é o encaminhamento crítico


dado à questão educação-libertadora, que introduz, assim, uma nova forma de compreender
tal proposta uma vez que, como já dissemos, esta se fundamenta nas relações de injustiça
social e de negação do saber a que são submetidas as camadas populares, de modo peculiar,
num momento de mudança pela qual passava a sociedade, no dizer de Freire uma
“sociedade em trânsito”.11 Nesta sociedade, os privilégios e a garantia do saber topam-se
momento de dominação e de controle de uma minoria que, submetendo a maioria da
população, advoga para si o direito de oprimir e marginalizar, constituindo isto uma forma
de fortalecer e estimular a conquista e a manutenção do poder.

Os mecanismos autoritários e de exploração a que são submetidas as classes trabalhadoras


nesta década de 1960 nos leva a ver que a prática educativa tornou-se um dos mecanismos
através do qual é permitida uma forma de se reforçar momentos significativos de
conquistas entre as classes trabalhadoras.

Como superar na prática educativa escolar uma ação que reforça aos grupos dominantes o
acesso ao poder? A resposta a esta pergunta Freire nos dá com sua proposta política de
educação12 e com sua prática educativa13 onde destaca-se a necessidade que tem o homem
recriar a sua própria sobrevivência a partir da compreensão de seu universo cultural,
político, social e econômico, 14tornando-se assim alguém que sabe desafiar os obstáculos e
conquistar um lugar na sociedade. Com relação à prática, é o momento de se colocar em
ação uma proposta que permite ao homem uma consciência crítica de sua participação
histórica, que seja marcada pela práxis.

Freire nega ser tarefa educativa apenas a instrumentalização do saber sistematizado, mas
advoga a competência deste saber na medida em que diz ser o homem situado e datado,
com uma experiência cultural e histórica que, bem compreendida, permite-lhe fazer uma
leitura crítica e consciente de sua realidade, rigorosamente científica. Para tal rigor, este
educador chama a atenção à medida em que é negado este direito às classes trabalhadoras,
com a justificativa de estas serem incapazes de assimilar e aprender, dadas as condições de
miséria e fome as quais são submetidas.

Com relação ao binômio educador-educando, Freire, a partir de uma visão de mundo em


que o saber compreender seja fundamental no saber ler, admite que as relações entre o
educador e o educando são fundamentais para que aconteça a aprendizagem. Esta sua
argumentação defende que as experiências acumuladas, tanto do educador como do
educando, são fatores preponderantes na ação, tanto de um como de outro.

11
FREIRE, Paulo. Educação como Prática de Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1979.
12
FREIRE, Paulo. Educação como Prática de Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
13
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
14
FREIRE, Paulo; FAGUNDEZ, A. Por uma Pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
20

A sua proposta torna-se assim uma desmistificação do que havia de mítico na figura do
educador e do papel do educando, o primeiro desempenhando a tarefa de “ensinar” e
“educar”, e o segundo de “aprender” e “ser educado”, Freire diz:

Que ninguém educa e ninguém, que ninguém tampouco se educa


sozinho, que os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.15

Para isto o autor chama a atenção por meio de sua experiência pedagógica em que a prática
educacional não é algo unilateral, onde as relações se manifestam por meio de alguém que
domina por deter o saber e de outro que é dominado por não deter este saber. Pelo
contrário, os seus argumentos se alicerçam numa visão em que o educador e o educando
parta de suas experiências culturais, estabelecendo juízos teóricos que possa permitir uma
leitura crítica da realidade, e não uma adequação de teorias a esta como meio de justificar
os interesses dominantes. Esta ação, refletida no interior da escola, torna-se assim um dos
meios viáveis para uma tomada de consciência do papel desta na sociedade.

Esta visão de Freire pode-se compreender como sendo um ponto fundamental na postura
educacional, como também na prática histórica que cada um é causa de resultado.

A proposta política educativa de Paulo Freire tem mostrado no Brasil e no exterior a sua
grande contribuição para com a educação e a história. Omiti-lo neste estudo seria uma
injustiça, uma vez que a sua ação tem permitido o desenrolar de muitas outras práticas,
pesquisas e estudos.

1.3 OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A ESCOLA


Não nos cabe aqui refazer ou até mesmo fazer uma história dos movimentos sociais,16 mas
sim, a partir do seu significado, tentar refletir qual seja a importância da Escola frente aos
desafios impostos por estes movimentos.

Os movimentos sociais (populares) são formas de organização voluntária das camadas


populares diante das contradições estabelecidas e/ou institucionalizadas pela sociedade,
como meio de reivindicarem condições de vida e sobrevivência no ambiente onde se
estabelecem.

Frente a esta compreensão, definimos os movimentos sociais como meios encontrados


pelas camadas populares de se contraporem às contradições oferecidas a elas na sociedade,
desafiando, assim os valores e ideologias que, através das instituições, garantem à
burguesia a dominação.

Hoje os movimentos sociais (populares) têm se tornado, diante dos desafios enfrentados
pelas classes trabalhadoras, um dos poucos meios de reivindicarem direitos fundamentais
necessários a sua sobrevivência (moradia, educação, trabalho e outros).

15
FREIRE, Paulo. Papel da Educação na Humanização, In: Revista Paz e Terra nº 09. Rio de Janeiro, 1969.
16
SILVA, J. Movimentos Sociais e Serviço Social. Petrópolis: Vozes, 1984.
21

O crescimento de tais movimentos nos grandes centros urbanos tem motivado e até mesmo
despertado nos centros urbanos pequenos e médios o interesse pela organização das
camadas populares. Este trabalho tem surgido na maioria das vezes orientado e sob a
influência da Igreja Católica, através da CEBs, de sindicatos, associações e também por
parte do governo.17

Luiz E. Wanderley classifica os movimentos sociais em três grupos: o primeiro, os


movimentos rurais; o segundo, os movimentos sociais (populares) urbanos e, terceiro,
movimentos operários e sindicais. Aqui neste trabalho vamos nos limitar a ver nas relações
Escola e movimentos sociais e a in-fluência que esta deveria ter frente a estes desafios.

Antes de entrar no significado das relações entre a escola e movimentos sociais, é


importante, portanto, que retomemos na tarefa de educar da escola o significado de
educação popular.

Entendemos por educação formal toda prática educativa dada pela escola como instituição.
Esta educação caracteriza-se dentro de um quadro, onde as respostas a serem dadas, na
compreensão dos conhecimentos ministrados, devem estar de acordo com os objetivos pré-
determinados, obedecendo a uma escola de valores ou critérios conforme os interesses da
instituição escola.

A educação formal segue toda uma estratégia político-ideológico de interesse que venham
ao encontro das necessidades de manutenção de um sistema dominante ou até mesmo de
grupos estabelecidos como forma de garantir respostas que o próprio sistema dominante
gera com o objetivo de ser simpático às classes populares.

Para que haja efetivamente a educação popular, acredito que seja importante estar presente
o ideário transforma-dor. Isto quer significar que há por parte do povo uma conscientização
maior da necessidade de buscar uma maior transformação estrutural, não uma
transformação de troca de dominadores, onde os papéis se invertem (o pobre sobre o rico),
mas uma transformação de justiça onde o povo participe na construção e seja agente de
transformação histórica.

1.4. - ESCOLA PÚBLICA ESPAÇO GERADOR DOS MOVIMENTOS


SOCIAIS

Os movimentos populares da sociedade de hoje devem ter, portanto, um papel gerador do


conhecimento de luta pela escola seja uma forma de se compreender o processo conjuntural

17
Dois Pontos a esclarecer:
1º Movimentos populares podem éster a serviço dos interesses das classes populares, quando surgem a
partir de sua necessidade e são organizados por elas.
2º Os movimentos populares podem estar à serviço dos interesses da dominação quando voltados para a
manutenção dos interesses políticos eleitorais, econômicos e sociais doa governos locais e prestando a eles
serviços oficializados os seus interesses hegemônicos.
22

da sociedade. Como também esses movimentos devem exercer uma ação controladora,
tanto da função de escola como daquelas que exercem o papel educativo no seu interior.

Por isso é que no interior da escola devem surgir movimentos populares com a finalidade
de exigir, controlar e propor alternativas de educação para classe oprimida.

Esses movimentos devem ainda estar atentos às necessidades educacionais, acompanhando


de perto todo o seu processo de desenvolvimento como meio de poder assegurar às classes
populares um ensino rigoroso, acessível a todos e cor-respondente às necessidades: isto
cabe aos “movimentos”.

Os movimentos populares devem exercer vigilância e rígido controle no


ensino, nas verbas públicas, e na contratação de professores para a escola
pública, a fim de que no meio destes movimentos surjam projetos de
educação independente do Estado.19

Este questionamento se processa através de uma luta onde se busca, pela ação educativa,
reclamar junto e para a classe oprimindo o direito a uma educação voltada para suas
necessidades; esta é uma tarefa da sociedade civil através das instituições e organismos
populares. Pois, “bem ou mal”, o Estado garante a todos os cidadãos o saber escolar, e isto
foi, afinal, uma conquista desta sociedade e cabe a ela mesma defender este direito, pois
este novo espaço tem como proposta uma prática transformadora da estrutura social e
educacional.

Lutar por uma educação centrada nos valores das classes trabalhadoras, hoje, torna-se não
só uma obrigação destas classes, mas também de todos aqueles que acreditam numa luta
capaz de assegurar para a sociedade uma transformação social, política e cultural.

Esta preocupação torna-se uma situação concreta à medida em que educadores e


pesquisadores, ao investigarem a situação da educação constatam o grande número de
crianças e adolescentes fora da escola por razões tanto de ordem social como econômica.
Dêem a conhecer estes resultados a toda a sociedade - e de modo particular às classes
trabalhadoras - a fim de que estas, através de seus instrumentos de organização e de
sobrevivência, descubram formas de inventar e reinventar alternativas tanto de espaços
físicos com metodológicos, a fim de instrumentalizar os ausentes do sistema escolar.

Aqueles que estão dentro da escola como dirigente ou com professores devem buscar, a
partir de suas práticas e dos contatos com os movimentos populares, redefinir o seu papel
de educadores frente a esta situação em que se encontram.

Hoje, acreditamos que existem escolas públicas onde trabalham educadores comprometidos
com uma educação transformadora e que lutam por realizar esta prática, motivados pela
necessidade das lutas e dos anseias da classe dominada. Comprometendo-se assim, querem

19
SAVIANI, Demerval. Ensino Público e Algumas Falas sobre Universidade. São Paulo: Cortez, 1984,
p.20.
23

estes educadores, com os espaços que surgem na escola, realizar uma tarefa educativa onde
haja um questionamento da ação da escola e das suas relações com a classe dominante.

Com esta postura, cabe tanto aos educadores como aos trabalhadores comprometerem-se
com uma prática transformadora, para o que é absolutamente indispensável um trabalho
tanto com os educadores no interior da própria escola como com as classes trabalhadoras
nos sindicatos e nos movimentos populares.

Daí, deve se formar na escola pública, uma equipe de educadores preocupados com uma
prática educativa centrada numa proposta transformadora e comprometida com a classe
oprimida. Tais educadores deverão buscar formas de se auto-instrumentalizar a fim de
reinventar a escola, transformando-a no lugar onde o processo de ideologização passado
por eles, através dos conteúdos, seja expressão dos anseios das classes oprimidas.

É com esta proposta que surgirão na escola pública os movimentos sociais, defendendo,
tanto educadores como a classe oprimida da sociedade, uma escola pública e uma educação
comprometida com um projeto de uma nova sociedade.
24

2.0 - DA GÊNESE AO PAPEL HISTÓRICO DA ESCOLA LA SALLE


DE RONDONÓPOLIS

2.1. - A EDUCAÇÃO EM RONDONÓPOLIS


A Leitura do papel histórico da Escola La Salle de Rondonópolis não pode ser efetivada,
sem que se faça uma breve retomada da história da educação em Rondonópolis. Tal leitura,
todavia, se justifica à medida que se observa ser a Escola La Salle um dos espaços
institucionais onde as práticas e as relações pedagógicas avançam em busca de novas
respostas que possam contribuir para a conquista de instrumentos necessários para a
descoberta de espaços que possibilitem uma leitura crítica da educação local.

Pode-se dizer que a educação em Rondonópolis se apresenta em três fases distintas sob
vertentes diferentes, entretanto, sob a dominação dos interesses do Estado.1

A primeira fase se caracteriza pela ESCOLA FAMILIAR, a segunda pela ESCOLA


PRIVADA sob a vertente leiga e religiosa, sendo a religiosa num primeiro momento,
protestante e, num segundo momento, católica, e por fim a terceira, ESCOLA ESTATAL.2

A ESCOLA FAMILIAR: se organizou em torno dos interesses dos migrantes que ali se
instalaram. Ela se constituía para eles o lugar ou a forma que permitia a educação elementar
para seus filhos, mesmo que dada de forma rudimentar.

Os professores que lecionavam neste tipo de escola procuravam proporcionar à sua


clientela uma educação de acordo com os interesses dos pais e de acordo com as condições
de que dispunham.

Apesar de serem esses professores garantidos pelos pais, tanto com sua manutenção como
em seu salário, dado o crescimento da vila e da população que procurava a escola, chegou-
se a buscar o apoio do Governo para que este pagasse o professor e garantisse o espaço para
que ele desempenhasse a sua função. Mesmo o Estado assumindo essa parte, cabia ainda
aos pais aparelhar e manter a escola com o que fosse indispensável para o seu
funcionamento.

A ESCOLA PRIVADA: enquanto instituição formalizada, surge sob a orientação religiosa


confessional de princípios protestantes. Esta escola tem por finalidade a catequese e a
formação dos quadros religiosos da Igreja. É uma escola dirigida por um grupo de
estrangeiros e com muita dificuldade sobrevive, enfrentando em dado momento o seu
desaparecimento.

