Está en la página 1de 54

P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIINIE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDIpÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
responderemos
(A

3 SUMARIO

<
Máe e Mestra
CA
ni

,q O fenómeno dos Novos Movimentos Religiosos


t-

<f> Os Meios de Comunicacáo Social: Escola das Massas


UJ

_ Josefina Bakhita: a E sera va Glorificada

""" Pierre Toussaint, ex-Escravo

2 Cristas Suecas e Beneditinas


UJ

-1 Livros em Estante
03
O
ce
o.

ANO XXXIII SETEMBRO DE 1992 3 64


PERGUNTE E RESPONDEREMOS
SETEMBRO 1992
Publicacao mensa!
N? 364

Diretor-Responsável: SUMARIO
Estéváo Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia
Máe e Mestra 385
publicada neste periódico
Muito comentado:
Oiretor-Administrador: O fenómeno dos Novos
D. Hildebrando P Martins OSB Movimentos Religiosos 386

Adminixtracao e distnbuicao: Fala a Santa Sé sobre:


Edicóes Lumen Chrisn Os Meios de Comunicacáo
Dom Gerardo. 40 - 5? andar, s/501 Social: Escola das Massas. . . 398
Tel.:<021) 291 7122
Portentos da graga divina:
Caixa Postal 2666
20001 - Rio de Janeiro - RJ Josefina Bakhita:
a Escrava Glorificada 410

tmprossáo e Encadernacío Um santo filho do Haiti:


Pierre Toussaint, ex-Escravo . . 422

Do Luteranismo ao Catolicismo:
' 'MARQ(JES -SARAJVA''
Cristas Suecas e Beneditinas. . 425
GRÁFICOS E EDITORES S.A. Livros em Estante 427
Tets (021)273-9*98 -273-9**7

NO PRÓXIMO NÚMERO:

"A Igreja, Minha Máe" (H. de Lubac). - A Virgindade Perpetua de


María. - Pecado original: que é? - Biblia e Homossexualismo. - O
Santo Graal. - A "Obra dos Anjos". - O Tempo, Valor Básico.- As Finan-
cas da Santa Sé.

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

ASSINATURA ANUAL (12 números)de P.R.: CrS 30.000,00 - n-avulso ou atrasado CrS 3.000,00

Pagamento (á escolha)
1. VALE POSTAL á Agencia Central dos Correios do Rio de Janeiro em nome de Edicóes
"Lumen Christi" Caixa Postal 2666- 20001 - Rio de Janeiro - RJ.
2. CHEQUE NOMINAL CRUZADO, a favor de Edifóes "Lumen Christi" (enderezo ácima I.
3. ORDEM DE PAGAMENTO, no BANCO DO BRASIL, conta N? 31.304- 1,em nome do
MOSTEIRO DE SAO BENTO, pagável na AGENCIA PRACA MAUÁ/RJ n? 0435-9. (Enviar
xeróx da guia de depósito á nossa administrado, para efeito de ¡dentificaQáo do paga
mento).
Máe e Mestra
m

Os nossos tempos sao muito marcados por um modo de pensar


antropocéntrico e subjetivista. "0 homem é a medida de todas as coisas"
dizia o sofista grego Protágoras (+ 419 a.C), e o parece dizer ainda hoje!
Em grande parte, isto se deve á Filosofía moderna desde Descarte
(+ 1650} até o existencialismo contemporáneo, que tem por sujeito "Eu e
minhas circunstancias". - Ora verifica-se que tal modo de pensar é apli
cado também á Religiáo. Sao muitos aqueles que fazem seu Credo e sua
Moral; dal o popular de novas e novas denominacóes. Dir-se-ia que tam
bém nesta área vale o axioma: "Cada um na sua..." - o que relativiza a
Verdade e a Etica (os conceitos de bem e mal).

Ao invés, o Cristianismo, como Jesús o veio transmitir aos homens,


é teocéntrico. Ensina que nao o homem, mas Deus, é a medida de todas
as coisas. E Deus se revelou aos homens mediante o misterio da Encar-
nacáo; a carne humana de Jesús tornou-se o instrumento ou canal da
manifestacáo de Deus aos homens. Este canal é dito "o Grande ou o
Primeiro Sacramento"; ele fundamenta o que se pode chamar "a ordem
sacramental", na qual está imerso o Catolicismo. É esta, alias, a principal
característica do Catolicismo ou do Cristianismo confiado por Jesús a
Pedro; através dos séculos, Deus quer vir aos homens nao somente por
vias particulares e subjetivas, mas sobretudo por vias objetivas, que pro-
longam o sacramento da humanidade de Cristo. Tais sao: a Igreja, cha
mada por Sao Paulo "o Corpo de Cristo" (cf. Cl 1,24; ICor 12,27), e os
sete sacramentos-ritos, que santificam o homem desde a entrada neste
mundo até o nascer para a vida definitiva na Casa do Pai.

Quem adere fielmente a esta linha sacramental, sabe que está em


comunháo com Cristo e o Pai, sejam quais forem os irmáos que o acom-
panham nessa caminhada.

E sobre este paño de fundo que aparece em plena luz a expressáo


"Igreja: Máe e Mestra". A Igreja é mais do que a soma das pessoas que a
integram; Ela é o Cristo presente e latente sob a face humana dos seus
membros. Por isto Ela é Máe; Ela pode gerar para a vida eterna através
dos sacramentos, a comecar pelo Batismo. E, como boa Máe, é também
Mestra: é Ela quem ensina a balbuciar o nome de Jesús Cristo e mostra o
sentido da vida aos homens; estes sao chamados a caminhar por Cristo
até o Pai, movidos pelo Espirito Santo.

A Igreja goza da assisténcia ¡nfalível que Cristo Ihe prometeu (cf. Jo


14,26; 16,13-15), a fim de guardar e transmitir incólume o patrimonio da
Verdade e da Moral reveladas. - Em nossos días, quando tantas teorías
se chocam no tocante á fé, há de ressoar, com mais nitidez e amor do que
nunca, a famosa expressáo: Igreja, Corpo de Cristo prolongado, Máe e
Mestra pela voz de Pedro e seus sucessores.
E.B.

385
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

ANO XXXIII - N? 364 - Setembro de 1992

Muito comentado:

O Fenómeno dos Novos


Movimentos Religiosos

Em síntese: O artigo estuda o problema dos Novos Movimentos Reli


giosos, que muito chamam a atengáo do público. Propóe urna breve catato-
gacáo dos mesmos: há os de origem crista, os de origem oriental, os de índole
necromántica, os pantefstas e sincretistas... Após feto, sao apontadas algu-
mas características gerais desses Movimentos (emotividade, fundamentalis-
mo bíblico, forte proselitismo, autoritarismo do chefe "carismático"...). Segue-
se um elenco de causas do fenómeno: a crise geral por que passa o povo
brasileiro (e outros), leva muitos cidadños a procurar sofugóes mágicas, "mís
ticas", mais emotivas e menos racionáis... para os problemas que os meios
convencionais nao parecem poder resolver. Por último, sugerem-se respostas
que o Catolicismo deve dar á problemática dos Novos Movimentos Religiosos:
intensificacáo e melhora de sua catequese (a nova evangelizado preconiza
da por Joño Paulo II), o afervoramento de vida dos fiéis católicos, a criagSo de
comunidades fraternas e acothedoras...

A expansáo de novos e novos movimentos religiosos (NMR) nao


só no Brasil, mas no mundo em geral, vem chamando sempre mais a
atengáo do público e dos meios de comunicagáo social. A rapidez com
que surgem e se implantam agremiacóes religiosas dos mais diversos ti
pos, é fenómeno cujas características e cujas causas é oportuno indagar
com precisáo, a fim de se Ihes dar urna resposta. Dal as páginas que se
seguem, voltadas para a problemática.

1. O Panorama dos NMR

Comecemos por a presentar urna visáo de conjunto das principáis


correntes religiosas que ocupam o cenário do Brasil. Distinguiremos cin
co correntes, cada qual com sua origem e seus tragos próprios.
i

386
OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

1.1. A corrente de origem crista ou pseudocristá

Apontam-se as denominares protestantes, com suas modalidades


mais antigás e mais recentes:

Os Pentecostais constituem um grupo numeroso, dividido esub-


dividido em múltiplas comunidades independentes umas das outras (As-
sembléia de Deus, Congregacáo Crista do Brasil, "Deus é Amor", Evan-
gelho Quadrangular, Brasil para Cristo...)...

Os Adventistas dedicados aos Hospitais e á "profecía"; as Teste-


munhas de Jeová procedentes dos Adventistas (mas ¡á nao fazendo
jus ao título de cristáos, pois nao professam a Divindade de Jesús Cristo),
os Amigos de Jeová, que, por sua vez, se derivam das Testemunhas de
Jeová...

Os Mórmons, que, além da Biblia, seguem o Livro de Mórmon,


portador de revelacóes novas...

A Igreja Socorrista, a Árvore da Vida, os Meninos de Oeus,


a Ciencia Crista...

Registramos ainda o Projeto AMANHECER, do qual demos longa


noticia em PR 333/1990, pp. 78-87. É urna estrategia, bem arquitetada por
grupos protestantes, a fim de "converter" a América Latina; sao ai pro-
postos planos de acáo, metodología de trabalho, motivagóes bíblicas e
teológicas para a tomada missíonária do nosso continente, país por país.
Tal Projeto foí publicado por Dawn Mínistries, Jim Montgomery Presi
dente, com sede ná California (USA). Jim Montgomery é o gerente-edi
tor de GLOBAL CHURCH GROWTH BULLETIN, e Diretor de Análise e
Estrategia da Missáo OVERSEA CRUSADES.

Os grupos responsáveis por essa estrategia nao estao filiados a al-


guma denominado protestante, nem se importam propiamente com os
artígos de fé professados por cada comunidade; o que Ihes importa úni
camente, é crescer em número de adeptos e templos.

1.2. A corrente de origem oriental

A Yoga, na medida em que é nao somente exercícios físicos, mas


também filosofía religiosa, de origem indiana.

A Meditacáo Transcendental, com sua programacáo e seus


mantras, de fonte indiana.

387
"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

A Associacáo Internacional para a Consciéncia de Krish-


na, também proveniente da india.

O Budismo e o Zen-Budismo, oriundos da india.

O Johrei, o Seicho-No-lé, a Perfect Liberty. de origem japo


nesa.

A Igreja da Unificacáo Mundial {ou o Moonismo, do Reveren


do Moon), de origem coreana.

1.3. A corrente de origem necromántica

O Espiritismo Kardecista e todas as modalidades de espiritismo


branco ou de mesa, que tenciona evocar mortos e praticar a transcomu-
nicagáo.

As Religióes Afro-brasileiras,com seu lequede ritos.

1.4. A corrente sincretista, panteísta, taumatúrgica

Aqui searrolam Teosofía, Antroposofia, Eubiose, Rosa-Cruz,


Nova Era. Holismo. a Cientologia, Numerologia, Taró. I Ching...

1.5. A corrente de culto ao demonio

Nos Estados Unidos (San Francisco) existem a Igreja de Sata,


o Templo de Set, com Missa Negra, sacrificio de enancas, libertinismo
sexual... Tais grupos tém sua repercussáo no Brasil; tenha-se em vista o
caso recente de Guaratuba (PR).

Sem dúvida, outros grupos religiosos poderiam ser aqui cataloga


dos. Limitamo-nos aos que mais projecáo tém no Brasil.

Vejamos agora

2. Características gerais dos NMR

Pode-se dizer que as notas típicas dos Novos Movimentos Religio


sos se explicam, em grande parte, como reacóes ou manifestagoes do
psiquismo humano diante da situagáo geral da sociedade ou do mundo
i

388
OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

de hoje. Enumeraremos nove traeos típicos, que nem sempre aparecem


no mesmo grupo, mas que, em grau maior ou mer.or, caracterizam esses
Novos Movimentos:

1) Tais grupos constituem geralmente minorías dentro da grande


sociedade. Sao, porém, minorías ufanas de ser tais, porque se julgam
salvas em meio a um mundo perverso ou prestes a extinguir-se ou, aín
da, vítima de Satanás.

Tais minorías, á medida que váo crescendo, perdem sua identidade


ou suas características diferenciáis; adaptam-se ao meio ambiente - o
que provoca um reavivamento (revival) ou o surto de um grupo filial
mais aceso e vivaz; este, por sua vez, esmorece, de modo a ocasionar
outro reavivamento...

2) Dentro do grupo cria-se um ambiente fraterno e caloroso, que


acolhe gentilmente a quem se queira subordinar ás regras da comunida-
de. Isto atende á carencia de muitos jovens sem lar, muitos cónjuges se
parados, muitas pessoas desempregadas, muitos migrantes deslocados e
saudosos..., que estáo precisamente á procura de apoio e acolhimento.

3) Cada grupo tem urna mensagem alvissareira, que promete paz,


alivio ou mesmo a solucáo de problemas... Por vezes, há doutrinas se
cretas, reservadas aos iniciados mais amadurecidos; a Biblia é interpreta
da segundo principios esotéricos, cabalistas, numerológicos...

4) O homem é geralmente o alvo das atencóes de tais grupos. 0


culto a Deus (adoracáo, louvor, gratidáo...) é menos enfatizado que o
atendimento ás necessidades dos respectivos membros. Daí falar-se de
"Pronto Socorro Religioso", de caráter tartamente antropocéntrico e
pouco dirigido para Deus.

5) A emotividade e um certo antüntelectualismo preponderam, de


sorte que o corpo doutrinário de tais Movimentos é geralmente pobre. A
leitura da Biblia é feita em perspectiva fundamentalista, ou seja, segundo
interpretacáo literal, que pretende ignorar os géneros literarios e as pe
culiaridades da linguagem oriental amiga. Disto se seguem conclusóes
nao raro aberrantes, que contrariam o espirito do texto sagrado. Falta
aos seguidores o senso crítico necessário para avaliar as proposicóes que
Ihes sao apresentadas e perceber o que netas há de ficticio e ¡lógico. De
resto, os freqüentadores de muitos dos NMR sao pessoas de pouca cul
tura, que, além do mais, estáo cansadas ou desanimadas na luta pela vida
e, por isto, propensas a aceitar qualquer proposta de solucáo, ainda que
inconsistente.

389
6 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

6) Isto explica que em varios dos NMR reine autoritarismo por


parte do guia, chefe ou gurú. Alias, as pessoas inseguras precisam de
sentir seguranza (ainda que aparente apenas) em quem as dirige; por
conseguirte, quanto mais autoritario seja o Mestre, tanto mais atende
aos anseios (inconscientes ou conscientes) dos seus dirigidos.

0 líder "carismático" pratica, com todo o aparato do ambiente res


pectivo, urna certa "lavagem de cránio", que empolga ou eletriza os seus
seguidores, incutindo-lhes urna "programado" de computador. Sao va
rias as técnicas psicológicas utilizadas de maneira muito requintada, co
mo se depreende dos seguintes exemplos, narrados por pessoas que f¡-
zeram tais experiencias:

Entre os Meninos de Deus (Children oí God), a primeira fase de


aprendizado consiste em ¡solar o(a) candidato(a), de modo que nao sofra
influencias de fora; a pessoa é privada do sonó, devendo participar de
sessóes que duram até 4 ou 5 horas da manhá,... e isto por noites a fio,
até que ota) novigo(a) desfalega de cansago, ao passo que o(a)s conferen
cistas se revezam constantemente. Na segunda fase de iniciacáo, o(a)
candidato(a) é obrigado(a) a decorar intensivamente versículos bíblicos
¡solados do seu contexto.

Em alguns núcleos dos Meninos de Deus, o(a)s novato(a)s jamáis


sao deixados a sos, de modo a suscitar dependencia e obediencia plenas
em relagáo aos chefes; a recusa de obedecer é punida com reclusáo e
isolamento. A forma extremada de castigo é a excomunháo ou expulsao
com maldicóes, pena muito temida pelos candidatos.

