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Porque temes perder o que soube encontrar-te?

O Jornal das Boas Notícias O sacrifício não é dor, é amor. O.V. Milosz. Miguel Mañara 13
segunda-feira, 15 de Setembro de 2003
O Jornal das Boas Notícias está de volta ao fim de quase um ano e
Uma cidade chamada Net meio de ausência. Era meu propósito retomar a publicação mais
regular do jornal no início do mês de Setembro, após as férias de
António Rego verão. Comecei, por isso, por juntar alguns artigos que o tempo
In: Ecclesia, 020507
não corroeu e que me pareceram manter o interesse que poderiam
Falar da Internet há cinco ou seis anos atrás parecia uma
ter para os leitores. Alguns são de há mais de um ano e já estavam
moda ou um novoriquismo tecnológico. Hoje, é um
seleccionados para um Jornal das Boas Notícias que nunca chegou
imperativo de consciência porque as ondas entram pela a sair.
porta dentro de toda a gente mesmo dos que não têm No dia 1 de Setembro, a nossa filha Constança, deficiente
computador. A Internet é uma cultura. profunda com quase 12 anos, foi operada e nos turnos que repartia
A Igreja não começou a preocupar-se com a Internet com a minha mulher ao ladoda Constança na sua convalescença,
apenas no dia em que o Papa enviou, por correio fui juntando e compondo este número do Jornal das Boas
electrónico, as conclusões do Sínodo sobre a Oceania. Notícias. No dia 8 de Setembro à tarde, enquanto estava neste
Significou, com esse gesto, a transnacionalidade da trabalho, o oxímetro ligado ao dedo da Constança começou a
Internet, bem semelhante, nalguns aspectos, á apitar. Desliguei o computador à pressa sem guardar o que estava a
universalidade pulverizada da própria Igreja. fazer e fui para o lado dela. Pouco depois o seu coração parou. A
Antes de mais, é ponto assente que a Net é Constança tinha ido para o Céu. Os dias que se seguiram foram
Comunicação Social. Não se trata de um fenómeno dias intensos, mas misteriosamente pacíficos, de uma paz e de uma
timidamente marginal que se aconchega ao existente letícia que só podem vir da certeza de que a sua vida no seio da
para sobreviver. Intervém no mais genuíno jornalismo nossa família, de que ela foi o centro nestes últimos doze anos, foi
com celeridade e eficácia e prolonga o papel nas veias um dom de graça que Deus nos concedeu.
luminosas que atravessam e abraçam todo o planeta. É Deus a deu, Deus a levou, no dia da Natividade de Nossa Senhora.
um espaço, um foro, uma feira, uma expo, uma ciber - Sabê-la na presença de Deus, a Quem ela agora vê face a face é uma
cidade, com todo o delírio de trânsito, pessoas, ofertas, experiência de cumprimento de um destino de felicidade agora
procuras, compras, vendas, oportunidades, ruídos, realizado.
vícios, depravações, páginas sublimes, lugar Quando voltei a abrir o processador de texto, o ficheiro que não
privilegiado de encontro de ideias, pessoas, jogos e tinha guardado com a urgência, apareceu recuperado com o
afectos. Na Net navega o mais nobre e o mais sórdido trabalho onde o deixara.
de que o ser humano é capaz. O ruído, o vírus e o lixo Acrescento-lhe apenas estas linhas que quis partilhar convosco,
s ã o três componentes que atravessam, a desoras, a porque as Boas Notícias, geralmente ignoradas, são também o
cidade e todas as vias de comunicação virtual. fruto da misteriosa acção de Deus através dos Seus filhos.
Mas é algo que ninguém, seriamente empenhado em A Constança na sua total incapacidade tocou de forma única a vida
qualquer área da vida social ou cultural, pode ignorar. de muita gente e despertou todos os que a conheceram para o
Nem pais, nem professores, nem pastores a podem mistério do Ser e, por isso, do amor.
desconhecer. Na consulta de um portal ou na via rápida Que Nossa Senhora das Dores, cuja festa celebramos hoje (15 de
de informação e comunicação. Setembro) a acolha e torne fecunda a sua curta viagem por esta
O que se diz veementemente é que a Net é um lugar de terra.
evangelização. Que não exclui nenhum dos outros 15 de Setembro de 2003 Pedro Aguiar Pinto
espaços mas é detentor de virtualidades que se não
encontram noutros púlpitos. Não está em conflito com Uma cidade chamada Net ...........................................................1
nenhuma outra via, mas não há nenhum tema, nem Família e preconceito ..................................................................1
nenhuma informação, que se possa dar ao luxo de a Bagão Félix ...................................................................................2
ignorar. Vivemos a urgência de sermos felizes......................................2
A mensagem de João Paulo II para o Dia Mundial das As preocupações do Papa sobre a Europa................................3
Comunicações Sociais não é um discurso de Valores da comunicação e da Internet......................................3
circunstância. É um instrumento de meditação Anatomia do sentido religioso...................................................3
impreterível sobre a integração da sabedoria na grande Como nasce um paradigma ........................................................5
viagem que milhões de pessoas efectuam diariamente na A água como alimento.................................................................5
Net. Também no nosso país. Para quê o livro religioso?..........................................................5
[07-05-2002 12:55:04] [Editorial] [2182 caracteres] [Grátis] [ António
Rego ]
Declaração conjunta de João Paulo II e do Patriarca
Ecuménico Bartolomeu I ............................................................6
Família e preconceito "As Notícias Positivas Compensam" ........................................7
João Carlos Espada A Globalização da Verdade........................................................9
In: Expresso 020519 Decálogo para as férias .............................................................10
NA PASSADA quarta-feira, «celebrou-se» o Dia O esplendor da liberdade ..........................................................10
Mundial da Família. As aspas são alusivas ao facto de Férias, Tempo de Fuga Ou de Retiro ......................................11
que, em boa verdade, quase ninguém celebrou. A Os Escravos Entre Nós..............................................................12
família não é um tema caro, para dizer brandamente, aos Crise de valores da Europa: preocupação do Papa...............12
«mass media». A síndrome de Hollywood........................................................13
João Paulo II: O segredo do optimismo .................................13
Mel Gibson..................................................................................15
Assunção......................................................................................15
E a razão é simples: ela é vista como uma das muitas Bagão Félix
amarras que a sociedade burguesa teria construído para
Luís Delgado
submeter os indivíduos à dominação da propriedade In: DN, 020524
privada, do lucro e da lógica cega do mercado. Eis o exemplo de um dos melhores ministros deste
O que os nossos comunicadores de massas ignoram é Governo, Bagão Félix, que, apesar de estar numa das
que esta hostilidade para com a família, a propriedade pastas mais difíceis e complexas do Executivo, foi dos
privada e o comércio não é uma «inovação progressista» primeiros a tomar medidas profundas que reformam
de Karl Marx. É, pelo contrário, uma hostilidade que estruturalmente o sistema de segurança social. Ontem,
tem pelo menos 2500 anos e remo nta à República de em Conselho de Ministros, e nos termos do programa do
Platão. E é uma hostilidade que distingue uma longa Governo, reforçado, aliás, com aquilo que Paulo Portas
tradição de pensamento autoritário e reaccionário. sempre defendeu, Bagão Félix acabou com o
Platão, Rousseau (que teve cinco filhos e os enviou a rendimento mínimo garantido - que por si só já dava a
todos para o orfanato) e Marx são alguns dos expoentes ideia de um subsídio sem condições -, trocando-o pelo
maiores desse reaccionarismo autoritário. Todos os rendimento social de inserção, com um acesso mais
autores des ta tradição se reclamaram da liberdade. Mas restrito. No final do Conselho de Ministros, num dia em
esta não é a liberdade dos indivíduos concretos, ou das que o Governo se preparava para enfrentar a oposição,
pessoas, que conhecemos no dia -a-dia. As pessoas que na AR, sobre a mudança da Lei da Televisão, com
nós conhecemos (e que nós somos) são pessoas manobras diversas de última hora do PS, o ministro do
enraizadas em modos de vida realmente existentes - Trabalho e Segurança Social anunciou que a idade
pessoas com uma família, uma profissão, alguma mínima de acesso ao novo regime de inserção social (o
propriedade, eventualmente uma igreja, seguramente nome agora tem algum sentido positivo) será de 25
uma concepção particular do bem e da vida. São pessoas anos, com excepção das pessoas que têm menores a seu
concretas e, portanto, também pessoas variadas. cargo, mulheres grávidas e ainda dos jovens casados ou
Em contrapartida, os indivíduos a que se referem os em união de facto há mais de um ano. Devagar,
críticos da família - os indivíduos de que falavam devagarinho, Bagão Félix vai fazendo as reformas de
Platão, Rousseau ou Marx - não são estas pessoas que a segurança social precisa há muitos anos.
concretas, ou, para ser mais exacto, são apenas algumas
dessas pessoas. São aqueles que têm uma interpretação Vivemos a urgência de sermos felizes
muito especial de liberdade: os que vêem a liberdade Luísa Castel-Branco
como libertação de todos os laços sociais particulares In: Portugal Diário, 21-05-2002 16:00
que nos ligam àquilo que nos é familiar. É por isso que, Perderam-se há muito os ideais, as grandes causas, as
em bom rigor, esta liberdade como libertação do ideologias ou seja o que for que transcenda aquilo que
familiar supõe a ideia de um Homem Novo - um homem se teima chamar de normalidade: O Futebol; Os Reality
que, no dizer de Platão, Rousseau e Marx, se Shows; O Futebol e os Reality Shows
desenraizou de todos os laços particulares e que Vivemos a urgência de sermos felizes. Como se a
começou a raciocinar a partir do zero. É o cidadão procura fosse razão suficiente para existirmos,
espartano que Rousseau elogiava, o revolucionário justificação para todo e qualquer acto ou pensamento.
profissional de Marx, ou o filósofo de Platão. Não é por Vivemos todos neste desassossego, uns correndo de
acaso que todos eles condenavam a família e a ginásio para ginásio, outros debruçados no Mapa Astral,
propriedade privada, duas expressões fundamentais de no Reiki ou na Meditação.
laços particulares ou familiares. Outros, desfazendo relações, batendo com a porta e
O problema com esta doutrina da liberdade enquanto partindo para outra, ou para coisa nenhuma.
libertação do familiar é bastante simples: a maior parte Andamos num desatino que nos provoca uma tristeza
das pessoas não quer libertar-se do que lhe é familiar. proporcional ao desejo dessa felicidade e depois
As pessoas têm os seus modos de vida aos quais estão pagamos a factura, que é o mesmo que dizer que
«attached», estão ligadas, e esses modos de vida têm estamos todos zangados com a Vida, com os outros e
valores que não são os do Homem Novo. A construção principalmente connosco mesmos, quer o queiramos
do Homem Novo vai por isso requerer um enorme admitir ou não.
exercício de engenharia social visando redesenhar a Pois. E basta olhar à volta e ver a raiva, raiva acrescida
partir de cima os modos de vida das pessoas. Essa da preocupação dos tempos não estarem fáceis, não
engenharia social vai ter como alvo fundamental a senhor, mas principalmente de não encontrarmos
destruição dos «pequenos pelotões» tão caros a Edmund respostas definitivas para nada, absolutamente nada.
Burke - as instituições espontâneas e descentralizadas, Perderam-se há muito os ideais, as grandes causas, as
de que a família é a primeira. ideologias ou seja o que for que transcenda aquilo que
Os críticos da família acusam-na de se fundar no se teima chamar de normalidade: O Futebol; Os Reality
preconceito. Ocultam, no entanto, o preconceito em que Shows; O Futebol e os Reality Shows.
se funda a sua própria crítica à família: o preconceito Mas até aqui somo s fracos e amáveis nas defesas das
contra a liberdade. nossas opiniões. A maioria tem razão, portanto não vale
E-mail: jcespada@netcabo.pt a pena discutir o assunto.