Posteriormente, surge a escola católica que, dada as suas estruturas organizacionais e o seu
quadro de funcionários, irá exercer a dominação educacional, quer através de pessoal e

1
CURY, Carmelita. Do Bororo ao Prodoeste. Cuiabá: Alvorada, 1972.
2
Ibidem.
25

espaço físico, quer através de formação de professores para desempenharem este papel em
outras escolas.3

O surgimento da escola católica em um primeiro momento se constituiu nos interesses


catequéticos e na formação de seus quadros, para ser num segundo momento um combate à
infiltração protestante e, mais tarde, um lugar sério na formação dos quadros de dirigentes
da sociedade que se organizava.

Até então a escola atendia apenas a parte fundamental da educação, primário (hoje, as
quatro primeiras séries do 1º Grau).

A necessidade de continuidade dos estudos se manifesta na sociedade e surge então uma


escola leiga na comunidade da Campanha Nacional das Escolas da Comunidade (CNAE).
Esta escola se constitui num lugar pouco acreditado por ser gratuita e noturna. É neste
momento que é fundada a escola La Salle. Uma escola séria, de princípios e de formação
sólida, uma vez que a mesma é dirigida por uma congregação religiosa (Congregação dos
Irmãos das Escolas Cristãs).

Entre a Escola Familiar e o surgimento da Escola La Salle em Rondonópolis, outras escolas


surgem. Essas escolas se formam para atender às primeiras séries do primário e são
atendidas por professores preparados pela Escola Sagrado Coração de Jesus, sob orientação
da congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas, que aqui se instalaram com a
finalidade primeira de conquistar.4

Nestas escolas eram reproduzidas as orientações aprendidas na formação recebida pelos


professores e seus objetivos giravam em torno de uma educação cristã.

A ESCOLA ESTATAL: surge na década de 60, sendo a princípio escolas primárias, que
passam a ocupar os espaços físicos das escolas católicas, sob orientação da vertente
religiosa, e, mais tarde, a escola ginasial em prédio próprio orientada pelo Estado, mas sob
forte influência dos quadros católicos - os quadros de professores leigos foram em sua
maioria formados pelos religiosos, que detinham uma formação pedagógica mais sólida.

Dado o crescimento da cidade de Rondonópolis, as escolas estaduais foram sendo


aumentadas de acordo com a expansão populacional. Este quadro se intensifica de modo
particular nesta região na década de 1970, quando são criadas outras escolas de 1º e 2º
graus e também um centro de Estudos Superiores - Centro Pedagógico de Rondonópolis -
ligado à Universidade Estadual de Mato Grosso, e mais tarde, com a divisão do Estado,
transferido para a Fundação Universidade Federal de Mato Grosso.

É ainda na década de 1970 que todas as Escolas Católicas de Rondonópolis se tornaram


totalmente públicas estaduais, a partir da locação do prédio destas ao Estado.

3
CURY, Carmelita. Do Bororo ao Prodoeste. Cuiabá: Alvorada, 1972.
4
CURY, Carmelita. Do Bororo ao Prodoeste. Cuiabá: Alvorada, 1973.
26

Mesmo estando as escolas agora sob o controle técnico, administrativo e pedagógico do


Estado, a Igreja Católica na região, através de seus quadros e de pessoal preparado por ela,
ainda exerce um certo domínio na educação.

É importante salientar aqui o caráter religioso católico da rede oficial do Estado através do
ensino religioso, garantido pela Lei 5692/71, assegurando na região de Rondonópolis a
presença de uma religiosa da Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas na
coordenação desta disciplina a nível de Delegacia de Ensino Regional, feto que se verifica
até nossos dias.
O caráter hegemônico que exerce a Igreja Católica em dado momento da Educação vem
desaparecer na locação de suas escolas, mas, por outro lado, pode-se dizer que existe uma
forte influência da Igreja Católica, em alguns momentos por meio de seus representantes,
outras vezes através dos professores e pais que foram formados nestas escolas.

2.2. - A ESCOLA LA SALLE


A implantação da Escola La Salle em Rondonópolis parte da iniciativa de seu primeiro
bispo, D. Wunibaldo Talleur, que, em carta datada de 05.03.59, dirigida ao então superior
da congregação Religiosa, solicita a presença dos irmãos das Escolas Cristãs para a
fundação de uma Escola:

Conhecedores e admirador dos Rev., irmãos Lassalistas,5 e de suas obras


educacionais, venho propor uma fundação em nossa Prelazia.
Sei bem que preferem cidades grandes e bem desenvolvidas, ponham
contando com o senso missionário de V. Revma., peço levar em
congregação o nosso pedido.6

No seu pedido D. Wunibaldo destaca dois aspectos característicos da congregação e que se


adequam aos seus interesses para os quais ele solicita a presença dos religiosos. O primeiro
é o de ter a congregação a missão educativa através da escola; o segundo ó o de ela preferir
os grandes centros, onde necessariamente estes religiosos teriam uma formação acadêmica
mais aprimorada.

Por outro lado, ele se utiliza do caráter fundacional da obre para sensibilizá-la para um
desafio missionário. E, é a partir desta sensibilização que ele argumenta, fundamentando a
necessidade de se criar uma Escola La Salle em Rondonópolis.

A fundação de uma Escola Lassalista viria para atender primeiro a falta de escolas na
região que preparassem os quadros da sociedade para os serviços básicos, daí ele ter
proposto a criação de uma escola profissional.

A sua primeira justificativa se fundamentava a partir da implantação de uma instituição


escolar que atendesse as necessidades locais considerando a grande extensão territorial de
Mato Grosso e haver apenas duas escolas em todo o Estado, uma em Cuiabá, capital do

5
LASSALISTA nome pelo qual a congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs é conhecida no Brasil.
6
Carta de D. Wunibaldo de 05.03.59 dirigida ao superior da Congregação. Arquivos da Escola La Salle.
27

Estado, e outra em Campo Grande (hoje capital do Estado de Mato Grosso do Sul), a
primeira dirigida pelos padres Salesianos e a segunda dirigida pelo Serviço Nacional da
Indústria. A segunda justificativa se dava a partir dos interesses na formação dos quadros
da Igreja Católica, pois tanto os Padres como as Religiosas já estavam com grupos de
jovens se preparando para a vida religiosa. Uma terceira justificativa se prendia à expansão
dos grupos protestantes, que já contavam com dez Ministros e duas missionárias, com
equipamentos modernos de Evangelização, com hospital, e já pensavam em abrir uma
escola.

Há, entre a proposta de D. Wunibaldo, que era a de uma “Escola Profissional”, e os anseios
das forças dominantes que já se encontravam articuladas em Rondonópolis, um grande
desencontro, pois estas forças dominantes queriam uma escola de conteúdos, capaz de
instrumentalizar os seus filhos para desempenharem papéis de liderança e de dominação na
sociedade de Rondonópolis.

Daí que, na sua primeira carta (05.03.59) dirigida ao superior da Congregação Religiosa, ao
mesmo tempo que pede a fundação de uma Escola Profissional, ele tenta descartar este
pedido a partir das preocupações levantadas pelos representantes dos grupos dominantes
políticos da região.

O povo em geral, a política em geral, gritam para um ginásio (SIC), é a


moda. Acharia mais prudente, embora no começo não tão simpático na
opinião pública, escola profissional, para sapateiro, carpinteiro, alfaiate,
ferreiro e logo possível mecânico, talvez (SIC) outros, ou então se
7
começaria com a primeira série do ginásio.

Esta proposta de D. Wunibaldo vai marcar muito o atrelamento que acontece em relação às
forças dominantes da região, tanto na implantação da escola como também ao longo de sua
primeira fase, enquanto escola privada.

Verifica-se um compromisso com as forças dominantes políticas por parte de D. Wunibaldo


e, dado o seu conhecimento da região, ele é capaz de argumentar ainda sobre o significado
de Rondonópolis para o contexto brasileiro, quando diz:

Rondonópolis – situado no centro do norte de Mato Grosso – é um lugar


novo, e será de 1959 em diante sede do Bispado da Prelazia de Chapada
(...) o lugar é ponto chave com todas as estradas federais que ligam o
8
norte ao sul.

Ressalta o progresso do lugar a partir da movimentação das rodovias tanto federais como
estaduais, da importância para o Estado, das terras boas para lavoura, do surgimento de
novas colônias, da criação de gado e da futura instalação de indústrias; são motivos que ele
encontra para justificar a implantação da Escola “La Salle”. Entretanto, a sua preocupação
maior estava em garantir com a instalação do bispado na cidade uma infra-estrutura que
permitisse a sua ação catequética.
7
Carta de D. Wunibaldo de 05.03.59 dirigida ao superior da Congregação. Arquivos da Escola La Salle.
8
Carta de D. Wunibaldo de 05.03.59 dirigida ao superior da Congregação. Arquivos da Escola La Salle.
28

Em resposta a este pedido o superior da Congregação condiciona o atendimento a uma série


de exigências, sem as quais se tornaria impossível a instalação da Congregação. Foram
estas as exigências:

1º - “não exigir investimentos materiais da Congregação, pois esta, está


investindo na formação de seus quadros”;

2º - “que fosse doado à Congregação através de sua razão social civil -


associação Brasileira de Educadores Lassalistas - uma área de terra não
inferior a 20.000m2, na zona urbana e em boa localização em função da
população, na parte alta9 por escritura pública e isenta de cláusulas”;

3º - “doação, nas mesmas condições, de uma chácara ou sítio nas


proximidades da cidade para baratear a subsistência do colégio”;

4º - “construção de material de acordo com planta por nós aprovada”;

5º - “execução da primeira porte antes de 1962. Nessa primeira parte


deverá haver: instalações pena a comunidade, quartas, sala de estar,
capela, cozinha, copa, refeitório e pelo menos seis salas de aula”.

Conclui estas exigências dizendo:

Começaríamos com o curso primário, evoluindo para o secundário, que,


de acordo com as necessidades da região, poderá ser Escola Normal
Rural, Ginásio ou Profissional ou mesmo Comercial. Dependerá da
vontade de V. Excia. e líderes locais.10

Para o Superior da Congregação estas condições são generosas, pois tem recebido melhores
propostas, mas, em se tratando de um lugar missionário, prioriza tal pedido.

Creia-me que as condições que faço são muito mais benignas das que
tenho feito até agora por se tratar de zona missionária.11

É importante observar, sobretudo na conclusão das propostas feitas pelo superior Lassalista,
a sua conivência com os interesses dos grupos dominantes da região, manifestados através
da carta de D. Wunibaldo a ele. Pode-se dizer que a criação da Escola La Salle em
Rondonópolis tem mais um caráter político que de evangelização. Haja visto as exigências
dos grupos locais e a resposta a elas pelo superior da Congregação. Isto mostra como na
verdade não há projetos neutros de Evangelização.

Este atrelamento político, religioso e econômico se dará a nível local, estadual e federal

9
PARTE ALTA significa que a localização da escola se encontra em lugar bem situado geograficamente,
uma vez que a cidade se encontra situada no vale do Rio Vermelho.
10
Carta de Ir. Agostinho – Superior Provincial – a D. Wunibaldo, datado de 22.04.59. Arquivo de Escola La
Salle.
11
Carta de Ir. Agostinho – Superior Provincial – a D. Wunibaldo, datado de 22.04.59. Arquivo de Escola La
Salle.
29

A nível local D. Wunibaldo atende o pedido do superior da Congregação sobre a área


exigida com título definitivo e com o compromisso de dar início às obras imediatamente. A
área de terra é conseguida através de favores políticos do prefeito local, e a construção do
prédio é feita através de verbas doadas por instituições alemãs. D. Wunibaldo desempenha
neste processo de implantação da Escola La Salle e da instalação do bispado em
Rondonópolis um papel político muito importante, chegando a se revelar um hábil político
“nestes lugares precisamos muito de tato e prudência para conseguir uma combinação de
todos”. 12

A nível estadual este atrelamento é proposto por D. Wunibaldo ao Governador (1961), no


sentido de o Estado conveniar a Escola e garantir a direção aos Irmãos Lassalistas, mas por
sua vez, ela ficará atrelada aos interesses do governador, pagando este os professores e o
diretor. Economicamente isto é visto como uma grande vantagem, pois os funcionários
seriam pagos pelo Estado e garante-se a fama da Escola pelo fato de serem os Lassalistas os
seus dirigentes. “Ficamos sem preocupação financeira no começo, ganhamos boa fama do
ginásio, da instrução e educação, estando em tudo livres”.13

É proposto o convênio, mas este não é firmado, pois é criada uma Escola Estadual, e
também a Congregação Religiosa conclui que o Estado irá usufruir de uma propriedade e
não renderá dividendos para mais tarde se poder investir na própria escola. Daí propõe que
o Estado forneça bolsas de estudos e, assim, a Escola La Salle seria particular, atendendo a
uma clientela pagante.

Tal convênio se constitui mais numa preocupação de D. Wunibaldo que da própria


Congregação. O seu interesse em ter a Escola La Salle conveniada com o Estado era uma
forma estratégica de estar esvaziando a procura pelo Ginásio Estadual e pela escola gratuita
mantida pela Campanha Nacional das Escolas da Comunidade, que estava sendo
implantada em Rondonópolis. “Foi fundado um ginásio gratuito, deste do Ministério de
Educação, funcionando no grupo (...) Coisa sem prestígio, muita falta de professores, etc.
Acho que isto em nada nas atrapalha”.14

A este tipo de Ginásio gratuito, aqui, não é dado nenhum crédito, e há por parte do prefeito
e dos líderes políticos uma resistência. A presença de uma Congregação Religiosa dedicada
à educação e com pessoal preparado para tal é bem vista pelos líderes locais e pela
comunidade de um modo geral.

