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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIN-E

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESErMTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaiega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico • filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
responderemos
co

< SUMARIO

<£ "Senti o que o Cristo Jesús Sentia"

oo "Jesús histórico, ponto de partida da Cristologia


w Latino-Americana"
O
i- A "PerestroVka" (reforma) no setor religioso
w "Como viver a sexualidade"

O Ministros extraordinarios da Comunháo Eucan'stica

"~ Pobreza, Libertacáo e Teología

< "Os que partem, os que ficam"

uj Ainda o "Terceiro Segredo de Fátima"


_j

ANO XXIX - ABRIL - 1988. 311


PERGUNTE E RESPONDEREMOS ABRIL -1988
Pubjicapao tnensal N? 311

SUMARIO
Diretor-Responsável:
"SENTÍ O QUE O CRISTO JESÚS
Estéváo Bettencourt OSB SENTÍA..." 145
Autor e Redator de toda a materia
Um livro candente:
publicada neste periódico
"JESÚS HISTÓRICO, PONTO DE
PARTIDA DA CRISTOLOGIA
Oíretor-Administrador:
LATINO-AMERICANA" 146
D. Hildebrando P. Martins OSB As esperanzas dos crtstaos russos:
A "PERESTRO'l'KA" (REFORMA) NO
Administrado e distribuicáo: SETOR RELIGIOSO 159
Edicóes Lumen Christi Urna tentativa de explicar
Dom Gerardo, 40 - 59 andar, S/501 "COMO VIVER A SEXUALIDADE" . . 171
Tel.: (021) 291-7122 A propósito de
Caixa Postal 2666 MINISTROS EXTRAORDINARIOS
20001 - Rio de Janeiro - FU DACOMUNHÁOEUCARISTICA 181
Um Congresso de Teología:
POBREZA, LIBERTACÁO E
TEOLOGÍA 186
Tocando pontos nevrálgicos:
"MARQUES-SARA1VA"
enfocas € eonoKts s*.
"OSQUEPARTEM.OSQUEFICAM" 190
T.lí.: (IMIBTH4M - Í7J-9M7
AINDAO'TERCEIROSEGREDO
DE FÁTIMA" 192

ASSINATURA: Cz$ 1.000,00 NO PRÓXIMO NÚMERO:

Número avulso: Cz$ 100,00 312 - Maio - 1988

Pagamento (á escolha): Os Meios de Comunicacao Social: influencia.


- "Sfntese de Religiao Crista". (Dattler). - "A'
1. VALE POSTAL á Agencia Central dos Maríologia de L. Boff" (Hennaux). - "Porque
Correios do Rio de Janeiro. deixamos a Satina" (Syr Martins). - "Béncaos
2. CHEQUE BANCÁRIO. papáis produzem Maldipoes". - A Restauracao
do Domingo CristSo.
3. No Banco do Brasil, para crédito na Con-
ta Corrente n?0031, 304-1 em nome db
MosteirodeS. Bentodo Rio de Janeiro, pa-
gável na Agencia da Praca Mauá (n?0435). COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

RENOVÉ QUANTO V COMUNIQUE-NOS QUALQUER


A SUA ASSINAT MUDANCA DE ENDEREQO
"Sentí o que Cristo Jesús Sentía"
(Fl 2,5)

0 mes de abril é, no calendario litúrgico, tempo de Páscoa, em que o


cristao se volta maís detidamente para a figura de Cristo morto e ressusdta-
do. Para celebrar a Páscoa de Cristo, a Igreja antiga compos um be lo hiño,
transcrito por Sao Paulo em Fl 2,5-11 e merecedor de atenta consideracáo.
O Apostólo tem em vista a fragilidade das pessoas que compóem a co-
munidade filipense: alimentam suas pequeñas rixas, rivalidades e competi
eses. . . O desejo de dissipar o mal-estar propicia a Paulo a ocasíao de eleva
da reflexao teológica: lembra o Filho de Deus, que renunciou a todas as hon
ras que Ihe competiam como Deus, para assumir a natureza humana, sujeita
á dor e á morte; como homem, fez-se obediente até a Cruz, patíbulo do es-
cravo. Assim ofereceu ao Pai um Sim cheio de amor em resgate do Na*o pro-
ferido pelo primeiro Adao em auto-suficiencia. Conseqüentemente, o Pai
quis exaltar a humanidade de Jesús, elevando-a á gloria do céu e outorgando-
Ihe o título imperial Kyrios (Senhor) proclamado por todas as criaturas.
Desta forma o despojamento tornou-se caminho de consumacao, a morte
passagem para a vida, a Cruz trono regio...
É" esta figura majestosa do Cristo, que se aniquila por amor ao Pai e
aos homens e é conseqüentemente glorificado, que o Apostólo propoe aos
seus fiéis preocupados com intereses mesquinhos e secundarios: "Tendeem
vos os sentimentos do Cristo Jesús. . ." (Fl 2,5). Como todos os aborrecí-
mentos empalidecem a luz do Cristo, que nao reteve com avidez, como pre
sa de rapiña, os sinais de sua gloria celeste! Como os problemas de cada dia
se tornam insignificantes frente á figura do Cristo!
Avivando em nossa mente a lembranca do gesto de generosidade e
grandeza do Senhor aniquilado, Páscoa é um convite a renovarmos a cons-
ciéncia de nossa escala de valores: o que importa, é a plena configuracao do
cristao a Cristo, o Primogénito entre muitos irmáos (cf. Rm 8,29), e esta
configuracfo só poderá ser obtida mediante atos nobres e magnánimos na
vivencia do nosso dia-a-dia. O que parece perda, na verdade é lucro; o que se
diria destruicao, na verdade é penhor de ressurreicao; o que parece morte, é
passagem para a vida.

Somante a meditaclo do paradoxo da Páscoa de Cristo pode projetar


luz sobre as perplexidades que desafiam constantemente o cristao; aceitar
com Cristo o escándalo e a loucura da Cruz vem a ser suma sabedoria, diz
o Apostólo (ICor 1,23s).
"Aínda um pouco, muito pouco tempo, e aquele que vem, terá chega-
do; ele nao tardará. Entrementes o meu justo vive da fé" {Hb 10,37$). Tam-
bém o cristao um dia em breve verá o outro lado da Cruz e tomará conscién-
cia clara de que o pacientar tenazmente com Cristo é o que de mais heroico
e gratificante ele pode fazer!
:'!.■■ ; E.B.

145
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
Ano XXIX - N9311 - Abril de 1988

Um livro candente:

ii
Jesús Histórico, ponto de
Partida da Cristologia
Latino-Americana"
por Pedro Ramao Hilgert

Em síntese: O livro do Pe. Hilgert, partindo da análise da sociedade la-


tino-americana feita em ótica dialética (marxista), construí sua Cristologia
no intuito de atender á necessidade de transformado radical dessa sociedade.
Ora. o aspecto de Jesús Cristo que, segundo Hilgert, parece mais correspon
der a essa necessidade, é o do Jesús histórico, pré-pascal; este tere sido o
grande lutador em pro! da justica social. Os primeiros cristaos terao empali
decido a sua imagem em favor do Jesús Ressuscitado e glorioso, que é Jesús
estático e nao dinámico. Por conseguíate, aos cristaos de hoje compete res
taurar e manter a figura do Jesús histórico, batalhador no campo social; isto
se chama "o seguimento de Jesús", arauto do "Reino de Deus".

Ora é evidente que a tese de Hilgert se inspira em premíssas nao-cristas


ou marxistes — o que só pode levar a conseqüéncias nao-cristas. Com efeito;
o "Jesús histórico" de Hilgert é urna ficcSo, deus ex machina, que nao cor
responde á realidade dos Evangeihos e dos escritos do Novo Testamento em
geral. Cristo foi, antes do mais, o portador da filiacao divina ou da comunhao
com as Pessoas divinas; é claro, porém, que esta heranca espiritual exige tra-
ducao concreta ñas estruturas da sociedade, mas estas nunca deverao ser o
criterio para se ler e interpretar a S. Escritura. 0 Cristianismo que se cons-
truisse sobre a tese de Hilgert, seria outro Cristianismo ou urna doutrina so
cial esquerdizante revestida de sentencas teológicas entendidas nao na sua
objetividade, mas em funció da transformado política.

146
"JESÚS HISTÓRICO, PONTO DE PARTIDA..."

O debate sobre a Teología da Libertacáo, após sua fase mais ardua


(1984-1985), ainda aparece muito vivo em obras de adeptos daquela corren-
te teológica. Entre outros, foi publicado em 1987 o livro "Jesús Histórico,
Ponto de Partida da Cristologia Latino-Americana", de Pedro Remito Hilgert1.
0 autor é sacerdote diocesano de S. Angelo (RS); formado em Filosofía pela
Faculdade de Filosofía de ViamSo em 1972, em Teología pela PUC-RS em
1974. Leciona no Instituto Teológico Missionário de S. Angelo (RS).
O livro "destina-se a professores e estudantes de Teología e aos leito-
res desejosos de aprofundar a sua fé em Jesús Cristo" (1aorelha). Embora
seja de conteúdo denso, prolixo e de leitura difícil, vem a ser urna apresen*
tacao da figura de Jesús Cristo em ótica extremada, que pode deixar ínter-
rogacoes no público leítor. É o que ocasiona os comentarios das páginas
subseqüentes.

1. O livro: conteúdo

1. O autor comepa por estabelecer que o conhecimento está ligado á


posícáo ou á estrutura social na qual a pessoa se acha inserida. Determinada
conjuntura sócio-po I ftico-económica exige que os individuos mais pensantes
expliquem ao povo os porqués de tal conjuntura e a justifiquen); disto se
origina urna cosmovisao, na qual a retigiao costuma desempenhar um papel,
de grande importancia. Muítas vezes os temas religiosos sao evocados para
elucidar e legitimar sistemas sócio-polfticos. Na América Latina a religiao
católica terá sido utilizada para justificar o colonialismo ou o dominio de
pequeñas élites sobre grandes massas populacionais.

2. Em conseqüéncia, diz Hilgert, o teólogo que hoje queira desenvol


ver urna cosmovisao diferente, apta a desfazer as injusticas e opressoes rei
nantes na América Latina, tem que partir de um exame da realidade social
do continente. Deve, pois, recorrer as ciencias sociais ou a urna mediacao
socio-analítica (MSA) que explique as causas da miseria existente na Améri
ca Latina. Entre os modelos de ciencias sociais que podem ser utilizados; o
que se adapta ao intuito de transformar a sociedade, é o modelo dialético;
este vé a sociedade como um conjunto de conflitos, tensóes, interesses
opostos e lutas...; tal conjunto doente nao pede apenas curativos, mas um
desmonte radical ou urna reforma a partir das bases mais profundas. O Pe.
Hilgert reconhece que, de modo geral, ele está sendo influenciado pelo
pensamento marxiste:

"Se a teología já foi criticada muitas vezes a través da historia, certa-


mente foi Marx quem Ihe fez algumas observacoes particularmente pertinen
tes e, por isso mesmo, oo/orosas. Cfodovis Boff expressa bem a repercussao

1 Bd. Vozes, Petrópolis 1987, 135 x 210 mm, 216pp.

147
4 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

dessa crítica para dentro da teología: a neosssidade da relacSo essencial da


Teología com as Ciencias do Social se faz sentir particularmente aguda guan
do se examina a crítica que Marx dirígiu é teología hegelíana de seu tempo,
acusando-a de mistificar os problemas reais em vírtude do seu caráter espe
culativo e abstrato. £ cita Marx: 'Nos nSo transformamos as questdes profa
nas em questdes teológicas. Nos transformamos as questdes teológicas em
questdes profanas'.

É claro que Marx IS a teología a partir de seu próprío ponto de vista e


colocando-a como um subproduto da historia, simplesmente, fazendo parte
da super-estrutura justificadora da sociedade. No entanto, conseguiu colocar
a teología em crise, o que a obrigou a analisar-se nSo apenas 'em si', mas tam-
bém em seu significado dentro da complexidade do todo social" (p.53).

0 autor ainda cita, e faz suas, palavras de José Comblin para justificar
o recurso ao marxismo:

"Por que nao se recorre sempre, para examinar a situacao social, a pes-
soas especializadas, que nio tenham absolutamente nada em comum com o
marxismo? A razio 6 que na América Latina o mundo intelectual se divide
em dois grandes submundos. Um deles é a reproducSo fiel da cultura dos
Estados Unidos. A sua visao de sociedade ó aqueta que reflete as preocupa-
coes dos Estados Unidos e das classes dirigentes. Nada conhecem do mundo
popular, nem se interessam por conhecé-lo. Quanto aos outros, os que se
interessam pelas maiorias, estio todos vivendo e trabalhando num ambiente
em que o marxismo constituí pelo menos urna das referencias principáis"
(p.54s, citacao de José Comblin, Teología e Marxismo na América Latina.
Algumas Observacoes sobre o tema, em "Perspectiva Teológica" n° 40,
set/dez1984,p.300).

0 Pe.: Hilgert reconhece que "o marxismo nlo pode ser tomado, sem
mais, em sua totalidade como MediacSo Sccio-anaiftica"; vale somente na
medida em que é teoría científica, nao como cosmovisao explicativa (p.55).

3. Destasiproposicoes se segué que a praxis, a praxis política ou a acSo


transformadora da sociedade é que vai ditar as linhas daconstrucao teológi
ca ou cristológica de Hilgert e de seus colegas de estudo:

"Toda a caminhada da consciéncia histérico-pastoral vai repercutindo


sempre mais profundamente para dentro da teología e obrigá-la nao apenas a
rever suas teorías, mas especialmente sua postura global dentro da Igre/a e da
sociedade latino-americana" (p.57).

4. Essa teología sugerida pela necessidade de reformar a sociedade terá


seu grande alvo na figura de Jesús histórico ou do Jesús que, antes de morrer
na Cruz, lutou em favor dos oprimidos e deu a vida para salvá-los da opressao
social.

148
"JESÚS HISTÓRICO, PONTO DE PARTIDA..." 5

E quem é propiamente o "Jesús histórico"?

Hilgert, seguindo um proced¡mentó exegético moderno, distingue


entre "o Jesús da historia" e "o Jesús da fe". O Jesús da historia é o pregador
que percorreu a Palestina, anunciando a Boa-Nova do Reino de Deus; este
Reino consistiría em justica e exaltacao para os pobres e condenacao para os
ricos; aqueles que nao tenham vida plena, deveriam ser levados á posse da
mesma. Prossegue o autor: essa figura de Jesús humano, que faz eco aos pro
fetas do Antígo Testamento, terá sido, em breve, esquecida pelos primeiros
cristaos, que se deixaram deslumhrar pelo esplendor da ressurreicao, e passa-
ram a ver Jesús como o Senhor da gloría, aquele que está além das intempe
ries das classes sociais em luta. Com outras palavras: deixou-se na penumbra
o Jesús (o companheiro mortal de todos os dias) para exaltar privilegiada
mente o Cristo (o Senhor glorificado). Ainda com outras palavras: o contato
com os filósofos helenistas levou os apologetas cristaos a esquecer a sabedo-
ria da Cruz e a figura do Jesús histórico, em favor de concepcoes como "san
ta doutrina" (2Tm 4,3}l, transmíssao da doutrina (At 11,26). "Comeca a se
compreender o Cristianismo sempre mais como uma nova religiao ao lado da
judaica e da paga, comocaminho da salvacáo para todos os homens, mas com-
preendido a modo do caminho das religioes" (p.88). O culto de Jesús (algo
de estático e contemplativo) terá prevalecido sobre o seguimento de Jesús,
(algo de dinámico e revolucionario); cf. p.89. Hilgert se identifica com Joh
Sobrino, quando este observa:

"Na medida em que se dá o esquecimento do Jesús histórico, nesta


mesma medida a existencia crista vai sendo assimiiada estruturaimente pela
religiao, mesmo quando mantenha a confissio de Cristo e, nestesentido, se
distinga verbale conceituaimente das religides" (Cristologia a partir da Amé
rica Latina, Vozes,p.317}.