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Há dias em que apetece voltar atrás ao tempo em que se modos de desenvolvimento humano desde que sujeita a
tinha dúvidas, revoltas e em que o mito da felicidade era regras e limites definidos.
isso mesmo: Algo colado aos sonhos de adolescente e Se for sujeita a regras e limites definidos; se obedecer a
que depois, como o acne, desaparecia com a idade e limites éticos bem definidos, então, afirma Monsenhor
pronto, porque na verdade nunca ninguém nos disse que Foley, a Rede poderá dar um contributo para o
ia ser fácil! “progresso, para a paz, para o crescimento intelectual e
estético, para a mútua compreensão entre os povos e as
As preocupações do Papa sobre a Europa nações”. E poderá mesmo - concluiu - dar uma pequena
In: RR on-line, 020524 ajuda à procura ancestral que, desde sempre, acompanha
João Paulo II, na Bulgária, reafirmou esta tarde a a vida do Homem - a procura de si próprio.
necessidade da Europa enfrentar as tentações do [04-06-2002 18:31:03] [Internacional] [2282 caract eres] [Grátis] [
EcclesiaInt ]
cepticismo e da indiferença.
(19:31) Num encontro com diversas personalidades da Anatomia do sentido religioso
Cultura, da arte e da Ciência daquele país, o Papa
Laurinda Alves
reafirmou que "é preciso reagir". A Europa tem de In: Xis, 020601
encontrar as suas raízes. 0 mundo sem Deus seria uma fábula contada por um
"Na Europa de hoje, parece crescer a tentação do idiota num acesso de raiva, diz um personagem de
cepticismo e da indiferença face ao desmoronar dos Shakespeare, em Macbeth. Seja Deus quem for e tenha
alicerces morais da vida pessoal e social. É preciso o nome que tiver, na realidade só a possibilidade da Sua
reagir" - sublinhou o Bispo de Roma. existência e do Seu mistério correspondem à estrutura
Valores da comunicação e da Internet original do Homem
Pelo simples facto de viver, o Homem coloca perguntas
In: EcclesiaInt, 020604
que derivam da sua consciência do real e procura
“Verdade, dignidade da pessoa humana e bem comum”. obsessivamente respostas para as suas dúvidas
Três valores inseparáveis dos três universos existenciais. Quanto mais as pessoas avançam na
imprescindíveis do nosso tempo - a comunicação
tentativa de responder a estas questões, mais se torna
mediática, a publicidade e a Internet.
evidente o seu mistério. De todos os enigmas este é,
Sobre as implicações éticas de cada um destes porventura, o maior: saber de onde vimos e para onde
universos, o Conselho Pontifício das Comunicações
caminhamos.
Sociais publicou documentos específicos cujos
Primeiro, o mistério. Podemos falar em mistério como
conteúdos foram evocados quarta-feira dia 29, pelo ignorância pontual mas também, como qualquer coisa
presidente deste Dicastério, arcebispo John Foley, em
que está para além da compreensão humana. Alguns
Minneapollis, num encontro promovido pela Associação
mistérios fazem-nos descrer, na medida em que
de Imprensa Católica. despertam a curiosidade e exigem soluções que nem s
Durante a sua intervenção, o prelado sublinhou como
sempre encontramos. O facto de não sermos capazes de
neste ano a Internet levantou grandes questões éticas.
perceber, por exemplo, porque é que crianças inocentes
Por exemplo, como regular a privacidade dos cidadãos sofrem doenças terríveis ou porque é que povos inteiros
e, por outro lado, a exigência de vigiar e reprimir
são dizimados pela guerra e pela fome deixa -nos
eventuais iniciativas criminosas ou terroristas,
impotentes e, muitas vezes, revoltados.
veiculadas através da ‘rede’ ou então, como proteger os O facto de, aparentemente, os "bons" sofrerem e os
direitos de autor e a propriedade intelectual,
"maus" ficarem tantas vezes impunes também não ajuda
salvaguardando o carácter fundamentalmente aberto e
à compreensão dos mistérios insondáveis da vida.
livre da Web. Apesar de não o reconhecerem, os mais intolerantes
Também mencionou como preocupante a proliferação
preferiam uma existência previsível, a preto e branco,
de material pornográfico, de incitamento ao ódio e à
sem nuances nem ambiguidades. Acontece que é uma
violência ou de informações falsas e difamações. Se a impossibilidade física existir vida sem mistério e, por
Internet pode aliviar situações de solidão, pode também
isso mesmo, o único caminho possível é aceitar o
acentuá-las: introduzindo cibernautas numa espécie de
desconhecido e, em vez de desesperar, ensaiar a
mundo narcisista, “autoreferencial e quase neurótico”, tolerância perante aquilo que não é possível entender.
podendo ainda criar um abismo digital entre as nações
Apostar no valor da espiritualidade como abertura ao
tecnologicamente mais e menos avançadas.
essencial. E reconhecer que nem sempre há uma
Mas, dado que o novo horizonte telemático tem também resposta para as nossas interrogações.
grandes vantagens, não foi por acaso que a Igreja
Ou, como disse Gertrude Stein, perceber que «não há
investiu muito na Internet disponibilizando importantes
resposta. Nunca houve uma resposta nem nunca haverá
documentos pastorais e promo vendo conferências uma resposta e essa é a verdadeira resposta".
teológicas on line.
A realidade real. Ouvimos dizer frequentemente que a
A Internet pode favorece o uso responsável da liberdade
razão não tem nada a ver com a fé mas, afinal, o que é a
e da democracia, alargar horizontes educativos e razão e o que é a fé?
culturais, superar as divisões e promover inúmeros
Luigi Giussani, teólogo italiano, fundador do
movimento Comunhão e Libertação e autor de vários

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livros fundamentais sobre esta matéria, lembra que o de observação de todas as coisas. Se não partir de nós
homem enfrenta a realidade com a razão. É a razão que mesmos esta busca existencial, estaremos fatalmente a
nos define e, por isso, devemos ter a paixão da perguntar pela nossa vida a outros.
racionalidade. Muitos confundem sentido religioso com a crença
Aparentemente contraditório com o princípio da religiosa, seja ela qual for. Consciente ou
espiritualidade, Giussani aposta no realismo, na inconscientemente, identificam a questão como a prática
observação integral, apaixonada e insistente do facto, do de um culto ou ritual. Na verdade, a "única condição
acontecimento real, e conduz-nos por caminhos que vão para sermos sempre e verdadeiramente religiosos é
da tomada de consciência da realidade até ao percurso viver intensamente o real, sem renegar nem esquecer
mais intimo do espírito de cada um. nada". Sem olhar ao preconceito nem atender ao que os
“Pouca observação e muito raciocínio levam ao erro. outros nos tentam impor. Não devemos ter medo de
Muita observação e pouco raciocínio levam à aplicar um critério individual, orientado pela nossa
verdade», escreveu Alexis Carrel, Nobel de Medicina, consciência, pela observação de cada gesto, cada pessoa
Santo Agostinho disse o mesmo, por outras palavras: e cada coisa.
"Se procuro, é para saber alguma coisa, não para a Para que esta questão não se torne demasiado complexa
pensar". e se transforme numa subjectivação geral, convém
Um e outro contrariam a tendência do homem moderno sublinhar que o homem não tem em si o Poder todo para
para privilegiar o pensamento e a construção intelectual. determinar o significado último de tudo o que acontece
Ou seja, para saber mais do que aquilo que à sua volta. Assim sendo e porque existem na
verdadeiramente percebe. convivência humana biliões de indivíduos que se
Luigi Giussani cita os dois pensadores para sublinhar a comparam entre si, com as coisas e o destino, é
importância de que, também para a experiência religiosa impossível afirmarmo -nos contra tudo e contra todos. A
(no sentido espiritual e mais abrangente do termo), é espiritualidade consiste em olhar para a realidade mas
importante começar por saber como é, de que se trata também em aceitá-la com toda a sua diversidade e com
exactamente. todos os seus mistérios.
“Efectivamente, não existe actividade humana mais Liberdade interior. Diz Giussani que a natureza lança
vasta do que aquela que pode caber debaixo da o homem na comparação universal consigo mesmo, com
designação de ‘experiência ou sentimento religioso’. É os outros e com as coisas, dotando-o - como
ela que propõe ao homem uma interrogação acerca de instrumento desse confronto universal - de um
tudo" escreve Giussani no seu livro «0 Sentido complexo de evidências e exigências originais, de tal
Religioso», editado pela Verbo. forma primordiais que tudo o que o homem diz ou faz
Sobre mim mesmo. Nesta matéria quase todos somos depende delas. Ou seja, são evidências como respirar e
levados a pensar pelo que os outros dizem. Sejam existir dia e noite ou exigências como a de felicidade, de
filósofos, teólogos ou ateus convictos, muitos verdade ou de justiça que põem em acção o motor
elaboraram já sobre a questão da espiritualidade e é-nos humano. Sem elas e antes delas não existe movimento.
infinitamente mais fácil identificar-nos com aquilo que "Qualquer afirmação da pessoa, desde a mais banal e
parece lógico e racional do que partir da nossa própria quotidiana até à mais ponderada e carregada de
observação. Deveremos, então, tentar perceber a consequências só pode ser feita com base neste núcleo
essência do sentido religioso através do que escreveram de evidências e exigências originais”.
grandes pensadores como Aristóteles, Platão, Kant, Demasiado complexo? Giussani dá uma ajuda: "Se
Marx, Engels e outros, privilegiando este método de quisermos chegar a adultos sem sermos enganados,
conhecimento, ou poderemos acrescentar alguma coisa alienados, escravos de outros ou instrumentalizados,
de nosso? Alguma coisa que parta de uma observação habituemo -nos a comparar tudo com experiência,
individual da realidade? elementar.
Sabemos que o método para conhecer um objecto é Reconheço que estou a propor uma tarefa difícil e
sempre ditado pelo próprio objecto. Temos consciência impopular pois a verdade é que, geralmente, tudo é
de que somos obrigados a olhar ou a concentrar-nos encarado de acordo com uma mentalidade comum.
naquilo que queremos conhecer e, nesse sentido, torna- O desafio mais ousado à mentalidade que nos domina e
se difícil definir exactamente que tipo de fenómeno é a nos invade a propósito de tudo desde a vida à roupa que
experiência espiritual. Uma vez que não se trata de um vestimos é exactamente o de tornarmos habitual em nós
fenómeno geológico ou meteorológico, como fazer para o juízo sobre todas as coisas à luz das nossas evidências
chegar ao seu conhecimento? primeiras e não à mercê de reacções ocasionais”.
Giussani esclarece esta dúvida essencial: «já que se trata O que Luigi Giussani propõe não é uma recusa
de um fenómeno que se passa em mim, que interessa à sistemática ou uma negação permanente daquilo que
minha consciência, ao meu eu como pessoa, é sobre nos envolve mas, antes, um olhar mais atento à
mim mesmo que tenho que reflectir. Devo fazer a realidade. Uma espécie de "ver com o coração” que
indagação sobre mim mesmo, uma indagação exige uma liberdade interior cada vez maior e uma
existencial.» abstracção consciente do "olhar dos outros”.
Uma vez aqui chegados, é vital perceber que nos cabe Certezas morais. Voltando ao início, à questão de saber
fixar o olhar na realidade real e uma atitude individual se a razão se opõe à fé e em que medida uma e outra