Nos Estados Unidos despertou fortemente a opiniáo pública o caso


da estudante Blackburn, da Universidade do Arizona, que tinha 22 anos
de idade. Foi abordada por dois jovens da Organizagáo dos Meninos de
Deus, que a convidaram para a sua sede. Pouco depois, a moga, a partir
da cidade de Tuxon, telefonava a seu pai, comunicando-lhe que estava
abandonando os estudos. O Dr. Blackburn quis respeitar-lhe a decisáo de
se dedicar ao próximo, mas ficou impressionado com a brusca reviravolta
de vida; em conseqüéncia tomou um aviio e foi para Tuxon, mas nao
pode encontrar a filha. Nos sete meses seguintes, enviou dinheiro repeti
damente para a moga; as quantias eram passadas diretamente para a cai-
xa dos Meninos de Deus. Um belo dia, a jovem decidiu nao mais pedir
dinheiro ao pai; os Meninos de Deus resolverán") aplicar-lhe sangóes.
Queriam matar os genitores da moga e dá-la em casamento a um rapaz
designado por Ber, o chefe do grupo. Visto que a jovem protestava con
tra essas medidas, transferiram-na para o núcleo de Filadélfia, onde foi
posta em reclusáo ou em "gaiola" por ter rejeitado ordens superiores.

390
OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

Foi tida como "criatura de Satanás", e, enquanto estava reclusa, foi obri-
gada a ouvir sistemáticamente fitas gravadas que tendiam a vencer a sua
resistencia. A fim de deixar a "gaiola", quiseram obrigá-la a tomar urna
ducha e realizar atos ¡moráis em presenca de homens da comunidade;
caso nao o fizesse, seria amaldicoada e iría para o inferno... A jovem re-
cusou peremptoriamente essas práticas e, por isto, acabou sendo expulsa
do núcleo de Filadélfia. O pai entáo foi procurá-la, mas ela também se
negou a acompanhar o pai, deixando o grupo dos Meninos de Deus. Me
diante camisa de forcA foi obrigada a subir num carro, que a levou de
volta á casa paterna, onde teve que ser mantida tres meses sob controle.
Estava fortemente apavorada, receando que Deus a condenasse; cuspia
na face do pai, que ela odiava, e chegou a chamar um corretor de ¡movéis
na tentativa de vender a casa paterna e mandar dinheiro para os Meninos
de Deus. Diante disto, o Dr. Blackburn resolveu submeter a filha a serio
tratamento para desfazer o programa incutido pelos Meninos de Deus;
assim finalmente foi recuperada.

Alias, contam-se casos de rapazes que enlouqueceram após haver.


deixado os Meninos de Deus.1

Merece ser recordado também o caso do pastor James Warren jo


nes, fundador de People Temple (ou do Templo do Povo). Reuniu
adeptos de diversas ragas e categorías sociais e fundou em 1973 urna co
lonia religiosa na Guiana Inglesa, com o nome de Jonestown. Os mem-
bros do grupo eram acusados de tentativas de homicidio, desvios de
bens alheios, uso de drogas, rapto de menores. Em 1977 James Jones foi
chamado a comparecer perante um tribunal na Guiana. O pastor entrou
em paranoia e declarou á sua comunidade que ela estava sendo atacada e
que a situacáo era desesperada; somente um suicidio coletivo poderia li
bertar o grupo. James Jones continuou a dizer tais coisas, falando sem-

1Lé-se aínda no JORNAL DO BRASIL de 17/05/92:

"CRIANQAS NA SEITA

A Polfcia australiana colocou mais de 120 changas sob custodia do De


partamento de Bem-Estar após invadir ontem seis casas da seita religiosa
Meninos de Deus, em Sidney e Melboume. As changas, entre dois e quatorze
anos, toram retiradas por causa da preocupagáo com a sua seguranga física
e emocional. A seita foi fundada na California em 1968 e seus membros acre-
ditam ter sido escolhidos por Deus para sobreviver ao fim do mundo. Seu lí
der, Moses David, que defende o amor livre e a pornografía infantil, estaría es
condido no JapSo".

391
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

pre de complós contra o Templo do Povo. Assim um clima de delirio foi


pesando sobre o grupo; além do mais, os membros da comunidade tra-
balhavam da aurora até a noite, subalimentados e ¡solados do resto do
mundo. James Jones, com sua índole "carismática", era a única lideran-
ca aceita; apregoava o suicidio coletivo e a expectativa de um mundo
melhor após a morte. Finalmente o deputado norte-americano Ryan vi-
sitou a Jonestown, deixando, ao partir, a impressáo de que as autorida
des interviriam na colonia. Isto provocou a ordem de morte dada pelo
pastor aos seus fiéis, que religiosamente beberam o chá-veneno e cairam
mortos; nao houve violencia física, mas plena subserviéncia ao líder "ca-
rismático"!

7) Os Novos Movimentos Religiosos sao acentuadamente proseli-


tistas, isto é, tendem a conquistar novos e novos seguidores, nem sempre
de maneira honesta. Ocorre que oferecam emprego e assisténcia médica
ou odontológica, escola... a quem adere ás respectivas crencas.- Na ver-
dade, o Senhor Jesús mandou pregar o Evangelho a todos os homens,
de modo que isto é obrigacáo dos discípulos de Cristo; é preciso, porém,
que os pregadores deixem a Iiberdade de opcáo aos seus ouvintes e nao
os violentem, obrigando-os a crer sob pressáo física ou moral.

Varios membros dos NMR sao treinados para persuadir seus ou


vintes; há urna arte própria para tanto, com respostas prontas para as
objegóes que se possam fazer aos mensageiros. Estes sabem ser insis
tentes, revelando grande amor á sua causa.

8) Alguns dos Novos Movimentos Religiosos anunciam o fim do


mundo para época próxima. As suas "profecías", nao raro, su6citam um
clima de apavoramento; parece-lhes que o demonio está ou estará soltó
e que desencadeará graves males sobre a térra. O Apocalipse de Sao
Joáo é entendido ao pé da letra, sem se levar em conta o respectivo gé
nero literario ou a intencáo do autor sagrado.

9) Os NMR costumam ser alheios á vida política e social do país;


alguns, como as Testemunhas de Jeová, chegam a julgar que as institui-
cóes civis estáo sob o poder do Maligno, de modo que é dever nao parti
cipar de eleicóes nem de servico militar.

Procuremos agora detectar as causas do fenómeno dos NMR.

392
OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

3. Causas do Fenómeno

3.1. Depressáo e Irracionalismo

0 Brasil (e outros países) passam por uma crise geral: económica,


social, política...

Além disto, a época atual é de mudancas relevantes, que deixam


muitas pessoas desconcertadas. Entre essas mudancas, sejam registradas
as migracóes: nao poucos individuos e familias abandonam seu torráo
natal á procura de melhores condicóes de vida em regiáo distante e es-
tranha.

Há ainda presságios de guerra nuclear, bomba atómica, causadora


de catástrofe cósmica ou de fim do mundo, de modo que o futuro causa
medo... A historia parece dominada por forcas cegas e misteriosas.

Isto tudo gera em muita gente sentimentos de ¡nseguranca, desá


nimo, pavor...

Os meios convencionais ou racionáis para resolver problemas de


economia, saúde, política... parecem falidos ou, se nao sao tais, tornam-
se inacessíveis por falta de preparo ou de dinheiro. Faltam líderes que
imponham confianca á populagáo em geral.

Apesar de tudo, existe no homem o senso religioso, que Ihe é con-


génito. Nos momentos de desesperanza, ele aflora talvez ainda mais ve-
emente. Muitos repetem: "Só Deus pode dar um jeito!" A salvacáo é es
perada do alto. Acontece, porém, que quem está abalado, nao raciocina
muito; deixa-se mais levar pelas emogóes. Precisa de uma mensagem
nova, que fuja do habitual, uma mensagem "maravilhosa"; esta, alias,
quanto mais maravilhosa for, mais poder de atracáo terá, pois, como di-
ziam os amigos romanos, vulgus vult decipi (o povo quer ser engaña
do).

3. 2. Os Novos Mestres

No contexto que acaba de ser esbogado, é fácil compreender que


surjam mensageiros dotados de lideranga e desejosos de atender á sua
própria sofreguidáo e á dos seus concidadáos. Muitos o fazem de boa fé,
ao passo que outros procedem talvez menos bem intencionados. Apre-
goam a boa-nova que imaginam. Assim se multiplicam as mensagens
religiosas, deturpando ou vilipendiando, nao raro, o conceito de religiáo.

393
10 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

Encontram terreno preparado e fértil, ou seja, um público acrltico,


necessitado de encontrar apoio forte e autoritario num mestre ou num
gurú que se imponha. Infantilmente dizem muitos: "Aquilo que o chefe
diz, é verdade; o que ele manda, é sempre bom".

Notemos ainda que os novos cultos, além de propor solucoes má


gicas e maravilhosas, apregoam também rigorismo moral ou, menos fre-
qüentemente, urna certa permissividade, ligada a drogas e erotismo (co
mo acontece entre os Meninos de Deus, certos grupos afro-brasileiros,
em correntes da Nova Era, ñas "Igrejas Satánicas"...).

3.3. Secularismo

Por "secularismo" entende-se o apagamento de toda expressáo re


ligiosa da vida pública; esta é dessacralizada ou laicizada. - É o que
ocorre nos países ocidentais: a populacáo é, de certo modo, obrigada a
levar urna vida materialista, voltada para os urgentes interesses do seu
ganha-páo. Este "achatamento" pode provocar urna reacio "mística",
que correo risco de ser passional, emotiva e irracional.

Tal traco da realidade contemporánea soma-se aos anteriores, para


explicar os Novos Movimentos Religiosos. O cidadáo, violentado em seu
senso religioso, afirma, como pode e sabe, a sua consciéncia do Trans
cendental.

É curioso notar que certos sistemas políticos tomam, neste con


texto secularista, as características de "religióes leigas", como se lé no
Documento de Puebla:

"As ideologías trazem em si mesmas a tendencia a absolutizar os inte


resses que defendem, a visáo que propóem e a estrategia que promovem.
Neste caso, transformam-se em verdadeiras 'religióes leigas'. Apresentam-se
como urna explicagSo última e suficiente de tudo, e se constrói assim um novo
ídolo, do qual se aceita ás vezes, sem se dar conta, o caráter totalitario e obri-
gatório. Nesta perspectiva nao é de estranhar que as ideologías tentem ins-
trumentalizar pessoas e ¡nstituigóes a servigo da eficaz consecugáo de seus
fíns. Eis o lado ambiguo e negativo das ideologías" (n9 536).

Eis a que ponto pode o homem chegar, quando dá largas á sua


tempera mística, desligando-a de senso crítico e de raciocinio rigoroso:
aceita as "religióes leigas" que o Estado Ihe procura impor.

3.4. O Elevado Nivel do Catolicismo

O crescimento numérico dos NMR faz-se as custas do Catolicismo,


que vem perdendo muitos fiéis para as comunidades nao católicas.
i

394
OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS 11_

E por que os perde?

Em parte, isto se dá porque nao é fácil ser católico num mundo he-
donista e consumista ou num mundo que arrasta ao prazer e ao mais
cómodo, como o nosso. Principalmente a Moral Católica afugenta varios
católicos; o Nao ao divorcio, ao aborto, ao amor livre, ás relacóes pré-
matrimoniais, ao homossexualismo... dificulta a perseverarla de muitos
na Igreja Católica. Esta, apesar de tudo, nao pode alterar a Lei de Deus,
de que Ela é depositária e mensageira, para agradar aos homens ou para
nao perder adeptos. Sabe-se, alias, que no secuto XVI a Igreja perdeu
o reino da Inglaterra quando o Papa Clemente Vil recusou ao rei Henri-
que VIII o divorcio; o episodio foi altamente doloroso para o Catolicismo,
mas certamente um testemunho de coeréncia e fidelidade digno de todo
louvor.

De resto, deve-se registrar que, se o Catolicismo decresce numéri


camente no Brasil, ele conserva sua excelencia doutrinária. É certo que
nenhum dos novos cultos se iguala ao Catolicismo no tocante á mensa-
gem apregoada; a Palavra da Igreja é sempre a Palavra de equilibrio,
bom senso e firmeza de que mais precisam os homens.

Verdade é que o Catolicismo tende a ser a religiáo nao só do cora-


cao, mas também da inteligencia. O fato de apelar freqüentemente para a
Tradigáo ou para o passado supóe, no público ouvinte, um certo desen-
volvimento cultural, um certo alargamento de horizontes, que as religióes
meramente emotivas nao exigern. A Liturgia Católica tem um caráter
hierárquico e comedido, que pede certa compreensáo do misterio do
qual participa o fiel católico.

Isto freqüentemente faz que ser católico se torne mais difícil do que
pertencer a algum dos NMR. E o que obriga os pregadores do Catolicis
mo a procurar "traduzir em miúdos" a sua mensagem, sem a perverter
nem trair. Nao cedam a preocupacóes políticas e seculares em suas ho
milías, coisa que tem afastado da Igreja muitos fiéis católicos.

Perguntamos agora:

4. Que fazer diante do Desafio?

Quatro proposicóes parecem poder responder a esta pergunta:

4.1. Instrucáo Religiosa

A profundidade e a excelencia da doutrina católica nao sao sufi


cientemente conhecidas pelos próprios fiéis católicos. Daí a urgente ne-
cessidade de se empreender a "nova evangelizacáo" preconizada pelo S.

395
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

Padre Joáo Paulo II; esta deverá atingir todos os nlveis: changas, adoles
centes, jovens, adultos, anciáos, usando linguagem adequada e fiel ás
suas origens.

Evite-se o relativismo religioso, táo difundido em nossos dias, co


mo se religiáo fosse partido político, que cada cidadáo pode escolher ou
trocar segundo seu beneplácito. Evite-se também a politizacáo secula-
rista da catequese.

4.2. Valorizar a tntelectualidade

Visto que se tende a reduzir a religiáo á emotividade, é para desejar


que os fiéis católicos saibam valorizar, além dos sentimentos, também
o intelecto como luz e bússola das emocóes. Estas, desligadas da orienta
rá o da lógica, podem levar os religiosos a cometer genufnas aberracóes
ou crimes (infanticidios, homicidios...), como tambóm podem levar á de
mencia ou á doenga mental.

Com isto nao queremos dizer que todo católico deva ser um inte
lectual, mas, sim, que todo católico que o possa, procure dar contas da
sua esperanca a si mesmo e a quem Iha peca, como diz o Apostólo Sao
Pedro (cf. 1 Pd 3,15). Saiba o fiel católico por que eré... e por que eré nesta
e naquela proposicáo, e nao em outras. Em poucas palavras: conheca as
credenciais da sua fé.

4.3. Afervoramentó da Vida

O conhecimento e a pregacáo das verdades da fé háo de ser acom-


panhados de teor de vida fervorosa. O mundo de hoje dá muito valor á
conduta dos mensageiros; nao raro a sinceridade ou a coeréncia de vida
destes importa-lhes muito mais do que a própria verdade apregoada.
A rotina e a superficialidade do comportamento dos católicos podem
prejudicar enormemente o Catolicismo, ao passo que a dignidade de
conduta o nobilita aos olhos dos homens.