D. Wunibaldo volta a escrever para o Superior Provincial dizendo:

O prefeito achou por bem, iniciar um Ginásio gratuito, destes do


Ministério de Educação15 que se instituem nos lugares pequenos,
professores gratuitos, sem prédio, etc. O Sr. deve estar a par. Vamos ver

12
Carta de D. Wunibaldo datada de 08.04.60 – Arquivo de Escola La Salle.
13
Carta de D. Wunibaldo datada de 08.04.60 – Arquivo de Escola La Salle.
14
Carta de D. Wunibaldo datada de 08.04.60 – Arquivo de Escola La Salle.
15
Há por meio de D. Wunibaldo uma desinformação quanto ao Ginásio Gratuito, pois o mesmo não pertence
ao Ministério da Educação e Cultura, mas a Campanha Nacional das Escolas da Comunidade.
30

como se desenvolve. Os homens ajuizados aqui não apreciam, nem dão


muito tempo de vida para este ginásio.
O prefeito mesmo me pediu, por diversas vezes, fazer funcionar quanto
antes o ginásio Lassalista.16

Por outro lado, o Ginásio gratuito é instalado e a ele são tecidas muitas críticas,
principalmente com relação ao local de funcionamento, ao quadro de professores,
sobretudo, por ser noturno.

Quanto ao plano federal há uma preocupação do superior de manter um bom


relacionamento com o Ministério da Educação e Cultura, principalmente quando este
coloca como fundamental a nomeação de um diretor que tenha licença do Ministério da
Educação e Cultura, para assim estar permitindo o acesso aos recursos que este poderia
estar garantindo ao funcionamento da escola.

Este interesse de se ter um diretor com as devidas credenciais do MEC se constituía ainda
numa forma política de estar reforçando a prática que este grupo de religiosos mantinha o
mesmo. Qualquer atitude poderia levar suas conseqüências a outras escolas mantidas pela
instituição religiosa.

Instalada a escola La Salle em 1963, o seu grupo de dirigentes já dá início a uma série de
atividades no interior da escola que, à primeira vista, se constitui numa forma de provar à
comunidade de Rondonópolis o seu domínio em assuntos escolares.

O grupo de dirigentes aqui instalado traz uma boa experiência pedagógica e de


administração escolar.

A princípio, são criados a Associação de Pais e Mestres, uma biblioteca e o Grêmio


Estudantil.

Os alunos que são matriculados para a primeira turma são todos pagantes e filhos de
pessoas que detinham uma dominação política ou econômica. Só mais tarde irá aparecer a
figura do aluno bolsista que é, num primeiro momento, alguém apadrinhado de líder
político ou, como mais tarde veremos, algum filho de trabalhador que possua um certo
destaque, dada sua importância enquanto operário (havia uma falta muito grande de mão-
de-obra na região); aos poucos a Escola La Salle vai conquistando o seu espaço, tanto a
nível de grupos dominantes, como também com relação à criação de novos espaços
culturais. Dois aspectos são fundamentais para uma leitura deste seu papel: ser ela uma
instituição ligada à Igreja Católica, e ser a sua equipe de dirigentes e professores constituída
de pessoal bem preparado.

Com a convocação feita pelo Papa João XXIII para o Concílio Vaticano II, D. Wunibaldo
se dirige à Roma. De lá ele mantém toda uma atenção voltada para o que está acontecendo
em Rondonópolis e, de modo particular, na Escola La Salle. Junto às organizações leigas na

16
Carta de D. Wunibaldo datada de 08.04.60 – Arquivo de Escola La Salle.
31

Alemanha, consegue verbas para equipar a escola, principalmente para a formação da


biblioteca e a compra de material didático.

De Roma, D. Wunibaldo insiste na formação de uma “Escola Técnica” para Rondonópolis,


para atender à formação de pessoal, especializado ou a nível superior ou técnico.17 Para isto
solicita dos Irmãos Lassalistas em Rondonópolis que se mobilizem com relação à questão.
Em carta dirigida a estes, ele manifesta a preocupação de um grupo de mães que haviam lhe
dirigido o pedido de ser a Escola La Salle não só masculina, mas mista, considerando o
argumento de que a Escola das Irmãs não preparava suas filhas para continuarem os seus
estudos.

Em carta dirigida ao diretor da escola o Superior Provincial faz a seguinte colocação com
relação à necessidade de uma escola mista:

Recebi igualmente uma carta do Sr. Bispo D. Wunibaldo. Ele pede que se
abra o misto em Rondonópolis no La Salle. Logo, abra-o, já para 1996,
aceitando alunas para as séries ginasiais. Ele manda em sua diocese. A
nós nos cabe obedecer, sobretudo depois de sabermos no Concílio os
Bispos devem ter trocado idéias com quem de defeito e também sabem o
que podem reagir daqueles que trabalham em sua jurisdição.18

A idéia de escola profissional cada vez ficava mais distante, pois esta era apenas um sonho
do Sr. Bispo, e não dos Lassalistas, e menos ainda dos pais dos alunos. Os pais, por sua
vez, defendiam para seus filhos uma escola onde a rigidez no ensino dos conteúdos
acadêmicos tradicionais proporcionasse uma formação capaz de prepará-los para enfrentar,
em outros centros, um estudo superior e, assim, estarem se preparando para desempenhar
na sociedade de Rondonópolis um papel de liderança ou, junto à família dirigir os seus
negócios.

Durante a década de 1960, na qual a Escola La Salle é implantada em Rondonópolis, a


sociedade brasileira está passando por uma série de acontecimentos importantes, tanto a
nível de estrutura econômica como a nível de sociedade civil e política.

A nível econômico, estão se instalando no Brasil algumas empresas de capital estrangeiro,


estão sendo implantados também alguns projetos arrojados que irão favorecer e estimular
mais tarde o “desenvolvimento”. A nível de sociedade civil, estão acontecendo as
articulações estudantis, a formação de sindicatos, os movimentos populares e de educação
ligados tanto à Igreja como a grupos políticos e estudantis, enfim, está acontecendo uma
série de movimentos que de uma forma ou de outra irão interferir no aspecto educacional,
principalmente a partir do projeto político de educação popular de Paulo Freire, ao qual já
me referi em capítulo anterior. A nível de sociedade política, está acontecendo a
implantação de um modelo democrático no qual as forças políticas estão atreladas aos
interesses do capital estrangeiro e voltadas para uma prática populista de desenvolvimento.

17
Carta de D. Wunibaldo de 11.11.65. Arquivo da Escola La Salle.
18
Carta do Ir. Agostinho de 25.11.65 – Arquivo de Escola La Salle.
32

A nível de Igreja Católica está acontecendo o Concílio Vaticano II, que irá reformular e
adaptar a prática da Igreja de acordo com os sinais dos “tempos” nos quais ela se insere.
Está também acontecendo na Igreja Católica, na América Latina, um movimento teológico
em que se busca a compreensão do papel da Igreja a partir de uma leitura de situação de
opressão a qual está submetida a grande maioria de sua população.

Os acontecimentos acima citados irão culminar com o golpe militar de 1964, que irá se
constituir num ato autoritário e antipopular h medida em que elimina os partidos políticos e
a participação do povo nos destinos da nação, como também na própria forma de educação
e de participação política.

São frutos deste golpe autoritário a não participação do povo e de suas organizações. A
Igreja Católica enquanto espaço institucional será uma das poucas a defender os direitos
dos trabalhadores e a sua voz.19

Entretanto, em Rondonópolis, a Igreja Católica não irá enfrentar este autoritarismo, mas,
através da Escola La Salle, ela mantém uma prática educativa atrelada aos interesses
políticos, em certos momentos reforçando, em outros momentos bloqueando espaços.

Nessa região, a Igreja Católica vai desempenhar um papel muito importante a nível
educacional, pois é ela que irá, a partir de 1967 até 1971, exercer o domínio do ensino
primário (hoje 1º grau nível I a IV). Este domínio da Igreja vai permitir a criação de várias
escolas primárias sob sua orientação. Esta forma de controle das escolas primárias é
assegurada tanto à Igreja como ao Estado, através de convênio firmado entre ambos. À
Igreja cabia a direção da escola, a manutenção e conservação do estado do prédio, a
aquisição de material de limpeza e didático pedagógico, e ao Estado cabia o pagamento de
professores, de diretores e de pessoal de limpeza (em muitos casos nem pessoal de limpeza
pagava) e de secretaria e ainda a fiscalização burocrática.

Neste período também, na Escola La Salle, passa a funcionar a escola primária gratuita.
Este convênio, na compreensão dos seus dirigentes, trazia prejuízos materiais, mas por
outro lado servia de justificativa para suas consciências, por poderem nesta instituição
servir a elementos das classes menos favorecidas - o pobre.

No turno da tarde, em seis salas de aulas, funcionou em convênio com o


Estado, o curso primário com uma matrícula de 228 alunos. Na realidade
o Ginásio tem prejuízo, pois o Estado pega as professoras, arcando o
ginásio com todas as despesas extras inerentes ao funcionamento de uma
escola, como sejam: contínuo, estragos, giz, papelada, etc.20

Esta escola primária era muito procurada tanto por filhos de trabalhadores, que sonhavam
estudar nessa escola de elite que para eles representava “status”, como também pelos filhos
daqueles que se constituíam como grupo dominante. Estes últimos no final da 4ª série
dariam continuidade a seus estudos nesta.

19
ALVES, M. H. Moreira. Estado e Oposição no Brasil. (1964 - 1984) Petrópolis, Vozes, 1984.
20
Relatório de Comunidade dos Irmãos Lassalistas referente ao ano de 1970. Arquivos de Escola La Salle.
33

A crise financeira que mais tarde obriga as escolas católicas a se tornarem públicas já
começa a se manifestar no início da década de 1970.

Em 1971 os diretores destas escolas se reúnem e enviam ao Secretário de Educação


documento solicitando deste que sejam pagos não só os professores, mas que o Estado
assuma e garanta o funcionamento integral da Escola, e que seja pago às Congregações
responsáveis pelos prédios escolares um aluguei.

A década de 70 é marcada ainda pela expansão do ensino em Rondonópolis, através do


surgimento de outras escolas, motivado pela expansão da agricultura e pecuária, que irá
determinar na região uma elite dominante formada por médios pecuaristas.

É nesta década que o Ginásio La Salle, através de seus dirigentes, se auto-afirma enquanto
escola dirigida aos interesses burgueses, uma vez descartada a idéia de escola profissional.
“Em 1970 continuou sua missão altamente social ministrando concomitantemente a
instrução sólida, educação esmerada e formação moral consciente”.21

Para justificar o caráter elitista da escola podemos observar ainda, no relatório de 1970
enviado para a Casa Central da Congregação, o seguinte depoimento:

Para atender a ótimos alunos, carentes de recursos e o governo não


fornecendo bolsas de estudos, o ginásio sentiu-se na obrigação de
conceder a gratuidade a 15 alunos e ponderável redução nas taxas a 48
outros.22

Este atendimento aos alunos carentes, feito de forma a fornecer-lhes bolsas de estudos ou
redução de taxas, tornou-se ao longo da história da escola uma das formas de justificar a
sua “filantropia” e até mesmo a dedicação da Congregação aos pobres. Só que os pobres
atendidos eram aqueles que correspondiam aos objetivos acima citados.

Outros fatores importantes que marcaram ainda este período são: a reforma do ensino, a
articulação da associação dos ex-alunos, a passagem da Escola Particular Católica para
Escola Pública Católica, a abertura desta para atender a algumas necessidades da
comunidade local, a criação do curso noturno e a circulação do jornal estudantil (este jornal
chegava a circular na cidade).

É no início desta década que irá aumentando a cada ano o número de bolsistas e de alunos
com taxas reduzidas. Para a escola esta prática vai se tornando cada vez mais inviável, uma
vez que ela não dispõe de outros mecanismos de arrecadação.

Esta forma de atender a uma clientela através de bolsas de estudos ou reduzindo a


mensalidade era justificada pela sua direção:

21
Relatório da Comunidade dos Irmãos Lassalistas referentes ao ano de 1970. Arquivos.
22
Relatório da Comunidade dos Irmãos Lassalistas referentes ao ano de 1970. Arquivos da Escola La Salle.
34

Embora a mensalidade fosse baixo, muitos tiveram redução e gratuidade


(37%) dos 334 alunos do primário, mobral e supletivo são gratuitos,
sendo a escola pertencente ao Estado, este paga os professores e um
aluguel das salas. Nosso objetivo é atingir um maior número possível de
alunos mesmo sendo o colégio prejudicado financeiramente para
podermos cumprir nossa missão.23

Esta crise financeira vai levar os religiosos desta escola, em 1985, a torná-la totalmente
pública, a exemplo do curso primário.

A reforma de ensino já havia acontecido enquanto Lei, mas na região ainda não havia sido
implantada. A partir de 1973, começa na escola a preparação para a implantação da Lei
5692/71. “Nosso estabelecimento está se preparando para introduzir a nova Reforma de
Ensino (Lei 5692/71).”24

A implantação desta Lei implica em dois pontos fundamentais que irão se refletir no
momento em que a Escola La Salle opta por uma prática voltada para uma formação crítica,
que são: as reuniões de planejamento e a atualização dos professores tanto dentro como fora
da Escola:

Após o planejamento do ano letivo iniciaram as aulas, que foram


ministradas com toda regularidade e métodos eficientes como a Dinâmica
de grupo, matérias integradas.
Vários professores se utilizaram no ensino, sacrificando suas férias para
freqüentar a Faculdade de Licenciatura Curta e outros cursos de
aperfeiçoamento.25

Há ainda uma grande preocupação por parte de seus dirigentes em equipar a escola com
recursos audiovisual e livros atualizados para atenderem melhor a sua clientela.

É articulada na Escola a associação dos ex-alunos, que não tem vida muito longa, pois os
mesmos saíram da cidade em busca de outros centros para darem continuidade aos seus
estudos.