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contribuem para a espiritualidade de cada um, Giussani ÀS VEZES vale a pena olhar para os exemplos que vêm
propõe que a razão seja usada de maneira diferente. Para de fora. Pelo menos evita perdas de tempo à procura do
ele, faz tanto sentido confiar nas certezas matemáticas e que é melhor ou pior e, sobretudo, a realização de
científicas como nas certezas morais ou existenciais. experiências e ensaios com custos, por vezes, elevados.
Naquilo que intuímos, a partir de um conjunto de sinais. É o caso das águas. A consulta de um «site» electrónico
Como a certeza do amor da nossa mãe, por exemplo. As da SAGEP, a empresa de águas de Paris, revela
certezas morais, aliás, são importantes para o nosso inúmeros conselhos e explicações para o grande
crescimento interior e para a construção espiritual do público, que não se encontram no endereço electrónico
que as outras. "Matemática, ciências e filosofia são da nossa EPAL. As diferenças entre águas da torneira,
necessárias para a evolução do homem como história, de mesa, minerais ou de nascente, são ali explicadas
são condições fundamentais para a civilização. Mas o com detalhe. Pode também aprender-se qual a
homem poderia a viver muito bem sem a filosofia, sem composição da água da torneira e, particularmente, os
saber que a Terra gira à volta do Sol. Sem certezas elementos que a integram, como o cálcio, magnésio,
morais é que não pode viver. Nenhum homem pode sódio, potássio, bicarbonatos e cloro. E não escondem a
viver sem poder ter juízos seguros sobre o presença de elementos indesejáveis, como os nitratos,
comportamento dos outros para com ele.” seguida da explicação de que só uma ingestão maciça,
Em resumo, quanto mais certezas tivermos sobre o acomp anhada da transformação, por via microbiológica,
comportamento humano, partindo da observação e da em nitritos os tornam perigosos para a saúde.
razão, maior será a nossa confiança e segurança. Só Mas num país onde se fala em privatizar as águas, sem
confia quem é forte e seguro e só é forte e seguro quem que os objectivos e a forma de o fazer tenham sido
está aberto ao mistério. ainda convenientemente explicados, talvez também a
consulta deste «site» dê algumas pistas. A SAGEP, que
Como nasce um paradigma abastece Paris, é uma sociedade de economia mista,
In: Mensagem de e-mail em circulação em Junho de 2002 criada em 1987 e controlada pela Câmara da capital
Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa francesa, que detém 70% do capital, mas envolvendo
jaula, em cujo centro puseram uma escada e, sobre ela, ainda a Générale des Eaux e a Lyonnayse des Eaux,
um cacho de bananas. cada uma com 14% do capital e ainda outros
Quando um macaco subia a escada para apanhar as accionistas, que detêm 2% do capital. O «site» da
bananas, os cientistas lançavam um jacto de água fria SAGEP, para quem tiver curiosidade em saber mais
nos que estavam no chão. sobre a água e não tiver dificuldades em compreender
Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a francês, é: www.sagep.com.
escada, os outros enchiam-no de pancadas. A água é encarada e tratada pelo franceses como um
Passado mais algum tempo, nenhum macaco subia mais alimento frágil, distribuído através de canalização e que,
a escada, apesar da tentação das bananas. como tal, está sujeito a alterações. Daí uma série de
Então, os cientistas substituíram um dos cinco macacos. conselhos que assentam, essencialmente, na higiene. A
A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, dela lavagem das mãos com água quente durante pelo menos
sendo rapidamente retirado pelos outros, que o 30 segundos, utilizando para o efeito um sabonete
surraram. líquido e depois uma toalha de utilização única, é
Depois de algumas surras, o novo integrante do grupo considerada fundamental. Mas as quatro regras
não mais subia a escada. essenciais ali descritas são: 1 – Evitar utilizar a água
Um segundo foi substituído, e o mesmo ocorreu, tendo quente da torneira para beber, porque a sua temperatura
o primeiro substituto participado, com entusiasmo , da pode favorecer o desenvolvimento de bactérias. 2 – A
surra ao novato. água é frágil, qualquer que seja a sua origem (mesmo a
Um terceiro foi trocado, e repetiu-se o facto. Um quarto água mineral engarrafada) e desde que uma garrafa é
e, finalmente, o último dos veteranos foi substituído. aberta não se deve conservar o seu conteúdo durante
Os cientistas ficaram, então, com um grupo de cinco mais de 24 horas. 3 – À noite pode-se guardar água num
macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho recipiente fechado, de preferência de vidro, num local
frio, continuavam batendo naquele que tentasse chegar fresco durante um máximo de 24 horas. 4 – Não se deve
às bananas. utilizar água para alimentação que tenha estado parada
Se fosse possível perguntar a algum deles porque batiam durante mais de 4 ou 5 horas, nomeadamente de manhã.
em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta É preferível deixar correr a água durante alguns minutos
seria: "Não sei, as coisas sempre foram assim por antes de a beber.
aqui..." E-mail: francis@mail.expresso.pt
"É MAIS FÁCIL DESINTEGRAR UM ÁTOMO DO Para quê o livro religioso?
QUE UM PRECONCEITO".
Albert Einstein Marcelo Rebelo de Sousa
In: Ecclesia, 020612
A água como alimento Para quê, e, mais do que isso, porquê o livro religioso?
Francisco Ferreira da Silva
E por livro religioso entendo não só o que acolhe
In: Expresso, 020608 mensagens essenciais de crenças ou religiões ou o que
traduz posições doutrinárias de igrejas ou confissões,

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como também aquele que reflecte sobre a experiência de preocupados também com as consequências negativas,
cada qual com a divindade ou, sobre a aplicação das para a humanidade e para toda a criação, da degradação
exigências da fé à vida de todos os dias. de alguns recursos naturais como a água, o ar e o solo,
Assim entendido, o livro religioso tal como todo o livro provocada por um progresso económico e tecnológico
ocupado com os apelos do espírito, vai de encontro a que não reconhece e não tem em consideração os seus
uma necessidade premente deste começo do século, próprios limites.
sobretudo em tantos jovens: menos materialismo, menos Deus Omnipotente vislumbrou um mundo de beleza e
economicismo, menos consumismo, mais respeito da de harmonia, e criou-o fazendo de cada uma das suas
pessoa como espírito, mais atenção à sua liberdade de partes uma expressão da sua própria liberdade, da sua
consciência e opção religiosa, maior afirmação do peso sabedoria e do seu amor (cf. Gn 1, 1-25).
da relação com o sobrenatural na existência quotidiana. No centro de toda a criação, Deus inseriu-nos a nós,
E porque há cada vez mais mulheres e homens seres humanos, com a nossa dignidade humana
disponíveis para darem testemunho dos seus caminhos inalienável. Embora compartilhemos muitas
para a eternidade, e a riqueza plural desses caminhos características com o restante dos seres vivos, Deus
aproxima gentes de diversas civilizações, culturas, Omnipotente fez mais por nós, dando-nos uma alma
etnias e linguagens - para já não dizer classes e imortal, fonte de autoconsciência e de liberdade,
condições socioeconómicas, - o livro religioso é ainda dádivas que nos fazem ser à sua imagem e semelhança
instrumento de ecumenismo, de convergência e (cf. Gn 1, 26-31; 2, 7).
integração social, de combate às intolerâncias, aos Caracterizados por esta semelhança, Deus pôs-nos no
dogmatismos, às xenofobias. mundo a fim de que cooperássemos com Ele para a
O século XXI está, num certo sentido, a arrancar com realização cada vez mais plena da finalidade divina da
uma vingança por sinal positiva e não negativa, como o criação.
são por uso as vinganças: a vingança do espírito sobre No início da história, o homem e a mulher pecaram,
os materialismos capitalista e colectivista de décadas e desobedecendo a Deus e rejeitando o seu desígnio para
décadas do século XX. a criação. Uma das consequências deste primeiro
Não que deixe de ser uma realidade a afronta da fome, pecado foi a destruição da harmonia original da criação.
da miséria, da pobreza e da injustiça na vida material de Se examinarmos atentamente a crise social e ambiental
incontáveis milhões de mulheres e homens de carne e que a comunidade mundial está a enfrentar, devemos
osso. concluir que ainda estamos a atraiçoar o mandato que
Mas que, se não perca de vista que não menor é a Deus nos deu: ser administradores, chamados a
afronta da fome, da miséria, da pobreza e da injustiça do colaborar com Deus, velando sobre a criação com
espírito, que, as mais das vezes, acompanha ou antecede santidade e sabedoria.
e se sucede à da matéria. Deus não abandonou o mundo. Ele quer que o seu
E das explorações e humilhações do espírito pouco ou desígnio e a nossa esperança em relação ao mundo se
nada curaram os materialismos do século XX, crentes realizem através da uma cooperação destinada a
como estavam que a felicidade decorria da restabelecer a sua harmonia originária. No nosso tempo,
concretização das suas doutrinas. estamos a assistir ao desenvolvimento de uma
Esqueciam-se do essencial, da liberdade e da consciência ecológica, que deve ser encorajada a fim de
irrepetibilidade de cada pessoa, da sua vocação para o poder redundar em iniciativas e programas concretos. A
eterno, da sua relação com os valores não mensuráveis consciência da relação entre Deus e a humanidade dá
ou contabilizáveis. um sentido mais completo à importância do
É desta outra vertente do ser-se pessoa que fala, de relacionamento entre os seres humanos e o meio
modo especial, o livro religioso. Para gente que vive e ambiente natural, que é a criação de Deus, e que Ele nos
sofre as contingências materiais. Mas que tem uma alma confiou a fim de que cuidássemos dela com sabedoria e
que procura incessantemente aquilo que a economia, a amor (cf. Gn 1, 28).
política, a própria ciência por si sós lhe não podem dar. O respeito pela criação deriva do respeito pela vida e
Marcelo Rebelo de Sousa pela dignidade do homem. É com base no nosso
[12-06-2002 12:08:16] [Comentários] [2525 caract eres] [Grátis] [
Marcelo Rebelo de Sousa ]
reconhecimento de que o mundo foi criado por Deus,
que podemos discernir uma ordem moral objectiva no
Declaração conjunta de João Paulo II e do Patriarca âmbito da qual é necessário definir um código e uma
Ecuménico Bartolomeu I ética ambiental. Nesta perspectiva, os cristãos e todos os
outros crentes têm um papel específico a desempenhar,
In:http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/speeches/2002/june
/documents/hf_jp -ii_spe_20020610_venice-declaration_po.html proclamando os valores morais e educando as pessoas a
Hoje encontramo -nos aqui reunidos, em espírito de paz cultivarem uma consciência ecológica, que não é outra
para o bem de todos os seres humanos, e para a coisa senão a responsabilidade em relação a si
salvaguarda da criação. Neste momento da história, no mesmas, aos outros e à criação.
início do terceiro milénio, ficamos amargurados ao São necessários um acto de arrependimento da nossa
tomarmos conhecimento do sofrimento quotidiano de parte e uma renovada tentativa de nos vermos a nós
um elevado número de pessoas, sofrimento este causado mesmos, os outros e o mundo que nos circunda, a partir
pela violência, a fome, a pobreza e a doença. Estamos de uma perspectiva do desígnio divino para a criação.