4.4. Comunidades Fraternas

É para desejar outrossim que as comunidades católicas (paroquiais


e c. de base) déem testemunho lúcido do senso de solidariedade e frater-
nidade; mostrem-se acolhedoras e amigas de todos os homens. As co
munidades de base destinam-se a preencher este papel, desde que nao
se deixem desvirtuar por tendencias políticas partidarias, como tem
acontecido: cf. PR. 307/1987, pp. 530-538.
i

396
. OS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS 13

Há quem pleiteie urna Liturgia mais popular™ A propósito obsérve


se que o culto sagrado nao pode perder seus traeos de sacralidade, em-
bora deva. sem dúvida, contar com a participacáo de todos os fiéis. Pro
curar a conciliacáo do hierático com o vivendal é o desafio que a S. Igreja
vem enfrentando desde o Concilio do Vaticano II, já tendo conseguido
bons resultados até agora.

Eis algumas das respostas que o Catolicismo pode e deve dar aos
problemas lancados pelos Novos Movimentos Religiosos. Estes podem
vir a ser ocasiáo de reavivamento dos católicos; tirem proveito da situa-
cáo que os interpela, e mostrem ao mundo a sua vitalidade, queja supe-
rou muitas tempestades no decorrer de vinte séculos!

OS TEMORES DE UMA TESTEMUNHA DE JEOVÁ

I. MEDO DA DÚVIDA: TODA INFORMACÁO CONTRA


RIA A TORRE DE VIGÍA É SONEGADA.
II. MEDO DE APRENDER: LÉ-SE APENAS A LITERATU
RA DA SOCIEDADE.
III. MEDO DE SUCESSO: ATÉ UMA CARREIRA PROFIS-
SIONAL É DESACONSELHADA.
IV. MEDO DE AMIZADES ÍNTIMAS: OS MEMBROS SE
DENUNCIAM UNS AOS OUTROS.
V. MEDO DOS APÓSTATAS: NENHUM CONTATO NEM
MESMO UM CUMPRIMENTO.
VI. MEDO DE OUTRAS RELIGIÓES: TODAS AS DEMAIS
SAO SATÁNICAS.
Vil. MEDO DE SAIR DA "ORGANIZAgÁO": PROVOCA O
ISOLAMENTO TOTAL DA PARTE DE AMIGOS E FA
MILIARES.

2Tm 1,7: "Deus nao nos deu um espirito de medo".


1 Jo 4,18: "Aquele que teme, nao é perfeito em amor".

(Texto impresso e distribuido por ex-Testemunhas de Jeová)

397
Fala a Santa Sé sobre

Os Meios de Comunicacao Social:


Escola das Massas

Em síntese: Aos 22/2/1992 a Santa Sé publicou a Instrugáo Pastoral


Aetatis Novae, sobre os meios de comunicagao social. Esse documento
é incisivo no sentido de: 1) salientar a enorme importancia dos meios de co-
municagáo social; 2) enfatizar a urgente necessidade de que a Igreja os utili-
ze, tendo seus meios próprios de comunicagao; 3) enunciar o dever de assis-
tir aos comunicadores em geral, (ornecendo-lhes subsidios que Ihes lembrem
a dignidade e a extraordinaria responsabiiidade de sua profissáo. A ética e os
valores espirituais nao devem ser conculcados pelos meios de comunicagao
social em proveito de sucesso e lucro materiais, pois feto implicaría desvirtuar
o genio do homem e deturpar um dom de Deus; ao contrario, possam os valo
res moráis ser mais e mais fomentados pelos meios de comunicagao social,
aptos a ser escola e estelo da formagáo nao somente das grandes massas,
mas da sociedade e do género humano em geral.

Há vinte anos, o Pontificio Conselho para as Comunicacóes Sociais


publicou a Instrucáo Communio et Progressio (Comunháo e Progres-
so), ponderando o papel dos meios de comunicacáo social (MCS) na so
ciedade contemporánea; já entáo se apontavam os ingentes beneficios,
mas também as graves ameacas que de tais meios decorrem para os in
dividuos e os povos. - Visando a atualizar tais considerares, o mesmo
Conselho publicou, com a data de 22/2/1992, a Instrucáo Pastoral Aetatis
Novae sobre a nova era da historia da humanidade, nova era profunda
mente marcada pelo influxo dos MCS.

Transmitiremos, ñas páginas subseqüentes, as grandes linhas deste


recente documento, portador de sabias observacóes sobre a sociedade
contemporánea e o uso da imprensa escrita, falada e televisionada.
i

398
OS MEIOS DE COMUNICAgÁO SOCIAL 15

1. Os MCS no quadro do mundo contemporáneo (§§ 4-5)

Após a Introducáo (§§ 1-3), que lembra o interesse da Igreja pelos


MCS, o documento se detém na explanado do contexto dentro do qual
atuam os MCS.

1.1. Contexto cultural e social (§ 4)

A crescente pujanza dos MCS implica urna revolucáo... nao apenas


técnica ou tecnológica, mas urna revolucáo no modo de pensar e viver
dos homens contemporáneos: a transmissáo de imagens que insinuam
idéias,... transmissáo rápida e altamente sugestiva, passando até mesmo
de um continente a outro, tem profundas conseqüéncias no desenvolvi-
mento psicológico, moral e social das pessoas, na estrutura e no funcio-
namento da sociedade, no escalonamento dos valores religiosos e profa
nos... Essas conseqüéncias tanto podem ser construtivas e válidas como
podem ser deletérias e negativas. "A penetracáo, cada vez mais Intima,
dos mass media na vida cotidiana influencia o conceito que se possa ter
do sentido da vida" (§ 4).

Merece especial atencáo a passagem seguinte:

"Para muitas pessoas, a realidade corresponde ao que os mass me


dia definem como tal; o que os mass media nao reconhecem explícitamen
te, tornase também insignificante. O silencio pode assim ser imposto, de /ato,
a individuos ou grupos que os mass media ignoram; a voz do Evangelho
pode, eta também, ser reduzida ao silencio...

O poder que tém os meios de comunicagáo, de reforcar ou destruir os


pontos de referencia tradidonais em materia de religiáo, de cultura e de familia,
sublinha bem a atualidade pertinente das palavras do Concñlo: 'Para o uso
reto destes meios 6 absolutamente necessário que todos os que se servem
deles conhegam e levem á prátíca, nesse campo, as normas da ordem moral'
(ínter Mirifican^4)"(§4).

Pode-se dizer que, segundo tais ponderacoes, os MCS chegam a


decidir da "vida" ou da "morte" dos cidadáos e das instituicóes existen
tes na sociedade; eles condicionam o modo de pensar "simpático" ou
"antipático" da opiniáo pública em relacáo a determinados personagens
ou determinados grupos de urna nacáo.

Assim, desde os seus primeiros parágrafos o documento Aetatis


Novae incute a necessidade de que os MCS sejam utilizados segundo

399
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

criterios éticos; sem isto, voltar-se-iam contra o homem, em vez de servir


ao homem. Esta observacáo retornará no decorrer da explanacáo.

1.2. Contexto político e económico (§ S)

0 uso dos MCS exige elevado capital para manter e desenvolver o


aparato tecnológico dos mesmos. Daí as concessóes que o Estado faz a
particulares para a montagem de emissoras de radio e televisáo.

Ora os MCS, em máos de particulares, estáo sujeitos ás leis da co-


mercializacáo; as emissoras particulares precisam de lucro para poder
sobreviver e desenvolver-se segundo o ritmo acelerado da tecnología
moderna. Em conseqüéncia, os criterios para a transmissáo de progra
mas radiofónicos e televisivos sao muitas e muitas vezes os da mera co-
merciaiizacáo; esta leva em conta apenas as conquistas financeiras, sem
dar atengáo ás normas éticas e ás exigencias da veracidade:

"É em (ungió do lucro, e nao do servigo, que se tende a avaliar o seu


sucesso. Asmotivagóes lucrativas e os interesses dos publicitarios exercem
urna influencia anormal sobre o conteúdo dos mass media:prefere-se apo-
pularidade e nao a qualidade, e escolhe-se o menor denominador comum. Os
publicitarios ultrapassam a sua tárela legítima, que consiste em identificar as
verdadeiras necessidades e dar-lhes urna resposta e, impelidos por motivos
de mercado, esforgam-se por criar necessidades e modelos artificiáis de con
sumo" (§5).

Com outras palavras: o final do texto lembra que os programadores


de radio e televisáo freqüentemente, em vez de servir ao público1 (propor-
cionando-lhe subsidios.para orientar-se dignamente), procuram servir-se
do público, "criando necessidades de consumo", suscitando e alimentan
do o consumismo, ou seja, os gastos supérfluos que afastam o público do
seu auténtico roteiro de vida.

Este mal ocorre nao somente dentro dos limites de varias nacóes,
mas também em ámbito internacional: há povos menos aquinhoados que
recorrem aos MCS de povos mais desenvolvidos e que, conseqüente-
mente, sao afetados por interesses comerciáis estranhos:

"As pressóes comerciáis exercem-se igualmente para além das frontei-


ras nacionais, em desvantagem de certos povos e da sua cultura. Face ao
aumento da concurrencia e á necessidade de encontrar novos mercados, as
empresas de comunicagáo revestem um caráter cada vez mais multinacional;
a falta de possibilidades locáis de produgSo torna, ao mesmo tempo, alguns
países mais dependentes das nacóes estrangeiras" (§ 5).
i

400
OS MEIOS DE COMUNICACÁO SOCIAL 17

Nao somente os MCS dependentes de empresas privadas estáo


sujeitos a interesses espurios; também os estatais podem ser manipula
dos por planos políticos, nao raro nocivos, principalmente quando inspi
rados por Governos totalitarios.

A solucáo dos problemas assim oriundos está numa regulamenta-


gao precisa e justa dos direitos das emissoras de radio e televisáo, assim
como da imprensa escrita. Nao é oportuno que os Governos nacionais
ten ha m o monopolio dos MCS, mas também nao é para desejar que as
empresas particulares gozem de indiscriminada liberdade de comunica-
cáo, pois se sabe que sao tentadas a subordinar seus programas aos ex
clusivos interesses do IBOPE e da popularidade.

2. O papel dos MCS (§§ 6-11)

O papel fundamental dos MCS é transmitir aos homens mensa-


gens de verdade, esperanca e amor fraterno - o que, em última análise,
significa, para um cristáo, transmitir a Boa-Nova de Deus a lodosos ho
mens, Boa-Nova que estabelece a comunháo entre os seres humanos Cf
§6.

Disto se seguem algumas conclusóes concretas:

2.1.... A servico do homem e das culturas (i 7)

Os MCS sejam instrumentos de unidade e compreensáo mutua


entre os homens. Devem outrossim respeitar as dimensóes culturáis e
religiosas dos individuos e das sociedades.

Acontece, porém, nao raro que os MCS de certo modo desagre-


gam a familia, dificultando o contato pessoal ¡mediato entre familiares e
amigos, pois a programado apresentada é táo "empolgante" que supera
o interesse do convivio entre familiares e amigos. Para evitar esta dete-
rioracáo da convivencia familiar e social, os MCS procurem estimular a
comunicacáo interpessoal, em vez de se substituir a ela; promovam dis-
cussáo em grupos, debates sobre filmes e outros programas semelhan-
tes; cf. § 7.

2.2.... A servico do diálogo com o mundo atual (S 8)

Os cristáos compartilham os problemas do género humano e de


sua historia. Por isto devem entrar em diálogo com todos os homens.

401
18 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

Este diálogo, porém, s<5 será possfvel se procurar compreender os "dis


cursos" próprios dos povos e das culturas deste mundo.

Em tal diálogo os cristáos háo de se esforear por propor a sua men-


sagem, de modo adaptado a cada auditorio e a cada época. A Igreja pre
cisa de se empenhar nesta tarefa, recorrendo aos modernos meios de
comunicagáo social; a Igreja os considera "meios concebidos pela Provi
dencia Divina para o desenvolvimento das comunicaijóes e da comunica-
cáo entre os homens durante o seu peregrinar na térra" (§ 8).

A partidpacáo dos cristáos no sistema de comunicacóes sociais re-


quer também que eles se interessem pela legislagáo civil que diz respeito
a tais meios; esforcem-se por fazer que seja honesta e justa, respeitosa
dos valores moráis. "Os cristáos tém o dever de fazer ouvir a sua voz no
seio de todos os mass media" (§ 8). Essapresehca dos cristáos funda
mentará relacóes de respeito mutuo, respeito decorrente do fato de que
há valores comuns a todos os homens honestos, mesmo quando nao
compartilham a mesma fé religiosa.

2.3. ... A servido da comunidade .humane é do progresso


social (S 9)

Está claro que os MCS, na medida, em que dependem da Igreja,


háo de ser cañáis que anunciem a Boa-Nova de Jesús Cristo. Lembrem
ao mundo secularizado ou laicizado de hojeque a pessoa humana tem
valor e destino transcendentais, que dilatam os horizontes dos cidadáos
absorvidos pelos afazeres materiais. Perante os conflitos e divisóes que
afligem a humanidade, tomem posicáo em prol da justi?a e da paz, ser-
vindo de fator construtivo de auténtica comunháo entre os povos e as
culturas. Assim a pessoa e a sociedade humana encontraráo nos MCS
um esteio de promocáo e nobilitacáo.

2.4.... A servido da Comunháo Eclesial (§ 10)

Aos membros da Igreja toca o direito ao diálogo e á informagáo


dentro e fora da própria Igreja. Ora os MCS háo de favorecer tal direito
de maneira responsável. O Código de Direito Canónico reconhece que,
"obedientes aos Pastores da Igreja, os fiéis gozam do direito de Ihes ma
nifestar as suas necessidades, principalmente as de fndole espiritual, e os
seusanseios pessoais" (can. 212, § 2); acrescenta mesmo que os fiéis, com
ciencia, competencia e prestigio, tém "o direito e, ás vezes, até o dever"
de manifestar aos Pastores a sua opiniáo sobre o que afeta o bem da
Igreja; cf. canon 212, § 3.
i

402
OS MEIOS DE COMUNICAgÁO SOCIAL 19

Tal direito se baseia no tato de que todos os cristáos sao responsá-


veis pelos ¡nteresses do Reino de Deus e da Igreja. A cada qual toca urna
parcela da missáo confiada por Cristo á sua Igreja. Todavia pode ocorrer
que, no afá de promover o bem comum, haja divergencias entre os
membros da Igreja, especialmente entre os fiéis leigos e seus pastores;
em tal caso observa a Instrucáo Aetatis Novae:

"Em caso de desacordó, é importante saber que nao é exercendo pres-


sao sobre a opiniáo pública que se pode contribuir para o esclarecimento dos
problemasdoutrinais e servirá verdade"(§ 10).

Com outras palavras: é preciso evitar o escándalo de contestacáo


pública das diretrizes da Igreja por parte de teólogos ou de fiéis leigos.
Nao se pode dizer que as opinióes dos fiéis a respeito de certos pontos de
fé e de Moral tém o valor daquilo que a Teología chama o sensus fidei
fidelium, o senso da fé dos fiéis. O sensus fidei do povo de Deus é res-
peitável como criterio de credibilidade. Todavia acontece em nossos dias
que mu ¡tos católicos sao pouco instruidos a respeito do seu Credo e, nao
obstante, se póem a opinar e discutir com veeméncia questóes dé fé e
Moral, em oposigáo á autoridade eclesiástica. Tais debates sao condena-
veis, pois reduzem o patrimonio da fé á mensagem de um partido políti
co, que pode ser livremente discutida, visto que al nao entram em jogo
senáo opinióes e sentengas meramente humanas. Ao contrario, a fé tem
sua fonte na Revelacáo realizada por Jesús Cristo; ela foi confiada á
Santa Igreja, cujo Chefe vislvel é Pedro, infalivelmente assistido pelo Se
nhor.

2.5.... A servico da Nova Evangelizacáo (§11)

"Além dos meios tradicionais em vigor, como o testemunho de vida, o


catecismo, o contato pessoal, a piedade popular, a Liturgia e celebragóes
análogas, o uso dos meios de comunicagSo tomou-se essencial para a evan-
gelizagSo e para a catequese. Portanto a Igreja viña a sentirse culpada diante
do seu Senhor se Ela nao langasse máo destes meios potentes que a inteli
gencia humana toma cada día mais aperfeigoados. Os meios de comunicacáo
social podem e devem ser instrumentos ao servico do programa de reevange-
lizagáo do mundo contemporáneo" (§ 11).