O centro cívico neste período passa a ter grande atuação entre os estudantes, são
organizados festivais, concursos de poesia, a circulação de um jornalzinho e grupo de
teatro. Também esta prática não se estende por muito tempo, pois, com a passagem da
escola privada para estadual, a forma organizacional dos alunos mudou de nome, passou a
se denominar “Centro Cívico”. Esta organização de Centro Cívico é uma questão muito
polêmica e de uma riqueza muito grande a ser estudada.

A passagem de Escola Privada para Pública vai ser um ponto muito alto na História da
Escola La Salle. É a partir desta nova forma de se localizar na sociedade que ela se constitui
o eixo de nossa análise e estudo.

23
Relatório da Comunidade dos Irmãos Lassalistas referentes ao ano de 1973. Arquivos da Escola La Salle.
24
Idem.
25
Relatório da Comunidade dos Irmãos Lassalistas referente ao ano de 1975. Arquivos da Escola La Salle.
35

Dois fatores são importantes na transformação da Escola La Salle em escola estadual. O


primeiro está nas exigências da Lei nº 5692/71:

O colégio sofreu este ano (1975) as mais profundas transformações como


havíamos previsto no ano anterior, o curso de nível V a VIII atualizou-se
substancialmente, colocando-se dentro de novas exigências didático-
pedagógicas da Lei 5692.
Para isto foram feitos estudos prolongados e intensivos.26

O segundo refere-se à necessidade de atender a sua clientela carente que se avolumava, e as


bolsas de estudos e a redução das anuidades já não mais permitiam tal atendimento:

Para atender ao grande número de alunos carentes que freqüentavam


nosso colégio, e que pela necessidade que tínhamos de aumentar a
anuidade, muitos não teriam condições para continuarem seus estudos ou
teriam de se transferir, achamos melhor dar-lhes gratuidade, passando a
escola particular para o público, mediante um contrato de locação do
prédio com a Secretaria de Educação e Cultura de Mato Grosso.27

Esta passagem de Particular para Pública veio favorecer na escola uma nova constituição
do quadro docente, uma vez que a lei exigia pessoal qualificado na sua área de atuação,
como também permitia que os religiosos ali radicados atendessem melhor a uma clientela
pobre. “O sistema só veio ajudar a nossa missão, pois favorece à influência de mais alunos
pobres em nosso colégio”.28

A formação de seu quadro docente torna-se, a partir de então, uma preocupação muito
grande de seus dirigentes, pois na passagem de escola Privada para Pública ficou a cargo da
Delegacia de Ensino a contratação dos professores.

A falta de pessoal docente com formação específica para atuar na rede oficial obrigava
muitas vezes a se contratar pessoal sem experiências no magistério e de profissões alheias a
este.

Entretanto, na Escola La Salle o quadro de professores é formado na sua maioria por


pessoas de nível universitário; com o passar dos anos esta carência vai sendo suprida
através de cursos de licenciatura de curta duração oferecidos pela Universidade Estadual de
Mato Grosso, pela chegada de novos docentes da região do interior de São Paulo e pela
implantação do Centro Pedagógico de Rondonópolis - Unidade Universitária ligada à
Universidade Estadual de Mato Grosso (Sede Campo Grande-MT) que a partir de 1979,
com a divisão do Estado, passou a integrar-se à Universidade Federal de Mato Grosso com
sede em Cuiabá.

26
Relatório da Comunidade dos Irmãos Lassalistas referente ao ano de 1975. Arquivos da Escola La Salle.
27
Relatório da Comunidade dos Irmãos Lassalistas referente ao ano de 1975. Arquivos da Escola La Salle.
28
Relatório da Comunidade dos Irmãos Lassalistas referente ao ano de 1975. Arquivos da Escola La Salle.
36

É a partir de sua estadualização que a Escola passa a receber uma orientação pedagógica
mais direcionada. Antes de sua estadualização esta orientação era mantida pela
Congregação Religiosa e se primava nos princípios educativos desta; passa então a se
orientar a partir de uma visão de escola centrada em grande centros urbanos.

Esta orientação vai partir da Secretaria de Educação e Cultura, através da Delegacia de


Ensino implantada em Rondonópolis.

Prestavam ainda grandes serviços no planejamento e orientação a


Delegacia Regional de Ensino de Rondonópolis e a Secretaria de
Educação e Cultura de Mato Grosso, através de freqüentes reuniões com
diretores, coordenadores e secretários ou mandando material de
esclarecimento e material escolar.29

Pode-se dizer que é através da implantação da Lei e da estadualização desta instituição que
irá acontecer o primeiro planejamento das suas atividades de ensino, garantido através da
orientação da Delegacia Regional de Educação. “No início do ano os professores
participaram todos do planejamento pedagógico de 7 (sete) dias (março), programado pela
Delegacia Regional de Educação e Cultura de Rondonópolis”.30

O período de 1978 se constitui na história da Escola como o espaço da perda de sua


identidade de escola confessional a público leiga.

Há uma grande indefinição das propostas escolares e até mesmo na constituição do quadro
de professores, que agora passa a ser responsabilidade do Estado.

O grupo de dirigentes, da Escola Estadual La Salle, no afã de garantir uma Educação Cristã
e um quadro de educadores, cria um grupo de reflexão no seu interior, que passa a se
denominar “Equipe Docente”.31

Em março fundamos também a Equipe docente Lassalista, composta por


dez elementos, todos professores do colégio, dentre os quais dois Irmãos.
A equipe reuniu-se mensalmente para refletir sobre a nossa missão de
educadores cristãos, e o amor destes professores no relacionamento nos
alunos.32

A criação deste movimento no interior da escola como atividade paralela vem confirmar a
indefinição entre a postura privada e católica e a pública estatal e leiga.

29
Relatório da Comunidade dos Irmãos Lassalistas referente ao ano de 1975. Arquivos da Escola La Salle.
30
Relatório da Comunidade dos Irmãos Lassalistas referente ao ano de 1977. Arquivos da Escola La Salle.
31
EQUIPE DOCENTE - é um movimento que tem origem nos meados de 1973, com a finalidade de
congregar os professores não religiosos dos colégios Lassalistas em torno da proposta pedagógica da
Congregação.
32
Relatório da Comunidade dos Irmãos Lassalistas referente ao ano de 1980. Arquivos da Escola La Salle.
37

Esta indefinição vai refletir-se também junto à comunidade educativa quanto aos filhos de
pessoas que representavam as forças hegemônicas da cidade: vão em busca de outros
centros educativos, fora de Rondonópolis e até mesmo em Rondonópolis.

Os alunos que permanecem na cidade irão formar a nova clientela da Escola 13 de Junho -
Escola mantida pela Campanha Nacional das Escolas da Comunidade - que passa a ser o
lugar que proporcionará, resguardado pelos interesses das forças dominantes, um ensino
competente e de acordo com os seus interesses. A partir de 1982 esta escola entra em crise
administrativa que levou a sua desarticulação. Neste momento, estando a escola La Salle já
amadurecida nas suas práticas e relações pedagógicas, reconhece o grupo hegemônico que
esta escola no momento representa a instituição que oferece condições para educar e
instruir os seus filhos.

Em 1978, a escola La Salle começa a se reestruturar dentro do esquema estatal, porém


influenciada pela proposta pedagógica a qual o seu grupo de dirigentes assume como
missão educativa. Neste ano é elaborado o primeiro plano curricular,

O Plano nos seus objetivos e metas se apresenta muito confuso, dada a situação na qual se
encontra a escola: na sua passagem de privada confessional para leiga pública.

Este primeiro plano se constituirá no ponto de partida para a redefinição do espaço e da


proposta pedagógica da escola La Salle.

O terceiro período, 1979-1985, representa para a Escola La Salle um dos momentos mais
importantes de sua história, no seu compromisso com os interesses das classes populares;
isto irá ser manifestado a partir da preocupação com a formação de um quadro de dirigentes
e com a sua abertura para as necessidades da comunidade local.

Os movimentos sociais urbanos e rurais; a reunião da Igreja Católica em Puebla no México,


que reafirmou a opção preferencial pelos pobres da Igreja na América Latina; e o
engajamento dos dirigentes da escola em todos estes acontecimentos contribuíram para que
acontecessem avanços significativos e uma explícita opção de trabalho na escola.

Ficou assim assumido como prioridade pelo grupo de dirigentes da escola o seu papel:
“Uma conscientização de educação cristã: atendimento preferencial aos pobres; dar mais
atenção às pessoas da comunidade local”.33

A partir de então teve início uma série de atividades com o fim de explicitar a toda a
comunidade esta postura da equipe de dirigentes.

As reuniões de professores são realizadas com mais freqüência, e já se começa a pensar


num planejamento escolar não mais em conjunto e seguindo o modelo dado pela Secretaria
de Educação e Cultura do Estado, mas sim um planejamento de acordo com a realidade
específica da escola.

33
Ver histórico da Comunidade Lassalista de Rondonópolis.
38

Estas reuniões se tornaram o momento para a reflexão, o estudo e o aprofundamento das


propostas e metas e até mesmo da descoberta de alternativas que viessem proporcionar ao
professor oportunidade de uma reformulação de sua formação profissional.

Implantada a supervisão escolar para atender ao nível II Grau em Técnico em Eletrotécnica,


esta veio proporcionar aos professores deste curso uma melhor orientação didático-
pedagógica, dada a formação dos professores. A inviabilidade deste curso fez com que se
optasse mais tarde por uma habilitação Básica em Eletrotécnica, a qual chega a fracassar
pela quase inexistência de material humano habilitado, pela ausência de procura pelo curso,
pela falta de laboratório e enfim por não estar interessada a sua clientela. O fracasso deste
tipo de curso leva os pais a solicitarem da escola uma formação a nível de II Graus que
habilitasse não para o trabalho, mas sim para o vestibular - Propedêutico. Em 1984 é criado
o curso de II Grau não profissionalizante, mas de formação geral.

Devido às dificuldades enfrentadas o II Grau neste ano de (1980) não


foram matriculados novos alunos neste curso, sendo apenas completado o
estudo dos formandos. Tais dificuldades se apostam principalmente ao
não funcionamento de equipamentos fornecidas pela Secretaria de
Educação e à dificuldade de encontrar elementos para lecionar as
disciplinas profissionalizantes.34

A direção da escola, estando consciente de toda esta situação, procura conjuntamente com
os professores alternativas para atender a sua clientela que na sua maioria é constituída por
filhos de trabalhadores.

É a partir daí que tem início na escola a preocupação com a situação do curso noturno,
manifestado através do aprofundamento de estudos teóricos como forma de iluminação da
prática pedagógica, troca de experiência entre os professores e uma necessidade de se
manter uma ação coerente no planejamento individual e global.

Esta postura leva a supervisão escolar a definir o seu papel, se até então servia mais de
“fiscalização” do trabalho do professor, ela agora se mostra como um espaço de apoio e de
orientação das atividades pedagógicas.

Daí a supervisão escolar passa a fazer uma leitura do significado da caminhada da escola e
da sociedade, procurando nela encontrar meios que proporcionem nas relações e práticas
pedagógicas um maior envolvimento com os filhos dos trabalhadores que freqüentam esta
instituição, no sentido de melhor prepará-los para enfrentar os desafios impostos pela
sociedade burguesa.

A supervisora pedagógica fez um acompanhamento mais dueto das


atividades dos professores fornecendo e sugerindo material didático e
métodos mais eficientes. Manteve fichário de registro da vida escolar dos
alunos das quatro primeira séries do 1º grau chamando aluno para
aconselhamento individual e solicitando a presença das pais sempre que
necessário. Foi realizado levantamento estatístico bimestral da

34
Ver histórico da Comunidade Lassalista de Rondonópolis.
39

aprendizagem e apresentado o resultado a todo a comunidade escolar.


Incentivou-se a criatividade e participação dos alunos em atividades
sociais, culturais e vocativos no âmbito de cada classe e de toda a escola.
Foi desenvolvida a responsabilidade pessoal e coletiva quanto ao
aproveitamento escolar; manutenção de mobiliário e dependências da
escola e formação de melhor ambiente educativo no estabelecimento.35

Outra mudança significativa na escola deu-se na Associação de Pais e Mestres, que até
então desempenhava a tarefa de organizadora de festas e campanhas para aquisição de
dinheiro para a compra de material escolar e outras necessidades da escola.

As reuniões deixaram de ser um momento da queixa e do recebimento dos boletins dos seus
filhos para se constituírem num momento pedagógico onde a reflexão e a tentativa de se
encontrar novos rumos par a educação passaram a ser prioridades.

No início do ano (1980) foi eleita a diretoria da Associação de Pais e


Mestres que procurou motivar os pais para participar mais dos processos
educativos dos filhos. Foram realizadas diversas reuniões para tomar
conhecimento das atividades da escola e debater problemas referentes à
vida escolar dos alunos.36

Esta nova postura da Associação de Pais e Mestres dá inicio a uma série de atividades que
aos poucos vão acontecendo na escola e trazendo para seu interior a angústia e as
inquietações dos pais diante não só da educação dos seus filhos, mas, sobretudo, dos
problemas sociais da comunidade.

O Centro Cívico, que antes havia desempenhado um papel de formação de liderança, com o
passar dos anos se tornou de pouca expressão; retoma este seu papel.

Com todas estas motivações o Centro Cívico passa a ocupar um lugar importante no
estabelecimento, através de sua participação em reuniões da Associação de Pais e Mestres e
até mesmo entre alunos e professores. “O Centro Cívico Mal. Rondon procurou
conscientizar os alunos quanto a sua responsabilidade nos estudos e no bom andamento da
escola, promovendo palestras...”37

Toda esta movimentação na escola foi motivada a partir dos objetivos traçados como meio
de orientar a sua caminhada.