5. Em conseqüéncia, diz Hilgert,- nao se deve cultivar a Cristologia na


América Latina como é cultivada na Europa: lá se procura saber quem era
Jesús em si, como tal, para depois deduzir como fazer ou como se relacionar
com Ele. Na América Latina, ao contrario, deve-se primeramente adotar a
prática de Jesús contestataria, transformadora, e depois procurar definir Je
sús em funcáo da experiencia dessa praxis política; é o que, em linguagem
própria, quer dizer o texto seguinte:

"Através da apresentacao práxica do Jesús histórico e do histórico de


Jesús, a cristologia latino-americana busca o acesso pessoal a Jesús. Fá-lo nio
apresentando primeramente conhecimentos sobre ele, para que o homem
decida o que fazer e como relacionarse com esse Jesús conhecido, sendo que

1 O texto original grego diz "si doutrina" (hygialnouia didatkalíaV e nio


"santa doutrina", como se lé no livro de Hilgert é p.88.

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6 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

apresenta sua prátíea para recriaba e assim ter acesso a Jesús. O pressuposto
dessa posicio é que o acesso pessoal só á possfvel desde a continuidade entre
Jesús e aqueles que o conhecem, e que essa continuidade deve ser fundamen
tada desde o lugar de maior densidade: a prátíea. Conforme isso, ter acesso a
ele nao é, antes de tudo, conhecer dados sobre ele, e desenvolver para tanto
urna hermenéutica que salve a distentía entre Jesús e nos. Tratase, em últi
ma instancia, de afinidade e conaturaiidade entre a prátíea de Jesús e o com-
promisso orático a que a fé nos remete" (p. 101).

Na página anterior precisamente o autor dizia que "a cristologia latino


americana, ao falar do Jesús histórico e do Cristo da fé, nao está situada no
mesmo horizonte que a cristologia européia ou de outros lugares. Entre nos,
o problema prioritario nao é a questao interna da cristologia como se apre-
sentara na Europa dos últimos anos" (p.100).

O principio é reafirmado, quando Hilgert escreve: "O seguimento é o


lugar epistemológico de conhecer Jesús Cristo" (p.129). Isto quer dizer: o
fazer, a agao prática é anterior a Palavra, á Verdade como tal. Cf. pp.42.131.

6. O seguimento de Jesús implica, para o cristao latino-americano, pre


gar o Reino de Deus, como Jesús o pregou. E que é o Reino de Deus? - É a
justa ordem temporal sócio-econdmica: é a "restauracao da vida em favor
daqueles cuja vida é mais sofrida. A preocupapao de Jesús é revelar Deus e
seu Reino, nao a vida espiritual de seus ouvintes" (p.155). O dado funda
mental do Reino de Deus é a alteridade: "a vida do outro, sua dignidade e
sua necessidade é a realidade definitiva, o eschatón, o último, o imperativo
que nao aceita atenuantes nem sublímacoes" (p.155).

"NSo é tanto o 'outro mundo' desvelado por Jesús Cristo que nos inte-
ressa em prímeiro lugar, mas o 'mundo outro', pelo qual e no quafele se en-
volveu e que foi o motivo de sua morte" (p. 171).

Assim vai delineado o tipo de Cristologia que Hilgert propoe através


das páginas do seu livro, destinado a ser manual para sacerdotes, seminaristas
e leigos. Além do que já aponíamos, contém suas críticas á Igreja e ao Magis
terio em tom bastante amargo; cf. pp. 143.193. 208...

Tais idáias sugerem ponderagoes.

2. A propósito...

Sejam considerados os oito seguintes pontos.

2.1. ObservacSes gerais

O livro de Hilgert nada traz de original na corrente da Teología da L¡-


bertacao extremada, é, sim, urna formulacao repetitiva e prolixa das teses

150
"JESÚS HISTÓRICO, PONTO DE PARTIDA..." 7

cristológicas de Jon Sobrino, Gustavo Gutiérrez, Juan Luís Segundo, Leo


nardo e Clodovis Boff, Carlos Palacio, Alvaro Barreiro, Ignacio Ellacuria, Be-
nedito Ferrara. . . Alias, a bibliografía citada é unilateralmente a da ala
mais candente da Teologia da Libertacáo. O estilo do livro é pesado e de leí-
tura difícil.

Nota-se ainda o seguinte: o autor nao raro faz afirmacoes importantes,


mas discutfveis ou mesmo erróneas, sem tentar prová-las. De tanto ser repeti
das, elas podem parecer ao leitor desprevenido verdades reconhecidas e ¡n-
contestáveis. Assim acabam sendo aceitas e se tornam ponto de partida para
outras afirmacoes dupla, triplamente ou mais vezes erróneas. É o que se dá,
por exemplo, com os conceitos de Jesús histórico (lutador político), Reino
de Deus (bem-estar e justica temporais, ficando na penumbra os valores es-
pirituais...), com a afirmacao de que "há concordancia entre os teólogos
sobre anecessidade da mediacao das ciencias sociais para a teologia" (p.48)...
Alias, nao é raro encontrar tal procedimento gratuito, generalizante e pouco
exato em obras de Teologia da Libertacao extremada ou de críticos raciona
listas: afirmam gratuita e tranquilamente proposicoes dúbias, sobre as quais
vio construtndo teorías.

2.2. Teologia e Cristianismo

A nocao de Teologia que Hilgert apresenta, já nao corresponde a de


Teologia propiamente dita, mas á de um sistema social revestido de senten-
cas teológicas. Em outras palavras: é urna proposta de revolucao política que
utiliza dados da fé, subordinando-os a fins políticos; estes assim parecem
"cristamente" coonestados. Mais precisamente: Hilgert julgaque a verdade -
e também a verdade teológica - só pode ser apreendida através da análise
(marxista) da sociedade; esta seria o grande referencial para se elaborar Teo
logia ou Cristologia... Nao haveria urna Teologia em si mesma, independen-
te de preocupacoes socio-políticas.

Este ponto de partida da tese é vulnerável. De um lado, está ligado ao


marxismo e, de outro, ao existencialismo. Sim; foi Marx quem postulou o
primado da praxis sobre o Logos ou da ética sobre a Verdade como tal1. E
foi o existencialismo quem afirmou recentemente o horror a metafísica e o
subjetivismo de todo conhecimento; as proposicoes de verdade estariam sem-

1 É impossível adotar a análise marxista da sociedade sem assumir a pro-


pria cosmovisao marxista; todo no marxismo está impregnado pelas premis-
sas básicas do materialismo e do ateísmo. Daí a total inconciliabilidade de
Marxismo e Cristianismo. O Pe. Hilgert insiste no caráter científico da aná
lise marxista (p.55); ora esta palavra ( científico^ exerce um fascfnio míti
co, mas multo vazio ou ilusorio. Cf. Instrucao Libertatis Nuntius n° Vil.
§§1-7.

151
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

pre marcadas pelo eu circunstanciado que as propóe. - Tais premissas sao


inconsistentes. A'razao natural pode tranquilamente admitir

1) a objetividade de nossos conhecimentos; embora o sujeito tenda a


ser parcial ao apreender a verdade, ele pode ser corrigido por si mesmo e por
outros, de modo a evitar a distorcao da verdade. Deve ser a meta de todo
estudioso conhecer a verdade como tal. - Também em materia de fé e de
Teología, é possfvel chegar a um conhecimento objetivo da mensagem reve
lada. Diz a Congregacao para a Doutrina da Fé: "Ñas palavras, sempre analó
gicas e limitadas da Escritura e da fé auténtica da I groja, baseada na Escritu
ra, exprime-se de maneira fidedigna a verdade a respeito de Deus e do ho-
mem. A necessidade constante de interpretar a linguagem do passado, longe
de sacrificar esta verdade, torna-a mais acessível e desenvolve a riqueza dos
textos auténticos. O depósito da fé, para continuar a sua funpao de sal da
térra que nunca perde o seu sabor, deve ser fielmente conservado em sua pu
reza, sem resvalar no sentido de um processo dialético da historia nem na di
recto do primado da praxis" (Notif¡cacao sobre o livro "Igreja: Carisma e
Poder" de Leonardo Boff; cf. PR 230/1985, pp.257-263).

2) o primado do Logo» ou do conhecimento sobre o agir (praxis). A


verdade objetiva, como tal, é luz para o comportamento humano; este nao
se torna menos energético e incisivo pelo fato de ser regido pela inteligencia
e a verdade. Dizer que a praxis é anterior ao Logos é contrario a evidencia,
pois todo agente só pode agir em vista de um f im previamente conhecido; se
nao tem finalidade previamente conhecida e estipulada, a apio humana é agi-
tacao febril. Também em Teologia o primeiro passo há de ser sempre o apro-
fundamento da mensagem revelada como tal, sem preocupacóes de ordem
política (tem-se enta*o a Teologia Sistemática); deste aprofundamento decor-
rem normas de índole prática ou ética, certamente exigentes; donde resulta
a Teologia Moral, individual e social (esta última, formulada especialmente
na chamada "Doutrina Social da Igreja"). Foi segundo este roteiro que os
teólogos católicos raciocinaram e trabalharam sempre. A Palavra de Deus nSo
pode estar subordinada a interesses de correntes políticas; nem há de ser
objeto de re-leitura preconceituosa ou com metas predefinidas.

2.3 Jesús histórico e Jesús da Fé


Observemos que as epístolas do Novo Testamento (S. Paulo, S. Pedro,
S. Tiago, S. Joao, S. Judas), escritas no decorrer do século I, nao fazem se-
nao breves referencias á vida mortal de Jesús; consideram, antes, Jesús como
o Cabeca da Igreja ou como o Senhor Glorificado. Seria descabido dizer que
os Apostólos falsificaram ou distorcerarn a imagem de Jesús (influenciados
pela Filosofía grega...). Será que alguns teólogos do século XX tém mais ca-
pacidade para compreender o Mestre do que seus ¡mediatos discípulos, aos
quaís a fé atribuí especial carisma do Espirito Santo para que fossem trans-
missores da verdade?

152
"JESÚS HISTÓRICO, PONTO DE PARTIDA..." 9

O Jesús da fé ou o Jesús concebido pela fé dos discípulos após Páscoa


é o mesmo Jesús da historia ou histórico; a fé penetrou em profundidade
dentro da figura de Jesús mortal, que venceu a morte, e explicitou a riqueza
nete contida. Por conseguinte, a auténtica compreensao de Jesús jamáis po-
derá prescindir da imagem gloriosa do Ressuscitado; quem tente empalidecer
a esta, cria um outro Cristianismo e urna outra fé.

Para que se formule urna seria Moral social em nome do Evangelho,


nao é necessário por de lado o Jesús glorioso, pois este é o mais forte propul
sor a urna vida generosa em favor dos ¡rmaos; basta ler a propósito os dizeres
de Sao Paulo em 1Cor 9, 19-27 e, de modo geral, o seu epistolario.

2.4. A identidade do Jesús histórico

O Pe. Hilgert valoriza o Jesús histórico como modelo para o seguimen-


to do cristao, porque afirma que o Jesús histórico foi o arauto da transfor
madlo social desejável para nossos días; terá sido o Grande Lutador por urna
reforma social, ao passo que o Jesús aprofundado pela fé como o Kyrios glo
rioso seria figura estática. — Esta alegacSo, o autor nSo a prova (como já no
tamos atrás), mas formula-a categórica e repetidamente, de tal modo que o
leitor é propenso a aceitá-la como verídica.

Ora, quem percorre os Evangelhos (que nos apresentam o Jesús hístó-,


rico), pode, sem dificuldade, averiguar que Jesús nao tinha a intencao de agir
revolucionariamente contra a ordem social vigente. Vejam-se, por exemplo,
os seguintes textos:

Mt 22,21: "Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus". A


conseqüéncia, na época, era a obrigatoriedade de se pagar o tributo a César.
Mt 16,26: "Que aproveitará ao homem se ganharo mundo inteiro, mas
arruinar a sua vida?1 Ou que poderá o homem dar em troca de sua vida?"
Le 22,38: Quando Jesús predisse os maus tratos que sofrena, os Apos
tólos observaram: "Senhor, eis aqui duas espadas!" - Ao que Jesús respon-
deu: "Basta!"; percebera que os Apostólos nao haviam compreendido, ima
ginando que se tratava de um combate corporal; por isto Jesús pos termo ao
assunto.

Em Mt 5,3 a bem-aventuranca dos pobres recebe um acréscimo que


nao ocorre no paralelo de Le 6,20: "Bem-aventurados os pobres em espirito".
Com estas palavras, Mateus evidencia que nao é a pobreza material como tal
que santifica ou que merece o Reino dos céus, mas é a pobreza interior ou o
desapego, que naturalmente se traduz num quadro de pobreza exterior ou
material.

1 Em grego psyché significa propiamente alma, e nao vida. Trata-se, em fo-


do caso, da vida espiritual ou daquela que sobrevive após a morte do homem.

153
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

Jesús nao quis dividir os homens em classes de ricos e pobres, conde


nando os primeiros e canonizando os outros, pois teve amigos entre os ricos
da sociedade do seu tempo: Zaqueu (cf. Le 19, 1-10), José de Arimatéia
(cf. Jo 19,38), Nicodemos (cf. Jo 19,39; 3,1; 7,50); a familia de Lázaro
(cf. Le 10,38-42; Jo 12, 1-7); as mulheres mencionadas em Le 8,1-3...

Em Le 12,13s lé-se: "Alguém da multidao disse a Jesús:'Mestre, dize


a meu ¡rmao que reparta comigo a heranca'. Ele respondeu: 'Homem, quem
me estabeleceu juiz ou arbitro da vossa partilha?' ".
Além disto, na Crístologia dos Sinóticos encontram-se passagens, tidas
pelos exegetas como muito antigás e elementares, ñas quais Jesús se apresen-
ta nao como guerrilheiro ou revolucionario, mas como Rei ou Filho de Rei,
cujo reino á escato lógico ou nao é do curso da historia presente: tal é a pa
rábola do rei que preparou um banquete de nupcias para o seu filho (cf.
Mt 22,1-10); tal é também o quadro do juízo final, em que Jesús aparece em
seu trono de gloria com todos os anjos para julgar as napoes (cf. Mt 25,31).
Veja-se também o diálogo de Jesús com os Apostólos na última ceia: "Eu
disponho para vos o Reino, como o meu Pai o dispds para mim, a fim de que
comáis e bebáis a minha mesa em meu Reino" (Le 22,29$). O Reino de Je
sús, porém, nao 6 deste mundo (cf. Jo 18,36); por isto Ele nao se dispunha
a fazer revolucao para arrebatar algum trono deste mundo.

Mais: sabemos que os filhos de Zebedeu, imbuidos de concepcoes na


cionalistas e temporais, pediram a Jesús os melhores lugares no seu reino; ao
que Jesús respondeu: "Nao sabéis o que estáis pedindo. . . O assentar-se h
minha direita ou á minha esquerda nao cabe a mim concedé-lo, mas é para
aqueles a quem está preparado" (Me 10,35-40).

O fato de que os judeus acusaram Jesús de ser um subversivo político


que tentava rivalizar com César (cf. Le 23,2), nada quer dizer: para obter a
condenacao de Jesús por parte de Pilatos, os judeus tinham que apresentar
um motivo de ordem política, pois as alegacoes religiosas (desrespeito á Leí
de Moisés) nao interessavam aos romanos. Por conseguinte, Jesús morreu
crucificado (como um sedicioso político), e nao apedrejado (como um Pro
feta), porque foi condenado por motivo das falsas acusacoes políticas que
os judeus apresentaram a Pilatos. A inscricao colocada sobre a Cruz de Je
sús: "Este é o Rei dos Judeus" (Le 23,38) corresponde á resposta afirmativa
dada pelo Senhor a Pilatos (cf. Lc~23,3s), resposta que Jesús explícita em
Jo 18,37: "Eu sou rei. Para isto nasci e para isto vim ao mundo: para dar
testemunho da verdade. Quem é da verdade, escuta a minha voz".