É obvio que a nova evangelizacáo deverá valer-se dos recursos de


linguagem e de técnica que o mundo contemporáneo Ihe oferece, a fim
de que possa ser eficaz e penetrante, como geralmente sao penetrantes
as mensagens que o radio e a televisáo bem utilizados costumam trans
mitir.

403
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

3. Desafios atuais {§§ 12-15)

O uso dos MCS póe ao cristáo alguns desafios importantes, que é


preciso levar em conta.

3.1. Necessidade de urna avaliacáo crítica (§ 12)

Embora a tecnología das comunicacóes sociais seja maravilhosa


expressáo do genio dos homens e fator de enorme bem-estar para a
humanidade, nao se pode esquecer o seu caráter ambiguo. Com efeito, a
utilizagáo dos MCS nao tem sido realizada sempre para o bem da socie-
dade, pois, como dito, interesses espurios e vantagens económicas tém
preponderado sobre os valores éticos, que sao os supremos valores da
pessoa humana:

"A aplicagáo da tecnología das comunicagóes nao (oi mais que um se-
mibeneffcio, e para a sua utilizagáo consciente sao necessários valores saos
e escolhas prudentes, da parte dos individuos, do setor privado, dos Gover-
nos e de toda a sociedade... A Igreja... procura fornecer urna verdadeira ajuda,
indicando criterios éticos e moráis apticáveis neste dominio" (§ 12).

É oportuno citar aqui, entre outros, o caso de Janete de Oliveira


Araújo, de 30 anos, técnica em contabilidade, que, estando desemprega-
da, resolveu anunciar pelos jomáis a sua decisáo de alugar o seu útero
por US$ 10.000,00, para ser "Barriga de Aluguel", conforme o título de
urna novela de televisáo. Janete declarou ter sido inspirada pelo enredo
da infeliz novela. Ver JORNAL DO BRASIL, 24/6/92, ie caderno, p. 7.

3.2. Solidaríedade e desenvolvimento integral (§ 13)

Atualmente verifica-se que os MCS tém contribuido tanto para fa


cilitar como para dificultar a solidaríedade entre os homens... Dificulta ni
na quando fomentam o consumismo, o materialismo, a desuma nizacáo
violenta e a falta de interesse pelas condicóes dos pobres e desprotegi
dos.» Tais elementos sao também obstáculos ao desenvolvimento inte
gral da pessoa humana, visto que chamam a atenea o únicamente para o
bem-estar material (consumismo), menosprezando de certo modo os
valores espirituais, que nao podem faltar a urna personalidade bem for
mada: o altruismo, a dedicacáo ao próximo, a fidelidade á palavra empe-
nhada, a honra, o brío, a veracidade...

Visto que os MCS sao vefculos privilegiados para a transmissáo da


cultura, a Igreja sente-se no dever de excitar tanto nos profissionais da
i

404
OS MEIOS DE COMUNICACÁO SOCIAL 21

comunicacáo quanto no grande publico o senso crítico, animado da pai-


xáo pela verdade. "Reconhece também o seu dever de se comprometer
em prol... do respeito pela dignidade pessoal e pela auténtica cultura,
com a recusa firme e corajosa de toda forma de manipulacio e monopo-
lizacáo"(§ 13).

3.3. Políticas e Estruturas (§ 14)

A problemática assim apontada tem, entre suas causas, urna certa


política ou estrutura?áo dos MCS. Com efeito, verifica-se que em muitos
lugares é recusado a determinados grupos ou classes o acesso aos MCS;
em outros lugares, é cerceado o direito á ¡nformacáo plena e objetiva; em
mais outros setores, registra-se abusiva autoridade de élites económicas
e políticas na conducáo dos MCS:

"Judo isto é contrario aos objetivos fundamentáis e á própria natureza


dos rrmios de comunicacáo, cujo papel social particular e necessário é contri
buir para a garantía do direito do homem a informagáo, á promogáo dajustiga,
á procura do bem comum, á assisténcia aos individuos, aos grupos e povos
em busca da verdade" (§ 14).

3.4. Desafíos do Direito á lnformac,3o e ás Comunicacóes (i


15)

"Nao se pode aceitar que exercera liberdade de comunicar dependa da


riqueza material, da educagáo ou do poder político. O direito de comunicar é
direito de todos" (§15).

Isto requer esforgos especiáis para proporcionar aos pobres e aos


mais fracos o acesso a informagáo de que necessitam, como também
para proporcionar a esses desprotegidos a oportunidade de se exprimi-
rem através dos MCS.

O documento da S. Sé parece ter em mira, de modo particular, o


direito que toca á populacáo religiosa de cada país, de recorrer aos MCS
nao somente para apresentar cerimónias litúrgicas, mas também para
transmitir noticiarios religiosos. "O direito a comunicacáo faz parte do
direito á liberdade religiosa, e nao deveria ser limitado á liberdade de
culto" (§15).

4. Prioridades Pastorais (§§ 16-19)

O documento se volta diretamente para as tarefas que competem á


I g reja frente aos MCS.

405
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

4.1. Defesa das Culturas Humanas (S 16)

A pujanca dos grandes MCS nao diminuí a importancia de outros


meios de comunicacáo, que permitam ás pessoas uma participacáo ativa
na producáo dos programas respectivos; existem, sim, meios de comuni
cacáo populares e tradicionais que estimulam o desenvolvimento dos ta
lentos das carnadas mais simples da populacáo; assim dáo oportunidade
a que também estas se manifestem e aprimorem. Tais meios podem ser
mais modestos, mas, por vezes, sao mais justos e ímparciais, pois pro-
curam isentar-se da dominagáo imposta pelos grandes MCS do estran-
geiro ou dos prdprios compatriotas. Os países em via de desenvolvi
mento tém o receio de ser manipulados pelos países desenvolvidos.

4.2. Promocáo dos MCS da Igreja (i 17)

"A Igreja deve desenvolver, suster e favorecer os seus próprios instru


mentos e programas católicos de comunicacáo. Estes compreendem a im
prensa, editores, radio e televisSo católica, gabinetes de informagáo e de rela-
góes públicas, de formagáo á prática e ás questóes dos mass media, a
pesquisa sobre os meios de comunicagao..." (§ 17).

Em suma, o uso dos MCS nao é apenas um complemento da acáo


evangelizadora da Igreja. Ela deve, ao contrario, integrar todo e qualquer
tipo de atividade pastoral que o comporte.

4.3. Formacáo dos Cristáos Responsáveis pela Comunica


cáo (§ 18)

"A educagáo e a formagáo para a comunicagao devem fazer parte inte


grante da formacáo dos agentes pastorais e dos sacerdotes...

No mundo atual, táo influenciado pelos mass media, 6 necessário,


por exemplo, que as pessoas comprometidas na Igreja tenham, pelo me
nos, uma visáo de conjunto do impacto que as novas tecnologías da ¡n-
formacáo e dos mass media exercem sobre os indivfduos e a socieda-
de... Oevem também saber como convidar ao diálogo, evitando um estilo
de comunicacáo suscetível de sugerir dominio, manipulacáo ou o pro-
veíto pessoal. Quanto aos que estáo ativamente empenhados em tare-
fas de comunicacáo para a Igreja, é necessário que adquiram competen
cia profissional em materia de mass media, assim como uma formacáo
doutrinal e espiritual.
i

406
OS MEIOS DE COMUNICACÁO SOCIAL 23

4.4. Pastoral dos Responsáveis da Comunicacáo {§ 19)

"O trabalho no campo das comunicacóes supóe pressóes psicológi


cas e dilemas éticos particulares". Disto se segué a necessidade de que os
profissionais dos MCS sejam assistidos de tal modo que consigam con
siderar sempre a sua atividade como um servigo á humanidade e um no-
bre ideal a ser mantido em sua nobreza.

Para tanto, a Igreja deve elaborar programas pastorais que respon-


dam aos desafios éticos com os quais se defrontam os profissionais da
comunicará o. Tais programas devem implicar urna formacáo perma
nente, que possa ajudar homens e mulheres comunicadores (muitos dos
quais desejam sinceramente praticar o que é justo e ético) "a estar im
pregnados de criterios moráis, tanto no setor profissional quanto a nivel
privado" (§19).

5. Necessidade de Planejamento Pastoral (§§ 20-21)

5.1. Responsabilidade dos Bispos (§ 20)

Reconhecendo o valor e a urgencia dos apelos que emanam do


mundo da comunicacáo, os Bispos e seus colaboradores háo de esforcar-
se por conceder prioridade a este setor de trabalho, levando em conta as
situacóes próprias de suas respectivas dioceses.

É necessário abrir os olhos para a pujanca dos recursos oferecidos


pelos mass media, coisa que nao era táo considerada pela Igreja no
passado, visto que se trata de algo cuja importancia se evidenciou princi
palmente nos últimos tempos. "Como observou o Santo Padre: 'deu-se
preferencia a outros instrumentos para o anuncio evangélico e para a
formacáo, enquanto os mass media foram deixados á iniciativa de parti
culares ou de pequeños grupos, entrando apenas secundariamente na
programacáo pastoral'. Esta sítuacáo requer algumas correcóes" (§ 20).

5.2. Urgencia de um Plano Pastoral de Comunicacáo (§ 21)

"Recomendamos particularmente que as Dioceses e as Conferencias


ou assembtéias episcopais tomem providencias para que a questáo dos
mass media seja abordada nos seus planos pastorais. Convém que redijam
planos pastorais particulares relativos á comunicagáo, ou revejam e atualizem
os que já existem, mantendo um processo de revisko e atualizacáo perma
nentes. Para este fím, os Bispos deveriam procurar a colaboragáo de profís-

407
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

sionais da comunicagáo... e outros organismos internacionais e nacionais do


cinema, do radio, da televisáo e da imprensa" (§ 21).

Conclusáo (§ 22)

"Reafirmamos que a Igreja encara estes meios de comunicagáo social


como dons de Deus, na medida em que, segundo a intengáo da Providencia,
criam lagos de solidahedade entre os homens, pondo-se assim ao servigo da
Sua vontade salvfíica. Do mesmo modo que o Espirito ajudou os antigos Pro
fetas a decifraro plano de Deus através dos sinais dos tempos, Ele ajuda hoje
a Igreja a interpretar os sinais do nosso tempo e a realizar a sua tarefa proféti-
ca, que comporta o estudo, a avaliagáo e o bom uso, que hoje se tornaram
fundamentáis, das tecnologías e dos meios de comunicagáo" (§ 22).

Como se vé, o documento da Santa Sé é incisivo e insistente no


sentido de

- salientar a enorme importancia dos MCS;

- enfatizar a urgente necessidade de que a Igreja os utilize, tendo


seus meios próprios;

- enunciar o dever de assistir aos homens da comunicac.áo em ge-


ral, fornecendo-lhes subsidios que Ihes lembrem a dignidade e a extraor
dinaria responsabiiidade de sua profissáo. A ética e os valores espirituais
nao devem ser conculcados pelos MCS em proveito de sucesso e lucro
materiais, pois isto seria desvirtuar o genio dos homens e deturpar um
dom de Deus; ao contrario, possam os valores moráis ser mais e mais
fomentados pelos MCS, aptos a ser escola nao somonte das grandes
massas, mas do género humano como tal.

APÉNDICE

Á guisa de espécimen de como as noticias de índole religiosa sao,


por vezes, desfiguradas pelos MCS, seja citado o caso da "Béncáo nup
cial para divorciados".

O JORNAL DO BRASIL, por exemplo, em sua edigáo de


29/5/1992,15 caderno, p. 6, afirmava:

"BRASILIA - A Conferencia Nacional dos Bisóos do Brasil (CNBB) vai


encaminhar proposta ao Vaticano, que prevé a béngáo de um padre ás unióes
entre divorciados. 'Urna béngáo nunca pode ser negada e, além disso, as ar-
i

408
OS MEIOS DE COMUNICACÁO SOCIAL 25

quidioceses tém liberdade para realizar esse ritual', explicou o assessor litúr
gico da CNBB, Irei Faustino Paludo.

A béncáo ao segundo casamento de divorciados é defendida pelo padre


Claudio Viana, de Nova Friburgo (RJ). O padre acha que a cerimdnia deve ser
realizada na casa de urna das tamílias envolvidas no matrimonio, em clima
discreto e com poucos convidados. A noiva poderá até se vestir de branco,
caso faga essa opgáo".

Ora a Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil desmentiu oficial


mente tal noticia nos seguintes termos:

"ESCLARECIMENTO: há alguns meses varios órgáos da


imprensa nacional vém publicando as mais diversas materias
sobre o matrimonio. No final de maio foi publicada materia com
a seguinte mánchete: 'CNBB regulamenta béncáo de aliancas a
divorciados'. Após essa publicacio outras materias foram divul
gadas, envolvendo o nome do Bispo Responsável pela Oimensáo
Litúrgica, Dom Clemente Isnard, Bispo de Nova Friburgo (RJ), e
do Assessor Nacional de Liturgia, Frei Faustino Paludo. Alguns
jornais publicaram nomes de Padres que nao constam no Anua
rio Católico do Brasil e que sao desconhecidos ñas Dioceses re
feridas pelos velculos de Comunicagáo. Assim, pois, a noticia de
que a CNBB vai propor ao Vaticano abencoar o segundo casa
mento de divorciados é ABSOLUTAMENTE FALSA. Jamáis a
CNBB, através da Dimensáo Litúrgica, pensou em algo seme-
I hante. O que se considerou na Assembléia dos Bispos, em 1991,
foi um novo rito do sacramento do matrimonio, com algumas
adaptacdes para o Brasil, conforme prevé a edicio típica do ri
tual do matrimonio".

Como se vé, o público deve exercer seu bom senso critico, quando
os MCS Ihe oferecem noticias sensacionalistas, especialmente na área
religiosa.

CURSOS POR CORRESPONDENCIA

S. Escritura, Iniciacáo Teológica, Teología Moral, Historia


da Igreja, Liturgia, Diálogo Ecuménico, Ocultismo, Parábolas do
Evarrgelho, Doutrina Social da Igreja.
Pedidos de Informacóes a C.P. 1362. 20001-970 - Rio (RJ)

409
Portentos da grapa divina:

Josefina Bakhita:
A Escrava Glorificada

Em sfnteseM Ir. Josefina Bakhita, do Instituto das Filhas da Caridade,


fundado por Sta. Madalena de Canossa, faleceu no ano de 1947 em odor de
santídade. Nasceu no Sudáo (África) em 1876. Desde os nove anos de idade,
foi escrava, raptada por traficantes negreiros no Sudáo mesmo; vendida al-
gumas vezes, foi, por último, comprada por um agente consular italiano em
Cartum (Sudáo); este levou-a para a Italia. Bakhita nao quis voltarpara a sua
patria, quando tentaram levá-la de novo para lá com seus patróes italianos..A
Justiga da Italia, interpelada pelo Cardeal-arcebispo de Veneza, deu ganho de
causa á jovem escrava, que assim conseguiu a sua emancipagáo. Bakhita
(nome que os traficantes Ihe haviam dado) era animista; na Italia conheceu o
Catolicismo, que passou a admirar. Pediu entáo o Catecumenato e o Batismo;
após o qué, levada aínda pela graga de Deus, solicitou admissáo no Instituto
das Canossianas. Professou em 1896. Passou o resto de sua tonga vida reli
giosa quase sempre no Convento de Schio (Vicenza), onde trabalhou como
porteira, sacrista, costureira, cozinheira..., dando admiráveis exemphs de pa
ciencia, zeto rríssionário, amor a Deus e ao próximo. Faleceu aos 8/2/1947.
Seu processo de Canonizagáo, apoiado por um milagre bem definido, possibi-
litou a Beatifícagáo de Ir. Josefina Bakhita aos 1715/92. Foi um ato de reco-
nhecimento público das virtudes de urna humilde fílha do Sudao, que sofreu
durante anos a fio na condigno de escrava.