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O problema não é meramente económico e tecnológico, nos foi concedido um poder ilimitado sobre a criação.
mas moral e espiritual. Uma solução a níveis económico Somos somente administradores do património comum.
e tecnológico só é possível se experimentarmos, da 5. Reconhecer a diversidade das situações e das
maneira mais radical, uma íntima mudança do coração, responsabilidades na obra destinada a melhorar o meio
que leve a uma transformação do estilo de vida e dos ambiente mundial. Não podemos esperar que todas as
modelos insustentáveis de consumo e de produção. Só pessoas e instituições suportar o mesmo fardo. Cada
uma conversão autêntica a Cristo nos permitirá pessoa tem um papel a desempenhar; contudo, a fim de
transformar o nosso modo de pensar e de agir. que se respeitem as exigências da justiça e da caridade,
Em primeiro lugar, devemos voltar a ter uma atitude de as sociedades mais abastadas devem suportar a carga
humildade e a reconhecer os limites dos nossos poderes mais pesada, e delas é exigido um sacrifício maior do
e, sobretudo, os limites do nosso conhecimento e juízo. que aquele que os pobres podem oferecer. As religiões,
Temos tomado decisões, realizado obras e definido os governos e as instituições devem enfrentar muitas
valores que estão a afastar-nos do mundo, que deveria situações diversas mas, tendo como base o princípio de
ser segundo o desígnio de Deus para a criação, levando- subsidiariedade, todos podem desempenhar algumas
nos para longe daquilo que é essencial para um planeta tarefas, determinadas funções, em ordem ao bem
sadio e para um sã colectividade de pessoas. São comum.
necessárias uma nova abordagem e uma renovada 6. Promover uma abordagem pacífica das divergências
cultura, fundamentadas na centralidade da pessoa de opinião sobre o modo de viver na terra, de a
humana no seio da criação, e inspiradas por um compartilhar e de usufruir da mesma, e sobre o que
comportamento assente sobre uma ética que derive do devemos mudar e o que podemos deixar como está. Não
nosso tríplice relacionamento com Deus, connosco desejamos fugir a controvérsia sobre o meio ambiente,
mesmos e com a criação. Esta ética promove a porque confiamos nas capacidades da razão humana e
interdependência e sublinha os princípios de no caminho do diálogo para alcançar um entendimento.
solidariedade universal, de justiça social e de Comprometemo -nos no respeito pelas opiniões das
responsabilidade, em ordem a promover uma autêntica pessoas que não estão de acordo connosco, procurando
cultura da vida. soluções mediante um intercâmbio aberto, sem recorrer
Em segundo lugar, devemos admitir francamente que a à opressão, nem à prevaricação.
humanidade tem direito a algo de melhor, a um mundo Não é demasiado tarde. O mundo criado por Deus
livre da degradação, da violência e do derramamento de possui incríveis poderes de purificação. No decurso de
sangue, a um mundo de generosidade e de amor. uma única geração podemos preparar o caminho da terra
Em terceiro lugar, conscientes do valor da oração, para o futuro dos nossos filhos. Que esta geração tenha
devemos implorar a Deus que ilumine as pessoas de início agora, com a ajuda e a bênção de Deus!
toda a parte, para que cumpram o dever de respeitar e de Roma-Veneza, 10 de Junho de 2002.
velar atentamente sobre a criação.
"As Notícias Positivas Compensam"
Por isso, convidamos todos os homens e todas as
mulheres de boa vontade a avaliar a importância dos Por ELISABETE VILAR
seguintes objectivos éticos: In: Público, Sexta-feira, 21 de Junho de 2002
Entrevista com Claude -Jean Bertrand
1. Pensar nas crianças do mundo, quando elaborarmos e
considerarmos as nossas opções concretas. O investigador de "media" Claude-Jean Bertrand
2. Estar dispostos a estudar os valores autênticos, acredita que uma imprensa de qualidade é fundamental
em democracia. Porque "não há verdadeira democracia
fundamentados sobre o direito natural, que estão na base
de toda a cultura humana. sem cidadãos bem informados". E propõe um novo
3. Recorrer à ciência e à tecnologia de maneira íntegra e conceito de jornalismo e deontologia: servir o público
eficazmente.
construtiva, reconhecendo que os resultados da ciência
devem ser sempre avaliados à luz da centralidade da Admitindo-se um romântico, Claude-Jean Bertrand
pessoa humana, do bem comum e da finalidade inerente propõe novas abordagens ao exercício do jornalismo. O
investigador, em Lisboa para o lançamento do seu livro
à criação. A ciência pode ajudar-nos a corrigir os erros
do passado, em ordem a melhorar o bem-estar espiritual "A Deontologia dos Media", destrói um conjunto de
e material das gerações do presente e do futuro. Será o mitos. Afinal, o jornalis mo "positivo" aumenta a
audiência e presta um melhor serviço público. O desafio
amor pelos nossos filhos que nos mostrará o caminho a
seguir no futuro. é tornar interessante o que é importante. Mas, para isso,
4. Ser humildes no que diz respeito à ideia de há que perceber que quase ninguém lê jornais todos os
dias.
propriedade, demonstrando disponibilidade em relação
às exigências da solidariedade. Discute-se em Portugal o serviço público de TV.
A nossa condição de homens mortais e, além disso, a Considera que ele deve ser um paradigma da
deontologia mediática?
nossa debilidade de juízo, chamam a atenção para o
realização de acções irreversíveis no que se refere A minha definição de deontologia é bem servir o
àquilo que decidimos considerar como nossa público. Portanto, não tem nada a ver com o bem, o mal,
Aristóteles ou Kant. A TV de serviço público, que até
propriedade, durante a breve existência terrestre. Não
pode ser privada, é um modelo que dá às pessoas o
sentimento do que a TV pode ser no seu melhor. Parece-

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me importante que todos os países tenham uma TV de O que se adoptou até agora, e que é retransmitido aos
serviço público, para recordar padrões de qualidade. jovens, não presta hoje um bom serviço. O que se faz é
Mas se uma TV deontologicamente perfeita é a que um jornalismo de "iceberg", abordando apenas a
melhor serve o público, quem oferece produtos de superfície evidente das questões e ignorando as
qualidade duvidosa argumenta que é isso que o público tendências profundas. Mas é o resto que é importante e
quer ver ou ler... a sua abordagem pressupõe jornalistas especializados,
Bem, numa sociedade há a elite e a massa. É preciso que trabalham com tempo, para semanários, mensários
servir ambas. Há jornais que só servem a elite. Mas há ou mesmo livros.
outros que servem a massa com qualidade. É o caso do Nos EUA, por exemplo, um jornal do Wyoming
"Daily Mirror", na Inglaterra, que entre os anos 30 e 50, calculou - foi um processo moroso - a média de idades
sendo um jornal muito popular, com crimes, desporto e de todos os médicos da região, que era superior a 60
escândalos sexuais, também ajudava a compreender anos. E concluiu que, em breve, não haverá ali médicos.
grandes questões e fazia reflectir sobre os problemas do As autoridades locais tomaram medidas para atrair
mundo. jovens médicos para o Wyoming. Isto é transformar e
É, portanto, preciso ser inovador, fazer "propostas" ao melhorar a sociedade, prevenir as pessoas dos perigos
público e não ir, simplesmente, ao encontro do que ele que as ameaçam. É simpático fotografar uma catástrofe,
(pensa que) quer? mas o jornalismo deve tentar intervir antes, para evitar a
Certamente. Há coisas interessantes e coisas catástrofe. É preciso ir à procura. Em vez de seguir os
importantes. Por vezes, as coisas importantes são outros jornalistas para os mesmos sítios, é preciso sair,
interessantes, como a queda do Muro de Berlim. Mas, ver o que os outros não vêem.
frequentemente, as coisas importantes são aborrecidas. Mas não crê que há muitas limitações para isso?
Penso que o papel - e o desafio - dos jornalistas é torná- Bom, hoje quase todos os jornalistas têm formação
las interessantes. Mas também, por vezes, pegar nas universitária, são competentes, muito mais do que a
coisas pelas quais as pessoas se interessam e mostrar geração anterior. Quando elogiamos os jornalistas de
que são importantes. Um crime sangrento - por "antigamente" falamos de duas ou três celebridades, os
exemplo, um homem que mata dez pessoas com uma restantes eram terríveis. Também os jornais, embora
pistola - é interessante. Mas será importante? Pode sê- permaneçam medíocres, estão muito melhores.
lo. Há todo um conjunto de problemas sociais que Os profissionais podem ser dotados mas as condições de
permitiram o crime e que podem ser analisados. Nos trabalho têm-se degradado: há menos pessoas nas
anos 70, o "Nouvel Observateur" trazia semanalmente redacções, colagem à agenda institucional, pouco
duas páginas dedicadas a um "fait divers" cuja investimento na investigação...
relevância era demonstrada. Isto pode fazer-se com pouca gente: deixa -se o
Defende que não há "media" de qualidade sem institucional para as agências. É verdade que sondagens,
liberdade... inquéritos ou uma boa investigação custam muito. E por
Em primeiro lugar, a liberdade de que falo é a liberdade vezes sem resultados. Mas podemos socorrer-nos de
política mas também económica. Mas a liberdade é um profissionais que dispõem de informações estatísticas,
meio, não um fim. pesquisas sociais, estudos académicos.
E sem esse meio não se pode ter uma imprensa de É portanto um optimista?
qualidade? Sou talvez romântico. Acho que as coisas evoluem, mas
Não. A humanidade arrisca-se a desaparecer sem lentamente. Um dos problemas é que o jornalismo se
democracia. Só a participação cívica pode assegurar a mantém negativo - porque os acontecimentos negativos
sobrevivência da civilização. E não há verdadeira são mais fáceis.
democracia sem cidadãos bem informados. E não há Mas o jornalismo até é definido como "o que está mal".
cidadãos bem informados sem "media" de qualidade. É ridículo. Cria a impressão de que tudo vai mal, de que
Para isso, é preciso liberdade. E deontologia, tal como a o mundo é só desgraça e corrupção. É preciso dizer que
entendo, que não é definida apenas pela negativa, por as coisas estão melhores. É absolutamente necessário
tudo o que não se pode fazer, mas também pelas curar os jornalistas dessa tendência, fazê-los prestar
obrigações. Se os jornalistas aplicarem estas regras e atenção ao que está bem. Um jornal britânico decidiu
redefinirem o conceito de jornalismo, recuperarão a equilibrar o número de notícias positivas e negativas. E
credibilidade social. as vendas aumentaram. O director de uma televisão dos
Mas há, em países sem liberdade, "media" clandestinos EUA decidiu que não transmitiria mais peças sobre
"livres", esclarecedores e com um discurso diferente do crimes, excepto quando estivesse em causa o interesse
dominante. público - por exemplo, se andasse um psicopata à solta
Isso é outra coisa. É jornalismo militante, de comb ate. É na cidade. E a audiência aumentou em mais de 20 por
especial, não obedece às mesmas regras. Não se destina cento. Ou seja, as notícias positivas compensam. Há
a informar mas a reformar. Mas é verdade que a muitos mitos que é preciso destruir nos "media".
comunicação por satélite e Internet tornou praticamente Quais?
impossível o controlo da informação nesses países. Por exemplo, o da publicação diária. A maioria das
Referiu um novo conceito de jornalismo. Qual é a sua pessoas não lê um jornal todos os dias. Além disso, para
proposta? fazer bom jornalismo não se pode trabalhar num diário.