Mais: o próprio título "Filho do Homem" com que Jesús se designou


nos Evangelhos, manifestava, da parte de Jesús, a Intencao de nao excitar as
expectativas políticas que as denominacoes "Messias, Filho de Davi. . ." e

154
"JESÚS HISTÓRICO, PONTO DE PARTIDA..." 11

outras podiam despertar no povo judeu. Tal título é derivado de Dn 7,13 e


ficara na tradicao de Israel como título messianico, destituido, porém, de
conotacoes revolucionarias.

2.5. O que Jesús veio trazar

A libertacao que Jesús veio realizar no mundo, é, antes do mais, li-


bertacao frente ao pecado, que domina o coracao de todo homem e, conse-
qüentemente, se espelha ñas estruturas sociais. Jesús veio dizer ao homem
que Deusé Pai e nos somos seus filhos no FILHOlcf.Ef 1,1-13; Mt 5,44-48);
somos filhos nao apenas nominal mente, mas por ¡nsercao na vida trinitaria
(cf. Uo 3,1-3), tendo recebido o Espirito que nos faz clamar 'Aba, Pai!'
(cf. Rm 8,15; Gl 4,6). Esse amor de Deusé prímeiro, gratuito ou ¡motivado;
por isto também é irreversível (cf. 2Tm 2,11-13); sempre que o pecador in
grato a ele queira voltar, encontra-o como era (cf. Le 15,11-32). Em conse-
qüéncia, o cristao tem urna heranca no céu, onde é chamado a ver Deus fa
ce-a-face (cf ICor 13,12; 1 Jo 3,1s); consciente disto, ele sabe que, "enquan-
to habita neste corpo, está fora da sua. mansao" (cf. 2Cor 5,6-8) e aspira a
morar junto do Senhor.

O cristao traz este tesouro em si, sempre que vive com fidelidade a
sua vocacao, quaisquer que sejam as respectivas estruturas sociais. Está cla
ro, porém, que há de se empenhar ardorosamente pela remocao das injusti-
cas e a constituicao de urna reta ordem temporal, pois a Boa-Nova nao pode
ser meramente teórica nem individualista. é o que pedem as Encíclicas So
ciais dos Papas desde Leao XIII (1891) até Joao Paulo II (1982). Alias, a
Doutrlna Social da Igreja é a auténtica resposta católica ao problema das ¡n-
justicas sociais; a Igreja nao é insensfvel a estas, mas nem por isto subordina
a leitura do Evangelho á solucao de tal desafio. Ela sabe, ao contrario, que a
leitura objetiva do Evangelho é fermento transformador da sociedade.

2.6. Um outro Cristianismo

Vé-se, pois, que quem estabelece urna certa antítese entre o Jesús his
tórico e o Jesús da fé ou entre Jesús e o Criador ou "Jesús mortal" e "Jesús
ressuscitado", nao somente nao tem base para tanto nos Evangelhos (pois o
Jesús histórico nao é o revolucionario que alguns teólogos concebem), mas,
além disto, modifica radicalmente o Cristianismo. Este é a mensagem da
Cruz gloriosa; a dor e a morte de Jesús nao se podem entender sem a sua res-
surreicao. Jesús nao veio para abolir a Cruz,1 mas para transfigurá-la; a Pás-

1 Enquanto existir o mundo, farse-ao sentir as conseqüéncias do pecado


original, com o egoísmo e as in/usticas que elas acarretam; é utópico preten
der, mediante reformas sociais, chegar a um mundo plenamente fraterno e
santo, ¡sentó da cobica e da ganancia, que geram (utas entra os homens.

155
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

coa de Jesús, com a mensagem da vitória da vida sobre a morte e do Bem so


bre o mal, ó o que o Cristianismo tem de mais importante; o cristSo que se
esforca por ser fiel ao Evangelho, sabe que vence nao só quando consegue
transformar o mundo temporal, mas vence tambám, e principalmente, pelo
fato de se configurar a Cristo padéceme e glorioso.

Dividir entre si o Jesús (histórico) e o Cristo (glorioso) significaría, em


última análise, fazer um corte dentro dos escritos do Novo Testamento, co
locando os Evangelhos Sinóticos de um lado e os escritos paulinos e joaneus
do outro. Isto equivaleria a reinterpretar o Cristianismo... de maneira subje
tiva ou arbitraria, vinte jáculos após Cristo, violentando o significado que os
escritos apostólicos atribuiram á pessoa e a obra de Jesús. Quem pretende
fazer isto, nao dé o nome de Cristianismo a sua teoría. O próprio povo de
Deus, com as suas antenas de fé, parece rejeitar tal imagem de Cristo e a pas
toral que ela inspira, pois os fiéis abandonam as paróquias em que ocorre tal
pregacao, a firn de aderir a cultos e correntes que sejam mais nítidamente
impregnados de fé e de esperanga transcendental. Os próprios pobres (ma
terialmente falando), que seriam os destinatarios dessa pastoral, recusam-na,
atestando assim quanto ela é ficticia ou distorcida. Em suma, "pelos frutos
se conhece a árvore" (cf. Mt 7,16).

2.7. Reino de Deus

Objetivamente falando, em que consiste o Reino de Oeus que, segun


do Hilgert, Jesús apregoou?

O conceíto de Reino de Oeus, no Novo Testamento lido com objeti-


vidade, designa urna ordem de coisas consentánea com as normas do Evange
lho tanto no plano material como no espiritual; esse Reino comecou com a
vinda de Cristo, mas aínda se acha em formacao, lutando contra os resqui
cios do pecado, de tal modo que só estará consumado no fim dos tempos,
quando "Cristo entregar o Reino a Deus Pa¡, após ter destruido todo Princi
pado, toda Autoridade, todo Poder... O último inimigo a ser destruido será
a Morte" (1Cor 15,24-26).

Entrementes os cristaos devem esforcar-se por introduzi-lo mais e mais


ñas estruturas deste mundo. Todavia urna leitura atenta dos Evangelhos mos-
tra que o Reino de Deus nao é obra meramente humana, dependente de
conscientizacao e luta; Jesús o apresenta nao raro como dom de Deus:

Le 12,32: "Nao tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado


do vosso Pai dar-vos o Reino".

Mt 21,43: "O Reino de Deus vos será tirado e entregue a um povo que
produza seus frutos". Cf. Le 22,29.

156
"JESÚS HISTÓRICO, PONTO DE PARTIDA..." 13

O Reino como dom é ¡ncutido também em varias parábolas:

Me 4,26-29: o grao lancado á térra cresce só, sem que o homem saiba
como;

Mt 13,31-33: o mesmo se diga do grao de mostarda e do fermento na


massa.

A gratuidade do Reino é enfatizada particularmente também por pará


bolas:
Mt 20,1-16: a dos operarios chamados ávinhaem diversas horas do día;

Mt 13,44: a do tesouro escondido no campo e descoberto imprevista


mente;

Mt 13,45: a da parola preciosa encontrada inesperadamente;

Mt 13,24-30: a do trigo e do joto;

Mt 13,47-50: a da rede que traz peixes bons e maus.

Estas parábolas significam que o Reino segué urna lógica mais ampia
que a dos homens,. .. lógica que se manifesta ao cristao de modo surpreen-
dente e inesperado. Este aspecto do Reino de Deus, muito bíblico, deve ser
levado em conta quando o Pe. Hilgert recomenda ao cristao o compromisso
em prol da justica social ou do Reino de Deus. Este nao é mero fruto do tra-
balho dos homens, mas participa do misterio de Deus (cf. Me 4,11).

2.8. A Igreja e a escravatura

A atitude dos cristaos e da Igreja oficial frente á escravatura nao deve


ser julgada mediante a aplicagao de criterios contemporáneos; atualmente é
claro, ao menos em teoría, que todos os homens sao iguais entre si, compar-
tilhando a mesma natureza e a mesma dignidade. Nos tempos coliniais, tal
proposicao nao era evidente aos pensadores, mesmo cristaos; duvidavam da
identidade plenamente humana de certas populacoes, de sorte que de boa
fé as tratavam como inferiores ao tipo humano.

Nesse contexto fizeram-se ouvir vozes da Igreja em defesa dos escra-


vos, vozes cada vez mais numerosas e significativas á medida que passavam
os sáculos. A propósito já foi publicado um artigo em PR 267/1983,
pp. 106-132. Recomenda-se outrossim a leitura dos seguintes livros:

Con. José Geraldo Vidigal de Carvalho, A Igreja e a Escravidao. Urna


análise documental. Ed. Presenca, Rio de Janeiro 1985 (ver PR 285/1986,
pp. 95s).

Joao Evangelista Martins Térra, O Negro e a Igreja, Ed. Loyola 1983.

157
14 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

Biblia, Igraja e Escravidao, sob a Coordenacao de J.E. Martins Térra.


Ed. Loyola, Sao Paulo 1983 (= Revista de Cultura Bíblica, ano 26, Nova
Fase, vol. Vil, n° 26-27).
Américo Jacobina Lacombe, Escravidao, em COMMUNIO n9 35, set-
out. 1987, pp. 391-406.

3. Conclusáo

O livro em foco nao representa a genuína mensagem bíblica nem o


auténtico pensamento da Tradigao e da Igreja. Pretende redescubrir a figura
de Jesús a vinte sáculos de distancia, á luz de teorías filosóficas alheias a Je
sús e provenientes de escolas modernas nao cristas. Pode impressionar o leí-
tor pelo tom categórico, e ás vezes sarcástico, com que se exprime (ver
pp. 129s. 208), mas nao ó cartilha. Custa dizer isto, mas aqui vale o famoso
axioma: "Amicus Plato, magis árnica ventas". O cristao que se queira apro-
fundar no conhecimento de Jesús Cristo, encontrará para tanto, bons livros,
dos quais vao alguns indicados na bibliografía abaixo:

BANDERA, ARMANDO, La Iglesia ante el proceso de Liberación.


BACrfí 373, Madrid 1975.
CONGREGAQÁO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instruyes "Sobre
alguns aspectos da Teología da Libertario" e "Sobre Liberdade de Conscién-
cia e Libertario".

DREYFUS, FRANQOIS, Jesús sabia que era Deus? Ed. Loyola 1987.
Cf. PR 309/1988, pp. 50-66.
LEPARGNEUR, HUBERT, Teología da Libertacao. Urna avaliacao.
Ed. Convivio, Sio Paulo, 1979.
SCHMIDT, K.L.. Basileía, em "Grande Lessico del Nuovo Testamento,
fondato da G. Kittel e G. Friedrich," vol. II.
TEPE, VALFREDO, Estamos salvos. O cristao diante das ideologías.
Ed. Paulinas, 1982.

TROCME, Jesús Cristo e a Revolucao nao violenta. Ed. Vozes, 1973.

* **

(continuafio da p. 192)

Após esta declaracao do Papa, pouco divulgada no grande público, po-


dem os fiéis católicos desviar tranquilamente a sua atencáo de noticias sen-
sacionalistas e apavorantes, apresentadas sob o rótulo de "Terceiro Segredo
de Fátima", e dedicar-se aínda mais intensamente ao cumprimento da autén
tica mensagem de Fátima: OracSo e Convenio ou Penitencia, é destes doís
valores que o mundo de hoje mais precisa; sao eles que os fiéis cristaos mais
devem cultivar.

158
As esperanzas dos cristaos russos:

A "Perestroíka" (Reforma) no
Setor Religioso

Em símese: A abertura política iniciada pelo chefe soviético M. Gor~


bochev fe/77 suscitado esperanca de distensao ñas relacSes entre o Estado Co
munista e os cristaos existentes na Rússia. O futuro aínda é incerto, pois per-
manecem serias restricoes á prática da religiao naquele país. A fim de obter
melhores condicoes de subsistencia, os cristaos da Rússia tém-se movimenta-
do através de cartas, oficios e apelos dirigidos ás autoridades civis e religio
sas. 0 presente artigo reproduz o texto portugués de alguns destes documen
tos, além de dados estatfsticos que podem insinuar algo da situacao da reli
giao na Rússia Soviética.

* * *

0 governante soviético Mikhail Gorbachev vem empreendendo ampia


obra de reforma {Perestroíka) no tocante á economía e aos direitos dos ho-
mens na Rússia Socialista. Os cidadaos religiosos pleiteiam a estensao dessa
revisan ao setor religioso, onde vigoram leis sufocadoras das instituicóes ecle
siásticas e da fé dos individuos. Diversas sao as man ¡festapies de personalida
des e grupos russos em favor de abertura religiosa no país. Entre outras,
vai aqui apresentada em traducao portuguesa urna carta datada de 24/08/87,
e assinada pelo sacerdote ortodoxo Gleb Yakounine {já mencionado em PR
262/1982, pp. 191-201 como apologista da fé) e outros cristaos; dirige-se ao
Patriarca Pimen, de Moscou: após recordar pontos que dificultam as relacoes
entre a Igreja e o Estado, reivindica doze concessóes para que o Cristianismo
possa considerar-se livre na Rússia Soviética. Além disto, publicaremos um
Apelo solene de outro grupo russo e dados estatfsticos.

1. A CARTA

"Vossa Santidade,
Eminencias,

Nos, simples fiéis deste país, dirigimo-nos ao Secretario Géral do Co


mité Central do Partido Comunista da Uniao Soviética, Sr. M.S. Gorbachev,

159
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

para exprimir-lhe nossas esperanzas e inquietudes concernen tes á situacáo


da Igreja Ortodoxa Russa.

Saudamos as mudancas ocorridas na vida política, social e cultural do


país, que S.S. o Patriarca Pimen, na sua mensagem pasca I, qualificou de 're
novacao universal'. Os síntomas dessa renovacao sao evidentes. E nos deseja-
mos que a Igreja Ortodoxa Russa nao fique á margem da mesma. Nosso ape
lo diz respeito, antes do mais, as relapSes entre a Igreja e o Estado.

A libertacáo de pessoas consideradas como prisoneiros de consciéncia


e que saíram das prisoes, dos campos e do exilio em que se achavam, é o si-
nal mais tangível e mais animador dessa renovacao. Libertando esses priso
neiros, o Estado reconhece implícitamente o 'direito á consciéncia', que nao
é sempre incluido - ao contrario - na interpretapao habitual e oficial do
termo Perestroika."4 Mas essa liberdade deve ser devolvida a todos aqueles
que foram colocados atrás das grades por terem procurado viver de acordó
com seus deveres religiosos e moráis, pois estamos convencidos de que Deus
criou todos os homens livres, iguais em dignidade, dotados de consciéncia e
ávidos de verdade.

A época em que vivemos, nos faz esperar que a Igreja Ortodoxa Russa
experimentará, ela também, a verdade e a justica... Um Estado tao podero
so e civilizado quanto o nosso nao poderia conceder aos fiéis nao somante
o direito de confessar sua fé na Igreja, mas também o de viver segundo a fé?

Á barreira de unía legislacao repressiva


Nossa religiSo é urna religiao de amor, porque nos foi dito: 'Amarás
o Senhor teu Deus com todo o teu coracao, com toda a tua alma e com to
do o teu espirito, e amarás teu próximo como a ti mesmo' (Mt 22,37-39).
Segundo as palavras de Cristo, estes dois mandamentos resumem toda a Lei
e os Profetas. Sao inseparáveis um do outro... Sao a expressao real da nossa
fé. Mas, na prática, todas as vezes que o amor ao próximo se poderia tradu-
zir numa atividade concreta, esbarra com o obstáculo de urna legislacao
repressiva. Ora nao se pode retirar de alguám o direito de amar o próximo;
portanto com que sofismas se justifica o fato de que esse direito seja recusa
do a toda a comunidade eclesial ou á Igreja como instituicao?

Em virtude do decreto de 08/04/1929..., decreto vigente até boje,2


á Igreja (como a todas as associacoes religiosas) nao é licito exprimir concre-

1 Perettroika, que se traduzpor "refusao.reestruturacio", designa apolítica


de reforma iniciada por M. Gorbachev. (Nota do tradutor).

2 é o decreto fundamental, que rege a vida das comunidades de fiéis na


U.R.S.S. (Nota do tradutor).