Aos 17/5/92 foi beatificada1 pelo S. Padre Joáo Paulo II urna Reli
giosa Canossiana2, nascida no Sudáo (África) e chamada Josefina Ba-

1A Beatifícagáo é a etapa preliminar á Canonizagáo ou á inscrigáo de


alguém no Canon ou Catálogo dos Santos.

2Canossiana, porque pertencente á Congregagáo fundada por Sta.


Madalena de Canossa, com o título de Instituto das Filhas da Caridade Ca
nossianas.
i

410
JOSEFINA BAKHITA: A ESCRAVA GLORIFICADA 27

khita. A historia dessa Religiosa é surpreendente; revela maravilhoso de


signio da Providencia Divina, que dos males dos homens sabe tirar
maiores bens em favor dos próprios homens (S. Agostinho).

As páginas que se seguem, apresentaráo breve esbogo biográfico


da extraordinaria figura de Josefina Bakhita, a escrava glorificada em
nossos dias.

1. A patria: o Sudáo

O Sudáo é o país mais vasto da África, tendo urna superficie de


2.506.813 km2. A sua faixa litoránea, banhada pelo Mar Vermelho, esten-
de-se por 500 km. Entre outros países, confina com o Egito e a Etiopia.

A populacáo é pobre, vivendo principalmente da criacáo de animáis


de pasto.

No século Vil, os árabes, tendo-se apoderado do Egito, chegaram á


Núbia (Norte do Sudáo) e iniciaram um comercio regular de escravos,
impondo a todos a religiáo islámica.

No século XIX o Sudáo foi ocupado pelos turcos e, a partir de 1898,


pelos anglo-egípcios. Finalmente a 15 de Janeiro de 1956 foi proclamada'
a República Independente do Sudáo.

A evangelizado do país comecou nos primeiros séculos por obra


de cristáos desterrados pela furia das perseguicóes romanas. Todavía o
avanco islámico no século Vil extinguiu ai o Cristianismo. No século XVII
os franciscanos empreenderam de novo a pregacáo crista no Sudáo, com
a perda de muitos missionários martirizados. Finalmente no século XIX a
fé católica foi propagada no pais com grande fervor pelo missionário ita
liano Daniel Comboni, que contava com sacerdotes e Religiosas dedica
dos. Varios deles também sofreram o martirio, visto que se Ihes propu-
nha o dilema: "Islam ou Morte!" Todavia subsistiram, e subsistem até
hoje, redutos de Catolicismo naquele país, cujos habitantes, em maioria,
ou sao maometanos ou sao animistasj

2. Raptada, mas maravilhosamente protegida

Na aldeia de Olgossa, regiáo de Farfur, em 1869{?), nasceu urna


menina, filha de familia da tribo Dagiú. Pouca coisa se sabe sobre o berco

1Segundo o animismo, almas (animae) e espíritus regem os elementos


da natureza (ríos, fontes, árvores, pedras, montanhas...).

411
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

e a infancia dessa enanca, porque os choques que levou mais tarde con-
tribuiram para Ihe obnubilar a memoria. Nem o seu nome de origem nos
é conhecido.

A religiáo da familia devia ser o animismo e o culto dos antepassa-


dos, pois Bakhita mesma confessou que, antes de se fazer crista, nao
adorava Deus.

O comercio de escravos estava em vigor no Sudáo e no Centro da


África, embora condenado pelo Egito e pelas autoridades islámicas, que
em París no ano de 1856 assinaram um Tratado de repudio a escravatura.

Em tal contexto, a menina de Olgossa foi raptada por traficantes


quando tinha nove anos de idade. Ela mesma conta como isto se deu:

'Tmha cerca de nove anos, quando certa manhá, depois do café, fui
com urna minha companheira de doze ou treze anos, passear nos nossos
campos, um pouco longe de casa. Tendo interrompido as nossas brincadei-
ras, estávamos entretidas recolhendo ervas.

De repente vimos sair dois estranhos detrás de urna cerca. Um deles


disse á minha companheira: 'Deixa que esta pequerrucha vá peño daquele
bosque para buscar para mimum embrulho que eu esquecilá; voltará logo. Tu
segué pela tua estrada, que logo ela te alcangará.

É evidente que o seu plano era afastar a amiga porque, se presenciasse


a captura, ela teria dado o alarme.

Eu nao duvidava de nada. Obedecí ¡mediatamente, como sempre fazia


com a minha mié.

Mas, depois que me embrenhei pelo bosque para procurar o embrulho,


que nao encontrava, vi aqueles dois atrás de mim...

Um deles agarra-me bruscamente com urna meo; com a outra tira um


facáo da cintura, e, apontando-o contra mim, diz com voz imperiosa: 'Se gri
tas, eu te mato. Adiante, segue-nos!' O outro me empurrava apontando-me o
cano de um fuzil ñas costas.

Eu permanecí petrificada pelo medo. Os olhos esbugalhados e tremen


do, da cabega aos pés, quero gritar, mas um nó na garganta mo impede: nao
consigo nem talar, nem chorar".

É a este ponto que, interrogada a respeito do seu nome, a menina,


traumatizada pelo susto e impedida pelos solucos reprimidos, nao con-
segué responder.
i

412
JOSEFINA BAKHITA: A ESCRAVA GLORIFICADA 29

"Muito bem. Chamar-te-emos Bakhita, a afortunada!".

E com este nome ela chegou até nos.

Bakhita teve que caminhar por días a fio através de bosques, mon-
tanhas, vales e désertos. Após um mes de pausa em um miserável cubí
culo, foi levada a um mercado de escravos juntamente com homens,
mulheres e adolescentes raptados também eles. Bakhita narra o que en-
tao Ihe aconteceu:

"Paramos no mercado dos escravos.


Todos tomos introduzidos num grande saláo, á espera do turno de ven
da. Os primeiros comerciados foram os mais traeos e doentes pelo temor de
que, piorando, se perdesse o lucro.

Enquanto ia adiante a escolha, o acordó e a venda de cada um, nos


duas menores, encontrando-nos sempre peño urna da outra, porque presas
pelos pés com a mesma corrente, nos momentos em que nao éramos obser
vadas, contávamos urna á outra como tfnhamos sido raptadas. Falávamos
dos nossos caros e sempre mais se acendia em nos o desejo de voltarpara a
famltia. Enquanto chorávamos sobre a nossa sorte infeliz, (amos projetando
algumplano de fuga".

Bakhita foi vendida juntamente com outra menina a um fazendeiro.


As duas, porém, conseguiram fugir, aproveitando-se de urna distracáo
do patráo:

"O patráo tinta colocado a mim e á minha companheira num quarto se


parado, que ele fechava sempre, especialmente quando tinha que apartarse
da casa.

Urna tarde, volta do mercado com um buninho cheio de espigas de mi-


Iho. Entra no nosso covil, tira-nos a corrente dos pés, e manda que debulhe-
mos as espigas e que demos de comer ao burrinho".

Visto como as duas meninas tinham comecado a trabalhar com


afinco, o patráo foi cuidar dos seus negocios.

"Estávamos sozinhas, sem corrente!


Providencia de Deus: era o momento bom.
Urna troca de olhares, um sinal, um apeno de máo, urna olhada ao re
dor, e, nao vendo ninguém, safmos correndo para o campo aborto, sem saber
para onde, somonte com a velocidade das nossas pobres pernas. A noite in-
teira foi urna corrida continua e trepidante no interior dos bosques e tora pelo

413
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

deserto. Ofegantes e cansadas, ouvtamos na escuridáo os rugidos das feras.


Ouando elas se aproximavam, subíamos ñas árvores para nos salvar".

Depois de caminhar por mais de um dia, pararam, ao anoitecer,


perto de um casebre, que elas julgavam ser o dos pais de urna délas!
Aproximou-se, porém, um homem, que as levou consigo e de novo as
reduziu á escravidáo.

O novo patráo, possuindo varios escravos, vendeu Bakhita e sua


companheira a um senhor rico, para que servissem ás suas filhas. Por
motivo de um desafeto, que Ihe valeu duros castigos, Bakhita foi, mais
urna vez, vendida, já entáo a um General do exército turco, a fim de servir
á máe e á esposa do novo patráo, juntamente com outra escrava. As me
ninas sofreram entáo horrivelmente pelas chicotadas que levavam:

"Nao podíamos deixar as nossas patroas nem sequer um momento.


Entre vesti-las, perfumá-las e abaná-las, nao tfnhamos descanso. Eaide nos
se, por erro oupelo sonó, tocávamos num só fío de cábelo das senhoras... As
chicotadas caíam em cima de nos sem misericordia, de modo que, em tres
anos que passei ao servigo délas, nao me lembro de ter fícado um só dia sem
feridas, porque nao havia aínda sarado dos golpes recebidos, quando recebia
outros ainda, sem saber o porqué.

Um dia, eu estava contando a minha (nova) companheira como eu tinha


fúgido do primeiro patráo.

Sem que me desse conta, a filha do General tinha ouvido tudo; temendo,
portanto, que tentássemos urna fuga, fez-me colocar urna grossa córrante nos
pés, que tive que levar por mais de um mes. Tiraram-na por ocasiáo de urna
grande festa muculmana, quando era dever soltar os grilhóes de todos os es
cravos".

Nessa fase de sua vida, Bakhita recebeu os sinais de tatuagem que


significavam a sua pertenca ao patráo e sua familia. Bakhita relata o fato:

"Veto urna muiher perita nesta arte cruel. Levou-nos para balxo do pórti
co, e a patroa ia atrás com o chicote na mño. A muiher manda que Ihe tragam
um prato de farinha branca, um prato de sal e urna navalha. Ordena a primeira
de nos tris que se deite no chao e que duas escravas das mais fortes a segu-
rem, urna pelos bracos e a outra pelas pernas.

(A esbirra) entáo se curva sobre e/a e comeca a fazer com a farinha


uns sessenta sinais finos sobre o ventre daquela desgragada. Eu estava ali,
com os olhos arregalados, a observar, pensando que depois tocaría também a
mim aqueta sorte cruel.

414
JOSEFINA BAKHITA: A ESCRAVA GLORIFICADA 31

Terminando os sinais, pega a navalha e comega a talhar sobre cada si-


nal que tmha tragado. A coitadinha gema e o sangue espirrava de cada taino.

Nño basta. Terminada esta operagao, pega o sal e com toda a torga es-
frega em cada ferida, para que entre ali a fím de engrossar o taino (para con
servar os seus labios abertos). Que espasmo! Que tormento! A infeliz tremía
toda, e eu também tremía, esperando infelizmente o mesmo para mim. Com
efeito. levada a primeirapara a enxerga, chegou a mlnha vez.

Nao tinha ánimo para me mover, mas um olhar fulmíneo da patroa e o


chicote levantado fizeram-me deitar ¡mediatamente no chao. A muther, tendo
tido a ordem de poupar-me o rosto, comega a fazer-me seis sinais sobre o
peito, e depois sessenta sobre o ventre e quarenta e oito no brago direito. Pa-
recia-me morrer a cada momento, especialmente quando me esfreqou com o
sal.

Imersa num lago de sangue, fui levada para a enxerga, onde fiquei in
consciente por muitas horas...

Quando despeñe!, vi ao meu lado as minhas companheiras que, como


eu, sofriam atrozmente.

Por mais de um mes todas as tres fomos condenadas a ficar ali, deita-
das sobre a esteira, sem poder mover-nos, sem um lengo para enx'ugar a
agua que safa continuamente das feridas semi-abertas pelo sal.

Posso dizer realmente que nño morripor um milagre do Senhor, que me


destinava a COISAS MELHORES".

A seguir, Bakhita foi vendida em Cartum (capital do Sudáo) ao


agente do Consulado Italiano chamado Calisto Legnani. Daí por diante o
seu cativeiro sería mais brando. Dois anos mais tarde, o diplomata foi
chamado á Italia; Bakhita ¡mplorou a graca de o acompanhar - o que Ihe
foi concedido. Em Genova o patráo a cedeu á esposa de um amigo seu, a
Sra. María Turma Michieli, que levou Bakhita para Mirano Veneziano.
Passados tres anos, Bakhita voltou com a sua patroa á África; mas, nove
meses depois, retornou a Mirano Veneziano com a Sra. Michieli. Bakhita
comecou entáo a entrar em contato com o Catolicismo, pelo qual se en-
tusiasmou (até entio nunca adorara a Deus); pediu admissáo no Catecu-
menato dirigido pelas Irmas Canossianas de Veneza:

"Assim fomos ambas recebidas no Catecumenato.


Eu fui confiada com a menina a urna irmá encarregada da instrugáo dos
catecúmenos. Nño posso recordar, sem chorar, o cuidado que ela teve corrí-

415
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

go. Ouis saber se eu tinha o desejo de tornar-me crista e, tendo ouvido que eu
o desejava, e que alias vinha com aqueta intengáo, exultou de alegría.

Entáo aquetas santas Irmas, com urna paciencia heroica, me instruiram


e me fizeram conhecer aquele Deus que desde enanca eu sentía no coragáo,
sem saber quem Ele fosse.

Lembrava como, vendo o sol, a lúa e as estrelas, as belezas da nature-


za, dizia a mim mesma: 'Quem é o patrio destas coisas táo bonitas?1. Epro-
vava urna grande vontade de vé-lo, de conhecé-lo, de prestar-lhe homena-
gem".

A Sra. Turina Michieli, porém, quis aínda voltar á África, levando


consigo Bakhita. Esta resistiu. Houve recurso ao Cardeal-Patriarca de Ve-
neza, que se dirigiu ao Procurador do Rei da Italia, em favor do respeito á
decisáo de Bakhita. A jovem teve ganho de causa, visto que na Italia nao
se praticava o regime escravagista; era, portanto, considerada pessoa li-
vre, aos 29 de novembro de 1889.

Aos 9 de Janeiro de 1890 recebeu o S. Batismo e os nomes de Jose


fina Margarida Afortunada. No mesmo dia foi também crismada e parti-
cipou da Primeira Eucaristía. Aos poucos o ideal da Vida Religiosa foi
aflorando em sua mente, de modo que a jovem, aconselhada pelo con-
fessor, pediu ¡ngresso na Congregacáo das Irmas Canossianas.

Aos 7 de dezembro de 1893 entrou no Noviciado, e aos 8/12/1896


pronunciou os primeiros votos religiosos, consagrando-se inteiramente
Áquele que, em dialeto veneziano, ela chamava "el me Parón'< (o meu
Patráo).

3. A Religiosa

Por mais de cinqüenta anos, a Ir. Josefina Bakhita viveu na casa das
Filhas da Caridade em Schio (Provincia de Vicenza), servindo na cozinha,
na rouparia, na alfaiataria, na sacristía, na portaría... Era sempre afável
para com todos, especialmente para com os pobres, os sofredores e as
changas; as lembrancas do seu passado I he ficavam no coracáo. Infeliz
mente, porém, nunca mais teve noticias da sua familia, que ela muito es-
timava.

Num Congresso de Jovens, um estudante de Bolonha perguntou a


Ir. Josefina Bakhita: "Que farias se encontrasses os teus raptores?" Ao
que ela respondeu de pronto:
\

416
JOSEFINA BAKHITA: A ESCRAVA GLORIFICADA 33

"Se encontrasse aqueles negreiros que me raptaran), e mesmo aqueles


que me torturaram, ajoelhar-me-ia para beijar as suas máos; porque, se isto
nao tivesse acontecido, eu nao seria agora crista e religiosa".