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É muito curto. Duas ou três horas para escrever um um valor e dignidade intrínsecos, independente das suas
texto é ridículo. Falta tempo para aprofundar a convicções, raça, cultura, sexo ou idade.
investigação, fazer as leituras necessárias. É preciso O serviço de notícias é de distribuição totalmente
uma semana, pelo menos. gratuita e os estudantes que trabalham nele fazem-no em
E como é que se pode mudar isso? regime de voluntariado. Não recebem qualquer
Bem, tem que ser de dentro. Não podem ser as pessoas recompensa pelas horas de procura, tradução e envio de
na rua a dizer o que está mal nas redacções. E os notícias. Eles fazem isso porque sabem que estão a
proprietários dos "media" só estão interessados no lucro. ajudar o mundo ao espalhar a verdade. Este é o caminho
Cabe, portanto, aos jornalistas mudar a tendência. Para que as pessoas sem grandes in fluências tem para mudar
isso, têm de ultrapassar o seu individualismo e tornar-se o mundo. O seu lema é 'vale a pena o esforço'. É
mais solidários. Mas também deixar de proteger também promovido pelo Centro Cultural Montemuro
corporativamente os jornalistas desonestos, preguiçosos (www.montemuro.org), que é uma instituição sem fins
e incompetentes. lucrativos que tem por objectivo a formação integral dos
jovens, numa atmosfera de liberdade e respeito mútuo.
A Globalização da Verdade As notícias que se podem esperar encontrar neste
Texto integral da comunicação sobre o Infomail serviço são tipicamente relacionadas com temas como a
apresentada no XXXIV Congresso Universitário educação, liberdade política e religiosa, discriminação,
Internacional UNIV 2001 respeito pela vida humana e tudo o que esteja
In: http://montemuro.org/infomail/noticia.php?idNoticia=83 relacionado com a liberdade e dignidade do ser humano.
Isso inclui temas como a família, a cidadania, o aborto,
Actualmente a globalização é um tema que diz respeito a eutanásia, a educação sexual, a pobreza, a demografia,
à maioria dos intervenientes no mundo da cultura, a fome, a solidariedade, a tolerância, a discriminação, a
política, economia e segurança. A "Era da Informação" guerra, o abuso de menores e o racismo entre outros. O
é um slogan conhecido e repetido vezes sem conta. Infomail é aconfessional e apolítico. As pessoas,
Contudo, muitas vezes a verdade não consegue recebendo as notícias, conhecerão soluções para
encontrar o seu caminho no mundo actual. A Internet é problemas específicos que funcionam (ou não) em
uma boa solução para aceder a informação credível a qualquer parte do mundo.
nível mundial. É possível ir à sua origem e verificar as O Infomail tem tido um sucesso considerável. Existem
notícias que os meios tradicionais (jornais, televisões, cerca de 180 subscritores e o número está a aumentar
etc) oferecem. Além disso, é também possível conhecer rapidamente. De facto, e uma vez que não foi feita
e transmitir todas aquelas notícias que os meios nenhuma campanha para angariar subscritores, nós
tradicionais omitem por razões de ordem ideológica, pensamos que este valor é muito satisfatório. Mas o
política ou outras. Exemplos típicos são as notícias a mais importante é o interesse que os jovens demonstram
favor da vida (não é politicamente correcto mencioná- ao colaborar nesta iniciativa. Cerca 15 jovens
las), perseguições nos países do Extremo Oriente, etc. universitários espalhados por todo o país estão a ajudar,
Pensamos que muitas coisas que acontecem a nível traduzindo para português notícias em inglês, espanhol,
mundial são omitidas, por várias razões, dos meios de italiano e francês. E recebemos mesmo várias ofertas de
comunicação tradicionais. O sofrimento das pessoas, as ajuda por correio electrónico. Todos trabalham como
guerras, a violação dos direitos humanos, não são voluntários, acreditando que estão a fazer um bom
muitas vezes alvo das atenções dos jornais. Além disso, contributo para a difusão da verdade e tornando o
existem mesmo coisas boas que estão a ser feitas e mundo um pouco melhor. Isto ajuda os voluntários a
imenso progresso nesses campos. Contudo as pessoas aumentar a sensibilidade para os problemas sociais e a
continuam a não ouvir nada disto nos noticiários. tornarem-se activistas nestas matérias. Os
Um grupo de alunos universitários da Universidade do colaboradores, além das notícias que recebem, também
Minho, em Braga (Portugal), reconhecendo as imensas aproveitam para treinar em tradução de textos, na
possibilidades de comunicação da Internet, e tendo em organização de um projecto e no uso e manutenção de
conta que a ignorância é o pior inimigo da espécie uma página da Web.
humana, decidiu fazer alguma coisa que pode ajudar a A maior lição que podemos tirar desta iniciativa é que,
difundir a informação tanto quanto possível, informação se houver uma forte motivação social, as pessoas,
essa que não costuma estar acessível em países de especialmente as mais novas, estão dispostas a dar parte
língua oficial portuguesa. Estes jovens estudantes, do seu tempo para colocarem um projecto a funcionar.
notando por um lado a forma como são violados os Actualmente, estamos a tentar consolidar o serviço de
direitos humanos e muitos dos princípios básicos da notícias procurando patrocinadores para melhorar o
dignidade humana e por outro lado que as pessoas em hardware e software dos nossos computadores
geral não estão a par do que está a ser feito neste campo (trabalhamos com o muito modesto material que o
(tanto positivo como negativo), pensaram em criar um centro cultural dispõe) e a nossa ligação à Internet,
serviço de notícias distribuído por correio electrónico. aumentando o número de fontes de informação e
O serviço de notícias é denominado INFOMAIL e tem fazendo propaganda ao serviço para aumentar o número
como objectivo promover o respeito pela liberdade e de subscritores.
dignidade do ser humano. Os seus promotores têm a
convicção de que todo o ser humano é único e que tem

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Temos a consciência de que o Infomail tem um teologia hermética para justificar uma moral bafienta.
potencial de milhares de pessoas para receber as Assim, o século perdeu a resposta mais brilhante às
notícias. A nossa ambição é que o maior número de perguntas que ele mesmo coloca permanentemente. O
pessoas se torne conhecedora e sensível em relação ao nosso tempo anseia por ser livre. «Não há dúvida que a
que se faz no mundo que diz respeito aos direitos nossa época adquiriu uma percepção particularmente
humanos. viva da liberdade.»(31). Essa é a grandeza, o ponto de
Estamos convencidos do que o Papa João Paulo II disse honra da nossa geração. Que ao mesmo tempo vive o
na sua mensagem do Dia Mundial das Comunicações: drama da liberdade: quanto mais a consegue, mais a
"a relação entre a realidade e os media tem-se tornado anseia. Nunca houve tanta liberdade e nunca se gritou
mais intrincada, e isto é um fenómeno profundamente tanto por ela. «A razão e a experiência atestam não só a
ambivalente. Por um lado, isto pode diluir a distinção debilidade da liberdade humana, mas também o seu
entre verdade e ilusão mas, por outro lado, pode criar drama. O homem descobre que a sua liberdade está
oportunidades sem precedentes para tornar a verdade misteriosamente inclinada a trair esta abertura para o
mais facilmente acessível a cada vez mais gente." verdadeiro e para o bem.» (86).
João Paulo II está convencido de que a era das De onde vem o desequilíbrio? O Papa faz um
comunicações globais oferece uma oportunidade única diagnóstico simples: «Somente a liberdade que se
para a evangelização. "Pode criar oportunidades para submete à verdade conduz a pessoa humana ao seu
tornar a verdade mais facilmente acessível a cada vez verdadeiro bem. O bem da pessoa é estar na verdade e
mais gente." praticar a verdade.»(84). Esta ideia é fulcral. Não há
liberdade na mentira, na falsidade, no engano. «Este
Decálogo para as férias laço essencial entre verdade-bem-liberdade foi perdido
1. Vive a Natureza. Na praia, na montanha, na planície, em grande parte pela cultura contemporânea.» (84). Este
descobre a presença de Deus. Louva-O por ter feita a é o problema da nossa liberdade. Mas onde está a
natureza tão bonita. verdade? «A pergunta de Pilatos: "O que é a verdade?"
2. Vive o teu nome e a tua condição de cristão. No emerge também da desoladora perplexidade de um
verão, não te envergonhes de ser cristão. Não falseies a homem que frequentemente já não sabe quem é, donde
tua identidade. vem e para onde vai. E é assim que não raro assistimos
3. Vive o Domingo, que, mesmo em férias, continua a à tremenda derrocada da pessoa humana em situações
ser o Dia do Senhor. Deus não faz férias. Tens mais de autodestruição progressiva.» (84). Todas as culturas
tempo livre. Participa na Eucaristia dominical. partem das perguntas fundamentais da identidade
4. Vive a Família. Dialoga, brinca, saboreia o convívio humana: «Quem é, donde vem, para onde vai.»
sem pressas. Reza em família. Vai à Igreja em família. Aliás, responder-lhes é a razão primordial de qualquer
5. Vive a Vida. A Vida é o grande dom de Deus. Não cultura. O mais elementar bom-senso, a simples
faças perigar a tua própria vida e evita riscos na vida observação do mundo levou todas «as g randes tradições
dos outros. religiosas e sapienciais do Ocidente e do Oriente»(94) a
6. Vive a Amizade. Desde a escuta, a confiança, a um resultado evidente: ninguém é bom. «Ninguém é
ajuda, o diálogo, o enriquecimento e o respeito pela bom, senão só Deus.» (Mc 10, 18). Mas a sociedade
dignidade sagrada das outras pessoas. moderna, que soube isto, esqueceu-se e vive hoje a
7. Vive a Justiça. Não esperes que te dêem tudo feito. «desoladora perplexidade» do relativismo que leva «à
Os outros trabalham para que tu tenhas férias. Eles tremenda derrocada da pessoa humana em situações de
também têm os seus direitos. Respeita os seus bens. autodestruição progressiva».
8. Vive a Verdade. Evita a hipocrisia, a mentira, a Não é preciso muito esforço para compreender o que
crítica, a presunção enganadora e interessada ou a isto significa todos os dias nos dramas concretos das
vanglória. nossas cidades.
9. Vive a Pureza de coração. Supera a cobiça, o Apesar disso, a verdade continua a falar dentro de nós:
egoísmo e o hedonismo. Férias não equivale a «Nas profundezas do seu coração, permanece sempre a
permissividade. nostalgia da verdade absoluta.» (1). O bem mete-se
10. Vive a Solidariedade. Não a queiras toda para ti. connosco todos os dias: «A verdade sobre o bem moral,
Pensa nos que não têm férias, porque nem sequer têm o declarada na lei da razão, é reconhecida prática e
pão de cada dia. A caridade também nunca mete férias. concretamente pelo juízo da consciência, o qual leva a
Estes dez mandamentos resumem-se em dois que são: assumir a responsabilidade do bem realizado e do mal
Em férias, continua a lembrar-te de Deus e do próximo. cometido: se o homem comete o mal, o recto juízo da
Autor: Monsenhor Xavier Salinas sua consciência permanece nele testemunha da verdade
universal do bem, como também da malícia da sua
O esplendor da liberdade escolha particular.» (61). Esta é a dinâmica central da
João César das Neves moral.
DN 030818 Na consciência combinam-se em harmonia os dois
Passam dez anos sobre um dos textos mais marcantes da pólos: «A liberdade do homem e a lei de Deus não se
actualidade. Quando o Papa João Paulo II publicou a opõem; antes pelo contrário reclamam-se mutuamente.»
encíclica O Esplendor da Verdade a 6 de Agosto de (17). A conclusão é cristalina: «Portanto, a liberdade
1993, a crítica foi unânime em dizer que era uma