160
"PERESTROIKA" 17

tamente o seu amor ao próximo nem exercer alguma atividade social inspi
rada pela compaíxao e a caridade. Hospitais, sanatorios, asilos, estabeleci-
mentos para deficientes, centros para enancas, sociedades beneficentes, caí-
xas de auxilio mutuo, etc., tudo isto nos é proibido. O artigo 17 do decreto
proibe as associacóes religiosas utilizar os seus bens para outro fim que n3o
a satisfapao das necessidades religiosas e conceder auxilio material aos seus
membros... Assim nasceu um confuto entre a lei e a fé; este confuto nao
pode deixar de existir na consciéncia de .numerosos fiéis, mesmo que nio
ousem exprimi-lo abertamente.

Quantos membros da Igreja Ortodoxa Russa poderiam viver da manei-


ra mais digna, mais rica, a sua vida terrestre e ter um fim digno, se Ihes fosse
permitido nao somente reunir-se na igreja para rezar..., mas também criar
comunidades fortes e atuantes, em que o amor ao próximo poderia tomar a
forma concreta de socorro mutuo, de assistdncia aos fráeos e aos doentes?...
Do ponto de vista jurídico, esse decreto é urna violacao direta da liberdade
de consciéncia, pois confere ao Estado o direito exclusivo de julgar as neces
sidades religiosas das nossas consciéncias...

A Igreja persistiu firme

O decreto de 1929 foi promulgado numa época em que muitos pen-'


savam que a religiao, após breve agonía, nao tardaría a acabar sua jé demasia
do longa existencia. Naquela época, o desaparecí mentó da religiao, decreta
do em teoría desde muito, devia ser fomentado por meios concretos. Mas a
Igreja persistiu firme; ela nao morreu e eremos que sua fé é hoje tao jovem
e ¡ndestrutível quanto o era nos primeiros séculos. Estamos certos de que
sempre continuará tal, pois a Igreja está fundada sobre a pedra da verdade.
Mas eremos também que temos o dever de nos preocupar com ela.

Sim; a nossa Igreja nao está para desaparecer, mas vé-se condenada a
viver num estado de asfixia prolongada, quase habitual. Faltam-lhe a ativi
dade e á palavra. A oracao, algumas vezes um sermao proferido no interior
da igreja, eis tudo o que Ihe é permitido para satisfazer ás suas necessidades
religiosas. Os representantes mais graduados da Igreja também estao autori
zados a fazer declaracoes de política exterior, proclamando a atividade da
Igreja efn favor da paz. Só isto.-.. Como se a verdade que a Igreja guarda
consigo nao precisasse de outras palavras, de muitas outras palavras a ser di
rigidas aos filhos da Igreja e ao mundo inteiro. Pois confessamos a religiao
do Verbo: 'No principio era o Verbo, e o Verbo estava com Oeus, e o Verbo
era Oeus'...

Onde o povo de Oeus pode aprender a conhecer o Verbo de Oeus, a


Biblia? Sabemos, por relatónos oficiáis, que existem varias edicoes da Blf-
blia e que estao previstas ainda outras. Mas basta entrar em qualquer igreja

161
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

ortodoxa ou lancar um olhar na biblioteca de qualquer paroquiano (na pro


vincia, por exemplo) para verificar que nao há ai nenhuma Biblia editada
na U.R.S.S. Alias, o preco desta á proibitivo para as massas de pessoas sim
ples que enchem nossas igrejas. Mas afinal por que esse livro só pode ser ven
dido ñas igrejas, ele, o único digno de ser chamado 'o Livro'? Nao é digno
de aparecer ñas estantes de todas as livrarias como uma das maiores obras da
cultura humana, mesmo para os incrédulos? Se a Biblia é um livro demasia
do importante para que déla se permitam grandes edicoes, ela contém outro
livro de menor volume - o Evangelho -, que é tao indispensávet a cadacris-
tao quanto o fato de ir á igreja. E, se a Igreja tem, entre os seus membros,
fiéis privados até do Evangelho — e sao muitos —, isto é uma desgrapa nao
só para tais pessoas, mas para a Igreja inteira.

Os dois fundamentos da Ortodoxia: a Escritura e a Tradicao

A fé ortodoxa baseia-se sobre dois meios de expressao do Verbo: as


Escrituras Sagradas e a Santa Tradicao. Todos conhecemos a situapáo das
Escrituras em nosso país. Quanto á Tradicao, a situacao é rnais complexa e,
sob varios aspectos, ainda mais aflitiva. O conceito mesmo de Tradicao tem
diversas facetas: engloba tanto os Oficios religiosos, as oracoes consagradas
pelos sáculos quanto as Atas dos Concilios da Igreja e os dogmas; abrange
também as regras ou cánones que guiaram a Igreja, o culto da Mae de Deus,
a vida dos Santos; encontram-se ai' o conceito que a Igreja tem dos icones,
e também os escritos dos autores cristaos chamados 'Padres da Igreja'. En-
volve ainda muitas outras coisas, escritas ou nao, materiais ou espirituais, tu-
do o que a Igreja reconhece como sua heranca espiritual, tudo aquilo de que
Ela vive e em que Ela percebe a presenca do Espirito Santo. Como pode a
Igreja compartilhar com todos os seus membros (nao falamos aqui dos sa
cerdotes) toda essa riqueza que Ihes é destinada? Com excecao de um nú
mero muito limitado (em comparacáo com as necessidades reais) de livros de
oracao e de um número (mais do que simbólico) de livros para os Oficios
litúrgicos, o único meio de conhecermos a Tradicao (e nao raro... de conhe-
cermos a própria Escritura) fica sendo os Oficios religiosos. E isto, para
quem pode assistir a estes, o que está longe de ser o caso de todos. Mas os
próprios Oficios litúrgicos sao muitas vezes obscuros e inacessiveis para o
comum dos paroquianos, que nao compreendem nem o significado nem a
estrutura nem mesmo a linguagem desses ritos.

A Igreja nao pode ter existencia normal ñas condipoes de silencio que
Ihe sao impostas. A Igreja tem por vocacao ensinar e tem por dever satisfazer
ás 'necessidades religiosas' nao só do coracao, mas também da razao dos seus
membros . . . Todo homem tem o direito de conhecer os fundamentos e os
argumentos de sua fé, referindo-se ás fontes mesmas da crenca e aos concei-

162
"PERESTROÍKA" 19

tos da Igreja, e nao aos fundamentos do ateísmo científico.1 O sermao na


igreja é certamente indispensável, mas nenhum sermao pode substituir a es
cola e a instrucáo religiosa sistemática. Acontece, porém, que esta instrucáb,
tida como 'propaganda',2 é proibida, como sao proibidos os círculos bíbli
cos, as reuni5es de oracáo e outras destinadas as enancas, aos jovens, as mu-
Iheres, como também sao proibidas as bibliotecas ñas ¡grejas e até a organi
zado de excursoes e as creches para criancas...

Somente o humanismo ímpio tem o direito de pensar?


Falávamos, há pouco, da instrucáo elementar, tío necessária a tantos
dos nossos fiéis; falávamos da catequese... Mas há outro setor no qual a
Igreja deve servir ao Verbo: a cultura. A vida na Igreja precisa nao apenas de
estudar o passado, mas também de encontrar respostas adequadas para os
problemas de hoje. Para tanto, é mister que homens lívres possam ter ini
ciativa. Ora, se prescindirmos das conferencias de índole meramente cientí
fica ou política, o pensamento e a criatividade religiosos, o ponto de vista
dos fiéis no tocante aos acontecimentos da nossa vida só se podem exprimir
entre nos de maneira dissimulada, para nao dizermos: clandestina. Por qué?
Nao será porque somente o humanismo ímpio tem o direito de pensar e a
fé é tida como algo de irracional?

Nao há dúvida, a Igreja publica um pequeño Manual reservado as alo-


cucóes oficiáis, a crónica oficial, aos necrológios oficiáis; acrescentam-se a
isto dois ou tres sermñes desses que pouco tém a ver com os problemas do
mundo moderno, e algumas migalhas de teología, támbemelas anacrónicas...

A Igreja deverá um dia ser autorizada a pronunciar discursos vivos,


humanos, e nao apenas discursos de felicitacóes ou discursos defasados há
sáculos. Será preciso que ela possa ensinar, edificar, guiar, pregar, falar aber-
tamente das suas necessidades, anunciar publicamente o que ela julga ser
verdade, enfim elaborar de modo patente, sem se ocultar, a sua própria
cultura. Pois nos confessamos a religiao da liberdade, já que nos foi dito:
'Se perseverardes em minha palavra, seréis realmente meus discípulos, e
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará' (Jo 8,31s).

1 "Fundamentos do ateísmo científico" é o título de urna das disciplinas


obrigatórias em todos os estabelecimentos de ensino superior de ciencias hu
manas na U.R.S.S. Também os cursos sobre o "Comunismo Científico"ou
"a Historia do Partido Comunista da Uniio Soviética" sao obrigatórios em
todas as escolas e instituicoes de ensino superior da U.R.S.S. (Nota do tra-
dutor).

1 A Constituífio da U.R.S.S. reconhece aos cidadaos o direito de contestar


a sua fé e de fazer a propaganda do ateísmo. Isto significa que a propaga-
cao da fé é ilegal. (Nota do tradutor).

163
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

A Igreja, mensageira de liberdade

Sim, Jesús.falava de liberdade espiritual e interior; em que é que esta


se opóe á liberdade civil? Falava da liberdade frente ao pecado, mas esta nao
supoe a liberdade de viver e de agir? A Igreja deve ser a mensageira da liber
dade e eremos que, apesar de tudo, ela o é; mas está parausada e entravada
por tantas cadeias exteriores e tantos vínculos invisíveis que é simplesmente
impossível enumerá-los. Existem as proibipóes oficiáis, firmadas por atos le
gislativos; existem proibipoes semi-oficiais decorrentes de editáis que nin-
guém viu; existem proibipóes que nada tém de oficial e que nao se derivam
nem de documentos secretos, mas que sao evidentes para as autoridades ci-
v¡s, que as justificam em seus pronunciamientos. Por exemplo, a lei autoriza
que se fapam pedidos de abertura de igrejas, mas a maioria dessas petipóes
nao resulta em coisa alguma. A lei nao impede os sacerdotes de visitar os
presos nos cárceres ou os moribundos nos hospitais, mas quantas vezes acon
tece isto em nossas prisoes e em nossos hospitais? Se um sacerdote tem muí-
tos paroquianos, se muitas (segundo a avaliapao das autoridades) enancas
sao levadas á igreja ou se muitos amigos vao ter com o sacerdote, isto pode
ser motivo para que o padre seja censurado e sofra ¡mportunapóes. Pedería
mos citar muitos exemplos dessas proibipóes, secretas ou nao, apresentadas
com os argumentos dialéticos mais variados. Em conseqüéncia, pergunta-
mos: nao sao essas proibipóes, muito mais do que as declarapóes oficiáis,
que revelam a genuína atitude do Estado para com a Igreja?

Em parte alguma ouvimos a voz da Igreja

Nao é difícil compreendermos quais devam ser os sentimentos da Igre


ja após ter vivido durante decenios sob o olhar vigilante de todas as proibi
póes e acusapóes dirigidas contra ela. Eis por que hoje, quando em todos os
meios de comunicapao social se fazem ouvir com liberdade crescente as vo-
zes dos nossos escritores, dos nossos economistas, dos nossos homens polí
ticos, em parte alguma ouvimos a voz da Igreja. Talvez isto se deva ao fato
de que a Igreja bem sabe que a única liberdade que atualmente Ihe resta na
sociedade, é a de declarar aberta e publicamente que nunca, em parte algu
ma e em nada, ela sofreu a opressao do Estado? E temos de reconhecer que
a Igreja, mediante os seus representantes, tem utilizado esta liberdade, essa
Glasnot1.

1 Glasnot, que ás vezes é ¡nadequadamente traduzido por transparencia, s/p-


nifica publicidade. Sob Gorbachev, designa urna campanha, em curso na
U.R.S.S., que proclama publicamente varios fenómenos negativos do passa-
do. (Nota do tradutor).

164
'PERESTROÍKA" 21

Santidade! Eminencias!
Nosso pafs conta'milhoes e milhoes de pessoas que confessam a fé or
todoxa e se consideram filhos da Igreja Ortodoxa Russa. Qualquer que seja
a posicao da Igreja neste pafs, nascem, vivem e morrem, como membrosda
Igreja e cidadaos do país, de cuja vida participam sem se furtar. Permane-
cendo fiéis á sua patria terrestre, querem ser fiéis á sua patria celeste e viver
segundo os preceitos de Cristo. Hoje eremos que o Estado deixará de os dis
criminar e Ihes concederá auténticos direitos civis... isto é, oue os reconhe-
cerá como cristaos no seio da sociedade. E julgamos que chegou o momento
de colocar aberta e publicamente a questao desse reconhecimentó.

Pleiteando atos concretos de boa vontade


Repetimos que tal reconhecimento implicará que á Igreja se conceda
a possibilidade de viver conforme a sua fé ou de ser Igreja de Cristo com ple
nos direitos. Em nossa opiniao, o reconhecimento poderia concretizar-se
nos seguintes gestos de boa vontade:

1. Abertura de grande número de igrejas (sejam igrejas fechadas ou-


trora, sejam igrejas recentemente construidas) em particular ñas regióes, on
de, para enormes espacos e milhóes de pessoas, só existem um ou dois luga-
res de culto.
2. Aumento sensi'vel de edicoes da Biblia; publicapáo do Evangelho
macica e acessível a todos os fiéis.
3. Revisao das leis atinentes aos cultos, evidentemente defasadas (sa
bemos que esta revisao já comepou), revogapao de muitas proibicóes humi-
Ihantes e inaceitáveis á consciéncia crista ou restritívas da atividade dos sa
cerdotes.
4. Autorizapao de promover, no interior das igrejas, fora dos Oficios
litúrgicos, reunioes ñas quais se comentem as bases da doutrina ortodoxa.

5. Eliminapao de qualquer pressao sobre enancas nascidas em fami


lias crentes ou desejosas de ser cristas. Julgamos que, para a sociedade, é me-
Ihor que sejam bons cristaos do que pioneiros nomináis.'
6. Restituicao, á Igreja, demosteiros fechados nos últimos decenios;
antes do mais,... a Laura das Grutas de Kiev, cujo fechamento provocou
na memoria do povo urna chaga que nunca cicatrizou.

1 Pioneiros sao membros de faccoes comunistas, que arrolam adolescentes


dos nove aos quime anos de idade. Esses menores sao matriculados nos gru
pos do Partido através da escola, sem que se peca o consentímento dos país.
(Nota do tradutor).

165
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

7. Restituidlo, á Igreja, das reliquias dos santos bispos Pedro, Filipe,


Joñas e Hermógenes, de Moscou, que se encontram na catedral da Dormí-
cío no Kremlin,.assim como certos icones particularmente venerados, que
ora se acham nos museus.

8. Possibilidade, para a Igreja, de ter acesso aos meios de comunica-


cao social do Estado.
9. Edicao da literatura antiga e contemporánea portadora da Tradi-
cao e da historia da Igreja Ortodoxa.

10. Criacao, ñas igrejas, de bibliotecas de livros religiosos e teológi


cos, acessfveis a todos os paroquianos.

11. Extincao de todos os obstáculos que limitam e paralisam a vida da


Igreja. O fato de que os sacramentos do Batismo e do Matrimonio já nao se-
jam obrigatoriamente registrados no foro civil1 é apenas um prímeiro passo
em tal direcao {mesmo assim tal dispensa só entrou em vigor em certas re
gióos).

12. Reconhecimento, a Igreja, do direito de 'misericordia para com


aqueles que cairam': autorizacao, para os sacerdotes, de visitar os doentes
nos hospitais e ñas clínicas psiquiátricas, e os prisioneros nos cárceres.