"Cuitados, lalvez nao sabiam que me faziam tanto mal: eles eram os
patróes, eu era a sua escrava. Como nos somos habituados a fazer o bem,
assim os negreiros faziam isto, porque era um seu costume, nao por malda-
de".

Interrogada a respeito de possfveis abusos de que tivesse sido víti-


ma por parte de homens brutais, declarou: "Estive sempre no meio da
lama, mas nao me sujei... Por graca de Deus, fui sempre preservada...
Nossa Senhora me protegeu, ainda que eu nao a conhecesse... Em varias
ocasióes senti-me protegida por um Ser Superior".

Durante os anos de sua Vida Religiosa, repetía com freqüéncia:


"Come vol el Parón" (Como quer o Senhor). Mostrava-se muito inte-
ressada pelas missóes, a ponto de dizer: "Oh, se soubésseis quantos afri
canos seriam já católicos se existissem missionários e missionárias para
dizer-lhes que Deus os ama, que Jesús Cristo morreu por eles!" E reza-
va:

"Oh, Senhor, se eu pudesse voarlá para baixo (a África), entre a rrínha


gente, e pregar a todos comgrande voz a tua bondade! Oh, quantas almas po-
deria conquistar para Ti! Entre os primeiros, a minha máe, o meu pai, os meus
irmáos, a minha ¡rmS, ainda escrava... todos os pobres negros da África. Fa-
ze, oh Jesús, que também eles Te conhegam e Te amem!"

Na velhice foi acometida por longa e dolorosa enfermidade, que ela


suportou com muita paciencia. No invernó de 1947 urna violenta pneu
monía prostrou-a, dando a prever o seu próximo desenlace... Recebeu
consciente os sacramentos dos enfermos. Certa vez urna Irma I he per-
guntou: "Irma Josefina, como vai?" Respondeu:

"Vou-me devagarzinho para a eternidade... Vou com duas malas: urna


contém os meus pecados, a outra, bem mais pesada, contém os méritos infi
nitos de Jesús Cristo.

Quando eu comparecer diante do tribunal de Deus, cobrirei a minha


mala fe/a com os méritos de Nossa Senhora; depois abrirei a outra. apresenta-
rei os méritos de Jesús Cristo e direi ao Eterno Pai: 'Agora julgai o que vedes!'

Oh, estou segura de que nao serei rejeitada!


Entáo me voltareipara Sao Pedro e Ihe direi:
'Pode fechar a porta, porque eu fíco!'"

417
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

No delirio da alta febre, recordou-se do passado e exclamou: "A-


frouxem as minhas correntes... Pesam!" Recuperou-se; vendo-a aliviada,
urna das Irmas Ihe disse: "Irma Josefina, como está? Hoje é sábado!"
Após alguns minutos, murmurou: "Como estou contente! Nossa Se-
nhora, Nossa Senhora!"

Foram estas as suas últimas palavras.

Apagou-se aos 8/2/1947 em Schio. Logo urna multidáo de pessoas


foi á casa do Instituto a fim de ver pela última vez a Madre Moreninha
(Madre Moretta). No dia 11/2, sob chuva torrencial, um grande cortejo a
acompanhou até o cemitério.

4. Na Gloria do Céu

Sao muitas as grapas que pessoas enfermas e carentes dizem ter


recebido por intercessáo da Ir. Bakhita após a morte desta. Sua fama de
santidade está difundida em todos os continentes.

O processo de Beatificacáo e Canonizacáo da Irma teve inicio doze


anos após a sua morte. Para a Beatificacáo de um(a) Servo(a) de Deus,
a Igreja requer sempre um milagre, devidamente examinado por peritos
que o reconhecam como totalmente inexplicável pela ciencia. Ora tal foi o
milagre que a Providencia Divina houve por bem realizar, a fim de com-
provar a virtude e a valiosa intercessáo de Ir. Josefina Bakhita:

Irma Ángela Silla Mari (Canossiana), em 1939, contando 2,6 anos de


idade, comecou a acusar dores agudas no joelho esquerdo.

No espago de um ano, mais ou menos, urna febre intermitente veio


¡untar-se á dor, que entáo se agravara a ponto de impedir qualquer mo-
vimento articulatorio. Por estes motivos. Ir. Ángela, em Janeiro de 1940,
foi internada na Policlínica S. Mateus de Pavia, por cerca de dois meses.
Durante este período diagnosticou-se-lhe urna artrosinovite especifica,
que foi tratada com repetidas artrocenteses. Em marco de 1940foi inter
nada no Instituto Helioterapóutico, em Arma de Taggia, onde foi tratada
com a imobilizacáo da perna em leito rfgido e sobre-elevado, helioterapía
e injecóes de calcio e iodo-arsenical.

No espaco de oito meses, o joelho esquerdo da Ir. Ángela foi trata


do com injecóes evacuativas mais de 180 vezes. Em novembro de 1940
aparece a primeira fístula, seguida de outras duas no espaco de dois me
ses, que permanecem a bertas por mais de dois anos e das quais sai
abundante material purulento.
i

418
JOSEFINA BAKHITA: A ESCRAVA GLORIFICADA 35

Em abril de 1943 as fístulas se fecham, o joelho incha e a tempera


tura basilar chega a mais de 40 graus.

O joelho incha cada vez mais e assume uma cor violácea-marrom,


que se espalha por toda a perna. Dada a gravidade das condicoes locáis,
decide-se por uma amputagáo da perna.

A sucessiva abertura de tres fístulas, das quais sai pus denso e


abundante, afasta momentáneamente a amputagáo.

Em julho de 1944, Ir. Ángela é obrigada a deixar o Instituto Helio-


terapéutico, por causa dos acontecimentos bélicos, e retorna para junto
de sua familia, onde permanece por cerca de um ano, sempre com febre
e dores. Registra-se também um leve melhoramento, mesmo se perma-
necem as fístulas, que se abrem e fecham alternadamente.

Em maio de 1944 a paciente comeca a "re-educar" a sua desam-


bulacáo, fazendo alguns passos com a ajuda do girador. Depois faz uso
das muletas e, por último, da bengala.

Em julho de 1946, abre-se uma outra fístula, que permanece


aberta por sete meses e da qual sai pus em abundancia. Completam o
quadro clínico uma febre alta e dores lancinantes. A doente, que já nos
anos precedentes podia mover-se somente com aparelho gessado e
deambulatorio, estava praticamente imobilizada. Nao obstante uma nova
terapia de sol praticada em Varazza no período de junho/agosto de 1947,
as condicoes da Ir. Ángela pioram tanto que induzem o Dr. Colli e seus'
assistentes a considerar oportuna uma intervencáo cirúrgica de extracáo
total da rótula e de parte da tibia.

No dia 04 de outubro de 1947 a doente foi entáo internada de novo


na Policlínica S. Mateus de Pavia, onde foram feitos ulteriores exames,
que confirmaram a diagnose de artrite específica; foi programada a inter
vencáo cirúrgica para o próximo dia 12 de outubro.

Antes de ser internada, uma sua coirmá, Raquel Ruggeri, a exorta a


iniciar com ela uma novena de oracóes á Ir. Josefina Bakhita, morta oito
meses antes, em conceito de santidade. A doente pede-lhe somente o
bom éxito da operacáo. Sao feitos exames e radiografías. Abriu-se uma
nova fístula e o médico deve medicá-la duas vezes ao dia, em virtude da
quantidade de pus que expele. Está tudo pronto para a operacáo. A
doente, um pouco apreensiva, continua a rezar e a ter fé na intercessáo
de Bakhita.

419
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

As vinte horas do dia 11 de outubro de 1947, o Dr. Massone medica


o joelho e faz a limpeza da fístula.

Durante a noite que precede a operacáo, a Ir. Ángela dorme pouco.


Lá pelas duas horas do dia 12, ouve urna voz que Ihe diz: "Vamos, acor-
da, levanta-te e anda". Acorda de sobressalto e senté forte a inspiracáo
de descer do leito e, com grande estupor, vé que sozinha, sem nenhum
apoio, pode ficar de pé. Dá volta em torno ao leito e chora de alegría e de
maravilha. Ofha o joelho e vé que voltou ao normal: nao tem mais a fís
tula, o inchaco desapareceu e nao acusa mais nenhuma dor. Senté que
está bem. O seu primeiro impulso é o de agradecer á Irma Bakhita. Sao
duas horas da manhá do dia 12 de outubro de 1947, último dia da nove
na, sete horas antes da programada operacáo. Pela manhá o pessoal en-
fermeirfstico, os funcionarios, os pacientes e os médicos ficam surpresos
e maravilhados. Os médicos que deviam efetuar a intervencáo cirúrgica,
em vista da Irma curada, consultam-se e examinam atentamente os
exames radiológicos da Ir. Ángela. No final declaram que a operacáo nao
é mais necessária. Sarou improvisamente e inexplicavelmente, do ponto
de vista médico, de urna grave forma de gonilite específica.

No dia seguinte, 13 de outubro, Ir. Ángela teve alta do hospital e é


acolhida com grande alegría por suas coirmás e juntas agradecem á Irma
Bakhita pela prodigiosa intercessáo.

Irma Ángela continuou sempre bem e exulta com a promulgado


do Decreto de Beatificado da humilde e simples Irma africana.

Transcrevemos, a seguir, a conclusáo das CONSIDERACOES MÉ-


DICO-LEGAIS, do Dr. Francisco Xavier Santório, encarregado pela
CONGREGACÁO DAS CAUSAS DOS SANTOS de redigir urna pericia
médico-legal sobre a cura da Irma Ángela Silla Mari, canossiana, por in
tercessáo da Venerável Josefina Bakhita:

"Com base na avaliacáo da documentagáo clínica, dos atos da causa e


das disposigóes sobre a cura da Ir. Ángela Silla Mari, por intercessáo da Ve
nerável Josefina Bakhita, pode-se seguramente afirmar que a doente era ate
tada por urna grave forma de gonilite especffíca.

Tal lesáo era rebelde a todas as terapias praticadas. O quadro clínico e


radiográfico progrediu de 1939 a 1947.

Antes de tudo, devemos levar em consideragáo as modalidades de cura


das artrítes específicas em tal época. Em outros casos que nao o da Ir. Án
gela, mesmo quando a tuberculose osteo-articular sarava, oprocesso de cura
i

420
JOSEFINA BAKHITA: A ESCRAVA GLORIFICADA 37

verificava-se gradualmente em períodos muito longos (meses ou anos), e, em


geral, se transformava em anciloses fibrosas e ósseas.

No caso da Ir. Ángela Silla Mari, ao invés, a cura loi completa e dura-
doura e, sobretudo, se deu de maneira completamente diferente das modali
dades de cura ácima expostas. O que causa maravilha em particular, é a ins-
tantaneidade da cura de urna doenga crónica que perdurava havia oito anos,
sem que tosse modificada, de algum modo, a terapia precedentemente prati-
cada. Enfatiza-se, além disso, o perdurar da regressáo da doenga a ponto de
se transformar numa cura completa e duradoura, mesmo se no plano da fun-
cionalidade esta fica alterada.

Portanto, com base em quanto se deduz da documentagáo sobre a cura


da Ir. Ángela Silla Mari, concluo afirmando que a evolugáo clínica da doenga e
a cura improvisada e instantánea sao absolutamente inexpticáveis do ponto de
vista médico.

Roma, 14 de fevereiro de 1991


Dr. Francisco Xavier Santorio"

5. A Beatificagáo

A Beatificado de Ir. Bakhita aos 17/5/92 ocorreu em momento


muito oportuno. Com efeito; em fevereiro pp., o S. Padre Joáo Paulo II
esteve, pela oitava vez, na África, onde visitou a ¡Iha de Gorée, a 3 km da
costa do Senegal, frente a Dakar. Nessa ilha acha-se a "Casa dos Escra-
vos", onde durante quatrocentos anos os africanos cativos eram reuni
dos, á espera do embarque para o continente americano. Gorée vem das
palavras holandesas goede reede (boa enseada ou bom ancoradouro).
O Papa se deteve por sete minutos em silencio á "porta da viagem sem
retorno" da Casa dos E seravos e lá pediu perdáo aos africanos pelos
males a eles causados por traficantes portugueses, holandeses, ingleses e
franceses:

"Vim prestar homenagem a todas essas vílimas desconhecidas. Infe


lizmente a nossa civilizagáo, que se dizia e se diz crista, retornou, em nosso
secuto, á prática da escravatura. Sabemos o que foram os campos de con-
centragáo: aquí há um espécimen dos mesmos".

Para completar o desagravo, a Igreja teve a alegría de ver glorifica


da urna escrava aos 17/5/92. E pode-se acrescentar que um semelhante
processo está em curso, este em favor de um ex-escravo negro, nascido
no Haiti, um dos países mais pobres da América. Ver o artigo seguinte
deste fascículo.

421
Um santo filho do Haití:

Pierre Toussaint, Ex-Escravo

Em síntese: O escravo haitiano negro Pierre Toussaint serviu á fami


lia francesa Bérard, no Haití e nos Estados Unidos da América, até os 45 anos
de idade. Tendo morrido os seus patróes, deu-se por livre de qualquer com-
promisso com os herdeiros; casou-se e passou a dedicarse a obras de cari-
dade como católico exemplar. Nasddo em 1766, faleceu em 1853, após urna
vida de virtudes comprovadas.

O seu processo de Beatificagáo está em curso. Todavía grupos de ca


tólicos norte-americanos negros o impugnam, porque Pierre Toussaint nao
partícipou da rebeliáo dos escravos do Haití em 1787, preferindo, antes,
acompanhar os seus patróes, que entáo se refugiaram nos Estados Unidos.
Terá faltado de solidariedade evangélica, dizem os opositores do processo. -
A questáo é discutida, pois participar de urna revolucSo armada pode ser ato
de virtude, mas nao o é necessariamente; há casos em que o cristáo, em
consciéncia e diante de Deus, pode julgar que nao Ihe compete assurrír tal
atítude.

Está em curso o processo de Beatificacáo de um ex-escravo negro


do Haití. Trata-se de Pierre Toussaint (1766-1853), cuja vida merece ser
relatada ñas páginas subseqüentes.

1. O País

0 Haití é urna República do Mar das Antilhas, situada na porcáo


Leste da ilha Hispaniola, onde também se encontra a República Domini
cana.

A ilha Hispaniola foi descoberta por Cristóváo Colombo em sua


prímeira viagem á América no ano de 1492. Em 1625, a parte oriental da
i

422
PIERRE TOUSSAINT, EX-ESCRAVO 39

ilha, correspondente ao atual Haiti, foi cedida aos franceses, que estabe-
leceram na regiáo grandes plantacóes de cana de acucar, utilizando máo-
de-obra escrava. Influenciados pelas idéias republicanas que originaram
a Revolucáo Francesa de 1789, os negros se rebelaram e, em Janeiro de
1804, após mais de um decenio de lutas, foi proclamada a independencia
do país. A subseqüente historia do Haiti é muito acidentada por causa de
polémicas internas encabezadas por chefes rivais entre si.

Foi em tal contexto que viveu Pierre Toussaint.

2. A Figura do Cristáo

Pierre Toussaint nasceu no Haiti em 1766. Era escravo da famfiia


francesa Bérard. Tinha 21 anos, quando em 1787 os escravos se rebela
ram em Porto-Prfncipe {capital do país). Diante da agitacáo, a familia
Bérard resolveu partir para os Estados Unidos. Ora Pierre Toussaint
acompanhou os patróes, em vez de assumir posicáo ao lado dos escravos
em sua luta.

Pouco depois de chegar aos Estados Unidos, o casal Bérard perdeu


os seus bens e o chefe da familia faleceu. Em tais circunstancias, Pierre
Toussaint quis ser o esteio da viúva Bérard e de seus filhos, trabalhando
como cabeleireiro da alta sociedade de Nova lorque.