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necessita de ser libertada. Cristo é o seu libertador: Ele a vida dos prazeres e da sensualidade, não desistia
"nos libertou, para que permaneçamos livres" (Gal 5, angustiadamente de questionar e de procurar a verdade e
1).» (86). um sentido de viver.
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt «Uma enorme tempestade», como ele próprio diz (Livro
VIII, XII, 28), habitava no seu íntimo. E descreve:
Férias, Tempo de Fuga Ou de Retiro «Retinham-me as frivolidades das frivolidades e as
MÁRIO PINTO vaidades das vaidades, minhas amigas de há muito, e
Público, Segunda-feira, 18 de Agosto de 2003 sacudiam-me a veste carnal, murmurando baixinho:
1. Os meios de comunicação social noticiaram, há "mandas-nos embora?"; lembra-te de que "a partir desse
tempos, que um conhecido actor francês, Gérard momento, não estaremos mais contigo", e "nunca mais
Depardieu, descobriu, com grande deslumbramento, o te será permitido isto e aquilo"» (Livro VIII, XI, 26).
clássico livro «Confissões», de Santo Agostinho. E que Mas ele continuava dizendo para si próprio: «por quanto
decidiu partilhar com os outros a descoberta, fazendo tempo, por quanto tempo mais continuarei a dizer
leituras públicas desse livro, por aqui e por ali, com "amanhã" e "amanhã"? Porque não já?» (ibidem).
grande sucesso de audiências. Esperemos que venha Relata-nos por estas palavras a sua conversão: «Dizia
também a Portugal, até porque não será a primeira vez isto e chorava com a contrição amaríssima no meu
que nos visita - ainda não há muito, encontrei-o por coração. Eis então que ouço uma voz vinda da casa ao
acaso numa loja da zona do Chiado a fazer compras. lado, como canto de alguém, não sei se menino ou
Como estamos em tempo de férias, e é de uso que toda a menina, que dizia e repetia muitas vezes: "Pega e lê;
gente se possa permitir recomendar um livro a seu pega e lê». Intrigado, procurou recordar-se de alguma
gosto, eu aqui me atrevo a dar aos meus leitores um cantiga ou lenga-lenga infantil que correspondesse ao
aperitivo do livro em questão. Não para leitura de que ouvia, mas concluiu que aquela frase nunca a tinha
simples entretenimento; mas para verdadeiro retiro de ele ouvido em nenhuma canção ou outro lugar. Como
férias (há uma excelente edição na Imprensa Nacional). pouco antes tinha estado a ler textos das cartas de S.
Nesse seu livro, Agostinho de facto confessa-se Paulo, veio-lhe à ideia que lhe estava a ser pedido que
publicamente, contando da sua vida e da sua conversão. tomasse o livro e lesse o primeiro texto que se lhe
Como era um homem genial de temperamento e deparasse. Assim fez. E conta: «Peguei nele, abri-o, e li
inteligência, magnífico escritor e muitíssimo culto em silêncio o capítulo sobre o qual em primeiro lugar os
enquanto humanista e filósofo do seu tempo, resulta que meus olhos caíram». Era o seguinte: «nem em
o livro é um notável retrato interior do drama humano comezainas e bebedeiras, nem em libertinagens e
de um homem de excessos (que tudo experimenta dos dissoluções, nem em rivalidades e invejas, mas revesti-
«prazeres da vida»), de um homem de grande saber vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação
filosófico (que entra nos mais vivos debates do seu da carne e da concupiscência» (Rom 13, 13-14). «Logo
tempo), enfim, de um homem de uma grandiosa alma de que acabei de ler esta frase (continua ele) não quis ler
convertido (convertido filósofo, convertido teólogo, mais, nem era preciso. Pois logo se derramou no meu
convertido asceta, convertido místico). coração como que uma luz de segurança, e todas as
A cada leitor poderá impressionar mais uma ou outra trevas da dúvida se dissiparam» (Livro VIII, XII, 29).
faceta deste testemunho verdadeiramente grande, mas o 3. O que mais interpela é este efeito que Agostinho
que é abissal é o todo destas «Confissões», incluindo o confessa sentiu no seu coração - efeito que (note-se
seu estilo literário. Quando penso que perdemos horas, bem) não foi emoção de um momento, porque
dias, meses e talvez anos da nossa vida a ler mera ficção permaneceu durante a sua vida inteira. Não tanto a frase
(de tantos autores que por pouco mais se distinguem, que lhe saiu, e nem sequer a sua adequação à situação.
quando se distinguem, do que por escrever melhor ou Por mim, confesso que também já fiz esta experiência
pior), não posso deixar de concordar com as velhas de inesperadamente ter lido, como se pela primeira vez
sentenças, que elogiam não simplesmente a leitura e com relâmpagos interiores, palavras que já lera e
(como tantas vezes se ouve por aí), mas apenas a leitura conhecia antes, mas nunca me tinham falado como
dos bons livros, somente dos bons livros - dos outros, é então. Toco aqui, assim o creio, um fenómeno
pura perda de tempo. mistérico, em que se dá uma comunicação pessoal entre
2. Receio que, paradoxalmente, a «mentalidade» típica o inefável e nós. E encontro uma explicação esotérica na
da nossa época tenda para se tornar cada vez mais a- frase evangélica: «quem tem ouvidos para ouvir, ouça».
filosófica: as pessoas contentam-se com aderir ao É verdade que nós ouvimos muitas vezes sem ouvidos.
«pensamento politicamente correcto» porque lhes E que, de repente e inesperadamente, há como que um
convém ao estilo de vida e lhes dá por cima o aval bem- relâmpago de luz e de íntima segurança que tudo muda
pensante e da moda. O pós-modernismo deste para sempre.
pensamento já não conserva nada do humanismo No relato de Agostinho, é evidente que ele estava
jusnaturalista confiante da modernidade; e nem da preparado para escutar, porque a sua angústia de
filosofia dos «maîtres du soupçon» subsiste já sequer a procura e de encontro atingia uma dramática intensidade
angústia do existencialismo. Hoje já não há a angústia existencial. Mas há casos (de conversões ou segundas
da dúvida, porque em lugar desta se proclamou a certeza conversões) em que nada parece indicar que havia uma
de que não há verdade, e apenas as escolhas de cada um. preparação anterior. Por exemplo, com S. Francisco de
Agostinho, pelo contrário, embora vivesse intensamente

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Assis e Santo Inácio de Loyola (para não falar do caso Frequentar uma prostituta é colaborar com a escravatura
milagroso de S. Paulo). O meu leitor já leu as histórias - quase de certeza. Mas é carne fresca e mais barata.
das suas conversões? São verdadeiramente Talvez também haja escravas no serviço agrícola e no
desconcertantes. Como é explicável que o jovem, rico e doméstico. Há anos, em Paris, foi descoberta por acaso
«bon vivant» Francisco Bernardone tenha deixado tudo uma escrava doméstica de uma família bem; tinha sido
para ser o «poverello» de Assis? E Inácio de Loyola, trazida de África, e o seu passaporte fora confiscado
nobre cavaleiro escravo das convenções guerreiras dos pelos patrões.
séculos XV-XVI, amigo dos prazeres da corte a que não Nos próximos anos, a escravatura aumentará. Porque o
desejava renunciar, que se converteu enquanto lia discurso oco dos direitos humanos legitima a violação
sozinho livros sobre a vida dos santos, só porque não dos direitos humanos. Porque a economia e a
havia livros de cavalaria no castelo em que estava demografia a favorecem. Na Europa falta gente. No
aguardando que a sua perna partida se consolidasse? resto do mundo sobra. O preço de um ser humano
4. E o que têm estas minhas reflexões a ver com as embarateceu: em 1850, um escravo no Alabama custava
praias do Algarve, mar, areia e sol, durante o dia, ceia, o equivalente a cerca de 30 mil euros. Hoje custa cem
música e dança, à noite? Têm a ver porque, enquanto euros, no mercado internacional.
isso, o mundo continua a existir e nenhum de nós está Este ano, os EUA proporão sanções económicas contra
fora dele. A cada instante, há mortes e nascimentos, os países escravocratas - muitos dos quais são os
incêndios e neves eternas, violências e compaixão, risos mesmos que acolhem o terrorismo. São menos de duas
e choros, paz e guerras, luxo e miséria, felicidade e dúzias os Estados que combatem a nova escravatura -
desgraça. Poderemos nós fazer férias nalgum lugar entre os quais Portugal. Quinze toleram-na. Entre eles
fugidos de tudo isto e de nós mesmos? E fugidos da está um membro da União Europeia, a Grécia. Tem
amorosa perseguição de Deus? graça que seja a terra de Sócrates.
Os Escravos Entre Nós Crise de valores da Europa: preocupação do Papa
LUÍS SALGADO DE MATOS In: Zenit, 030818 ZP03081802
Público, Segunda-feira, 18 de Agosto de 2003 Dedica ao tema as intervenções durante os «Ángelus»
O regresso da escravatura é um fenómenos perturbador. deste verão
Não falamos dos confins do Oriente. Os escravos estão CASTEL GANDOLFO, 18 de agosto de 2003
entre nós. (ZENIT.org).- A crise de valores que a Europa vive se
Os Estados Unidos, a única potência que combate a converteu na preocupação que João Paulo II vem
escravatura, revela no seu terceiro relatório anual sobre expressando insistentemente neste verão.
tráfego de pessoas, há pouco publicado, que são feitos A esse tema dedicou as últimas seis intervenções
cada ano quase 900 mil novos escravos - para prestação públicas que pronunciou em seus encontros dominicais
de serviços sexuais e trabalho em geral. Escravo em com os peregrinos congregados no pátio da residência
sentido estrito é um ser humano sem personalidade pontifícia de Castel Gandolfo para rezar a oração
jurídica e que, por isso, é transaccionável. A lei mundial mariana do «Ángelus».
garante a personalidade jurídica a todos os humanos - «Não se pode negar que, em nossos tempos, a Europa
mas não garante os meios para a concretizar. atravessa uma crise de valores, e é importante que
Um traficante dá ? 100 aos pais de uma adolescente a recupere sua verdadeira identidade», afirmou esse
troco da posse dela. A adolescente fica sem documentos domingo o pontífice comentando a exortação apostólica
pessoais. Passa a ser uma escrava. A palavra «escrava» «Ecclesia in Europa», publicada em 28 de junho, na
não é usada, claro. qual recolhia as conclusões do sínodo de bispos desse
Reter os documentos pessoais é hoje uma das formas continente, celebrado em 1999.
mais comuns de fazer escravos. Outra é a dívida: «para «O processo de ampliação da União Européia a outros
te tirar daqui, tens que me pagar x centenas de milhares países não pode afetar somente os aspectos geográficos
de dólares». O desgraçado aceita - e fica para sempre na e econômicos, mas deve traduzir-se em um renovado
mão do credor-traficante. Talvez este caso não seja acordo de valores que devem expressar-se no direito e
escravatura mas matou a liberdade da pessoa: o na vida», disse.
proletário mais explorado é livre de mudar de patrão; o Para o Papa, a Europa não é somente «um espaço
imigrante endividado é um preso. geográfico», mas sim «um conceito predominantemente
Supúnhamos que dois milénios de cristianismo tinham cultural e histórico» ao qual «a fé cristã deu forma», e
suprimido a escravatura. Erro. Em Portugal, aceitamo -la cujos valores fundamentais inspiraram «o ideal
- talvez por a supormos inexistente. Quando começou a democrático e os direitos humanos da modernidade
importação ilegal de trabalhadores de leste, nem patrões européia».
nem sindicatos protestaram. Uma interpretação caridosa Além da ausência de uma menção na futura
dirá que queríamos assim defender os direitos dos Constituição européia --que atualmente se encontra em
cidadãos imigrantes. Começámos a resmungar porque fase final de redação-- do papel do cristianismo no
os traficantes de escravos causavam crimes. continente, o que preocupa o Santo Padre é a
Na construção civil haverá trabalhadores em situações secularização que avança na Europa sob a forma de
dúbias. Nos bares de alterne ou semi-clandestinos estão
pessoas cujo estatuto jurídico será o de escravos.