Em 1919 foram estabelecidos como objetivos prioritários a utilização


correta da língua portuguesa (na fala, escrita e leitura) e o
acompanhamento e atendimento individualizado dos alunos, com
dificuldades de aprendizagem e de condições socioeconômicas precárias.
Neste sentido foram incentivados entre professores e alunos:

a) a utilização conveniente do livro didático;

35
Ver histórico da Comunidade Lassalista de Rondonópolis.
36
Ver histórico da Comunidade Lassalista de Rondonópolis.
37
Ver histórico da Comunidade Lassalista de Rondonópolis.
40

b) a redação como forma de avalização e exercícios;

c) a utilização da biblioteca para consulta e leitura;

d) a confecção e utilização de material didático mais acessível à


compreensão de conteúdos, principalmente nos séries iniciais do 1º
38
grau.

Estes objetivos motivaram as reuniões de professores e de pais, buscando-se entender o


significado da escola e da educação e os seus reflexos na vida do educando.

O espaço físico da escola passa a ser ocupado para reuniões de Comunidades Eclesiais de
Bases, de grupos populares e de jovens. Estas reuniões e encontros muitas das vezes com a
participação de funcionários da escola ou de pais e alunos foram mais um meio de se
acentuar a participação e o levantamento de questões, que vieram provocar tanto na escola
como fora desta, leituras diferentes de sua atuação.

Em 1981 o plano curricular garante os mesmos objetivos do ano anterior, porém amplia os
meios de alcançá-los. Além dos já citados anteriormente são acrescentados:

Agilização da Associação de Pais e Mestres para identificar e auxiliar no


atendimento a alunas carentes;
Contato mais freqüente com os pais para a solução dos problemas dos
alunos;
Incentivo ao Centro Cívico escolar na programação e realização de
atividades culturais, sociais, cívicas e esportivas; Conscientização e
fornecimento de subsídios aos professores para melhor desempenharem
sua missão educativa;
diversificação de recursos didáticos para melhor aprendizagem;
incentivar a utilização da biblioteca para criar hábito de leitura
especialmente nos alunos de I a IV série do primeiro grau;
Coleta e análise de dados sobre o aproveitamento dos alunos para
detectar falhas e encontrar soluções;
Reunião dos alunos por classe para autocrítica e proposta de soluções;39

Estes meios vieram a proporcionar à Escola entre professores, pais e alunos uma maior
integração, como também oportunizaram ao seu quadro de dirigentes uma tomada de
consciência e de posição frente aos desafios, oferecendo à sociedade como ponto de partida
para sua formação.

Em 1982 é reformulado o objetivo da escola que agora torna explícitos e coerentes esta
reformulação e comprometimento da escola.

38
Ver histórico da Comunidade Lassalista de Rondonópolis.
39
Relatório da Comunidade Lassalista referente ao ano de 1981. Arquivos.
41

Proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de


suas potencialidades, como elemento de auto-realização, qualificação
para o trabalho e preparação para o exercício consciente da cidadania”.40

Quando às metas, foram mantidas as já assumidas em 1979, e acrescida mais uma que
assim ficou estabelecida: “Criar um ambiente escolar favorável à valorização do ser
humano, orientando para o que é justo e certo”.41

Para que o objetivo acima fosse colocado em prática tentou-se ao longo de um ano um
trabalho onde, ficasse claro o significado da escola e o papel do professor enquanto
intelectual. Foram realizadas várias sessões de estudos de textos atualizados e direcionados
para os temas, e também incentivada e oportunizada aos professores a sua participação em
cursos, congressos e seminários.

Com isto chegou-se à conclusão de que para se alcançar o objetivo e as metas era preciso
um maior entrosamento entre a direção da escola e a equipe de dirigentes; para isto foram
efetivamente empregados alguns meios. Para isto foram utilizados os espaços de
Associação de Pais e Mestres, reuniões administrativas, cursos de reciclagem e incentivou-
se ainda, a participação dos professores em congressos.

O resultado deste compromisso veio motivar, na escola, uma maior participação tanto da
Associação de Pais e Mestres como do Centro Cívico. Coube à Associação de Pais e
Mestres e ao Centro Cívico um trabalho de mobilização junto aos pais, alunos e
comunidade escolar e local, denunciando as condições de segurança, de iluminação pública
tanto em volta da escola como das ruas que dão acesso a ela e as condições de trabalho as
quais são submetidas os alunos da escola e da cidade.

Tal motivação veio despertar no ambiente escolar a necessidade de se trabalhar uma visão
crítica das necessidades da comunidade local. Com isto, passou a escola a se destacar no
aproveitamento tanto de seu espaço físico como institucional para se abrir aos movimentos
sociais de saúde, de moradores e de empregadas domésticas. Passou-se a assumir estes
movimentos recebendo apoio dos pais, alunos e professores.

Em 1983 deu-se continuidade ao objetivo traçado anteriormente e foi acrescido mais uma
meta assim definida: “Desenvolver o senso crítico e o senso de justiça através de um
processo permanente da ação-reflexão”.42

É a partir desta meta que irão surgir na escola os momentos de avaliação das práticas
docentes e discentes.

O ponto culminante deste processo foi uma avaliação realizada entre alunos e professores,
que se tornou um instrumento de estudo e de reflexão ao longo do ano de 1984.

40
Plano Curricular de 1982. Arquivos da Escola La Salle.
41
Plano Curricular de 1982. Arquivos da Escola La Salle.
42
Plano Curricular de 1983. Arquivos da Escola La Salle.
42

Este foi o resultado deste primeiro encontro. Anexo 01

A leitura e reeleitura destas falas encaminham para a necessidade de ser avaliada a prática
da escola, não só entre alunos e professores, mas também com os pais de alunos. Para isto
se organizou para o final do ano de 1984 a “Primeira Semana da Educação da Escola La
Salle”.

A partir deste ano houve uma procura muito acentuada da escola por parte das pessoas que
representam na sociedade os grupos hegemônicos, que partiam em busca da escola por ser
esta organizada, rígida ao transmitir conhecimentos, por ter uma proposta e por ser dirigida
por uma equipe que inspira confiança.

Mesmo estando a escola La Salle com uma clientela que, na sua maioria, é formada pelos
filhos daqueles que representam poder na sociedade, manteve esta a sua postura, os seus
objetivos e metas.

Continuando o seu trabalho de estudos e ação-reflexão, influenciado pelos avanços tanto


das lutas populares como das experiências e teorias formuladas, procurou a escola
encontrar nas suas práticas e relações pedagógicas uma identificação com os anseias da
comunidade educativa e da comunidade local.

Para a realização deste trabalho permitiu um aprofundamento avaliativo com professores,


alunos, pais e funcionários da escola que resultou em mais uma meta a ser garantida na
escola:

Integrar todas ar participantes de Comunidade escolar (pois, alunos,


professores e funcionários) buscando desta forma um ensino mais
participativo e mais coerente com as necessidades reais dos educandos.43

Foi um ano muito importante a nível de acontecimentos que contribuíram ainda mais, na
participação da Escola La Salle, no amadurecimento de suas propostas. Destacam-se aqui a
participação dos professores na greve da categoria, a criação de um Centro de Educação
Popular - ligado à Congregação Religiosa que é dirigente da escola, que passou a se
constituir num espaço alternativo para algumas práticas, que eram inviáveis através do
espaço institucional escolar e por último a “PRIMEIRA SEMANA DA EDUCAÇÃO DA
ESCOLA LA SALLE”, que teve como objetivo avaliar e planejar a ação e as relações
pedagógicas da comunidade educativa.

Esse resultado, expresso no Relatório final da 1ª Semana de Educação da Escola La Salle,


mostrou que alguns caminhos que estavam sendo percorridos apresentaram-se corretos.

O destaque desse resultado é o de apontar para a existência de pontos positivos que


privilegiam o caráter não opressor e de participação presente na escola. Essa avaliação
indica, fundamentalmente, a aprovação dos pais, para a proposta pedagógica que estava se
construindo na escola. (Anexo 02 relatório da 1ª Semana da Educação).

43
Plano Curricular de 1984. Arquivos da Escola La Salle.
43

Como encaminhamento da proposta educativa da escola a partir desta sua experiência,


definiu-se a sua posição filosófica e a clareza de seus objetivos. (Ver Plano Curricular 1985
anexo 03).

A contribuição da escola La Salle para com a história da educação em Rondonópolis, ao


longo dos seus vintes e três anos de experiência, tem mostrado que a tarefa educacional
acontece historicamente atrelada aos grupos sociais dominantes, mas que, mediante os
acontecimentos históricos e as conquistas populares assumidas pelas classes trabalhadoras,
pode-se redefinir um atrelamento de uma instituição nos interesses destas camadas, à
medida em que sua equipe de dirigentes tenha para si o compromisso de instrumentalizar e
oportunizar as classes marginalizadas da sociedade com os requisitos que a estas são
negados. Não importa ser uma instituição de princípios católicos ou não, privada ou
pública; o que marca pontos nesta tarefa é o comprometimento dos que dirigem e educam
homens ou mulheres, cristãos ou não cristãos, a partir de uma visão de mundo atrelada às
necessidades históricas das conquistas populares.

2.3. - CONSIDERAÇÕES FINAIS


A escola La Salle, criada em Rondonópolis em 1963, torna-se mais um lugar destinado a
uma prática reprodutora dos interesses dos grupos dominantes do que instituição voltada
para os propósitos missionários da Igreja Católica.

O comprometimento do seu Bispo D. Wunibaldo para com os grupos dominantes da região


e a sua forma de interferir na implantação da escola mostram toda uma situação do domínio
destes grupos sobre esta unidade educacional.

Tais grupos, conscientes de seu poder e da necessidade de instrumentalizar aqueles que


iriam no futuro assumir este domínio, vêem que é preciso, e com urgência, uma escola
“séria” de “conteúdos”; dirigida por pessoas competentes.

Cada grupo social cria para si, de modo orgânico, uma ou mais camadas
de intelectuais que lhe dão não apenas a homogeneidade e consciência de
própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social
e no político.44

Um dos meios pelos quais foi garantido ao longo destes anos a estes grupos dominantes um
espaço adequado aos seus objetivos foi a escola La Salle; esta, porém, mesmo estando
ligada e manipulada por eles, aos poucos, através de seu grupo de dirigentes, que,
atendendo às exigências sociais, abriram brechas alternativas no seu interior, experimentou
momentos pedagógicos acompanhados de uma “praxis” pedagógica, permitindo assim uma
abertura aos anseios e necessidade da sociedade civil local.

44
GRAMSCI, Antônio. Intelectuais e a Organização da Cultura. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, p. 3.
44

Sua citada postura de uma escola voltada para os interesses dos grupos dominantes é
reforçada através dos métodos tradicionais de uma proposta pedagógica atrelada aos
conteúdos, em que o autoritarismo e a negação de uma visão crítica do que acontece na
sociedade são trazidos para o interior da escola. Outra característica a ser destacada é a
experiência que traz o seu quadro de dirigentes e o modo como foram implantados a
Associação de Pais e Mestres e o Centro Cívico. A primeira, de caráter provedor de
recursos para manutenção da escola e de uma postura assistencialista-paternalista; e o
segundo, de mecanismos reforçadores dos interesses dominantes, através do agrupamento
dos alunos, em torno de momentos culturais e recreativos com o fim de proporcionar uma
integração maior no interior da escola. Por último, uma equipe de professores preparados e
assistidos por sua equipe de dirigentes com o propósito de possibilitar a sua clientela uma
educação “sólida”, “competente” e de “princípios cristãos”.

A sua passagem de escola católica particular para escola pública estadual foi o primeiro
passo dado para o desligamento de sua prática e de seu compromisso para com os grupos
dominantes, uma vez que a clientela passa a ser constituída, na sua maioria, por filhos de
trabalhadores. Um segundo passo a ser dado foi a necessidade'de ampliação de seu quadro
de funcionários burocráticos e de professores, não mais pagos pela Congregação Religiosa,
que assumia a direção desta instituição de ensino, mas pelo Estado, através de indicação da
Delegacia Regional do Ensino; isto obriga a sua equipe de dirigentes a pensar a formação
deste pessoal diante de uma proposta de escola pública estatal ainda atrelada aos interesses
da Igreja Católica, através daqueles que detêm a direção.

É neste momento que se dá início a uma série de importantes decisões que irão estimular
uma reorganização escolar em nível burocrático, nos objetivos, nas metas a serem atingidas
e em respostas às exigências feitas pela nova clientela que conquista a escola La Salle.

Aos poucos esta escola vai se ajustando às exigências da Lei 5692/71; então os aspectos
burocráticos e o corporativismo das tarefas educativas irão proporcionar - dada a ampliação
de seus quadros uma maior rigidez a nível de definição do papel da escola, pois esta agora
se encontra não mais sob o controle da Congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs, mas
da Secretaria de Educação e Cultura do Estado e conta com uma equipe de dirigentes
constituída também por professores não ligados à Igreja Católica.

A elaboração do primeiro plano curricular - mesmo não sendo um instrumento adequado e


comprometido com a realidade escolar - passou a se constituir num instrumento de apoio no
avanço das práticas e relações pedagógicas desta instituição.

Dada a necessidade de redefinir seu papel, tanto a Associação de Pais e Mestres como o
Centro Cívico passarão, na segunda fase da história da Escola La Salle, a serem lugares
fundamentais na redefinição dos objetivos e metas desta unidade educacional.

A organização do quadro de professores, não mais sob o controle dos religiosos que
dirigem a escola, faz com que se busquem mecanismos alternativos no pensar e no repensar
a formação de seus quadros, a fim de ajustá-los a uma proposta escolar em que os interesses
se voltam para um compromisso de educação popular. Esta preocupação dos professores,
45

de um compromisso com a educação libertadora, é o reflexo de sua formação em um


período de controle ideológico imposto pelo regime autoritário de 1964.