Longo e difícil processo de liberalizapao

Estamos conscientes de que algumas destas medidas nao podem ser


adotadas de imediato. Compreendemos que a Perestroíka é um processo
longo e dif fcil, que pode ter de enfrentar urna resistencia crescente. A demo-
cratizacáo da nossa sociedade nao pode cair do céu; ela deve amadurecer ñas
provacoes e na luta. Também estamos conscientes de que a Igreja nao tem
possibilidade de usufruir ¡mediatamente das faculdades aqui mencionadas;
antes, isto deverá fazer-se progressivamente. Após tantos anos de letargía, de
mutismo, de silencio, a Igreja deve reaprender a mover-se e a falar. Sabemos
que as condicoes ñas quais ela foi obrigada a existir, suscitaram em seu seio
muitos problemas interiores de índole puramente eclesial, que ela nao pode-
rá resolver enquanto todos os lagos que a imobilizam nao tiverem desapare
cido.
Dirigimo-nos ao Secretario Geral do Comité Central do Partido Comu
nista da Unilo Soviética, porque queremos crer no futuro e na realidade da

1 Alusao ao fato de que quem deseja casarse na Igreja ou ser balizado (ou
batizar seus filhos) é obrígado a apresentar seu passaporte. O nome dessas
pessoas ó lanzado num registro especial, que pode, a qualquer momento, ser
consultado pelas autoridades civis. Esses cidadaos poderao mais tarde sofrer
problemas, sej'a no exercfcio do seu trabalho, seja na escola do seu filho.
(Nota do tradutor).

166
"PERESTRO'ÍKA" 23

PerestroTka.Cremos também que o processo de democratizacao iniciado nes-


te país é indivisivel e que a Igreja Ortodoxa Russa nao pode f¡car excluida.
Hoje é a Vos, Santidade, Eminencias, que nos dirigimos para vos suplicar
que nao deixeis passar esta oportunidade absolutamente única e que o Se-
nhor oferece á nossa patria e á Santa MSé Igreja. O que ontem parecía ¡ni-
maginável, será talvez possfvel amanhá e mesmo plena realidade. Como vos,
estamos convencidos de que nao sao os homens que vivem para a Igreja, mas
é a Igreja que vive para os homens, pois 'o Filho do Homem nao veiopara
ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos' (Mt 20,28).
Cremos que a Igreja deve servir aos homens tanto durante a oracao no san
tuario quanto durante toda a sua vida na sociedade, ao lado dos demais ho
mens, a fim de que essa vida seja impregnada do Espirito Santo e da luz
do Cristo.

Tudo o que a Igreja hoje espera, tudo por que ela deve hoje lutar, po
de resumir-se, parece-nos, nurna palavra: reconhecimento. Seja ela reconhe-
cida nao como um vestigio de culto, mas como urna realidade espiritual, ju
rídica, cultural, cuja existencia nao é um fardo, mas urna das numerosas he-
rancas, urna das muí tas riquezas de nossa patria. Possa a Igreja receber o di-
re ¡to de ser tal como a quer a sua vocacáo dentro da fé evangélica e apostó
lica, eis o que Ihe é oferecido para festejar o seu milenio.'
aa) P. Gleb Yakounine, P. Nikola'i Gainov, Andrei Bessmertny, Va
le riV Borchtchov, Victor Bourdioug, Vladimir Zelinski, Evgueni Pazoukhine,
Víctor Papkov, Vladmir Porech".

O texto assim concebido é assaz eloqüente; repete, em alto e bom


tom, as palavras: reconhecimento oficial para a Igreja e seus di re ¡tos. O que é
mais do que justo.

2. UM APELO

Aos 24/08/1987 o Pe. Gleb Yakounine e cinco outros crístSos russos


assinaram urna carta dirigida ao Papa Joao Paulo II, ao arcebispo anglicano
Robert Runde, de Cantuária, e ao Secretario do Conselho Ecuménico das
Igrejas, Emilio Castro. Foi enviada urna copia da mesma ao Comité dos Di-
reitos do Homem do Conselho Ecuménico das Igrejas, h Alíanca Mundial
dos Batistas e a Conferencia das Igrejas Européias. Eis o respectivo texto
em traducáo portuguesa:
"Vossa Santidade, Eminencias, Irmaos em Cristo,
Nosso Senhor Jesús Cristo proclamou: 'Ide pelo mundo e pregai a Boa-
Nova a todas as criaturas' (Me 16,15).

1 Em 1988 celebram-se mil anos do Batismo do povo russo.

167
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

Nao ignoráis a que ponto o mundo de hoje tem sede da Palavra de


Deus. Ela se reveste de significado todo particular em nosso país, onde a
possibilidade de pregar é restrita, onde o testemunho cristao nao pode ser
transmitido pelos meios de comunicacacr social, onde a educacao religiosa
das criancas só pode ser efetuada pelos genitores e onde a formacao religio
sa é ministrada apenas nos raros estabelecimentos de ensino teológico.

Em tais condicoes, a Escritura Sagrada tornou-se a única fonte de co-


nhecimento da Palavra de Deus. Ora hoje em dia milhoes de cristaos ortodo
xos russos sao privados nao somente da BCblia, mas também do Evangelho.
Há cerca de quarenta anos, a BCblia nao é mais editada na U.R.S.S. Somente
em 1956, após longa interrupcao, foi reeditada pela primeira vez. A tiragem
total das quatro edicoes autorizadas nestes trinta últimos anos nao ultrapas-
sou os 300.000 exemplares - o que por certo nao pode satisfazer á sede es
piritual de dezenas de milhoes de cristaos russos. Nem rriesmo a quinta edi-
cao, com a sua tiragem de 100.000 exemplares (a mais elevada}, prevista
para o milenario do Batismo da Rússia, conseguirá remediar a situacao. O
fato de que as edigoes da Biblia sao insuficientes em nosso país é atualmen-
te reconhecido por todos. Em junho passado, por ocasiao de um encontró
de representantes da Igreja e do Estado da U.R.S.S. com diplomatas, encon
tró do qual tomou parte o presidente do Conselho para Assuntos Religio
sos, Khartchev, a situacao presente foi explicada pela alegacao de que faltam
tipografías. Este problema é real em nosso país e se, como se dizia naquela
ocasiao, é a única causa que impede os fiéis de possuir a S. Escritura na Rús
sia, fazemos apelo a vos, para que acudáis ao Patriarcado de Moscou, envian
do-I he, para difusao, gracas a Alianca Bíblica universal, exemplares da Bi
blia e dos Evangelhos em li'ngua russa.

Tal presente, neste milenario do Batismo de Rússia, proporcionaría


grande alegría aos cristaos russos. Urna tal ajuda já teve seus precedentes.
Mediante a Alianca Bíblica Universal e com a autorizacao do Governo Sovié
tico, a Uniao das Igrejas Evangélicas Batistas já recebeu o presente de milha-
res de exemplares da Biblia. Foi firmado um acordó segundo o qual em
1988 esse Conselho receberá aínda da Alianca Bíblica Universal 100.000
exemplares da Biblia e 5.000 exemplares do Comentario do Novo Testa
mento de William Barclay. Cremos que o Governo Soviético nao vos recusa
rá a autorízacao para oferecerdes também a Escritura Sagrada á Igreja Orto
doxa Russa. Desejamos enfatizar especialmente a necessidade urgente de
exemplares da Biblia ilustrados para criancas, escritos em linguagem clara e
acompanhada de figuras, adaptados á consciéncia da crianca de hoje. Tais
edicoes nao existem entre nos.

Vossa ajuda para a difusao da S. Escritura em nosso país será o teste


munho da solidariedade crista e um ato de auténtico ecumenismo.

No amor de Cristo

168
"PERESTROÍKA" 25

P. Gleb Yakounine, P. Nikolaí Gainov, Andrei Bessmertny, Valerii


Borchtchov, Víctor Popkov, Vladimir Porech".
O apelo é altamente significativo.

3. Dados estatísticos

Por ocasiáo de urna entrevista sobre a atual situaclo religiosa na


U.R.S.S. concedida pelo presidente Kartchev, do Conselho para Assuntos
Religiosos junto ao Conselho de Ministros da U.R.S.S., foram fornecidosos
dados estatfsticos seguintes. Tais números transmitem os "dados oficiáis"
e nao consideram as Comunidades clandestinas (como a Igreja Católica da
Ucrania) nem as Confrarias Mupulmanas das Repúblicas da Asia Central. A
data de pubficacáo destes elementos na revista Naouka i Reiigia é a de no-
vembrode 1987.

Número de Agremiacoej Religiosas

Oenominacoes 1961 1966 1971 1976 1981 1986

Ortodoxos Russos 11742 7523 7274 7038 7007 6794


Igreja Católica* 1179 1116 1087 1070 1102 1099'
Isla 2307 1820 1087 1069 954 751
Judaismo 259 238 220 181 130 109
Cristáos Batistas 2917 3054 2964 2981 3078 2976
Pentecostais 1006 904 965 775 863 843
Adventistas do 7? Dia 399 372 350 381 434 445
Testemunhas de Jeová 607 468 480 411 411 378
Total na U.R.S.S., incluidas outras
Conf¡ss6es 22698 17507 16323 15687 15713 15036

No tocante á Ortodoxia Russa e á Igrejs Católica, estes números eorrespondem ás pá-


róquias.

Prática Religiosa
(dados fornecidos pelas Agremiacoes Religiosas)

Rito 1966 . 1971 1976 1981 1986

Balizados 1017228 965188 808478 830596 774747


B atizados de chancas
em idade escolar 10261 29335 25682 40253 40469
Batizados de adultos -
21680 26818 45178 51864
Crismas -
23049 24383 27333 25145
Casamento» 60516 79356 75988 106259 79840
Fuñarais 848805 990618 1096190 1125058 1179051

169
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

Estes dados bem evidenciam o aumento do número de Batizados


entre crianzas de ¡dade escolar e adultos - o que corresponde ao fato de
que mu ¡tos adultos se vao conscient izando do valor da fé e pedem o Batís-
mo para si ou seus filhos, apesar das sancoes que os ameacam em tal caso. O
renascimento religioso se faz quase espontáneamente, sob a grapa de Deus,
após a experiencia do que é o ateísmo ou o comunismo materialista.

É para desojar que este surto religioso se imponha cada vez mais, den
tro das prospectivas já esbocadas por Tatjana Goritcheva (cf. PR 31/1987,
pp. 242-251). é também para almejar que os cristaos do mundo inteiro
exercam sua solidariedade com os irmaos perseguidos na U.R.S.S., assegu-
rando-lhes suas oracoes e outros serví pos que Ihes estejam ao alcance.

Aborto .e Sociedade Permissiva, por Pedro Juan Viladrich. Colecao


"Círculo de Leitura" nQ 25-26. - Ed. Quadrante, Rúa Iperoig 604,05016 ■
Sao Paulo (SP), 110 x 165 mm, 100 pp.

Antes do mais, désejamos apresentar aos nossos leitores o "Circulo de


Leitura", instituicao que oferece aos seus assinantes doze pequeños volumes
por ano, de índole teológica, ética, ascética..., escolhidos entre os bons li-
vros do momento. 0 leitor tem assim a ocasiao de periódica atualizacSo ou
reabastecimento interior numa sadia linha de espiritualidade. Informacdes
sejam solicitadas á Editora Quadrante (endereco ácima).

O livro "Aborto e Sociedade Permissiva" tem por autor um professor


da Universidade de Navarra e traz quatro Apéndices devidos a especialistas
em Genética na Franca e no Brasil. Apresenta um exame exaustivo dos argu
mentos pró-aborto, evidenciando que sSo fatazes ou sSo menos significativos
do que o homicidio cometido em todo e qualquer tipo de aborto. Este é
sempre a eliminacio da vida de um inocente, quaisquer que sejam os moti
vos por que o pratiquem. Daí a iliceidade do aborto, para a qual nSo há ex-
cecdes. Nos casos de agressao de uma jovem, de perturbacao psíquica da ges
tante ou de penuria económica do casal, compete á sociedade e aos seus legí
timos representantes conceber os meios de dar assisténcia á mié e ao filho,
amparando-oseaté eximindoa mae das funcoes da maternidadeapóso parto;
em vista disto, recomendam-se instituicdes de Apoio á Mae Solteira, as Cre-
ches e os Educandários capazes de assumir os encargos decorrentes do res-
peito á vida do nascituro.

0 livro é escrito de tal modo que transmite as verdades científicas e fi


losóficas mais diffceis em linguagem acessfvel e ffuente, tornándose de agrá-
dável leitura. Merecem destaque, entre outras, as pp. 77-83, em que o Prof.

(continua na pág. 185)

170
Uma tentativa de explicar

"Como viver a Sexualidade"


por Ovidio Zanini

Em síntese: 0 livro de Freí Ovidio Zanini é inspirado pela válida inten-


cao de dissipar tabus e mal-entendidos em relacao á sexualidade. Todavía, ao
tragar o seu projeto de comportamento sexual, o autor parece pairar longe
da realidade; em conseqüéncia. sugere atitudes e práticas que, em vez de li
bertar de desvíos os respectivos leitores, podem causar-lhes mais graves pro
blemas. O livro é perpassado por um certo humanismo otimista ou por uma
concepcao de natureza ordenada e arrumada, como Jean-Jacques Rousseau
(\ 1778} a concebía. . ., i diferenca do que a experiencia evidencia e a dou-
trina do pecado original ensina.

Por isso tal obra nao é indicada para a formacao dajuventude contem
poránea. Permanece insuperado o pensamento de Joao Mohana, expresso em
varias obras deste autor sobre sexualidade com muita sabedoria e em conso
nancia com a auténtica doutrina da Igreja.

O livro de Frei Ovidio Zanini sobre a sexualidade foi publicado, em


primeira tiragem (5.000 exemplares) no ano de 1976. Fizeram-se duas ou-
tras edicoes, de 7.000 e 10.000 exemplares respectivamente, de modo que
já foram impressas 22.000 unidades dessa obra. Em 1987 apareceu nova edi-
cao, revista e atualizada1. O livro em sua primeira edipao já foi comentado
brevemente em PR 252/1980, pp. 526. Ñas páginas subseqüentes abordare
mos a nova configurapao de tao difundido manual de formacao da juventu-
de.

1. As linhas fundamentáis do livro

Pode-se resumir o conteúdo da obra nos seguíntes termos:

1 Ovidio Zanini, Como viver a Sexualidade. — Ed. Loyola, Sao Paulo, 140
x210mm, 101 pp.

171
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

1. O autor distingue sexualidade, genitalidade e genitalismo.

Sexualidade é a masculinidade ou a feminilidade que marca todo e


qualquer ser humano, independentemente do uso do sexo. Toda pessoa é
sexuada nao só em seus órgaos genitais, mas também em seu tipo de voz, de
cábelo, de maos, de andar. .., em suas tendencias afetivas, em suas habilida
des profissionais. ... A sexualidade é algo natural - físico e psíquico -, que
devemos considerar um valor da pessoa humana.

A genitalidade ■ é o uso dos órgaos genitais em vista da procriacáo (se a


natureza nao é estéril por si mesma) dentro do matrimonio. - Frei Zanini é
contrario ás relacoes pré-matrimoniais: "A realizacáo genital dá-se através de
atos genitais, realizados em casamento, numa atmosfera de sexualidade, de
busca do outro e de oblatividade mutua" (p.46).

O genitalismo é o uso neurótico do sexo (p.26). É urna doenca, em ge-


ral psíquica (p. 49); a sexualidade é reduzida ao uso dos órgaos genitais, nu
ma dimensao apenas carnal, sem compromisso (p.26).

2. Proposta esta distincao, o autor procura "desmistificar" a sexualidade


e a genitalidade, apresentando recomendacóes que tentam desinibir ao máxi
mo osjovens:

"Ninguém vai ao Absoluto a nio ser através dos sacramentos, e ao má


ximo sacramento terrestre de Deus que é o homem para a mulher e a mulher
para o homem" (p. 79).

0 autor, em nota, observa: "Esta é urna tese arrojada, mas nao temerá-
ría".

"Sexo tornarse-á para vocé o máximo encanto da criacao. Vocé verá


muí tas vézes Deus face-á-face como Moisés no monte Sinai" (p. 89).

"Veja a menina que vai comungar o Cristo na Missa. Vá comungar


também com ela. Vocé tornar-se-á urna só coisa com ela em Cristo: a mesma
carne, o mesmo sangue, a mesma alma, a mesma Divindade, o mesmo Espiri
to Santo. Quepoderá haver de mais nobre e santo?" (p.87s).'