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«agnosticismo e ateísmo prático» (Cf. «Angelus», 27 de incrível, mas há mesmo imensa gente no Ocidente
julho de 2003). convencida que o mundo inteiro existiu milénios
Ante essa situação, o Papa propõe «um renovado embrutecido numa selvajaria miserável. Nem se nota a
compromisso» «para que toda a existência dos crentes suprema incongruência dessa hipótese. Não vemos que
seja um autêntico culto espiritual agradável a Deus», em somos herdeiros desses séculos e com eles aprendemos
particular através do redescobrimento do «valor do tudo. Não reparamos que essas eras atingiram níveis de
domingo», como explicou no «Angelus» de 3 de agosto. elevação sublime que escapam à nossa tecnologia.
«Este dia é símbolo por excelência do que o «Diálogos» e mármores, catedrais e gregoriano, frescos
cristianismo representou e representa para a Europa e o e poesia épica, cantatas e trípticos desses «bárbaros
mundo: a perene proclamação da boa nova da selvagens» são monumentos incomparáveis que não
ressurreição de Jesus, a celebração de sua vitória sobre o sabemos reproduzir.
pecado e a morte, o compromisso pela plena libertação Nem damos conta, por outro lado, como a nossa
do homem», declarou. sociedade da droga, divórcio, consumismo, desemprego
Por este motivo, declarou, «resguardando o sentido e suborno, parece decadente. Como nós perdemos o
cristão do domingo, se oferece à Europa uma sentido comunitário, imaginamos séculos de tirania
contribuição notável para a tutela de uma parte essencial permanente. Como desprezámos o matrimónio,
do próprio patrimônio espiritual e cultural». pintamos gerações de tortura doméstica. Como
Este anúncio da mensagem central do Evangelho, ignoramos a religião, inventamos milénios de fanatismo
segundo o Papa, deve ser apoiado por «uma eficaz ação acéfalo ou hipocrisia interesseira. Como vivemos em
de promoção humana», inspirada na «cultura da individualismo cínico, impomos explicações egoístas
solidariedade». para fé, cavalheirismo, honra, patriotismo.
«É necessário também hoje “devolver a esperança aos No entanto, o problema não é só com o passado, mas
pobres”, porque acolhendo e servindo-lhes, se acolhe e também nas relações do mundo global. É cada vez mais
se serve o próprio Cristo. Os desafios que nesse âmbito evidente a incapacidade da cultura ocidental de
interpelam os crentes na Europa são muitos», assegurou compreender e respeitar as demais. Os casos são
o Papa em 10 de agosto. miríade. Afeganistão, Iraque, Libéria por exemplo, são
«Pobres são hoje tantas categorias de pessoas, entre elas vistos como povos inferiores, que têm de ser salvos de
os desempregados, os enfermos, os anciãos, os anciãos fundamentalismos desmiolados. «Salvos» significa,
sozinhos ou abandonados, os que não têm uma casa, os obviamente, serem apresentados às maravilhas dos
jovens marginalizados, os imigrantes e os prófugos», hamburgers, discotecas, chicana parlamentar e reality
declarou. shows. Se rejeitarem essas delícias ocidentais, eles
«Serviço de amor é voltar a propor com fidelidade a apenas manifestam serem fundamentalistas, retrógrados
verdade do matrimônio e da família --acrescentava e ignorantes. Muita da nossa justa ânsia pelo
nessa ocasião-- , e educar os jovens, os noivos e as desenvolvimento dos pobres vem, no entanto, do nosso
próprias famílias para que vivam e difundam o desprezo pelas suas culturas. A nossa civilização é
“evangelho da vida”, lutando contra a “cultura da liberal, heterodoxa, aberta e tolerante. Isso é bom. Mas
morte”». temos uma terrível intolerância para tudo o que não seja
O constante chamado do Papa à contribuição e liberal, heterodoxo, aberto e tolerante. Consideramos
reconhecimento dos valores cristãos se baseia em uma mesmo que essa é a única forma humana de viver. Não
convicção expressada nesse mesmo dia: «Somente com compreendemos que haja quem veja a nossa democracia
a contribuição de todos pode-se construir na Europa e como desgoverno e a nossa tolerância como deboche.
no mundo uma “cidade digna do homem” e uma ordem É justo e legítimo admirar a própria cultura e tê-la como
internacional mais justa e solidária». referência na consideração do mundo e do tempo. Todos
as épocas o fizeram. Mas como as traves-mestras da
A síndrome de Hollywood civilização repousam sobre o respeito e o diálogo
In: DN 030825 cultural, é preciso tolerar outras visões do mundo,
João César das Neves sobretudo quando não comungam dos mesmos
Na sua idade de ouro, os filmes de Hollywood tinham princípios. Acima de tudo, lembre-se que impor a
uma característica típica: eram sempre sobre as mesmas democracia é sumamente anti-democrático e forçar a
personagens. Fosse a acção nos egípcios de Cleópatra, tolerância é supinamente intolerante. O
mongóis do Khan, índios de Montezuma ou extra- fundamentalismo ocidental tem uma consequência
terrestes de Spock, os protagonistas actuavam só como paradoxal: a violação dos seus próprios fundamentos.
americanos da classe média em meados do século XX. naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt
Apesar das roupas exóticas, ambientes insólitos, olhos
em bico ou orelhas pontiagudas, era sempre a sociedade João Paulo II: O segredo do optimismo
local a retratada. No fundo, a nossa cultura, como Zenit 030903
Hollywood, nunca percebeu o passado. Nunca houve Meditação sobre o Salmo 91
um tempo que tanto julgasse o antigo e tão pouco o CIDADE DO VATICANO, 3 de setembro de 2003
entendesse. Como Hollywood. Não conseguindo (ZENIT.org).- Publicamos a intervenção de João Paulo
imaginar a vida sem duche, frigorífico, telefone e II na audiência geral desta quarta-feira dedicada a
aspirina, deduzimos que antes deles era a barbárie. É comentar o Salmo 91, louvor ao Deus criador.

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É bom dar graças ao Senhor 2. Através das palavras de Santo Agostinho, podemos
e cantar a vosso nome, ó Altíssimo, entrar no coração de nossa reflexão e enfrentar o tema
proclamar pela manhã vossa misericórdia fundamental do Salmo: o do bem e o mal. Tanto um
e de noite vossa fidelidade, como o outro são pesados por Deus justo e santo,
com harpas de dez cordas e liras, «excelso pelos séculos» (v. 9), o que é eterno e infinito,
sobre arpejos de cítaras. a quem não se escapa nenhuma das ações do homem.
Vossas ações, Senhor, são minha alegria, São confrontados, deste modo, de maneira reiterada,
e meu júbilo, as obras de vossas mãos. dois comportamentos opostos. A conduta do fiel está
Que magníficas são vossas obras, Senhor, dedicada a celebrar as obras divinas, a penetrar na
que profundos vossos desígnios! profundidade dos pensamentos do Senhor e por este
O insensato não compreende isto, caminho sua vida irradia luz e alegria (Cf. versículos 5-
nem o estúpido se dá conta. 6). Pelo contrário, o homem perverso é descrito em sua
Ainda que germinem como erva os malvados cerração, incapaz de compreender o sentido escondido
e floresçam os malfeitores, das vicissitudes humanas. A fortuna momentânea lhe
serão destruídos para sempre. faz ser temerário, mas na realidade é intimamente frágil
Vós, ao contrário, Senhor, e após o efêmero êxito se encaminha para o fracasso e a
sois excelso pelos séculos. ruína (Cf. versículos 7-8). O Salmista, seguindo o
Porque vossos inimigos, Senhor, perecerão, modelo de interpretação freqüente no Antigo
os malfeitores serão dispersos; Testamento, o da retribuição, está convencido de que
mas me dais a força de um búfalo Deus recompensará os justos já nesta vida, dando-lhes
e me ungís com azeite novo. uma velhice feliz (cf. versículo 15) e logo castigará os
Meus olhos desprezaram meus inimigos, malvados.
meus ouvidos escutarão sua derrota. Na realidade, como afirma Jó e ensina Jesus, a história
O justo crescerá como uma palmeira, não pode ser interpretada de uma maneira tão linear. A
como o cedro do Líbano se levantará: visão do Salmista se converte, portanto, em uma súplica
plantado na casa do Senhor, ao Deus justo e «excelso» (cf. versículo 9) para que
crescerá nos átrios de nosso Deus; entre nos acontecimentos humanos para julgá-los,
na velhice seguirá dando fruto fazendo resplandecer o bem.
e será grande e formoso, 3. O contraste entre o justo e o malvado é retomado de
para proclamar que o Senhor é justo, novo pelo que ora. Por um lado, apresenta os
que em minha Rocha não existe a maldade. «inimigos» do Senhor, os «malfeitores», uma vez mais
1. Acaba de nos ser proposto o cântico de um homem destinados à dispersão e ao fracasso (Cf. versículo 10).
fiel ao Deus santo. Trata-se do Salmo 91, que como Por outro lado aparecem em todo seu resplendor os
sugere o antigo título da composição, era utilizado pela fiéis, encarnados pelo Salmista, que descreve a si
tradição judaica «para o dia do sábado» (versículo 1). O mesmo com imagens pitorescas, tomadas da simbologia
hino começa com um chamado generalizado para oriental. O justo tem a força irresistível de um búfalo e
celebrar e louvar ao Senhor com o canto e a música (Cf. está disposto a desafiar toda adversidade; sua frente é
versículos 2-4). É uma fonte de oração que parece nunca consagrada com o azeite da proteção divina, que se
ser interrompida, pois o amor divino deve ser exaltado converte em uma espécie de escudo, que defende o
na manhã, quando inicia a jornada, mas deve ser eleito dando-lhe segurança (Cf. versículo 11). Do alto
proclamado também durante o dia e durante o longo de sua potência e segurança, o que ora vê como os
transcorrer das horas nocturnas (Cf. versículo 3). iníquos se precipitam no abismo de sua ruína (Cf.
Precisamente a referência aos instrumentos musicais, versículo 12).
feita pelo Salmista no convite da introdução, provocou O Salmo 91 resume, portanto, felicidade, confiança,
em Santo Agostinho esta meditação, que aparece dentro optimismo: dons que temos de pedir a Deus
de sua «Exposição» sobre o Salmo 91: «Que significa, precisamente em nosso tempo, no qual se insinua com
irmãos, entoar hinos com a cítara? A cítara é um facilidade a tentação da desconfiança e inclusive do
instrumento musical de cordas. Nosso saltério é nosso desespero.
trabalhar. Aquele que realiza obras boas com as mãos 4. Nosso hino, na esteira da profunda serenidade que o
eleva hinos a Deus com a cítara. Quem confessa com a atravessa, deixa ao final uma visão dos dias da velhice
boca, canta a Deus. Canta com a boca! Pronuncia dos justos e os pre vê também serenos. Quando
salmos com as obras!… Mas, então, quem canta? Quem chegarem estes dias, o espírito do que ora seguirá sendo
realiza o bem com alegria. O canto, de facto, é sinal de vivaz, alegre e operante (Cf. versículo 15). Se sente
alegria. Que diz o apóstolo? “Deus ama o que dá com como as palmeiras ou os cedros, que foram plantados
alegria” (2 Corintios 9,7). Faça o que fizeres, faça-o nos pátios do templo de Sião (Cf. versículo 13-14).
com alegria. Então fazes o bem e o fazes bem. Se, pelo As raízes do justo se fundem no próprio Deus de quem
contrário, actuas com tristeza, ainda que através de ti se recebe a seiva da graça divina. A vida do Senhor o
faça o bem, não és tu quem o realiza» («Exposições alimenta e o transforma, fazendo-o florescente e
sobre os Salmos, III, Roma 1976, páginas 192-195) fecundo, ou seja, capaz de dar-se aos demais e de
testemunhar a própria fé. As últimas palavras do