A experiência e a prática educacional da Escola La Salle não são abaladas, mas redefinidas
e melhor explicitadas, dadas as necessidades históricas. Isto vai acontecendo à medida que
a sua equipe de dirigentes assume um papel definido de compromisso com as classes
trabalhadoras, de instrumentalizá-las com um rigor científico, deixando que elas penetrem
nos conhecimentos que só aos grupos dominantes era permitido adquirir. Continua sendo
uma Escola com uma proposta tradicional, porém assumindo por meio de seus dirigentes
uma postura crítica da educação e de suas relações na sociedade.

Os estudos, as reflexões, as reuniões de pais e mestre e do Centro Cívico tornam-se lugares


do debate, da crítica e da busca de alternativas para o encaminhamento do desamarramento
da proposta educacional da escola La Salle para com os grupos dominantes que garantiram
a sua fundação, em direção à articulação de uma proposta popular na qual a prática fosse
marcada não por respostas populistas, mas por propostas que viessem ao encontro dos
anseias de sua clientela.

Diante de tudo isto, passou esta unidade educacional a compreender não ser apenas o seu
papel o de “ensinar” e “educar”, mas o espaço político para o avanço de propostas que
contribuíssem não apenas para as práticas pedagógicas, mas sobretudo para as relações
pedagógicas, através dos diversos momentos históricos das conquistas populares. Com isto,
ela descobre o seu papel na instrumentalização e no apoio às camadas populares, abrindo o
seu espaço físico e ideológico.

A escola exercerá um importante papel político e social quando cumprir


com seu objetivo fundamental de instrumentalizar as classes
trabalhadoras e a grande população marginal da sociedade brasileira com
os requisitos indispensáveis à participação na sociedade moderna.45

Esta proposta foi evoluindo e amadurecendo no interior da escola à medida em que seu
quadro de dirigentes e um número não muito significativo de seus professores e
funcionários foram tomando consciência da necessidade do rigor e da instrumentalização
do saber de sua clientela mediante um compromisso estabelecido através dos seus objetivos
e metas que oportunizaram uma releitura tanto da ação pedagógica como da visão de um
mundo a ser transmitida pela prática dos conteúdos ministrados ao longo do ano escolar.

O avanço destas conquistas pelo seu grupo de dirigentes se consolidava à medida que eram
clareados para os professores, pais e alunos os objetivos e as metas que deveriam ser
alcançados pela escola. Os meios que contribuíram para que assim acontecessem a
retomada pela escola dos espaços e a conquista de outros foram garantidos através de
reuniões pedagógicas realizadas no interior da escola com os três segmentos, em horário
normal de trabalho dos professores, como meio de permitir a estes uma melhor
participação. É evidente que não foram só estes momentos, mas procurou-se aproveitar ao

45
RODRIGUES, Neidson. Lições do Príncipe e Outras Lições. São Paulo, Cortez, 1984. p. 68.
46

máximo o tempo disponível do professor quando este se encontrava na escola, para se


consolidar um trabalho de estudo e de formação.

Pode-se, assim, dizer que, numa prática de educação, principalmente em Escola Pública -
onde tanto professor como aluno, pelas próprias circunstâncias em que são submetidas ao
trabalho e estudo, são estimulados a fracassarem, o primeiro na sua competência e
comprometimento, e o segundo a “evadir-se” ou reprovar-se com clientela heterogênea e
com professores com formações diversificadas devido às escolas onde estudaram, as
condições de preparar os educandos para enfrentarem a sociedade na qual e para qual irão
prestar serviço se tornam um desafio. Portanto, coube a esta instituição oferecer condições
de conhecimento teórico e prático a fim de estimular aos discentes a responderem aos
objetivos, encaminhados a serem postos em prática, de maneira consciente, competente e
compromissada com os fins para os quais a escola assumiu a tarefa de instrumentalizar e
educar.

É com este propósito que passou a ficar claro, ao longo da caminhada desta instituição, o
seu papel político na sociedade; ela, por isto, determinou-se a instrumentalização rigorosa
do falar e do escrever corretamente a língua nacional e a tornar os alunos e pais conscientes
de seus papéis na escola e na sociedade, numa passagem de uma visão de senso-comum
para uma consciência crítica necessária à transformação do realidade social.

Para isto, o estímulo à leitura, ao estudo e à participação nos destinos da educação e da


escola pelos alunos e pais fez com que o papel do educador fosse analisado de tal modo a
defini-la na sua tarefa, comprometido com a equipe de dirigentes diante de sua proposta de
trabalho.

A contradição que acontece no interior da Escola La Salle nas relações entre a equipe de
dirigentes e os demais segmentos da comunidade educativa, faz com que os desafios a
serem enfrentados se tornem momentos da reflexão e da ação, proporcionando, assim, uma
maior participação de todos na escola; são poucos os professores que não assumem este
compromisso, chegando alguns destes a se afastarem da escola.

Se, na sua primeira fase de escola privada, ela garantiu aos grupos dominantes, através de
sua prática pedagógica, uma postura não crítica da realidade, na sua segunda fase ela
assume um papel crítico, mantendo a sua imagem de escola séria o que impediu que a
mesma sofresse um empobrecimento comum à escola pública dessa fase, começando,
assim, a ocorrer nessa passagem um processo de deselitização para a qual Paulo Freire vem
apontando repetidamente.

Ultrapassando os limites da sala de aula, tem a escola La Salle trazido para o seu interior
momentos de estudos, re-flexão e debates de situações, que permitem uma maior
compreensão e análise da saciedade em que se vive.

Tem ainda esta instituição propostas desafiadoras nas suas práticas e relações pedagógicas,
de modo a ser um lugar aberto à iniciativas pioneiras, na região, à meios alternativos, à
metodologias pedagógicas inquietantes e desafiadoras, tanta para o seu quadro de
professores como para os educandos.
47

Por último, é uma escola que mantém uma proposta voltada aos princípios da Igreja
Católica. Podemos defini-la como escola pública estadual, portanto leiga, onde, porém, a
presença dos religiosos que a dirige expressa, nela, sua prática e os princípios cristãos. A
sua metodologia é crítica e assume uma proposta voltada para as lutas das classes
trabalhadoras.
48

3.0 - REPENSANDO O PAPEL DO PROFESSOR E DA ESCOLA


PÚBLICA EM RONDONÓPOLIS.
Muito se refletiu, se escreveu e se falou sobre educação nestas últimas décadas,
polemizando e criticando o sistema educacional brasileiro. A verdade é que a “Reforma de
Ensino” não reformou. Há um consenso geral de que todo o sistema educacional brasileiro,
por não ter partido das bases em sua reformulação, não se atingiu em suas necessidades e
exigências de desenvolvimento.

E esta realidade nacional, refletida na região de Rondonópolis, fez-se sentir muito


vivamente no relacionamento Escola-Comunidade. A educação oficial, imposta de cima em
seus conteúdos e filosofia, divorcia-se mais e mais das reais necessidades da Comunidade.
Conseqüentemente, há cada vez menos interesse por parte da Comunidade em assumir um
papel ativo no processo educativo. A Escola tornou-se quase dispensável frente aos sérios
desafios de sobrevivência de grande parte da população, já que ela não prepara e nem
instrumentaliza a nova geração para enfrentar seu futuro obscuro e inseguro. Por mais que a
Escola procure e tente relacionar-se em sua atuação, é apenas um esforço unilateral e de
alguns educadores. A Associação de Pais e Professores, elo mais íntimo e legítimo de
ligação entre escolas e comunidade, não passa de uma organização burocrática, constando
em atas, mas sem uma efetiva atuação e interesse.

As reuniões de Pais, convocadas por exigências pedagógicas, têm participação mínima e


forçada de alguns membros da comunidade.

As razões desse desinteresse são evidentes. Há uma ingerência violenta de facções políticas
no sentido de determinar e indicar lideranças e formas de atuar das mesmas na escola,
contrárias ao consenso, substancialmente; tenta-se controlar o processo educacional,
impondo-se pessoas em cargos relevantes, mas sem a mínima capacitação e legitimidade
popular. Esta ingerência indevida e aleatória provoca uma reação de descrédito,
desconfiança e descontentamento por parte de pais, educadores e professores. A seriedade,
condição essencial de confiança e participação, não existe, e o conformismo instala-se
inevitavelmente. A comunidade afasta-se, o educando acomoda-se e o professor equilibra-
se na mediocridade tentando, dentro dos limites impostos, atuar e corresponder aos ditames
mínimos de sua consciência.

Neste jogo político de interesses e ingerências, a escola tornou-se uma entidade dependente
das variações político-partidárias, desinteressante para todos e sem a mínima condição de
seriedade e independência. Nestas condições, nenhum grupo social e, muito menos, a
comunidade assume a escola como uma legítima proposta independente. Com isto, a
relação escola-comunidade carece do mínimo essencial, que é a sua legitimação por parte
da população em si. E os resultados deste divórcio imposto são desastrosos para quem,
exatamente, deveria ser o beneficiado: o educando e, por extensão, a comunidade.

A única saída desta manipulação é a consciência popular e sua reação contra imposições
político-econômicas.
49

Esta tomada de consciência não é ainda a conscientização, porque esta


consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A
conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera espontânea de
apreensão da validade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a
realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma
posição epistemológica.
A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais
conscientização, mais se “desvela”a realidade, mais se penetra na
essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para
analisá-la. Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em
“estar frente à realidade” assumindo uma posição falsamente intelectual.
A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato
ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o
modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens.
Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso histórico. É
também consciência histórico; é inserção crítica na história, implica que
os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo.
Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida
lhes oferece.1

O papel do educador, neste processo conscientizador, é fundamental, já que é ele um dos


prováveis agentes capazes e com legitimidade para fomentar na comunidade uma ação mais
efetiva da reação contra este caos educacional.

Daí que os intelectuais que aderem a esse sonho tenham de selá-lo na


passagem que devem realizar ao universo do povo. No fundo, têm de
viver com ele uma comunhão em que, sem dúvida, terão muito o que
ensinar se, porém, com humildade e não por tática, aprenderam a
renascer como um intelectual, ficando-novo. Quanto mais o intelectual se
empunha a este aprendizado através de qual vai virando um novo
intelectual, tanto mais percebe que o ponto de partida para a
transformação da sociedade não está própria e exclusivamente no seu
sonho, não está na sua compreensão da história, mas na compreensão das
classes populares. É a partir daí, molhando-se das águas culturais e
históricas, das aspirações, das dúvidas, dos anseios, das medos das
classes populares que, organicamente, vai inventando com elas caminhos
verdadeiros de ação, distanciando-se cada vez mais dos descaminhos de
arrogância e do autoritarismo.2

A situação do docente e sua força de atuação nesta região de Rondonópolis dilui-se de


forma impressionante no próprio sistema educacional O professor, preso e amarrado à
educação formal, já não encontra opções de atuação na comunidade, ou porque não lhe
interessa uma atuação extra-escolar, ou porque lhe é impedida uma inserção mais
consciente e questionadora. A grande maioria dos professores, sem uma formação
específica mais sólida, não tem interesse e sente-se desmotivada para empreender um
trabalho mais amplo no sentido de refletir e questionar a realidade em que se situa. Para
grande parte dos professores desta região e, de modo particular, da Escola La Salle, a

1
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
2
FREIRE, Paulo. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 68
50

educação não é uma opção de trabalho e um ideal de atuação, mas apenas uma
oportunidade, relativamente fácil e descomprometida, de remuneração. A intencionalidade
de seu trabalho, consciente ou inconsciente, não se centra no processo educativo amplo,
mas restringe-se muito diluidamente à sala de aula e ao imediatismo de resposta do
educando. Não há, pelo menos manifestadamente, uma preocupação por parte dos
educadores em integrar a realidade concreta dos alunos aos conteúdos que o professor
administra. Raras são as exceções encontradas na Escola La Salle, verifica-se, muitas vezes,
situações inibidoras de aprendizagem, estimulações negativas e bloqueios ambientais e
familiares que entravam o processo ensino-aprendizagem.

Além de tudo isso, a manipulação política a que é sub-metido um grande número de


professores, sua consciência não crítica e suas desuniões enquanto categoria, bloqueiam
substancialmente iniciativas e atuações mais amplas no seio da comunidade. A sociedade se
ressente desta ausência e passa a não acreditar mais na educação, relegando o professor a
sua má atuação no interior das escolas, alienada e acomodada. Como grupo social, os
professores estão marginalizados.

Apesar desta constatação, um tanto negativa e pessimista, mas sobretudo realista, nesta
região e de modo particular na escola em questão, o papel do professor na transformação da
realidade local, ao nosso ver, ainda é fundamental, e se concretiza em alguns professores
conscientes de suas tarefas e que assumem e vêem no processo educacional espaços para
uma prática e uma opção pelas classes trabalhadoras. Por mais negativa que se pinte esta
realidade da educação, transparece inequivocamente o papel do professor como o
contestador do processo social. Observam-se mudanças substanciais, junto da atuação dos
educadores inseridos, fermento ativo no processo social. Mesmo sendo contestado por
setores sociais e marginalizados por facções políticas dominantes, os professores continuam
tendo um papel indispensável de participante ativo do desenvolvimento e da transformação.
Urge estender daquela minoria mais participante e menos tocada no compromisso de classe,
uma melhor qualificação profissional, uma independência político-econômica para que
possam atuar de forma efetiva e assumir a tarefa de refletir e questionar a realidade de
pensar e apontar os elementos estranhos ao processo global de desenvolvimento da
educação escolar na região de Rondonópolis.

Mais que dentro da organização educacional em si, emperrada pelas exigências burocráticas
e delimitada por normas e leis impostas, a educação de base parece ser a única opção eficaz
em que o professor pode e deve atuar como transformador. Definitivamente, a escola, no
atual contexto histórico e social, já não oferece uma liberdade de ação fora dos padrões
previstos, fora dos conteúdos programados.