1 Sao muito estranhas tais afirmacoes. Nao se pode dizer que a Eucaristía
produz os efeitos enunciados ácima; alies, "tornase a mesma Divindade, o
mesmo Espirito Santo" sao expressoes que carecem de lógica; a Divindade
nao se torna...

172
"COMO VIVER A SEXUALIOADE" 29

"Va ao cinema com urna menina e segure suas maozinhas em suas


maozonas. Perceba a diferenca com profunda emocao. S oeu feminino que
se faz sentir na palma da mao" (p. 87).

Ás pp. 40s, o autor conta a estória de Barbarella, "exemplo maravi-


Ihoso para distinguir entre sexualidade e genitalkjade". Barbarella e o reí se
encontram em aposentos privados; está disposta a se entregar desnuda ao
parceiro, mas este Ihe diz que a chamou apenas "para amá-la, para possui-la,
oara enriquecer-se com o seu feminino pessoal, para ser mais nobre, mais hu
mano, mais masculino, mais completo". Diz-lhe explicitamente: "Quero
amar-te, nao fecundar-te. Poe tua mao na minha, de leve, como urna avezi-
nha que pousa em seu ninho. Fixa com ternura e profundidade teu olhar em
meu olhar. E senté amor por mim. Envolve-me com tua feminilidade. Con-
quista-me e possui-me. E seremos um só coracao e um só espirito. Serei teu
e serás minha. O masculino e o feminino invadiráo nosso ser. E teremos o
éxtase do homem completo" (p. 41).

Ás pp. 82-85 Ovidio Zanini propóe as "futuricoes da polaridade se


xual" ou prognósticos do correto comportamento sexual de tempos futuros.
Entre estes, encontram-se os seguintes:

"2. A nudez, quando necessária e útil, será tranquila e pura...

5. Haverá Congregares Religiosas católicas mistas, que residirao na


mesma casa e trabalharao juntas. Talvez¡á existiam...

7. Ñas familias a higiene corporal ou banho poderá ser coletivo, quando


questoes de horario, agua e simples diálogo o exigirem ou recomendarem...

14. Desaparecerá a curiosidade sobre o corpo do outro sexo. O corpo será


tao bem conhecido e visto, desde a infancia e com tanta naturalidade, que,
com a morte do tabú, morrerá a obsessao genitalista" (pp. 93s).

3. Verdade é que o autor apresenta também proposicóes de cautela:

"Perante a sexualidade seja positivo, mas nao ingenuo. Toda prudencia


épouca, devido a urna civilizacao (sifilizacao?) genitalista. Enfím, prudencia,
sim; medo e desconfianza, nSo\" (p.76).

"Assuma o comando efetivo de todo o seu ser. Faca práticas de


penitencia pessoal, tanto de ordem corporal como espiritual. Especialmente
de ordem espiritual. Urna pessoa sem comando de siéescrava de todos e de
tudo, até do diabo. Menos de Deus\" (p.76).

173
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

A p. 84 o autor aínda observa: "E, para terminar, vou dar urna de


prudente. Quase de puritano. - Amigo, vá devagar nesta evolucao. Nao
ponha o carro diante dos bois".

Em suma, quem le o livro de Freí Zanini fica talvez um pouco hesi


tante: nele se encontram normas válidas, ao lado de outras afirmacoes que
parecem nao se coadunar com as anteriores. Daf a pergunta:

2. Quedizer?

Faremos quatro observacoes:

2.1. Nada de pecaminoso

O autor nada sugere de pecaminoso; ao contrario, procura desviar os


leitores das sendas do pecado, repelindo o chamado "genitalismo".

2.2. Otimismo utópico

As orientacóes e diretrizes contidas no livro sao mais teóricas e


utópicas do que realistas. Quem quiser seguir as normas otimistas de aber
tura ao sexo propostas pelo autor, terá provavelmente serios problemas para
evitar, em vez de se sentir fortalecido contra o pecado. Com efeito; o autor
parece nao levar em conta a realidade do pecado original ou da concupiscen
cia desregrada que existe em todo ser humano; esta, pelos olhares, pelos
contatos de mao ou de corpo, pelas conversas..., é fácilmente excitadas e
se torna incendiaria, a ponto de obcecar o individuo, provocando paixóes
que levam violentamente o pecado. Especialmente o exemplo de Barbarella
(que o autor julga facti'vel, á p. 41), pode tornar-se urna arapuca para o
pecado.

Alias, nao somente a concupiscencia inata ameaca constantemente a


pessoa. . .; o ambiente no qual vive o cidadSo de hoje, altamente erotizante,
induz aos desmandos sexuais (relacdes fora do casamento, homossexualis-
mo, masturbacao...) aquele que nao exerca sabia vigilancia sobre os seus
olhares, seus contatos físicos, suas conversas, suas imaginacoes, etc. O clima
da sociedade contemporánea se acha profundamente marcado pela mentali-
dade freudiana; esta ensina que o ego está imprensado entre os instintos ou
impulsos naturais (o Es ou o Id) e o Super-ego ou a censura da sociedade,
que ¡mpede os impulsos de se expandirem; quem atende á censura e se con-
tém, diz a escola freudiana, corre o risco de cair em neurose; por isto deve
romper as barre i ras do Super-ego e dar largas aos instintos. Pode-se dizer que
os meios de común ¡cacao social, muitas escolas, muitos pedagogos, muitos

174
"COMO VIVER A SEXUALIDADE" 31

consultorios de profissionais em Psicología sugerem eloqüentemente esta


teoria; é o que torna difícil a continencia para quem queira dizer um Sim ir-
restrito á sexualidade, ao mesmo tempo que pretende dizer Nao ao genitalis-
mo; este decorre freqüentemente de uma abertura "simplona" ou "inocen
te" a todos os anseios da sexualidade.

É por isto que se tornam utópicos os conselhos de Frei Zanini. Isto


nao quer dizer que deva haver "castracáo" ou mutilacao da personalidade,
mas requer, sim, permanente atitude de guarda sobre os sentidos (olhares,
ouvidos, memoria, fantasía...) a fim de que o individuo nao seja arrastado
para onde nao deseja. Sao Paulo mesmo, fazendo eco a filósofos antigos, di-
zia: "Nao faco o bem que quero, mas pratico o mal que nao quero" (Rm 7,
19). Por isto o Apostólo acrescentava: "Corro nao ao incerto; é assim que
pratico o pugilato, mas nao como quem fere o ar. Trato duramente o meu
corpo e reduzo-o á servidao, a fim de que nao aconteca que, tendo procla
mado a mensagem aos outros, venha eu mesmo a ser reprovado" (1Cor
9,26s).

' A experiencia, alias, evidencia que, sempre que os jovens (e adultos) se


comportarnm ¡ngonuumonte no tocante aos sentidos, numa atitude de huma
nismo naturalista, foram cedo ou tarde derrotados; muitas vocacoes religio
sas e sacerdotais se perderam por causa dessa "simploriedade" otimista de
novicos, seminaristas e dos respectivos formadores".

2.3. Educar a vontade

Em vista da necessidade de se educar a sexualidade, evitando o genita-


lismo, Joao Mohana, médico e sacerdote, tem ótimos livros, entre os quais se
destaca "A Vida Sexual dos Solteiros e Casados", que em 1984 estava na
23a. edícao1. Seria muito desejável que nossos jovens e adultos conheces-
sem tal obra, que nada tem de "eufórico", mas é realista (por isto construti-
va e sadia) no tocante á sexualidade. Especialmente notáveis sao as observa-
coes de Mohana no que diz respeito á educacao da vontade, arte indispensá-
vel, que deveria ser calorosamente recomendada e praticada pelos formado-
res de jovens:

"Nao basta uma perfeita instrucao sexual para termos uma vida sexual
perfeita. Nao basta uma perfeita educacao sexual. Nao basta nem mesmo
uma perfeita cultura integral. Sexo nao ó matemática, nSo é literatura, nao
é geografía. Nao é materia só intelectual. É assunto vital. Nao supóe apenas
instrucao, cultura, educacáo. Para a matemática, a literatura, a grografia bas
ta instrucao, e os problemas matemáticos, geográficos e literarios ficam solu-

1 Editora Globo, R. Sargento Silvio Hollenbach 350^1510 Río (RJ)

175
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

cionados. Ao passo que para o sexo nao. O instinto exige a participadlo da


vida do homem, exige vivencia pessoal dos músculos e dos ossos e da alma
de cada homem. Por isso é que so urna boa bibliografía nao basta, por me-
Ihor que seja, para um rapaz garantir o autodesenvolvimento pela castidade.
Se nosso esforco permanecer apenas no plano da inteligencia, nao estaremos
ainda livres de um fragoroso fracasso. É preciso atingir a vontade no progra
ma de equipamento sexual.

Todo homem casado conhece, por experiencia própria, o valor da von


tade na vida sexual. Basta que recordé a noite de nupcias. O autocontrol
com que deve governar o instinto para nao traumatizar a esposa. As atitudes
durante todo o período de adaptacao pessoal. Os tempos de suspensao do
convivio por doenca, inapetencia feminina, ausencias da esposa, menstrua-
pao vetante, etc. Em toda abstencao forcada, a vontade é a heroína. Sem
vontade, surgem os conflitos, os desentendimentos, as infidelidades, as hosti
lidades até. Com vontade, a própria vida sexual é comandada, dirigida envol
vida naquele cortejo de medidas conscientes indispensáveis a conseguir um
ato sexual satisfatório.

Exercitar a vontade torna-se assim urna condicao sem a qual é impossí-


vel alguém controlar o próprio instinto. Exercitar a vontade diariamente, re-
vigorá-la, fortificá-la. Sei que esses exercícios de autodominio espantam
quem está impregnado de flatulenta mística do conforto material que estu-
iha tantos espíritos contemporáneos. Nao há, porém, outro caminho. O úni
co 6 aprender como se treina a vontade, e comecar desde já a treiná-la nao
só no terreno sexual. Treiná-la em todos os setores de nossa atividade, por
que nossa vontade é urna só, e, sendo forte para guardar um segredo, por
exemplo, será forte para se provar de um desejo ilegítimo; sendo forte para
dizer "nao" á insinuacáo perfumada, será forte para resistir as decepcoes do
estudo, do trabalho. Estes quatro pontos mostram que o mecanismo é rever-
sível. Os exercícios de vontade treinam para o controle sexual e o controle
sexual treina a vontade — concorrendo ambos para o éxito na vida.

William James compendiou quatro regras para treinar a vontade. A pri-


meira é: "lancar-se á tarefa com todas as forcas, inteiro". A segunda: "Nao
permitir excecoes, enquanto aquilo que se quer nao estiver seguramente ar
raigado". Terceira: "Nao deixar fugir a primeira ocasiao de aplicar cada urna
das nossas resolucoes". Quarta: "Conservar viva a faculdade do esforco, sub-
metendo-a cada día a um pequeño exercício sem proveito".

Tendo William James sido genérico, e como na esfera volitiva nao bas
ta dizer "quero" e "nao quero", mas é ¡mprescindível tomar os meios, darei
algumas sugestoes concretas, sugestoes que precisamente podem criar viven
cias aptas ao treino diario da vontade.

176
"COMO VIVER A SEXUALIDADE" 33

a) Redija, e obedeca, um horario diario, renovando-o cada semana ou


cada mes.
b) Ao acordar, pule da cama com decisao.
c) Ginástica matinal diaria. Pelo menos dez flexoes e extensóes abdomi-
nais.

d) Banhe-se diariamente logo depois de acordar.

e) Faca quinze minutos de leitura seria (pelo menos) todos os dias.

f) Conserve na mesa de trabalho ou de estudo um chocolate ou outro do


ce de sua preferencia, sem tocar. Coma-o depois de urna semana e substitua-
o por outro, a fim de nao cair na rotina.
g* No mesmo ou em outro local estratégico ponha urna frase que "dé cor
da" na vontade. Por exemplo, esta: "AGORA OU NUNCA".
h) Coma a mesa também pratos de que nao goste..
i) Ao menos tres vezes cada semana nao tome agua quando senté sede.
j) Conserve o pente no bolso, se quiser, mas nao se penteie a cada passo.
I) Seja pontual na oracao da manha e da noite.
m) Estude ou trabalhe sentado de comego a fim, urna ou outra vez.
n) Assista a urna das aulas diarias (nunca mais de urna) ou atenda a um -
expediente (nao mais de urna hora) sem se recostar ao espaldar da cadeira.
o) Nao correr para o telefone que toca.
p) Converse amavelmente com visitas cacetes, mas saiba despedí-las
quando preciso.
q) Ao menos urna vez por semana obedeca seus pais e superiores sem de-
sejar saber o motivo da ordem.
r) Diga "sim", de vez em quando, a propostas incómodas.
s) Diga "nao", de vez em quando, mesmo a propostas boas.
t) Venha algumas vezes mais cedo para casa, embora a conversa esteja
convidativa.
u) Nao olhe aquela vitrina apetitosa.
v) Sorria, ou pelo menos converse a serenidade, quando a vontade seria
dar um murro ou um pontapé.

O curioso, meu caro, é que esses exerci'cios de vontade, tao singelos na


aparéncia, operarao em vocé um milagre, qualquer que seja sua idade. - Fa-
rao vocé amar melhor" (Vida Sexual dos Solteiros e Casados, 23a. edicao,
1984, pp. 158-161).

Aínda merecem atencao as futuricoes de Frei Zanini:

177
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

2.4. As futuricoes

Ás pp. 82-85, o autor apresenta futuricoes ou prognósticos relativos á


vivencia da sexualidade. Tem-se a ¡mpressao de que sao muito pouco condi-
zentes com o atual rumo da historia. Tenhamos em vista os seguintes tópi
cos:

"1 /. A prostituido será considerada obsoleta e até mesmo cómica".


Será o rton-sense do homem que busca a mulher e termina encontrando ór-
gaos genitais" (p.84).

Como entender esta previ sao quando se sabe que a prostituidlo em


nossos dias propugna ser oficializada ou reconhecida como urna profissao ou
como urna forma de trabalho? Tal estatuto, alias, já Ihe é outorgado em al-
guns países... -Estaremos caminhando para urna sociedade casta e autocon-
trotada no concerniente ao sexo? — A leitura dos ¡ornáis parece sugerir o
contrario. Eis urna noticia transcrita do JORNAL DO BRASIL, 30/9/87,
Caderno B p.1:

PURO INSTINTO

"O sucesso do Diabo ñas telas do cinema pode ser o síntoma de urna
mudanca de valores mais profunda. £ o que pensa o professor Namur, ocul
tista especializado no baralho do Tarot. Para ele, "este momento tem muito
a ver com a decadencia da Igre/a".

— O Cristianismo cortou a ligacao de seu poder com a cultura, com a


música, o prazer sexual, e a decadencia da Igreja Católica está muito ligada á
sua estrutura que impoe urna regra moral muito rígida — diz Namur. — Nes-
te momento em que as pessoas buscam valorizar a percepcao, seu prazer, sua
auto-estima, aproximam-se do Diabo. Ele é o símbolo disso, da quebra dos
limites.

Numur explica que no Tarot o arcano no 15 (o Diabo) representa "a


relacao com o instinto, a forca fisiológica", que procura se realizar custe o
que custar, mesmo que provoque a destruicao.

- Aquí nSo há urna metodología, é instinto puro e nao qualificado. E


se vocé nSo sabe lidar com o Diabo, acaba queimando, pois seu símbolo é o
fogo, a única materia que sobe em vez de descer. É preciso saber lidar com
o Diabo eseu misterio, através de urna filosofía, um ideal transcendente."

Ainda na imprensa colhemos a seguinte noticia:

178
"COMO VIVER A SEXUALIDADE" 35

"ESTOCOLMO - Um ónibus com 23 mulheres procedentes de varias


partes da Europa chegou ontem a um remoto lugarejo da Suécia para urna
semana de festividades e sexo. As mulheres chegaram a Pajala, um povoado
no meio de urna floresta no norte do circulo ártico, após urna estafante
viagem de 1 mil 300 quilómetros, e foram recebidas com júbilo por 104
homens solteiros, centenas de aldeSes curiosos e grande número de repórte
res e cinegrafistas.