Quando Toussaint tinha 45 anos de idade, a viúva também morreu.


Assim o servidor se deu por livre de qualquer compromisso com a fami
lia. Casou-se e passou a dedicar-se a obras de caridade: fundou orfanatos
para acolher crianzas abandonadas, quis ajudar os pobres despiezados e
assistir aos doentes mais esquecidos. Morreu em Nova lorque no ano de
1853, após ter participado diariamente da Eucaristía durante 68 anos.

Os seus restos mortais em 1991 foram trasladados para a catedral


de Sao Patricio em Nova lorque. O Cardeal O'Connor, arcebispo local,
tem estimulado o processo de Beatificacáo do ex-escravo negro, e incita
os católicos a pedir a intercessáo de Pierre Toussaint. O dossié de docu
mentos (cartas, escritos, testemunhos...) relativos a P. Toussaint jé se en-
contra na Santa Sé. Merece atenea o a figura de um negro leigo, ex-es
cravo, casado e filho de um dos países mais pobres do mundo, que se
consagrou ao servico de pessoas marginalizadas. Daf o interesse das au
toridades eclesiásticas no andamento do processo de Pierre Toussaint,
cuja figura muito tem a dizer ao mundo de hoje.

423
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

3. Mas...

Acontece, porém, que alguns segmentos da Igreja Católica nos Es


tados Unidos, de origem negra, se opóem ao processo de Beatificado de
P. Toussaint. Alegam que este cristáo é. antes, um exemplo de confor
mismo do que de solidariedade evangélica. O fato de ter acompanhado
os patróes em viagem para os Estados Unidos, em vez de participar da
revolucáo dos escravos haitianos, desagrada a tais setores. Em conse-
qüéncia, os católicos norte-americanos se véem colocados diante da per-
gunta: "A Igreja Católica nao deve apoiar o negro que preferiu aguardar
a sua libertario abstendo-se de revolucáo violenta?"

Á guisa de reflexáo sobre tal assunto, pode-se dizer: o que faz o


valor de um cristáo, é a sua prontidáo generosa e abnegada para respon
der aos apelos de Deus. Ora a participacáo numa revolucáo armada pode
ser, mas nao é necessariamente, um ato de virtude sugerido pelo Espirito
Santo. Pierre Toussaint julgou que nao Ihe competía tomar parte na re-
beliáo dos escravos do Haiti. Concluiu queoutra deveria ser a sua atitude
pessoal. Terá dado mau exemplo? - D. Valfredo Tepe, Bispo de llhéus,
pondera: "É um argumento capcioso afirmar que aquele que nao com
bate um regime, que nao luta para derrubá-lo, estaría favorecendo a ele
ou estaría conivente com ele" (Estamos Salvos. Ed. Paulinas 1982, p.
128).

CONTA DE TEMPO

DEUS PEDE DE MIM ESTRITA CONTA DO MEU TEMPO.


E FORCOSO DO MEU TEMPO JÁ DAR CONTA.
MAS COMO DAR. SEM TEMPO, TANTA CONTA,
EU QUE GASTEI. SEM CONTA, TANTO TEMPO?
PARA TER MINHA CONTA FEITA A TEMPO.
DADO ME FOI TEMPO. E NAO FI2 CONTA'.
NAO QUIS. SOBRANDO TEMPO. FAZER CONTA.
QUERO HOJE FAZER CONTA E FALTA TEMPO.
OH! VOS. QUE TENDES TEMPO SEM TER CONTA.
NAO GASTÉIS ESSE TEMPO EM PASSA-TEMPO.
CUIDAI. ENGUANTO É TEMPO. EM FAZER CONTA!
MAS. OH! SE OS QUE CONTAM COM SEU TEMPO
FIZESSEM DESSE TEMPO ALGUMA CONTA,
NAO CHORARIAM. COMO EU. O NAO TER TEMPO!
Laurindo Rabeilo,
Poeta Mineiro

424
Do Luteranismo ao Catolicismo:

Cristas Suecas e Beneditinas

A revista alema MARÍA SIEGT (María vence) do Johannes-Verlag


Leutesdorf1 na Alemanha noticiou, em seu número de Janeiro de 1991,
p.8, a profissáo religiosa monástica de dez Irmas suecas que passaram do
Luteranismo para o Catolicismo. A solenidade ocorreu a 1? de novembro
de 1990 no mosteiro de Mariagarden (Jardim de María) em Vadstena
(Suécia meridional).

Desde 1985 a comunidade de Irmas luteranas de Vadstena, que se


autodenominavam "Fílhas de María (Marientoechter. em alemáo)",
voltou-se para o Catolicismo. Algumas Religiosas decidiram converter-se
á fé católica, impressionadas pelo secularismo e pela perda de fé entre os
cidadáos suecos2; a nova comunidade seria consagrada ao Sagrado Co-
ragáo de Jesús. A caminhada espiritual, o aprofundamento na fé católica
e o aprendizado da tradicáo beneditina na comunidade católica de Vads
tena foram acompanhados e incentivados pelas monjas alemas de Varen-
sell. Em 1988 as dez Religiosas que deixaram o luteranismo, foram devi-
damente recebidas na Igreja Católica.

A profissáo monástica dessas dez Irmas (todas suecas) ocorreu,


como dito, por ocasiáo do quadragésimo aniversario da definicáo da As-
suncáo de María SSma. aos céus proferida pelo Papa Pió XII a
1/11/1950. Sete délas ¡á haviam professado na comunidade luterana, co
mo Religiosas: renovaram entáo em termos definitivos a profissáo na
comunidade católica; as demais fizeram sua primeira profissáo, prome-
tendo, como manda a Regra de Sao Bento, conversáo dos seus costumes,
obediencia e estabilidade na Congregado.

1Johannes-Verlag Leutesdorf, Postfach 40, D-5458 Leutesdorf am Rhein.


2A propósito do secularismo na Escandinava ver a entrevista em PR
349/1991, pp. 271-276.

425
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

A Missa solene de profissáo foi presidida pelo bispo de Estocolmo,


Mons. Hubertus Brandenburg, tendo a seu lado o Abade Primaz Viktor
Dammertz, da Ordem de Sao Bento, e mais de cinqüenta Religiosos pro
venientes de países nórdicos da Europa; além destes, achavam-se pre
sentes diversos pastores luteranos, a Abadessa Madre Judith Frei e
monjas beneditinas de Varensell, que haviam preparado espiritualmente
as Irmas suecas para a sua consagra9áo monástica na Igreja.

Alguns pronunciamentos ocorreram por ocasiáo da cerimónia: as-


sim o bispo Mons. Brandenburg pos em relevo o clima de amizade exis
tente entre católicos e protestantes, como se podia apreciar naquele mo
mento: após a Missa perguntou a membros da comunidade luterana se
nao sentiam tristeza pela conversáo das monjas; responderam eles uná
nimemente: "Nao as perdemos, continuam a ser nossas Irmas"; de resto,
as monjas católicas continuaram a lavar as alfaias do culto luterano e fi-
cam em contato com os crentes luteranos. O Abade Primaz Viktor Dam
mertz expressou sua alegría por ver que aos 300 mosteiros beneditinos
femininos se acrescentava mais um, desta vez na Suécia. Urna das Irmas
"Filhas de María" (luterana) realcou o fato de que o mesmo tronco reli
gioso tinha dois ramos: o luterano (Filhas de María) e o católico (be
neditinas}; era um sinal de aproximacáo da unidade entre católicos e
evangélicos; apenas lamentou que nao pudessem as luteranas participar
da Comunháo Eucarlstica ministrada durante a Missa de Profissáo1. To
davía um testemunho de respeito e benevolencia mutua ocorreu por oca
siáo da distribuicáo da Comunháo: os luteranos se aproximaram da Mesa
de Comunháo e receberam a béncáo do bispo celebrante; este prelado,
alias, explicou posteriormente á imprensa que tal costume é vigente na
Suécia desde 1983: considera-o um passo adiante no processo delicado e
lento de reatamento da unidade entre os cristáos.

A nova comunidade católica tem o seu mosteiro na vízinhanca da


igreja de Santa Brígida, que atualmente pertence aos luteranos; ao lado
do mosteiro, há urna casa de hospedes, muito freqüentada por pessoas
que procuran» recolhimento e oracáo nos seus dias livres.

Tais noticias sao altamente alvissareiras. Mostram como ficaram


resquicios de Vida Religiosa consagrada a Deus pelos votos regulares
dentro do Luteranismo (Lutero foi um frade que abjurou sua profissáo
religiosa!) e como se váo apagando preconceitos. - A graca do Senhor

*A Igreja Católica ensina que a intercomunháo eucarfstica supóe a comunhSo


eclesial, de modo que, enquanto nao há unidade de tgreja entre luteranos e
católicos, nao pode haver ComunhSo Eucaristías,
i

426
LIVROS EM ESTANTE 43

t rabal ha nos coracóes, afim de unir os filhos de Deus na grande e única


familia que Jesús Cristo instaurou na térra, derramando o seu sangue
por ela. Para este movimento de volta ás fontes concorre o secularismo
ou o vazio deixado nos coracóes pelo materialismo da vida contemporá
nea. Bem dizia S. Agostinho: "Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e inquieto
está o nosso coracáo enguanto nao repousa em Ti!" (Confíssóes 1,1).

Livros em Estante
A Profecía de Fátima e a Queda do Comunismo,por PierLuigi
Zampetti. Tradugáo do italiano peto Pe. Afonso Paschotte. - Ed. Santuario,
Aparecida (SP), Caixa postal 4, 140 x 210 mm. 101 pp.

O autor é professor titular de "Doutrína do Estado" na Universidade de


Genova. Em Trieste fundou a Faculdade de Ciencia Política, da qual foi Dire-
tor. É também membro da Academia Nacional de Direito e Ciencia Social de
Córdoba (Argentina). Escreveu diversas obras sobre Direito, Filosofía e So
ciología. Em 1985publicou II Vangelo di mía Mamma (O Evangelho de
minha Máe), em que refere os ensinamentos recebidos de sua máe terrestre.
No livro sobre "A Profecía de Fátima...", tenciona realgaros ensinamentos que
María, MSe Celeste, transmite a partir de Fátima.

A obra narra sintéticamente a seqüéncia das aparigóes a Luda, Fran-


dsco e Jacinta, desde as manifestagóes do anjo em 1916 até a última apari-
gáo da Virgem Santfssima em 13 de outubro de 1917. Enquadra o relato des-
sas aparigóes dentro de refíexóes sobre a profecía relativa é Rússia feita em
juiho de 1917, quando o Comunismo aínda nao se apossara do Governo da
URSS: "A Rússia vai converter-se... e o mundo terá um período de paz". O
Prof. Zampetti póe em relevo o poderío do Imperio Soviético que havia de
desmoronar sem revolugáo sangrenta, mas por imprevista e surpreendente
(milagrosa?) implosáo. Sao patavras de Lénin:

"Prefiro um millonario explorador ateu a um proletario crente".


"Deus é meu inimigo pessoal".
"Destruiremos tudo e sobre suas ruinas construiremos o nosso tem
plo" (p. 16).

"Em 1932 foi fundado em Leningrado o Museu do Ateísmo. O edificio


desse Museu era a ex-catedral de Nossa Senhora de Kazan, construida por
vontade do czar Nicolau I entre 1801 e 1810, imitando a Basílica de S. Pedro
em Roma. Pensemos: a proclamacáo oficial do ateísmo numa catedral dedi-

427
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

cada a María e construida á imitagáo da Basílica de Sao Pedro! Sem coménta


nos!" (pp. 16s).

A profecía de Fátima cumpriu-se no tocante á URSS. Sem dúvida, aínda


há no mundo redutos de regime ateu e perseguidor da religiáo. De resto, nun
ca o cristáo estará isento de ameagas e obstáculos enquanto correr a historia
deste mundo. Por feto o Prof. Zampetti descreve tragos da civilizagáo consu
mista ocidental, que sofre o grande vazio deixado pela desenfreada procura
de bens mateñais e de prazer. a erase da familia, a difusao das drogas, o fla
gelo da AIDS, a poluigáo ecológica e a destruicáo dos ambientes naturais...
sao conseqüéncias da dissolugáo ética do mundo ocidental. Dato anseio, ex-
presso por Zampetti no fínal do seu livro: a mensagem de Fátima, chamando
os homens á oragáo e á penitencia, encontré acolhida no mundo ínteiro! Assim
a humanidade poderá gozar de um periodo de paz, também prometido por
Nossa Senhora em Fátima, caso se Ihe dé atengSo.

O livro do Prof. Pier Luigi Zampetti comenta urna revelagáo particular;


como tal, ela nao se impóe á fé dos fíéis católicos. Como quer que seja, a
mensagem de Fátima nao é senSo a enfatízagáo da pregagáo de Jesús no
Evangelho. Poristo, mesmo prescindindo de visóes e aparigóes, podem todos
os fíéis assumir e por em prátíca aquilo que o Prof. Zampetti apresenta como
proveniente de Fátima: "Oragáo e conversáo". A historia contemporánea o
pede com particular insistencia.

Opfáo Preferencial pela Riqueza,por J. O. de Oliveira Penna. -


Ed. Instituto liberal, Rio de Janeiro 1991, 150 x 220 mm, 232 pp.

O autor é antigo diplómala, professor, jornalista e escritor. Coríhece bem


os diversos continentes do mundo e a historia da economía, que ele aborda no
livro em pauta.

Segundo Meira Penna, a superagáo da pobreza nao depende tanto do


regime sócio-politico ou da estrutura legal da propriedade (regime comunista
ou capitalista) quanto depende da existencia e do desénvolvimento de urna
ética económica. Esta Implica a exigencia de tres virtudes: a virtude do traba-
Iho, a da poupanga eada honestidade. Estas tres virtudes devem associar-se
á eficacia: "Trabalho, poupanga e honestidade devem coincidir com a eficien
cia produtiva numa economía livre" (p. 3).

Tal é a tese do livro. A rigor, nada se ine pode objetar, visto que o cultivo
da honestidade deve incluir em seu conceito o da justíga, o da retidao, o da
lealdade,... antídotos da corrupgao moral de que sofre o Brasil. Se todos os ci-
dadáos brasileims se estorgarem por trabalhar, poupar e ser honestos, nao há
dúvida de que a situagao brasileira melhorará muito, embora nunca se possa

428
LIVROS EM ESTANTE 45

tomar um paraíso antes que chegue o Reino de Deus em sua plenitude. A no-
nestídade, sendo justa, deverá levar em conta as condigóes dos que náopo-
dem trabalhar (por doenga ou por despreparo) e procurará atender as suas
necessidades. "A educagáo, a paideia nacional estará apta a criar as condi
góes para que surja no Brasil urna sociedade mais harmónica, mais justa e
mais enciente''(p. 3).

Eis, porém, que, para desenvolver a sua tese, o autor se volta contra
a Igreja Católica, acusando-a de nao ter oferecido, durante o período colonial
brasileiro, e, depois, no Imperio e na República, urna ética económica que es-
timulasse entre nos um desenvolvimento dentro de padróes democráticos. - A
este propósito devemos dizer que até meados do sáculo XX no Brasil a Igreja
nunca se preocupou minuciosamente com a política económica do Governo,
losse colonial, fosse imperial, fosse republicano. A Igreja tinha, sem dúvida,
seus principios de Moral que condenam a riqueza egoísta, louvam a pobreza
voluntaria por amor a Cristo (el. Mt 19, 21), mas parecia-lhe poder confiar aos
governantes as opgóes de ordem técnica; o problema "ricos e pobres" nao
saltava tanto aos olhos quanto nos últimos decenios. Por feto também a Igreja
nao se via obrigada a entrar em minucias de ética económica. Nao era este o
seu dever, principalmente nos séculos anteriores á proclamagáo da República
(1889), séculos em que o Estado era oficialmente católico e, conseqüente-
mente, era tído como o responsável capaz de prover cristámente ao problema
da economia (dentro dos parámetros próprios de cada época).