Parece-nos que a nova entidade do educador ultrapassa os muros da escola, as paredes da


sala de aula, para encontrar sua razão de ser na educação de amplos setores populares,
promovendo e fomentando sua união, catalizando energias emergentes de desenvolvimento
e, sobretudo, questionando a função da escola. É na base popular, juntos a essas camadas
sociais, que a educação irá encontrar a nova escola, nascida das exigências próprias do
desenvolvimento do povo. Sem esta efetiva inserção do educador junto à população,
auscultando e relendo sua realidade, a ação educativa dentro do processo de
desenvolvimento será nula ou, no mínimo, inócua, alienante e descomprometida.
51

Na estrutura em que vivemos, o fator econômico é determinante em todos os setores da


educação. O sistema econômico se impõe e determina um comportamento e uma atuação
social e educacional, gerando uma dependência. E essa dependência é determinante na
atuação do educador. Os poucos recursos destinados à educação, aliados à ausência da
comunidade na participação do processo educacional, isolam a escola de recursos básicos,
de material dístico essencial, desestimulam o professor, desmotivam o educando e geram
um círculo de desinteresse e descrédito por parte de todos os que atuam na educação e dela
necessitam.

O professor desta região e, de modo particular, da Escola La Salle, não tendo uma melhor
capacitação profissional, ressente-se violentamente da remuneração inadequada. As pessoas
profissionalmente capacitadas não optam pelo magistério porque economicamente não
compensa. A tarefa de professor é apenas um “bico” a mais no orçamento familiar.
Entretanto, há uma boa parte de profissionais que, conscientes de seu papel na
transformação da sociedade, mesmo re-conhecendo os limites teóricos e práticos,
contribuem por opção política e não por idealismo ou sacerdócio na tarefa de ser professor.
Conseqüentemente, a sua atuação está evidenciada; para alguns, na questão de
sobrevivência e, para outros, numa opção política e de compromisso com as classes
trabalhadoras.

A descaracterização dos professores como grupo social expressivo, embora representem um


contingente ponderável, soma-se à sua marginalização econômica e a sua dependência e
dos recursos financeiros para atuar. Além disso, a impossibilidade de uso das modernas
técnicas audiovisuais, a concorrência dos meios de comunicação de massa, a desmotivação
dos pais e da comunidade, as precárias condições físicas de grande parte dos prédios
escolares públicos e outros problemas se aliam e concorrem para que esta situação do
educador seja ainda dificultada. Não tendo recursos próprios, já que o sistema educacional
não os proporciona, o professor atém-se ao mínimo exigido e não encontra motivações para
superá-la. Idealismo romântico não alimenta e tão pouco gera recursos indispensáveis para
que o processo educativo melhore. Fica assim evidente que o fator econômico, na atual
estrutura educacional, não só delimita a ação do educador como determina seus objetivos,
impõe sua visão de mundo e restringe o seu espaço.

Na dialética deste processo ressurge a fé na capacidade ilimitada de superação dos


problemas e de recuperação do significado do papel da Escola e do Educador como fatores
de contribuição na reestruturação da sociedade.

É a partir do estudo feito e dos dados levantados na Escola La Salle que se propõe a
reinvenção do significado da escola e do seu papel na sociedade, buscando nas contradições
sociais e nos desafios o seu compromisso, enquanto instituição, com os movimentos e
anseias populares. Um espaço onde dirigentes e funcionários comprometidos com o projeto
educativo criem espaços de atuação e de transformação no interior da escola e que sejam
não só o reflexo das necessidades populares, mas o instrumento de capacitação destes
movimentos sociais.
52

Daí se buscar no seu interior espaços para a formação de seus quadros de dirigentes e de
funcionários que, comprometidos com a vida sócio-econômica, política e cultural da
comunidade local, possam contribuir na reinvenção da escola.

Esse esforço de renovação tem ocorrido quando da realização dos Encontros Pedagógicos,
onde tem-se procurado desenvolver uma reflexão que vem modificando a ação da escola. O
resultado desse trabalho vem se concretizando através de sua prática e dos documentos
elaborados por seus dirigentes.

E com este objetivo, a partir da realidade e da prática da Escola Estadual La Salle, esta
proposta terá como fim orientar outros educadores que acreditam no aparelho escolar como
um dos espaços alternativos no comprometimento com a classe trabalhadora, através de
uma ação educativa.

A experiência da Escola Estadual La Salle não é por si só a explicitação deste atrelamento


com as classes populares, mas é um espaço em Rondonópolis que, ao longo de sua história,
tem contribuído e avançado com uma proposta educacional, mesmo limitada e
contraditória; tem oportunizado nas suas limitações condições para que haja um espaço
tanto por parte de seus dirigentes como de seu quadro de funcionários na conquista de
espaços para o exercício de uma prática atrelada aos interesses das classes trabalhadoras.

A reflexão no desenrolar deste trabalho não se limita à identificação da situação


educacional na região de Rondonópolis e, de modo particular, na Escola La Salle, mas
sobretudo à tentativa de propor algumas pistas na orientação de uma prática de educação
escolar atrelada aos interesses das camadas populares.

Por isto é que, ao dizer que a Escola é um dos lugares privilegiados na construção de uma
consciência crítica das e para as classes populares, tenta-se resgatar para estas a
possibilidade de se conquistar também na escola um espaço que garanta o surgimento de
líderes capazes de, instrumentalizá-los com os conhecimentos dominados pela burguesia
garantir aos demais membros destas classes a oportunidade de reinventarem a sua
sobrevivência.

A reinvenção da escola está atrelada não somente a ela enquanto espaço educacional, mas
sim a uma proposta política em que a prática de seus quadros de dirigentes e de
funcionários esteja orientada por um compromisso com a classe trabalhadora.

Este compromisso se manifesta à medida em que aqueles que se comprometem com a


tarefa de educar estejam de fato representando os interesses desta classe e advogando para
ela uma escola de compromisso e competência, não re-produzindo apenas os interesses de
grupos ou classes, mas sobretudo oportunizando ao educando a descodificação do saber
sistematizado a serviço da burguesia.

A transição de uma escola de proposta burguesa a uma proposta popular é tarefa não só
daqueles que estão no seu interior, mas também daqueles que, mesmo fora dela, lutem por
esta segunda proposta conjuntamente com a classe trabalhadora. Isto é possível à medida
em que a escola não seja apenas o lugar da instrumentalização através de conceitos e regras
53

pré-fixadas, mas sobretudo o lugar do recriar e do estabelecimento de novas propostas


práticas e da compreensão critica do mundo para a qual ela prepara o indivíduo.

As práticas e as relações pedagógicas da Escola devem acontecer de modo que facilitem a


aprendizagem e a compreensão do mundo, favorecendo à classe trabalhadora o acesso a
este saber sistematizado de modo rigoroso, numa proposta popular e não populista.

Uma postura assim assumida pela escola conduz esta instituição a estabelecer uma ligação
com a classe trabalhadora.

Esta ligação deve ser orientada e não apenas transferir para a classe trabalhadora a tarefa de
dominar, mas sim a de estar atenta à suas reivindicações, procurando encontrar na
sistematização do saber caminhos que proporcionem o avanço na transformação social.

É com este fim que pretendemos propor alguns meios que julgamos serem fundamentais
numa proposta alternativa de uma prática educativa voltada para as classes trabalhadoras.

Um repensar o significado da Educação e da Escola diante de uma sociedade capitalista


onde os interesses da classe burguesa manipulam os espaços institucionais da sociedade
civil, impondo assim a sua hegemonia e determinando o que se deve e o que não se deve
fazer: este repensar precisa estar bem claro para aqueles que se encontram ligados a
educação na escola, estabelecendo linhas mestras as quais conduzam as práticas
educacionais a responderem aos interesses das classes trabalhadoras e, conseqüentemente, a
proporcionarem uma postura crítica diante dos acontecimentos sociais que se manifestam
fora do aparelho escolar.

Importa o estabelecimento de um comportamento explícito da opção pela classe


trabalhadora, por defender o espaço da Escola Pública e gratuita como direito de todos,
sendo que não se limite apenas a uma tarefa de reprodução, mas de instrumentalização do
saber científico, garantindo, assim, um trabalho político em conjunto com as classes
populares.

O repensar a tarefa da escola implica ainda na sua tarefa prática e de relações pedagógicas.
A tarefa prática pedagógica entendemos a partir da sua proposta de instrumentalizar os
filhos dos trabalhadores não só com um ensino associado à sua realidade, mas sobretudo
com um ensino capaz de fazer com que leiam os interesses aos quais estão sendo
submetidos a fim de que possam se defender.

As relações pedagógicas implicam em a Escola estabelecer um elo de ligação entre as suas


propostas, práticas e in-quietações e as da comunidade onde ela se insere, sem que com isso
a escola passe a ser o lugar onde a transmissão do saber se torne vulgarizado, perdendo
assim o seu caráter científico; mas, pelo contrário, oportunizando a estas classes o acesso a
elas negado ao saber científico, negação esta justificada pela burguesia como sendo a classe
trabalhadora in-capaz de sistematizar o conhecimento.

Isto vai fazer com que a classe trabalhadora, instrumentalizada com o saber sistematizado
cientificamente, supere uma visão de mundo de senso-comum, rumo a uma visão crítica da
54

sociedade. É assim, portanto, que esta classe criará uma das condições necessárias h
aquisição de sua consciência de classe e poderá lutar por uma transformação social.

O contato com o saber acumulado historicamente é que privilegiará a construção do novo


saber que é a preparação necessária para o enfrentamento com aqueles que se apropiam do
saber como forma de dominação. Nesse sentido, o saber se constitui num saber de
libertação que enfrenta o saber da dominação.

Nem elitismo nem basismo. Um não é o contrário positivo do outro. Quer


dizer, não é o elitismo que se deve contrapor ao basismo nem o basismo
ao elitismo. Porque não sou elitista, não vou ser basista; porque não sou
basista, não vou ser elitista. A minha posição é o da comunhão ente o
senso comum e a rigorosidade. Quer dizer, a minha posição é a de que
toda rigorosidade conheceu um momento de ingenuidade. E não há
nenhuma rigorosidade que esteja estabilizada enquanto tal decreto. O que
é absolutamente rigoroso hoje, pode já não ser amanhã, e vice-versa. Por
outro lado, partindo de que é necessário que as massas populares se
apropriem da Teoria, fazendo-a sua também, este processo não pode
matizar se senão a partir do próprio pensamento ingênuo. É dele que se
tem de proceder, para superá-la. É preciso, como dizia, que a
rigorosidade não recue a ingenuidade, no esforço de ir além dela. É neste
sentido que falo de uma virtude ou qualidade fundamental ao educador
político e ao político-educador na perspectiva que defendemos. A virtude
de assumir a ingenuidade do outro para com ele ultrapassá-la. A assunção
da ingenuidade do outro implica também a assunção de sua criticidade.
No caso das massas populares, elas não são apenas ingênuas. Pelo
contrário, são críticas também e sua criticidade está na raiz de sua
convivência com a dramaticidade de sua cotidianidade. O que ocorre, às
vezes, é que as massas populares oprimidas, por n razões, ficam ao nível
da sensibilidade do fato, deixando de alcançar a razão de ser que explica
mais rigorosamente o fato. Não será com a pura superposição de uma
explicação teórica estranha a elas que resolveremos este problema do
conhecimento.3

Na sociedade capitalista verifica-se o atrelamento da escola aos interesses burgueses, que


envolvem esta instituição aos seus níveis sócio-econômico, cultural e político, nos seus
objetivos, na sua prática e no material que ela usa, garantindo assim o repasse da ideologia
burguesa. A desarticulação destes pontos acima citados não é tarefa para aqueles que
manipulam ou que determinam a organização educacional. Esta tarefa contestatória cabe
àquelas que estão comprometidos com a Educação e que acreditam na escola como um dos
espaços viáveis para a tomada de consciência na busca de sua reinvenção e até mesmo na
superação de seu comprometimento com os interesses burgueses em direção a uma
proposta popular. É necessário que saibam aproveitar os espaços e os momentos
pedagógicos para a realização desta tarefa.

Estes espaços pedagógicos para a realização destas tarefas constituem-se nas reuniões de
professores, na associação de pais e mestres, nos grêmios estudantis e em outras formas

3
FREIRE, Paulo. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1985, p. 59-60.
55

que, de modo particular, cada escola, na sua realidade, cria como meio de apoio tanto
pedagógico como econômico.

Entretanto, a prática tem demonstrado que são raras as escolas que utilizam estes espaços
como momentos pedagógicos e até como espaço educativo e elucidador, tanto do
significado do subsistema escolar como também da própria prática que a escola deve
manter com a comunidade que a envolve.

O repensar a escola implica também a forma como esta se manifesta através de sua prática
pedagógica frente aos movimentos sociais e, sobretudo, aos meios de comunicação de
massa, que hoje exercem na sociedade civil uma força muito grande no sentido de
desarticular estes movimentos e garantir a hegemonia burguesa.

Hoje os movimentos sociais de sindicatos, associações de bairro, movimentos de favela e


tanto outros têm contribuído para a formação de uma consciência mais crítica da realidade e
têm, assim, permitido que a prática escolar tradicional seja contestada.

A prática dos movimentos sociais é refletida na Escola por meio do educando, quando este
procura, através de conteúdos a ele ministrados, estabelecer uma comparação com a sua
experiência de vida e, na sua leitura crítica, passa a perceber que a proposta educativa a ele
oferecida como condição de sobrevivência na sociedade é falsa e em nada o favorece.

É a partir da prática destes movimentos que serão criados, na escola, espaços que
possibilitarão o avanço desta instituição numa prática de Educação Popular.

A reinvenção da Escola passa ainda por dois pontos importantes. O primeiro é o da


formação do professor que irá atuar nesta escola e o segundo refere-se à equipe de
dirigentes que, à frente desta instituição, pode tanto permitir um espaço na reinvenção do
papel da escola e da Educação, como também pode negar esta possibilidade e garantir, de
forma autoritária, o exercício do poder como meio de reforçar os interesses burgueses.