— Viemos dancar e nos divertir. É muito excitante — declarou a urna


radio sueca urna inglesa loura que mora em Amsterda. — Eu nao tinhánada
a fazer e por ¡sso o convite chegou na hora exata - disse outrajovem, que
nao hesitou em ir da Su fea até Estocolmo para viajar no ónibus que a
imprensa sueca apelidou, maliciosamente, de A Streetcar Named Desire (Um
Bonde Chamado Dese/o), numa referencia é peca de Tennessee Williams.

A falta de mulheres numa regiao fría e ¡solada levou um grupo de


suecos a colocar anuncios em varios ¡ornáis da Europa, oferecendo urna
viagem de ida e volta de graca, além de hospedagem, alimentacao, dancase
divertissements sexuais durante urna semana.

Lars-Olof Snell, um dos organizadores da semana de luxúria, como -a


qualificou um jornal de Estocolmo, se surpreendeu com a grande quantidade
de cartas enviadas por jovens austríacas, alemSs, holandesas, inglesas e de
países nórdicos, todas interessadas em participar do romppavüko, a tradicio
nal semana de festejos e brincadeiras amorosas que se segué ao término da
colheita.

— Nos certamente colocamos Pajala no mapa, mas poderfamos té-lo


feito mais discretamente — comentou Snell, explicando que muítas candi-
datas desistiram depois da macica publicidade que o anuncio provocou na
imprensa sueca.

A semana do amor promete abalar a tranqüilidade do lugarejo de 8 mil


700 habitantes no vale do rio Torne, entre as fronteiras suecas e finlandesa,
onde só se vendem bebidas alcoólicas no único hotel local" (JORNAL DO
BRASIL, 29/9/1987, 1?cad.,p.9).

Adiante prognóstica Freí Ovidio:

"12. As doencas venéreas diminuirao até extinguirse totalmente".

Esta previsao nao esta na linha do que atualmente se pode presenciar.


Com efeito; a epidemia de AIDS, que tende a se alastrar, é testemunho de
que o uso leviano das fungóes genitais se impoe cada vez mais, acarretando

179
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

graves males físicos e psíquicos para a humanidade. Apesar dos perígos para
a saúde, muitas das pessoas vulneráveis nao tencionam mudar de comporta-
mentó, como indicam depoimentos publicados no JORNAL DO BRASIL de
1?/10/87, Caderno Cidade, p. 2:

"Nos encontros entre alanos, parte da paisagem do pilotis da PUC, o


assunto mais discutido é a Aids.

- O medo vem depois da relacao sexual - disse Joao Paulo Ferraz, 19,
4? período de Engenharia, que, mesmo sem conhecer direito a parceira, nao
se preocupa em utilizar preservativos.

Para Leonardo Morano, 20, que cursa o 4? periodo de Economía, a


doenca representa apenas menos liberdade para os jovens, que nao podem
continuar a ter relacoes sexuais á vontade. Assim como Joao Paulo, Leonar
do também nSo adotou qualquer medida para prevenir a doenca, por consi
derar os preservativos muito chatos."

As outras futuricoes de Freí Zanini se desenvolvem na linha que


diríamos do sonho ou do irreal, podendo iludir muitos leitores incautos. O
mesmo se diga dos "conselhos fináis de sexualidade" as pp. 86-92, entre os
quais muitas sugestoes pouco prudentes se misturam a outras merecedoras
de considerapao.

3. Conclusao

O livro de Frei Ovidio Zanini é inspirado pela válida intencao de


dissipar tabus e mal-entendidos em relacao á sexualidade. Todavía, ao tragar
o seu projeto de comportamento sexual, o autor parece pairar longe da
realidade; em conseqüéncia, sugere atitudes e práticas que, em vez de
libertar de desvios os respectivos leitores, podem causar-Ihes mais graves
problemas. 0 livro é perpassado por um certo humanismo otimista ou por
urna concepcao de natureza ordenada e arrumada, como Jean-Jacques
Rousseau a concebía..., á diferenca do que a experiencia evidencia e a
doutrina do pecado original ensina.

Por ¡sto tal obra nao parece indicada para a formacao da juventude
contemporánea. Permanece insuperado o pensamento de Joao Mohana,
expresso em varias obras sobre sexualidade, com muita sabedoria e em
consonancia com a auténtica doutrina da Igreja.

180
A propósito da

Ministros Extraordinarios
da Comunháo Eucarística

Em símese: Numa Instrucao aprovada pelo S. Padre em 15/06/87,


a Congregacao para os Sacramentos chama a atencao para graves abusos que
tém ocorrido na distribuicao da Comunháo Eucarística. Entre outros, está
o fato de que muitas vezes os ministros extraordinarios exercem ordinaria
ou habitualmente as suas funcoes, sem que haja empecilho da parte dos mi
nistros ordinarios (diáconos, presbíteros, bispos). Assim se pode, aos pou-
eos, desvirtuar entre os fiéis a consciéncia do significado dos ministerios na
Igreja - o que redunda em perigo para a conservacao da reta fé.
* * *

Após o Concilio do Vaticano II (1962-65), tém sido instituidos Minis-'


tros Extraordinarios da Comunhlo Eucarfstica (MECEs), ¡sto é, fiéis leigos
cuja missao é facilitar aos celebrantes a distribuicao da S. Comunháo, seja
em igrejas, seja em cápelas, hospitais, casas particulares, seja ainda em outros
lugares. Verifica-se, porém, que certos desvíos tém ocorrido na execucao
deste encargo. Entre outros, aponta-se o fato nao raro de que os ministros
extraordinarios se tornam ordinarios, isto é, distribuem a S. Comunháo de
maneira habitual, sem que haja impedimento da parte dos ministros ordina
rios {diáconos, presbíteros e Bispos).

Em vista disto, a Santa Sé enviou ás Conferencias Episcopais do mun


do inteiro e, por conseguinte, a cada Bispo urna carta, em que pede provi
dencias para se evitar tal desvio. Publicamos, a seguir, o texto da Nunciatura
Apostólica de París que transmite á Conferencia Episcopal da Franca os di-
zeres da referida carta, válida igualmente para a Igreja no Brasil; acrescen-
taremos, por fim, alguns breves comentarios ás determínacoes da Santa Sé.

1. As disposigoes da Santa Sé
Eis o texto da Nunciatura Apostólica de París dirigido a 0. Jean Vilnet,
presidente da Conferencia dos Bispos da Franca1:

1 0 texto foi traduzido para o portugués a partir de LA DOCUMENTA-


TION CATHOLIQUE n? 1953. de 03/01/88, p. 21.-0 Comunicado Men-
(continua áp. 182)

181
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

"17 de setembro de 1987

Monsenhor,

S. Eminencia o Cardeal Agostinho Mayer, Prefeito da Congregarlo pa


ra os Sacramentos, acaba de comunicar a auténtica ¡nterpretacao do Código
de Oireito Canónico referente aos Ministros Extraordinarios da Eucaristía.1

Na ausencia do Sr. Nuncio Apostólico, apresso-me por comunicar a


V. Excia. Rma. as disposicoes daquele Dicastério.

Como escreve o Cardeal Mayer, urna das formas mais notáveis de par
ticipado dos fiéis leigos na acao litúrgica da Igreja é, sem dúvida, a faculda-
de, a eles concedida, de poder distribuir a S. Comunhao como Ministros Ex
traordinarios da Eucaristía (cf. canon 230 § 3; 910 § 2).

De um lado, essa faculdade tornou-se genui'na ajuda tanto para o cele


brante como para a assembléia por ocasiao de grande afluencia de fiéis co
mungantes; de outro lado, porém, acarretou, em certos casos, abusos consi-
deráveis. Muitas vezes chega-se a esquecer a índole extraordinaria desse mi
nisterio, julgando-o como um servico ordinario ou como urna especie de re
compensa concedida aos leigos pela colaborarlo que prestam.

Os abusos ocorrem

— quando os Ministros Extraordinarios da Eucaristía distribuem a Co


munhao juntamente com o celebrante, mesmo nos casos em que o pequeño
número de comungantes nao exija tal ministerio ou ñas ocasióes em que há
outros Ministros Ordinarios dispon ("veis;

(continuacao da p. 181):
sal da Conferencia dos Bispos do Brasil pubiica o texto da Nunciatura Apos-
tólica no Brasil, que corresponde quase literalmente ao da Nunciatura na
Franca.

1 Eis os cánones oficiáis da Igreja atinentes ao assunto:


Canon 230, § 3: "Onde a necessidade da Igreja o aconselhar, podem os lei
gos, na falta de ministros, mesmo nao sendo leitores ou acólitos, suprir al-
guns de seus oficios, a saber, exercer o ministerio da palavra, presidir ás ora-
cdes litúrgicas, administrar o Batismo e distribuir a Sagracüo Comunhao, de
acordó com as prescrlcdes do direito".

Canon 910, § 1: "Ministro ordinario da Sagrada ComunhSo é o Bispo, o


presbítero e o diácono.

5, 2: Ministro extraordinario da Sagrada ComunhSo é o acólito ou outro


fiel designado de acordó com o canon 230, § 3."

182
MINISTROS EXTRAORDINARIOS... 39

- quando os Ministros Extraordinarios distribuem a S. Comunhao a


si mesmos e aos outros fiéis, enquanto os Ministros Ordinarios permanecem
¡nativos.

Em vista de numerosas observacóes recebidas a respeito de tais abusos,


a Congregacao para os Sacramentos pediu a Pontificia Comissao para a In
terpretado Auténtica do Código de Direito Canónico o exato significado
dos cánones 910 § 2 e 230 § 3 referentes ao Ministro Extraordinario da
Eucaristía, formulando a seguinte pergunta:

"Utrum minister extraordinarias Sacrae Communionis ad normam


can. 910§2et 230 S 3 deputatus suum munus suppletorium exercere possit
etiam cum praesentes sint in ecclesia, etsi ad celebrationem eucharisticam
non participantes, ministrí ordinarii qui non sint quoquo modo impediti".

Ouseja:

"Aqueles que sao designados ministros extraordinarios da ComunhSo


Eucan'stica segundo os cánones 910 § 2 e 230 § 3 podem exercer suas
funcdes supletivas mesmo quando estio presentes na igreja, embora sem
participar da ce/ebracio eucan'stica, ministros ordinarios nSo impedidos?"
Após ter examinado o problema, a mencionada Comissao Pontificia,
em sua sessao plenária de 20 de fevereiro de 1981, respondeu: "Negativa
mente".

Esta interpretacao auténtica foi aprovada pelo Santo Padre aos 15 de


junho de 1987 e destinada a ser transmitida pela Congregacao ás Conferen
cias Episcopais. Por conseguinte, a resposta da Pontificia Comissao indica
claramente: na presenca de ministros ordinarios (Bispo, sacerdote, diácono;
cf. canon 910 § 1), sejam concelebrantes ou nao, desde que nlo estejam
impedidos por outras funcdes e se achem em número suficiente, nao é lícito
aos Ministros Extraordinarios distribuir a Santa Comunhao nem a si mesmos
nem a outrem.

O Cardeal Mayer, Prefeito da Congregacao para os Sacramentos, pede


a V.Excia. Revma. que notifique esta ¡nterpretacao auténtica aos Bispos da
sua Conferencia Episcopal, para se por termo aos abusos em curso e evitar
outros; faz votos para que esta Notificacáo nao seja negligenciada, mas
contribua para restabetecer a exata observancia da disciplina litúrgica num
ponto de particular importancia.

Queira V.Excia. Revma. aceitar a expressao de meus sentimentos


respeitosos e muito dedicados.

Mons. Peter Zurbríggen


Encarregado de Negocios a. i."

183
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

2. Comentando...

1. OS. Padre Paulo VI houve por bem instituir o ministerio extraor


dinario da Comunhao Eucarfstica para possibilitar a partícípacao mais fre-
qüente, fácil e digna dos fiéis na Comunhao Eucarística. Um sacerdote a sos
na sua paróquia é, muitas vezes, incapaz de atender aos doentes nos hospi-
tais e ñas casas particulares assim como a grande número de comungantes
ocorrentes nos dias de festa ou em santuarios famosos. O exercício, porém,
desse ministerio deve conservar o seu caráter supletivo e extraordinario,
nao dispensando os Ministros Ordinarios (Bispos, presbíteros, diáconos) de
fazer a sua parte.

Por conseguinte, nao é lícito que o Ministro Ordinario chame um


extraordinario quando pode cumprir ele mesmo a sua funpfo. Também nao
é lícito deixar que cada fiel se sirva da Eucaristía sem que haja um Ministro a
distribui-la.-A Eucaristía deve ser entregue a cada comungante por um gesto
explícito, | e nao apenas deixada sobre o altar á disposípao de quem a pro
cure; com efeito, a Eucaristía á urna ceia sacrifical, em que deve haver ser
ventes ou ministros (ordinariamente aqueles mesmos ministros que cele-
bram tal ceia). Os grandes erros, ás vezes, comecam por pequeños desvíos: a
extincao do caráter extraordinario do ministerio eucarístico de um leigo nao
ordenado pode aos poucos contribuir para se apagar na consciéncia do povo
de Deus a distincao entre o sacerdocio comum dos fiéis e o sacerdocio minis
terial, transmitido pelo Sacramento da Ordem.

2. Os Ministros Extraordinarios nao hao de ser "improvisados", isto é,


nao hao de ser chamados da assembléia para o altar a fim de distribuir a
Comunhao, pelo fato de serem pessoas prestativas. Requer-se urna prepara-
pao doutrinária ou catequética, para que alguém possa receber a solene
investidura no ministerio extraordinario da Comunhao Eucarística. Geral-
mente essa investidura nao é dada por tempo indefinido, mas, sim, por um
prazo limitado (um ano, dois anos), podendo ser renovada desde que o
ministro mostré respeito e zelo no desempenho de suas funcSes. Como se
compreende, é necessário que t3o íntima participacao no servico eucarístico
seja realizada com o pleno conhecimento de causa e a dignidade devidos ao
Sacramento do altar.

3. Em varias dioceses os Ministros Extraordinarios da Eucaristía


trajam urna veste própria (especie de jaleco) que os caracteriza perante o
público e evita a apresentacao em trajes inadequados.

4. A Santa Sé pede cautelas para que nao haja profanapao do SS.


Sacramento: recolham-se e consumam-se os fragmentos que fiquem entre os
dedos, na patena e no ciborio. Nao se retirem do ciborio varias partículas

184
MINISTROS EXTRAORDINARIOS...

simultáneamente, a ser distribuidas como bombons as enancas, mas retire-se


urna partícula de cada vez.

Estas normas simples tém sua importancia, visto que o ser humano é
psicossomático; os gestos, as atitudes, as palavras, os sinais sensfveis da
Liturgia devem traduzir reverencia, piedade, adoracao. . ., e jamáis dar a
¡mpressao de que o ministro do culto é um mero "despachante expedito e
prático". O amor as coisas sagradas tornará espontánea a observancia de tais
instrucoes.

* * *

(continuacao da p. 170)

Jéróme Lejeune expoe "os inicios do ser humano": recorrendo ás imagens


do gravador e do pequeño polegar, o dentista mostra como no zigoto recém-
fecundado se encontra todo o potencial do ser humano; bastam-lhe ar, ali
mento e tempo para que desenvolví todas as suas virtudes, sem o acrésdmo
de novo ingrediente constitutivo. A certeza científica de que a vida humana
¡á existe em sua ¡ntegralidade logo após a conceicáb, é de importancia capí-
tal para se concluir que todo atentado a um feto é inegável homicidio.
Alias, existem publicacóes que ilustram os quatro meios de occisSo do feto
com desenhos e fotografías, dos quais resulta claramente a crueldade da prd-
tica do aborto:

1) o método de succao: colocase no útero da mulher como que um as


pirador de pó, que retira o bebé em pedacinhos, ¡impando "toda a sujeira";
véem-se entio fragmentos de ossos e carne (bracos, maos, pés, cránio...) ex
traídos do seio materno como resultado de tal operacSo;

2) o método da curetagem: raspase, mediante instrumento laminado,


o útero da mulher, de modo a Ihe retirar a enanca indesejada;

3) o método cirúrgico: o operador intervém cirurgicamente no abdo-


mem da paciente e Ihe extrai o bebé;

4) o método do envenenamento salino: urna solucSo salina é injetada


dentro da bolsa amniótica, fazendo o bebé morrer cauterizado.