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salmista, nesta descrição de uma existência justa e visual que dispenda comentários. O sangue. A tortura. O
operante e de uma velhice intensa e ativa, estão ligadas Calvário. Os pregos e o madeiro. Numa palavra: a
ao anúncio da perene fidelidade do Senhor (Cf. dignidade. E o sofrimento. E a solenidade. Isto bastou
versículo 16). Podemos concluir, portanto, com a para despertar a intolerância secular da intelligentsia
proclamação do canto que se eleva ao Deus glorioso no liberal. Comentários? Apenas um: 300 anos depois,
último Livro da Bíblia, o Apocalipse. Um livro de luta continuamos herdeiros – e prisioneiros – do pior
terrível entre o bem e o mal, mas também de esperança jacobinismo iluminista. O jacobinismo típico do
na vitória final de Cristo: «Grandes e maravilhosas são intelectual típico, sempre disposto a arrasar com
tuas obras, Senhor, Deus Todo-Poderoso; justos e qualquer tipo de autoridade – exceptuando, claro, a sua
verdadeiros teus caminhos, ó Rei das nações!… Porque própria autoridade.
só tu és santo, e todas as nações virão e se prostrarão
diante de ti, porque foram manifestados teus justos Assunção
desígnios» (15,3-4). João Bénard da Costa
[Tradução realizada por Zenit. Após a audiência o Santo Padre Público, 030815
pronunciou a seguinte síntese em língua portuguesa:] 1.Começa hoje a doce desfilada das festas de Maria. A
Queridos irmãos e irmãs, Assunção. A 22
Com as raízes mergulhadas em Deus, o justo recebe de Agosto, na oitava da Assunção, a festa em honra do
d'Ele a seiva da graça divina que o faz crescer robusto e Coração Imaculado.
sereno como um cedro verdejante nos átrios da casa do A 8 de Setembro, a Natividade de Nossa Senhora. A 12,
Senhor: é uma das imagens que usa o salmo 91 para o Nome de Maria. Na oitava da Natividade, em
descrever a felicidade, confiança e optimismo do crente. Setembro a 15, as Sete Dores “feixe de espadas”. A
Devemos pedir a Deus estes dons num tempo, como o Apresentação, a 21 de Novembro. Em cerca de três
nosso, em que facilmente se insinua a tentação do meses, sete das grandes festas marianas sucedem-se no
desânimo e até do desespero. Todo o nosso trabalho há- calendário litúrgico, até que chegue o dia (Apc, cap.XII)
de ser feito com alegria! Só assim o bem será bem feito. em que um signo grandioso apareça nos céus e o Sol
Amados peregrinos vindos do Brasil e doutros países de ilumine de luz indizível a Mulher Grávida que repousará
língua portuguesa, dou-vos as boas -vindas e faço votos os pés na lua e surgirá com a cabeça rodeada por doze
de que esta vossa peregrinação e encontro com o estrelas.
Sucessor de Pedro vos sirva de estímulo para um 2. Todas ou quase todas essas festas têm raiz no Oriente
testemunho cristão sempre mais generoso e fecundo na bizantino, que precedeu o Ocidente no lugar dado a
vossa Pátria. Sei que Deus não vos faltará com a luz Maria. Roma só as aceitou dois séculos depois (século
consoladora da sua presença. VII) no tempo do Papa Sérgio. Mas se, já no século
ZP03090302 XIII, S. Bernardo largamente falava do nome que
Mel Gibson significa “stella maris”, só Inocêncio XI, em 1683,
instituíu a Festa do Nome, em acção de graças pela
In: “Vida de cão”, João Pereira Coutinho”, O Independente, 030725 vitória de Sobieski sobre os turcos, às portas de Viena.
Neste mundo de Deus, dominado pela consciência S. Bernardo dizia ser perfeita a comparação com o astro,
ideológica das patrulhas, só há um preconceito “pois que
politicamente correcto que todos aceitam e ninguém tal como o astro emite o brilho dos seus raios sem nele
contesta. É o preconceito anticatólico. A tese não é haver alteração alguma, assim, sem que haja sofrido
minha: pertence a Phillip Jenkins e eu concordo com qualquer lesão, a Virgem dá à luz um filho. Nem o raio
ele. Respeitamos muçulmanos, judeus, hindus. E não diminui a claridade do astro, nem o filho a integridade
abrimos a boca perante manifestações marginais da Virgem.” Mais misteriosa ainda é a
praticadas por seitas marginais. Em nome de um festa da Apresentação. Debalde se procurará nos
multiculturalismo que, em casos extremos, é um insulto Evangelhos, ou nos outros textos canónicos do Novo
para qualquer consciência civilizada. Mas não temos Testamento, qualquer referência à chegada ao Templo
qualquer problema em insultar os Evangelhos. e, da Menina Santíssima, quando“aos três anos de sua
pormenor de relevo, em sujar, blasfemar e até profanar idade” “esta lindíssima arvorezinha Maria” (cito o padre
os símbolos essenciais da liturgia cristã. Seria Manuel Bernardes) se deteve no terceiro degrau do
impensável retratar Maomé em tela gigante e, de altar, descendo sobre ela a luz que só Tiziano no quadro
seguida cobrir o profeta com bosta de elefante. Mas da Accademia conseguiu dar a ver.
chris Olifi fez isso com a Virgem e a intelligentsia Esse episódio, como tantos outros da infância de Maria,
liberal aplaudiu. Não admira, por isso, que o último vem do chamado Proto-Evangelho de Tiago, texto
filme de Mel Gibson, intitulado The Passion, tenha apócrifo, que a maior parte dos autores data do século
despertado a hostilidade da intelligentsia liberal. II. Insolitamente (houve, é certo, o episódio do chamado
Porquê? Porque Gibson cometeu a imprudência de Evangelho do Pseudo-Mateus) quanto mais se combateu
retratar as últimas 12 horas de Cristo sem qualquer a fonte “herética” e “cismática”, mais os factos
intuito caricatural ou difamatório. Pior: o homem filmou relatados nela geravam uma iconografia de que o quadro
a obra em aramaico e não poupou esforços no realismo de Tiziano é só o exemplo mais ilustre. No século XVI,
da empreitada – o que inevitavelemente implica a Apresentação já se celebrou no Ocidente.
apresentar a crucifixão de Cristo com uma violência

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Em 1617, S. Francisco de Sales escolheu a data para que foi em um domingo que o Senhor nasceu em
renovação dos votos e, mais tarde, foi esse o dia em que Belém; sabeis que foi ainda em um domingo que os
os padres renovaram aos bispos as promessas de filhos de Jerusalém o acolheram com ramos de
fidelidade. palmeira, clamando: “Hossana nas alturas, bendito o
Mais conhecidas são as longas e intermináveis querelas que vem em nome do Senhor”; em um outro domingo,
teológicas que levaram a que só no século XIX (1854) ressuscitaram-se os mortos; em um domingo, ainda, virá
Pio IX proclamasse “ex cathedra” o dogma da para julgar os vivos e os mortos; pois por fim, em um
Imaculada Conceição e só no século XX (1950) Pio XII domingo, descerá dos céus para glorificar e honrar a
definisse o da Assunção. Seis anos antes, em 1944, o partida da santa e gloriosa virgem que o concebeu.’
mesmo Papa, após consagrar o género humano ao “Em esse mesmo domingo, a mãe do Senhor disse aos
Imaculado Coração de Maria, decretou (estava-se em Apóstolos: ‘Derramai o incenso, pois que Cristo vem
plena guerra) que todos os anos se celebrasse a festa com o seu exército de anjos.’ Palavras não eram ditas
dela. que vimos o Cristo, sentado no trono dos querubins. E,
Festas erráticas, festas errantes, em torno d’Aquela cuja enquanto rezávamos todos, apareceu uma miríade
vida se passou “de silêncio em silêncio, do silêncio da incontável de anjos. E eis que um raio de luz se
adoração ao silêncio da transformação” (Pierre de precipitou sobre a Santa Virgem, quando da chegada do
Bérulle). Seu Único Filho.
3. Um dia, estive em Éfeso. Vinha de Mileto e de Tales, Todas as potências celestes prosternaram-se e adoraram-
e peregrinei pelos sítios onde S. Paulo frequentou os no.
areópagos. Lembro-me do imenso calor e de ter subido, “O Senhor chamou então Sua Mãe e chamou-a ‘Maria!’.
no pico dele, ao alto de um montezinho para visitar a Ela respondeu: ‘Eis -me aqui, Senhor!’ E o Senhor disse-
gruta onde, segundo uma outra tradição bizantina, Maria lhe: ‘Não temais, mas exulte o teu coração e conheça o
teria morrido. A morte rondou perto, é certo, mas antes júbilo, pois te foi dado contemplar a glória que meu Pai
de a ter entrevisto pousada num ombro branco, espantei- me deu.’ A Santa Mãe de Deus levantou os olhos e viu
me que lugar tão mítico estivesse tão despovoado. À n’Ele uma glória que nenhuma boca humana pode falar
única raiz possível ninguém se agarrava. ou alcançar.
Falei de morte. Mas houve morte? Cabe aqui antes dizer “O Senhor, continuando ao lado dela, disse-lhe: ‘E
a muito bela palavra dormição, que desde o século IV e agora o teu precioso corpo vai ser transferido para o
outro texto apócrifo (A Dormição de Maria do Pseudo- Paraíso, do mesmo passo que a tua alma santa entrará
João) foi a que quase sempre se associou às nos céus, nos tesouros do meu Pai, numa claridade
representações do passamento da Virgem. superior, onde são a paz e a alegria dos anjos e muitas
Sempre a vimos rodeada pelos doze apóstolos. Ela outras coisas mais’ (…)
mesmo os teria convocado, depois de nova aparição do “(…) O rosto da mãe de Deus brilhou mais do que a luz.
Arcanjo Gabriel, que lhe disse: Erguendo-se, ela abençoou cada um dos apóstolos.
“Bem cedo, bem cedo, deixarás o mundo e partirás para Todos glorificaram Deus. E o Senhor, estendendo-lhe as
os céus, para junto do teu filho, para a verdadeira e suas mãos puras, recebeu-lhe nelas a alma santa e
eterna vida.” Maria pediu então, ao Filho e Senhor, que imaculada.
lhe enviasse o apóstolo João e depois lhe enviasse todos “Enquanto se elevava essa alma imaculada, todo o local
os outros apóstolos. Ouvindo, em Éfeso, essa oração, foi inundado por um perfume
João foi arrebatado pelo Espírito Santo e levado até e por uma luz indizíveis. E eis que se ouviu uma voz
junto da mãe do seu Senhor. Depois vieram Pedro de celeste que clamou: ‘Bendita sois vós entre as
Roma, Paulo das margens do Tibre, Tomé do centro da mulheres.”
Índia, Tiago de Jerusalém. André, o irmão de Pedro, 5. Neste texto, como noutros textos apócrifos, Maria
Filipe, Lucas, Simão o Cananeu e Tadeu, que já haviam fala frequentes vezes. Nos textos canónicos, o seu
adormecido no Senhor, foram arrancados dos túmulos silêncio só é interrompido três vezes: na Anunciação, na
pelo Espirito Santo. pergunta ao Arcanjo e na aceitação do “Fiat”; na
Espirito Santo que lhes disse: “Não julgueis que chegou Visitação, quando proclama a “Magnificat”; nas Bodas
a hora da ressurreição. Fostes ressuscitados dos túmulos de Caná (episódio apenas relatado por João) quando,
para saudar pela última vez a mãe do Vosso Senhor e ignorando o aviso do Filho (“Mulher, a minha hora
Salvador Jesus Cristo, pois eis que é chegado o dia em ainda não chegou”), ordenou aos criados que em tudo
que ela vai partir para os ceús.” lhe obedecessem. Essa última palavra é a mais
Esta narração figura nos textos conhecidos pelo nome misteriosa. A Mãe de Deus (“Theotokos” e não só
genérico “Transitus Mariae” e dela consta também a “Christokos”) não sobrepõe a sua vontade à vontade do
primeira narração conhecida da Assunção. filho.
4. “Após tantas e tais maravilhas operadas por Consubstancia essa vontade, manifestando nela a Fé
intercessão da Mãe de Deus e Sempre Virgem Maria, a total, necessária ao primeiro milagre como a todos os
mãe do Senhor, enquanto nós apóstolos, com ela milagres.
estávamos em Jerusalém, o Espírito Santo disse-nos: “Deus contraiu com Sua Mãe a dívida da sua substância
‘Sabeis que foi em um domingo que a Boa Nova foi e do seu corpo humano”, como escreveu luminosamente
anunciada à Virgem Maria pelo Arcanjo Gabriel; sabeis o cardeal Newman. Ao contrair essa dívida, fizeram-se,

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a seu modo, Um Só, como a água e o vinho do
misteriosíssimo mistério de Caná.
Por isso vos peço, lida esta história e “pensem o que
pensarem dos pormenores dela” (como também
escreveu Newman), que reflictam se as razões para
duvidar que a Virgem Maria ascendeu em corpo e alma
à presença de Seu Deus e Seu Filho não são as mesmas
que temos para acreditar na Assunção. Quem foi liberto
de todas as contingências do corpo, acaso podia ficar
preso da corruptível contingência dele?
As razões para acreditar são as mesmas que para
duvidar. Todas e nenhumas. Ouseja, a mesma razão que
fez uma rapariga de dezasseis anos (outra tradição
apócrifa) dizer ao Anjo: “ Faça-se a sua vontade e não a
minha.”
Ou, no belo verso de Murilo Mendes
“Espere um pouco, meu anjo,
Não esqueça deste recado
Eu sou a ancila de Deus,
Tudo o que ele ordenar
Me esforçarei por cumprir.
Meu corpo nas mãos de Deus
Minha alma nas mãos de Deus
São menos do que a costura
aqui nestas pobres mãos —
O anjo levanta os braços
Vai a moça estremeceu
A sombra dele sumindo
Desenha uma cruz no chão”

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