É fundamental que seja repensada a formação, na escola, de um quadro de professores que


permita o ensino comprometido com a classe trabalhadora e seja capaz de produzir, dentro
das relações sociais, que irão se manifestar na produção capitalista, o saber popular.

O repensar a formação do professor passa em primeiro lugar pela sua condição de homem
inserido numa sociedade organizada, estratificada e comprometida com as ideologias, com
práticas políticas e sobretudo com a situação sócio-econômica, como determinantes na sua
formação e atuação junto à escola. Isto faz com que se encontrem alternativas de se buscar
linhas-mestras que, identificadas com os interesses populares rigorosamente sistematizadas
a partir de experiências e teorias já formalizadas, possam contribuir na reelaboração da
formação deste professor no interior da Escola, estabelecendo-se assim um claro
compromisso com a instrumentalização do saber pela classe trabalhadora.

Repensar a formação do professor no contexto escolar faz com que, ao situarmos este
professor no quadro específico para o qual ele se forma, torna-se importante destacarmos a
56

sua inserção como ser histórico, situado e datado, e sobretudo enquanto ser de
transformação social.4

Esta qualificação implicará na própria forma como este professor irá atuar, tanto no
interior da escola, como também no próprio contexto social no qual a escola está inserida.

O repensar a formação do professor no interior da escola pode ser admitido como ponto de
partida na contribuição ao repensar a escola e, mais que isto, ao resgate do significado do
compromisso de educar através da escola.

Daí ter a nossa proposta a preocupação de se repensar a formação do professor para uma
realidade específica, não só a nível de reforço de conteúdo e de técnicas do ensino, pois
esta inquietação parte do desafio, que a nós se apresenta, da atuação política educativa
voltada para os interesses populares.

Ao nos chamar a atenção para o papel que desempenha a sociedade na educação, o filósofo
Vieira Pinto diz:

Se a sociedade é o verdadeiro educador do educador, sua ação se


acede sempre concretamente, isto é, no tempo histórico, no
momento pelo qual está passando seu processo de
desenvolvimento social, o conteúdo e a forma de educação que a
sociedade dá a seus membros vão mudando de acordo com os
interesses gerais de tal momento.5

A formação de um quadro de professores assume assim a característica de uma escola


concreta, situada.no contexto histórico e atenta aos movimentos sociais definidos a partir
dos interesses dos grupos sociais populares existentes.

Gramsci, ao se referir à formação dos intelectuais, adverte que ‘o


modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na
eloqüência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das
paixões, mas num inserir se ativamente na vida prática, como
construtor, organizador’.6

Este papel do educador no contexto social e, de modo particular, em uma escola, pública ou
não, torna importante se salientar a participação que ele deve assumir diante dos
movimentos sociais populares.

Desta forma, a tarefa educativa e a transmissão dos conteúdos repassados por este professor
não só reforçarão as práticas populares, mas também orientarão os educandos a uma leitura
mais rigorosa de todo o processo transformador.

4
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
5
PINTO, Álvaro Vieira. Sete Lições Sobre Educação de Adultos. São Paulo: Cortez, 1982, p.110.
6
GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização de Cultura. Tradução Carlos Nelson Coutinho, Rio
de Janeiro: Civilizações Brasileiras, 1979, p. 8.
57

Dada a situação pela qual é formado o professor, que não o leva a desempenhar na escola
um trabalho ligado aos interesses populares, é que cabe à equipe de dirigentes da Escola a
tarefa de instrumentalizá-los para o desempenho de seu papel, tanto como um professor
capaz não somente de reforçar os interesses dominantes como de contestador destes
interesses.

A tarefa de contestação dos valores burgueses não é um direito dado aos professores pela
burguesia, mas é uma tarefa que é assumida politicamente por professores e professoras que
acreditam num trabalho com e para as classes trabalhadoras.

A concretização de nossa proposta não se limita apenas ao repensar o significado da escola


e a formação do professor, mas sobretudo deverão estes dois pontos estar garantidos por
aqueles que, estando à frente da Escola e respondendo por ela, sejam capazes de se
comprometer com as propostas dos movimentos sociais e de permitir que surjam espaços
que venham ao encontro dos interesses das camadas populares.

Este nível de consciência política, de consciência de classe, revelada hoje


por largos setores das classes trabalhadoras brasileiras, é altamente
significativo.
Exige uma necessária mudança de qualidade na luta pela transformação
da sociedade. Por outro lado, resulta do aprendizado que as classes
trabalhadoras vêm fazendo através de sua luta nos fábricas, nos
sindicatos, nos bairros, nos movimentes sociais.7

Por isto, essa equipe de dirigentes da Escola não deve apenas se limitar ao apoio formal ou
descomprometido ‘a ação do educador, mas oportunizar a este condições para que ele possa
desempenhar a sua tarefa. Mais ainda, garantir aos organismos internos, associações de pais
e mestres e grêmios estudantis, a iniciativa em propostas favoráveis às classes
trabalhadoras.

Nesta tarefa de compromisso com estas classes, cabe ainda à equipe de dirigentes da Escola
estabelecer entre à Escola e a Comunidade a troca de experiências através de debates,
seminários e avaliações do desempenho e da tarefa pedagógica da Escola, como meio de
oportunizar aos pais e educandos uma leitura de desenvolvimento e do avanço
transformador da sociedade, buscando identificar nesta leitura qual tem sido a contribuição
da Escola e dos professores neste processo.

Assim, realizando esta tarefa, tem a escola. condições de contribuir com as forças
populares, reforçando e instrumentalizando a classe trabalhadora para o desempenho da sua
práxis na construção de uma consciência de classe, solidificada nos seus próprios
interesses.

7
FREIRE, Paulo. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 75.
58

4.0 - CONCLUSÃO
Demonstraremos que, através de uma equipe de dirigentes comprometidos com os
interesses e lutas das classes trabalhadoras, é possível, na escola formal, a superação de
uma ação pedagógica atrelada ao domínio dos grupos hegemônicos. Tal leitura foi possível
de ser realizada a partir da experiência da Escola La Salle, situada em Rondonópolis.

Assim, pois, o estudo realizado revela formas alternativas encontradas por um grupo de
professores e professoras, que poderão se colocar para outros grupos de educadores como
ponto de referência no pensar e no repensar tanto o significado e o papel da escola
institucionalizada como também o papel e a formação do educador no interior da escola
frente a uma proposta educativa desenvolvida em favor das classes trabalhadoras.

A análise realizada nos conduziu a concluir que dois pontos são fundamentais no
levantamento das idéias e propostas feitas ao longo deste estudo. O primeiro se refere ao
pensar e ao repensar o papel do educador na escola sob dois aspectos: enquanto professor e
dirigente. O segundo se destaca na tentativa de se colocar a instituição escolar - de modo
particular a escola pública - enquanto lugar de formação da consciência crítica tanto de
quem educa como daqueles que são educados, através de sua prática cultural e política que
esta exerce na sociedade.

A experiência estudada nos encaminhou a concluir que, a partir da necessidade de se situar


a escola pública como um lugar alternativo para a realização de uma ação educacional
comprometida com a transformação social, é preciso se pensar a formação de seu quadro de
professores, desde que haja nesta escola uma equipe de dirigentes que possibilite os
avanços necessários para se atingirem tais anseias.

No que se refere a este aspecto levantamos alguns questionamentos referentes ao


significado e ao papel do professor enquanto formados por uma equipe de dirigentes no
interior da escola.

Que significado tem uma proposta de formação de professores para atender a uma realidade
específica de escola pública? Qual é o significado cultural e político que esta formação
deve representar e implicar para o avanço de uma proposta educativa? Que direção deve ser
priorizada numa formação específica para uma ação educativa para as classes trabalhadoras
no interior da escola?

Daí se concluir que a formação do intelectual oportunizada nas escolas “normais”


(formação de magistério de 2º Grau) e universidades não tem acompanhado o
desenvolvimento das sociedades e nem as alternativas de se conquistar novas respostas aos
problemas existentes. Percebe-se uma defasagem entre a formação dos quadros de
intelectuais -professores - e as exigências que a sociedade faz. Em muitos casos chega-se a
perceber um esvaziamento nas respostas dadas por intelectuais.
59

É importante aqui se destacar que este estudo nos faz perceber que o papel do professor
comprometido com uma tarefa educativa centrada nos interesses das classes trabalhadoras é
relevante à medida em que este responda às necessidades e aos apelos destas classes,
visando à conquista de seus anseios, respeitando assim o caráter coletivo para o qual se
dirige tais interesses. Por isso, a formação de um quadro de dirigentes e um grupo de
professores para atender a tais propostas deve estar atenta para a realidade na qual a escola
está inserida no que se refere as necessidades das classes trabalhadoras.

Por isso, o papel e a tarefa da equipe de dirigentes da escola deve ser o de respaldar os
espaços conquistados para que sejam oportunizados ao seu quadro de professores
momentos educativos de estudos, planejamento, reflexão, ação-avaliação de todos os
momentos relacionados com os atos educativos, a fim de ser possibilitada a emancipação de
uma proposta educativa onde os interesses ideológicos dominantes sejam contrapostos e
superados diante de uma nova alternativa. Para isso é preciso que a equipe de dirigentes
esteja convicta de seus propósitos e compromissos e acima de tudo aberta a uma leitura e a
uma avaliação crítica de seu papel e desempenho frente aos anseias das classes
trabalhadoras e ao projeto educativo da escola.

Assim, a equipe de dirigentes que se propõe a formar uma equipe de professores no interior
da escola deve observar e considerar os limites culturais, sócio-econômicos e políticos nos
quais e para os quais tal formação se propõe, uma vez que estes se constituem num desafio,
considerando as contradições nas quais a escola existe, na sociedade de classes.

Estabelecidos estes limites, esta equipe deve considerar as teorias já formalizadas, com o
objetivo de não se perder de vista o caráter rigoroso e científico para o qual quer se formar
este quadro de professores. Deve, ainda, observar a dicotomia existente entre a teoria e a
prática, procurando nos limites dos espaços escolares as brechas a serem conquistadas, que
permitem o avanço e o encaminhamento de propostas revolucionárias capazes de
contribuírem na luta por tais interesses.

As contradições que são encontradas num processo de formação de professores numa


realidade específica - no interior da escola pública - tornam-se desafiantes à medida em que
se observa que a formação recebida por estes nas escolas e universidades é
descompromissada com a realidade onde se encontram desempenhando a sua tarefa.
Resgatar o compromisso é impossível, mas é possível se fazer a partir desta realidade uma
leitura crítica que, alicerçada nas teorias recebidas e na prática do dia-a-dia, vai trazer o
repensar de uma visão de mundo e de educação voltada para uma ação libertadora.

Quanto ao segundo aspecto de nossa conclusão, nota-se que a escola, enquanto subsistema
de um sistema maior da sociedade, quanto à sua prática e às suas relações pedagógicas, não
pode estar ausente do político e sobretudo do cultural. Daí se poder dizer que as
“dificuldades” encontradas por esta instituição são de origem cultural e política, uma vez
que o modo de produção ao qual ela está submetida não oportuniza e nem favorece aos
interesses da maioria marginalizada, mas sim às minorias dominantes que detém o controle
e o acesso às forças produtivas.
60

Portanto, é diante deste quadro, fundamentando-nos nas idéias e propostas sugeridas, que
pretendemos aqui destacar a importância da escola e de modo particular da Escola Pública
como um espaço a mais a ser ocupado pelas classes trabalhadoras nas suas lutas pelo direito
de conquistar na sociedade civil o conhecimento sistematizado.

Esta e outras conquistas não se limitam apenas a estas condições, mas de maneira
competente poderá ser aos poucos conquistada por todos aqueles que no interior da escola e
fora dela acreditam nas possibilidades de esta se constituir num dos lugares de luta e de
conquista democrática.

É importante aqui destacar a importância das associações de Pais e Mestres, de professores


e estudantes como elementos fundamentais no controle do direito e do acesso à educação
sistematizada e, mais ainda, na fiscalização da qualidade deste ensino como meio de
superação do atraso cultural e político no qual se encontra a maioria do nosso povo.

A experiência aqui estudada torna-se mais uma contribuição para se aprofundarem no


estudo dos caminhos encontrados e provocar o debate em torno do tema entre aqueles que
acreditam ou não ser a escola um dos lugares viáveis para uma ação libertadora.

Por isso dizemos que uma prática educativa centrada nos interesses das classes
trabalhadoras não se limitam apenas às questões de métodos e conteúdos, mas, sobretudo, a
questões estruturais e conjunturais nas quais a escola se encontra e para as quais ela se
coloca a serviço de forma a se clarear no processo educativo uma ação dinâmica e criativa
onde a trajetória de conceito seja superada a partir de sua própria contradição.

Assim, deve a escola estar aberta à comunidade e às suas lutas, tornando-se assim um lugar
concreto capaz de alicerçar respostas aos anseias das classes trabalhadoras, podendo assim,
de forma compromissada, garantir um poder de aquisição cultural e política capaz de
superar a discriminação, os preconceitos e a separação entre trabalho manual e trabalho
intelectual, que é característico da sociedade capitalista.

Por fim, a escola pública, por sua própria essência, através daqueles que atuam no seu
interior, deverá estar atenta para que, à medida em que esta atenda aos interesses das
classes trabalhadoras, não reproduza na sua prática a exclusão, a discriminação e os
preconceitos, à medida que seja assumida uma ação que esteja atrelada aos interesses do
conjunto da sociedade.

Desta forma, passa esta escola, na sua prática e nas suas relações pedagógicas, a ser o lugar
onde os desafios e os projetos de comprometimento de seus quadros de professores e de
dirigentes conquistem espaços para uma formação crítica tanto de seus professores como de
seus alunos, num impulso para inseri-los numa sociedade na qual as perspectivas de uma
ação educativa libertadora sejam motivo para se garantir a formação de novos quadros de
dirigentes para a sociedade.
61

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