O autor julga outrossim que a opgáo pelos pobres, adotada pelos Bis-
pos desde Medellín (1968), nao visa a transcender a miseria, mas a conservar
os pobres na pobreza, como massa de manobra para urna nova classe domi
nante de burócratas e intelectuais estatizantes, cuja ideología M. Penna de
nomina de "nacional-socialismo". Esta afírmagáo ó evidentemente tendencio
sa e falsa. A opgáo preferencia! petos pobres, tal como é entendida pelos do
cumentos oficiáis da Igreja, nao tem caráter classista, ou seja, nao tem em
vista apenas aqueles que sao desprovidos de bens materiais, mas visa a to
das as pessoas carentes também no plano moral e no espiritual: sao pobres
as pessoas que, cheias de dinheiro, perderam o senso da vida, sao tentadas
ao suicidio, ao desespero, ao uso de drogas, aos crimes, etc. Como se vé, tal
opgáo nao interessa a alguma ideología nemaalguma classe dominante, mas
tem índole apolítica. Se alguma corrente da Igreja (tal como a Teología da Li-
bertagáo) entendeu a opgáo pelos pobres em sentido sociológico, jogando os
pobres contra os ricos, feto se deve a urna posicáo particular de tal escola;
houve distorgáo do sentido da opgño pelos pobres, que a Igreja lamenta pro
fundamente. - Assim vé-se que o autor M. Penna pode talvez terem vista os
desmandos da Teología da Ubertagáo, realmente lamentáveis, mas nao os
atribua ao magisterio da Igreja.

429
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

A Opcáo pelos Pobres na Biblia.por Rinaldo Fabrís. Tradug&odo


itaBano por Benoni temos. Colecto "Encontró com a Biblia". - Ed. Paulinas,
Sao Paulo 1991, 155x220mm. 162 pp.

Este livro resulta de debates realizados pelo autor com grupos de estu
diosos. Examina com precisáo os textos do Antigo e do Novo Testamento re
ferentes aos pobres, evidenciando o leque de acepgóes que pode ter a pala-
vra "pobre" ñas Escrituras; indica nao somente aquele que nSo possui bens
materiais, mas também os carentes no plano religioso-espiritual. O plano da
obra é o seguinte: I) Os Pobres na Biblia e Hoje; II) O Reino de Deus prometi
do e dado aos Pobres; III) Os Pobres e a Missáo Histórica de Jesús; IV) Os
Pobres na Tradigao Bíblica; V) A primeira Igreja e os Pobres; VI) Sao Paulo e
os Pobres; Vil) Os Pobres na Historia da Igreja. Este último capítulo se distin
gue por apresentar notável síntese do pensamento católico através dos sé-
culos, terminando com referencias á Doutrina Social da Igreja elaborada pelos
últimos Papas.

O livro se caracteriza por urna erudigáo que se exprime em termos


acessfveis aos estudiosos da S. Escritura de nivel medio. É também marcado
por equilibrio e equidistancia de posigdes extremadas. É obra de valor.

A Biblia, sua historia e leitura: urna introdugáo, por Johan


Konings. Colegio "Reiigiáo e Saber" 2. - Ed. Vozes, Petrópolis 1992, 140 x
210 mm, 293 pp.

O autor é erudito professor do Centro de Estudos Superiores da Com-


panhia de Jesús, autor de outras obras de iniciagáo bíblica. A Introdugáo á Bf-
blia que J. Konings agora oferece ao público, pretende ser meioitermo entre
erudito e popular. Propóe o conceito de inspiragáo, a historia do canon e a
historia do texto sagrado, de tal maneira que há, sem dúvida, muitas páginas
notáveis nessa Introdugáo. Notam-se, porém, ¡acunas, especialmente quando
o autor trata da verdade ou da veracidade da Biblia: dá a entender que esta
nos transmite apenas a experiencia religiosa ou o modo de pensar das gera-
góes antigás (o que redunda em bultmannianismo), e nao a mensagem objetiva
do próprio Deus; ver p. 258. A distingáo entre exegese e hermenéuti
ca admite que se possa atribuir ao texto bíblico um sentido de que "o autor sa
grado nño tinha consciéncia, mas que neo deixa de ser legítimo, porque ba-
seado numa mesma compreensáo da vida. É o caso da leitura política de de
terminados textos" (p. 248). O modo de explicar o texto patrocinado por Car
los Mesters e tendenciosamente popular, "latino-americano", é assim preconi
zado; ver pp. 248s. 265.

Redigido na linha de urna compreensáo inspirada por Rudolf Bultmann,


racionalista e liberal, e numa perspectiva politizante "latino-americana", o livro

430
LIVROS EM ESTANTE 47

se torna unilateral ou mesmo alheio ao pensamento católico em algumas de


suas partes.

Filosofía da Religiáo, por Urbano Mes. Colegio "Filosofía". -Ed.


Paulinas, SSo Paulo 1991, 195 pp., 160x240mm.

O autor, professor da PUC-RS, é mestre notável e autor de varias


obras filosóficas e teológicas. No livro aquiapresentada aborda o pensamento
fílosófico-religioso de arautos da Filosofía moderna e contemporánea: Des
cartes, Pascal, Kant, Hegel, Wittgenstein, Popper, Feuerbach, Kart Marx,
Freud, Nietzsche, Sartre... O autor do livro expde as linhas doutrínárias de ca
da qual desses filósofos, mostrando bom conhecimento de causa, e acres-
centa sempre urna avaliagáo ou crítica do pensamento de cada um. Assim o
leitor encontra na obra de Zilles urna introdugSo ás teorías religiosas ou anti
religiosas das escolas modernas, com alguns referenciais para reconheceros
pontos positivos e negativos de cada filósofo analisado.

Todavia as explanacóes feitas por Zilles sao um tanto pesadas; pode-


ríam ser mais sucintas, mais claras e menos repetitivas. Nem sempre é fácil
encontrar o fio da meada ou a tinha condutora dos muitos dizeres de U. Zilles.
- feto se verifica também na Introdugáo e na ConclusSo do Bvro; desearse-
iam af, onde o autor fala em seu próprío nome, posigóes mais definidas e níti
das. Zilles parecer querer justificar a religiáo porque é ela que dá sentido é vi
da humana (cf. pp. 6. 192-5), mas suas expressóes sao tímidas; em algumas
páginas parece ceder ao relativismo: "As maneiras possfveis de entender a
religiSo sao muitas e nenhuma tem a garantía de ser a verdade definitiva" (p.
190). Em outras passagens, porém, vai mais além no sentido positivo: "Na
verdade nada indica o fim da té em Deus e da religiáo" (p. 191). E termina o //-
vro dizendo: "Se é difícil crer em Deus, mais difícil é viver sem Ele" (p. 195).

Julgamos que o autor podería ter desenvolvido o pensamento de Carí


Jung, o de Viktor FrankI e outros, que apresentam a religiSo como expressáo
típica do ser humano; assim como o homem é sapiens, também é relfgio-
sus. A pré-história e a historia da humanidade estSo a dizé-lo. O livro, enri
quecido por mais clareza e defínigao e mais ampio panorama de filósofos con
siderados, muito lucraría. Todavia estas observagóes nao tencionam desme
recer a obra, na medida em que é um léxico informativo, que deve ser com
pletado com avaliagóes mais precisas.

Seguir o Cristo. Manual de Moral para o Povo de Deus,por


Daniel L Lowery C.SS.R. - Ed. Santuario, Aparecida (SP), Caixa postal 4,
140x210mm, 168 pp.

O Pe. Daniel Lowery é redentorista norte-americano, graduado em So


ciología e Teología Moral. Tem ensinado Teología Moral em diversas institui-

431
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 364/1992

góes. Escreveu um Manual, nao um Tratado de Teología Moral - o que quer


dizer: compendiou numa obra de suave leitura as grandes teses da Moral
Católica, comentando os dez mandamentos e as grandes virtudes cristas. O
livro é muito útil, principalmente pelo tato de ser fiel á S. Escritura, á Tradigáo e
ao magisterio da Igreja em todos os pontos "nevrálgicos" abordados.

Evita o subjetivismo, que caracteriza muitos escritos de Teología Moral


contemporáneos, subjetivismo que consiste em fazer do individuo e de suas
opinides ou de sua situagáo o criterio da moralidade. A atítude do autor se ex
prime claramente no seguinte tópico relativo á consciéncia moral:

"Se urna mulher está grávida, será que a liberdade de


consciéncia Ihe permite provocar o aborto? Se eu sou pai de fa-
mília, será que a liberdade de consciéncia me permite fazer tu
rismo na Europa enquanto os filhos passam necessidade? As
respostas a estas perguntas tém de ser Nao. A consciéncia nao é
urna lei, pois, por si mesma, nao é urna fabricante de valores
moráis. Os valores da justica, da caridade, da verdade tém um
sentido objetivo. É verdade incontestável que a consciéncia de
urna pessoa pode errar em boa fé..., mas também é verdade que
urna vida moral auténtica, na frase do Cardeal Newman, exige
que a consciéncia se projete além de si mesma para o conheci-
mento e a apreciagáo do que é certo e do que é errado" (pp.
43s).

Já que o original inglés data de 1982, observamos que, ao tratar de in


seminagáo artifícial, o autor nao menciona o documento da Santa Sé datado
de 22/02/87 e iniciado pelas palavras Donum Vitae (O dom da* Vida); tal
Instrugáo rejeita a inseminagáo artifícial heterótoga (com intervengio de tercei-
ro) e abre tenue possibilidade de se praticar a inseminagáo homologa, desde
que a intervengSo artifícial apenas secunde ou leve a termo a cópula natural
entre marido e mulher. Nem o tradutor da obra para o portugués se refere a
este importante documento da Santa Sé. Cf. pp. 163s.

Felicitamos o autor por oferecer ao público este compendio de Moral.


Embora nao considere a casuística em toda a sua amplitude, propde todos os
principios da doutnna católica para uso de párocos e leigos, podendo servir
também ás escolas de formagáo católica.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

432
a

ORDINARIO
para celebracáo da Eucaristía com o povo
2SS edicáo (atualizada)

Traducáo oficial revisada para o Brasil pela CNBB, aprovada pela


Santa Sé, contando 11 Oracóes Eucarfsticas, inclusive a mais recente
"Para diversas circunstancias" (8 novembro 91), com aciéscimo
de aclamacóes e novos textos. Impressáo em 2 cores, com tipos bem
tegfVeis. 110 págs. Formato de bolso (15 x 11). Cr$ 4.000,00 (até
julho).

Livros Monásticos:

1. Concordancia da Regra de S. Bento. A. de Vougué- Dom Abade


Paulo Rocha, OSB. CIMBRA 1988.860p.
Um dos instrumentos eficazes para o estudo da Regra de Sao Bento
sao as CONCOROANTIAE que, de modo fácil e rápido, permitem-nos
encontrar e conhecer as palavras e sentencas empregadas por Sao
Bento em sua obra Cr$ 18.000,00
2 Santo Agostinho - Escritos Monásticos. CIMBRA 1991. Principáis
' textos monásticos de Santo Agostinho 187p CrS 27.500,00

3. Historia Lausíaca - Paládio. CIMBRA 1986. 150p. A Historia Lau-


' slaca está entre as fontes do monaquismo antigo. Escrita entre
419-420, descreve a vida monástica de homens e mulheres, ñas diver
sas regióes do Oriente: Egito. Palestina, Siria e Asia Menor Cr$
25.000,00

4 HISTORIA DOS MONGES DO EGITO, CIMBRA 1990. É um do-


' cumento anónimo, escrito cerca do ano 400.130p. ... Cr$ 25.000,00

5. SAO BENTO E A PROFISSÁO DE MONGE


Por Dom Joáo Evangelista Enout O.S.B. 190 págs. ... CrS 18.000,00

O genio, ou seja a santidade de um monge da Igreja latina do século


VI (480-540) - SAO BENTO - transformou-o em exemplo vivo, em
mestre e em legislador de um estado de vida crista, empenhado na
procura crescente da face e da verdade de Deus, espelhada na trajetó-
ría de um viver humano renascido do sangue redentor de Cristo.- As-
sim, o discípulo de Sao Bento ouve o chamado para fazer-se monge,
para assumir a "profissáo de monge".

RENOVÉ QUANTO ANTES SUA ASSINATURA DE PR.

PARA 1992: CrS 30.000,00

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" Ano: 91:


Encadernado em percalina, 590 págs. com índices
(Número limitado de exemplares)... CrS 50.000,00
- REVISTA "LITURGIA E VIDA"

Continuadora da REVISTA GREGORIANA, direcáo e redacáo de 0.


Joio Evangelista Enout OSB. Há 38 anos sai regularmente.

O N° de maio-junho (228) apresenta os seguintes títulos:

Jesús Ressuscitado e a Missáo da Igreja em Jo 21,1-19 - Palavras de


D. Joáo Evangelista Enout no Casamento de Ana Botafogo e Fabiano
Marcozzi - Do Canto Gregoriano no estudo da Musicología - Presenca
da romana Cantilena no Brasil - 0 Canto Gregoriano no Brasil e a Es-
piritualidade Benditina - Revmo. Abade Dom Inácio Accioly OSB Ho
milía para a Missa de Cínzas - D. José Palméiro Mendes OSB Homilía
para o Domingo da Páscoa - Crónica de Filmes.
Assinatura anual em 1992 Cr$8.000,00
Para assinatura dirija-se a Mosteíro de Sao Bento, Caixa Postal 2666
CEP 20001 -970- Río de Janeiro - RJ.

- REVISTA "EM COMUNHÁO"

Revista bimestral, editada pelo Mosteiro de Sao Bento, destina-se aos


Oblatos e ás pessoas ¡nteressadas em assuntos da espiritualidade mo
nástica. Além da conferencia mensal de D. Estéváo Bettencourt para os
Oblatos, contém traducóes de comentarios sobre a Regra benedítina e
outros assuntos monásticos. - Assinatura anual CrS 15.000,00

Para assinatura dirija-se a Armando Rezende Filho


(Caixa Postal 3608 - 20001 Rio de Janeiro - RJ) ou ás Edicóes "Lu
men Christi" (Caixa Postal 2666 - 20001 Rio de Janeiro - RJ).
Pedidos de números avulsos podem ser feítos ás Edicóes "Lumen
Christi", pelo Servico de Reembolso Postal. «

6. A Regra de Sao Bento, 3? edicáo em latirn/portugués, com anota-


cóes por D. Joio Evangelista Enout, OSB. 1990:210p 25.000,00

7. Estudos sobre a Regra de Sao Bento, sob a orientagáo da Ir. Aquinata


Bockmann, OSB:

-Fascículo I-Introdugáoao Método. 29p. 1977 CrS 8.500,00


-Fascículo II-Comentario dos Capítulos 66-67.50p. . Cr$ 8.500,00
- Fascículo III -Comentario dos Capítulos 27-28.72p.. Cr$ 8.500,00
-Fascículo IV - Comentario dos Capítulos 33-34.52p.. CrS 8500,00
- Fascículo V - Comentario do Capítulo 35.56p Cr$ 8.500,00
- Fascículo VI - Comentario do Capitulo 48.58p Cr$ 8500.00
- Fascículo Vil - Comentario do Capítulo 19 CrS 8.500.00

8. Perspectivas das Kegras ae bao Bento. Ir. Aquinata (Bóckraann,


OSB), comentario sobre o prólogo « » „ „„„ ™
e os Capítulos 53. 58, 72, 73 da RB. 364p1990 CrS 35.000.00

También podría gustarte