Em qualquer destes casos, a crianca sofre brutalmente sem se poder


defender, e — curiosamente] - sem que ha/a a mínima repulsa humanitaria
da parte daqueles que pratícam tio bárbaro processo e que aínda, paradoxai-
mente, refeitam a pena de mortel

E. B.

185
Um Congresso de Teología:

Pobreza,
Libertado e Teología

Em síntese: Realizou-se em Caracas, de 15 a 17 de fevereiro pp., um


Congresso Internacional de Teólogos, Filósofos e outros especialistas para
estudar a Teología da Libertario tal como foi foca/izada pelas Instrucdes da
Santa Sé Libertatis Nuntius (06/08/84) e Libertatis Conscientia (22/03/86).
Em clima de reflexSo objetiva e serena, passaram em revista algumas grandes
verdades da fé aptas a projetar luz sobre a situacao latino-americana; deste
trabalho resultou um Relatório final, consistente em dez pontos, que as
páginas subseqüentes reproduzem em traducao portuguesa.

* * *

É notorio que em 06/08/84 e 22/03/86 a Santa Sé promulgou duas


Instrucóes sobre a problemática despertada pela Teología da Libertacáo: a
primeira é dita Libertatis Nuntius (0 Anuncio da Liberdade) pelas suas
palavras iniciáis, e a segunda é conhecida pelo seu exordio Libertatis Cons
cientia (A Consciéncia da Liberdade).

Estes dois documentos, ricos de ponderales e pistas, tém merecido o


estudo dos especialistas. Entre as realizacóes deste género, destaca-se a que
teve lugar em Caracas (Venezuela), de 15 a 17 de fevereiro pp., com a
participacao de peritos americanos (do Sul, do Centro e do Norte) e euro-
peus de grande renome. A fim de transmitir aos leitores brasileiros algo do
muito que sabiamente foi dito nesses dias, transcrevemos, a seguir, em
traducao portuguesa o Relatório Final do Congresso aprovado pela assem-
bléia como expressio do seu pensamento. - Ver-se-á que se trata de urna
reafirmacao das grandes verdades da fé, que, perenes como sao, tém, nao
obstante, incidencia profunda na problemática de hoje, incitando os cristaos
a um testemunho sempre mais lúcido e coerente do Evangelho.

O RELATÓRIO FINAL

"Por motivo dos 25 anos da Universidade Católica de Táchira, o


Centro de Émidos para o Oesenvolvimento e a Integracao da América

186
UM CONGRESSO DE TEOLOGÍA 43

Latina (CEDIAL), sob os auspicios da Organizado Católica de ámbito


mundial 'Ajuda á Igreja que sofre', organizou em Caracas, de 15 a 17 de
fevereiro de 1988, um Seminario Internacional intitulado 'Da Libertatís
Nuntius á Libertatís Conscientia'. Destinava-se a estudar em sua mutua co-
nexáo os dois documentos da Santa Sé sobre a Teología da Libertacáo. Ao
Seminario f izeram-se presentes, além de outros convidados, 45 participantes
procedentes da Argentina, do Brasil, da Colombia, do Chile, do Equador, de
Honduras, do México, do Perú, do Uruguai, de Venezuela, dos Estados
Unidos, da Alemanha, da Bélgica, da Espanha, da Franca, da Italia e da
Suíca. Integravam o grupo de participantes dois Cardeais, cinco arcebispos e
nove bispos; entre estes, o Presidente e o Secretario do CELAM, dois Reí-
tores de Universidades Católicas e diversos professores universitarios, teólo
gos, biblistas, filósofos, economistas, sociólogos, politólogos, educadores e
especialistas em comunicacfo social.

Desenvolveu-se um diálogo aberto em torno dos grandes temas seguín-


tes: 'A Teología da Libertacao no Pensamento de Sua Santidade Joao Pau
lo II', 'Liberdade e LibertacáV, 'Amor e Confuto', 'Os Pobres'. O primeiro
tema teve índole introdutória. Os tres outros foram estudados sucessívamen-
te do ponto de vista teológico, eclesiológico e praxeológico.

O método de trabalho consistía em urna conferencia, que, apresenta-


da, era discutida em grupos lingüísticos, para culminar num intercambio
de opinioes em reuniao plenária. lito permitiu urna reflexáo extremamente
rica. Tal método de diálogo, acompanhado de comunicacSes escritas milito
numerosas, provocou tamanha quantidade de resultados que nao pode ser
sintetizada nestas linhas. Dentro da gama normal de matizes, o Seminario
chegou a estes pontos fundamentáis de maior relevo.

1. Existe urna convergencia de fundo nao só das duas InstrucSes da


Congregacfo para a Doutrina da Fé entre si, mas também destas com o ma
gisterio pessoal de Joao Paulo II em suas alocucoes e cartas aos Episcopados
do Brasil, do Perú, da Colombia e outros. Ná*o existe ruptura no pensamen
to do Papa, que convida a construir urna auténtica Teología da Libertacao e
chama a atencao para os riscos que pode haver em outros sistemas referentes
á libertacáfo.

2. As InstrucSes da Congregacao para a Doutrina da Fé e os ensina-


mentos de Joao Paulo II nao se limitam a ser convite a este trabalho positi
vo, mas também oferecem pistas, balizas e orientacoes para isto. Urna genuí-
na Teología da Libertacáfo tem que dar primazia ao concoito de liberdade
fundado em urna noció de homem criado á imagem de Deus. Este conceito
de liberdade implica a ética dos meios no processo de libertacao. Em tal Teo-
logia, a Doutrina Social da Igreja, como eficaz instrumento de acá*o, ocupa
■ligar privilegiado.

187
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

3. A mensagem do Evangelho revela ao homem toda a profundidade


da sua liberdade. Esta heranca histórica enche a cultura moderna, mesmo
que algumas vezas aparece desviada. Urge redescobrir as raízes crista"* do an-
seio de líberdade para que este recupere o seu auténtico sentido.

4. A inevitável existencia de conflitos na"o deve levar a considerá-los


como a linha condutora da Historia. O homem nSo está necesariamente
constrangido a colocar-se em srtuacao de antagonismo, mas pode superar
os conflitos valendo-se do amor cristffo. É o que ensinou Jesús Cristo, que
nato foi um líder político, mas que relativízou a política frente á religiao.
Somente Deus é o Senhor Absoluto da Historia.

' 5. Tampouco María, em seu Magníficat, é a 'primeira subversiva' do


Evangelho. O seu cántico proclama, como raiz de todo confuto, a soberba
do coracSo. É neste centro do homem, para além da mera mudanca de estru-
turas, que se realiza a primeira e decisiva I i berta cao.

6. Urna adequada Teología dos Pobres deve partir da Escritura e con


templar o fenómeno da pobreza em toda a sua amplidao e, portento, nao
somente entendé-lo como carencia de bens materiais, mas também como
carencia de bens espirituais e, em última instancia, como afasta mentó de
Deus e como pecado.

7. O imperativo cristSo exige urna preocupacao sincera com a causa


dos pobres, isto á, o esforco para superar a pobreza e a miseria, que pairam
escandalosamente sobre a humanidade. O impulso para a acao social do cris-
tá*o provém do conhecimentó e da prática do amor de Deus e nao, em abso
luto, do ressentimento (mágoa); a orientacib para urna praxis concreta deve
ser procurada na Doutrina Social da Igreja; a partir desta é que se devem ava-
liar as ciencias económicas e sociais.

8. A reacSo diante da pobreza náfo se pode limitar á compaixáo pelos


pobres individualmente tomados, mas exige urna reflexfo sobre o problema
da pobreza como tal, procurando analisar as suas causas e procurando a so-
lucáo para o mesmo. O desenvolví mentó da técnica e a maior capacidade de
controle das forcas da natureza tornam possível enfrentar eficazmente, mais
do que em épocas passadas, os problemas da pobreza, do subdesenvolvimen-
to, da marginalidade e da dependencia, a f im de os superar. A responsabili-
dade social é hoja, por isto, particularmente aguda e tem que se tornar ope
rativa. O esforco pela libertacao e a justica deve estar unido á proclamacáo
do valor redentor da Cruz. Em todo momento, o cristao deve dar testemu-
nho também de entrega e desprendimento.

« 9. A importancia da preocupacao pastoral com o pobre é prejudica-


da querido se ¡dentificam o pobre e o povo com o oprimido, reduzindo am
bos os termos a este último e atribuindo a este os privilegios proclamados
por Jesús em favor dos pobres do Evangelho. Doutro lado, a estrutura ins-

188
UM CONGRESSO DE TEOLOGÍA 45

titucional dada por Jesús á sua Igreja nao se coaduna com uma 'Igreja de
classe' ou Igreja de um povo oprimido que deva ser conscientizado para
assumir a luta organizada. No pobre há um sinal da presenca de Cristo, mas
isto nao justifica que se considerem os oprimidos como o criterio hermeneu-
tico definitivo para interpretar a Palavra de Deus nem como os únicos desti
natarios da sua mensagem libertadora integral.
10. A libertacá'o política alcanca-se mediante o esforco para melhorar
ou restabelecer as condicóes económicas e jurídicas da liberdade. É necessá-
rio trabalhar para implantar uma ordem de direito num estado social em que
o poder político - que nao deve ser eliminado - saja devidamente limitado
e a participado do cidadao ñas decísSes públicas esteja definida constitu-
cionalmente para garantir assim os direitos e a dignidade do homem e uma
adequada qualidade de vida. A educacá*o para a liberdade exercefuncáb im
portante na política. Condicóes para uma auténtica liberdade política e so
cial sao a moralidade pública e a promocao cultural.

Em nosso povo de profundas raízes cristas, a almejada libertacá'o tem


que passar por um esforco solidario dos fiéis para penetrar a cultura com os
valores do Evangelho".

* * *

O texto, em sua consdcao, tentabem exprimir o equilibriodoutrinário


e a fidelidade á Igreja, que nao de caracterizar todo cristáo, a comecar pe
los pensadores mais responsabilizados.
Em suma, o Congresso de Caracas teve em mira uma análise objetiva
da problemática da libertacao: enfatizou o escándalo da miseria que paira
sobre grande parte da humanidade, incluida a América Latina; e preconi-
zou para a solucao deste mal o recurso a principios genuinamente cristSos,
formulados no Evangelho e na Doutrina Social da Igreja (que deste se deriva
diretamente); todo tipo de filosofía materialista e atéia foi tido como inepto
a trazer a verdadeira consumacáb á pessoa humana, cuja dignidade está em
ser imagem e semelhanca de Deus. Somente pelo respeito ao caráter trans
cendental do ser humano, garantindo-lhe direitos e liberdade, se pode aten
der aos anseios da sociedade contemporánea.
Nos fascículos seguintes de PR publicaremos algumas das principáis
conferencias do importante certame de Caracas.

189
Tocando pontos nevrálgicos:

"Os que partem, os que ficam"


por Evaldo Alves d'Assumpcao

0 Dr. Evaldo é médico que, há dez anos, se dedica á Tanatologia ou ao


estudo da morte, de seus preliminares e concomitantes. Fundou o Centro de
Orientacáfo sobre o Sofrimento e a Morte (COSMO) em Belo Horizonte.

O livro "Os que partem, os que ficam" compreende seis capítulos, dos
quais os cinco primeiros analisam o medo da morte e o sofrimento, e pro-
póem normas válidas deduzidas da Psicología para que as pessoas saibam
conviver com a dor e a expectativa da morte. É, porém, discuti'vel o que diz
sobre as técnicas de Meditagao Transcendental e Zen e sobre o uso de man-
tra (= palavra de poder); cf. pp. 81-89.

O cap. VI, com o titulo "O que vira depois?", merece serias restricoes
do ponto de vista cristao. É o mais delicado de todo o livro, pois entra no te
ma teológico da escatologia.

Com efeito. O conceito de "homem" adotado pelo Dr. Evaldo é estra-


nho: o ser humano seria composto de Corpo, Mente (Alma) e Espirito.
0 Espirito (sempre com maiúscula), conforme o Or. Evaldo, sempre exis-
tiu no pensamento e na vontade de Deus; estava originariamente fora do
espaco*tempo; mas, urna vez unido ao corpo e á mente, sujeita-se ás condi-
c5es do espaco e do tempo "enquanto o Corpo e a Mente nSo passarem pela
transformacao da Morte, em nao espaciáis e nao-temporais" (p. 136). O Es
pirito transmite á Mente suas experiencias feitas fora do témpo e do espaco,
"experiencias que sao interpretadas como manifestagoes paranormais ou até
mesmo extra-naturais, quando narradas" (p. 136 s). - Em suma, esta expía-
nacáo é assaz confusa; sugere a pergunta:que experiencias fez o Espirito an
tes de se unir ao Corpo e á mente?

Ademáis a doutrina comumente adotada na teología católica afirma


que o homem se compde apenas de corpo (material) e alma (espiritual). Esta

1 Evaldo Alves d'Assumpgao, "Os que partem, os que ficam". Editora O


Lutador, Belo Horizonte, 140x210mm, 158pp.

190
"OS QUE PARTEM, OS QUE FICAM..." 47

é tida como forma1 do corpo e principio vital do mesmo, responsável por


todas as funcóes vegetativas, sensitivas e intelectivas do ser humano.3 Quan-
do o corpo está lesadoou desgastado, já nao pode ser sede da vida; entao a al
ma se separa dele, ocasionando a morte do composto; a alma humana, po-
rém, sendo espiritual, é ¡mortal por sua própria natureza, de modo que so
brevive após a decomposicao do individuo.

Após a morte, há o juízo particular; este nao implica tribunal, onde


Deus se senté como Juiz para ouvir os pros e contras de cada caso; mas a al
ma humana comparece diante de Deus com a sua opcao feita ou com a sua
sen tenca lavrada em favor de Deus ou contra Deus. O jufzo consiste apenas
em que o Senhor projete a sua luz sobre cada alma, manifestando-lhe com a má
xima clareza os valores e desvalores moráis de sua vida terrestre. É durante
esta vida, e nao após a morte, que cada ser humano decide a sua sorte defi
nitiva.

As pp. 142-145 o Dr. Evaldo refere as narracoes colhidas pelo Dr.


Raymond Moody Jr. junto a pessoas que passaram pela pré-morte e volta-
ram á vida lúcida. Teriam feito "experiencia fora do corpo" (EFC), sobre-
voando em Espirito o seu corpo; teriam também atravessado um túnel escu
ro, no fim do qual havia luz; encontraram entao um "Ser de Luz", que com
amor e paz Ihes mostrou as falhas de sua existencia terrestre; por último, as
pessoas terao esbarrado com um obstáculo, que nao conseguiram ultrapas-
sar, porque foram "puxadas" para tras e acordaram na térra dentro do seu
corpo!...

Ora a critica sadia rejeita tais narrapdes como fantasiosas: apresentam


o além como copia melhorada do aquém, com um túnel, um Ser de Luz,
"passeios no ar". . . Tais relatos valem-se de arquetipos ou de imagens exis
tentes no inconsciente dos homens em geral (quer tenham fé, quer nao);
foram projetadas, de boa fé, pelos pacientes interrogados, como se se tratas-
se de fatos reais. Se as pessoas que passaram pela pré-morte fossem de cul-

1 Forma, no sentido do hilemoriismo aristotélico-tomista, significa o prin


cipio que dé a identidade básica á materia, e, por conseguinte, ao composto
humano.

2 A trilogía "espirito, alma e corpo" só é mencionada urna vez por Sao


Paulo (cf. ÍTs 5¿23), sobre o qual o Dr. Evaldo tenciona apoiar-se. - Deve-se
dizer, porém, que o Apostólo nao professa urna antropología sistemática; ele
reconhece o corpo (cf. Rm 7¿24), a alma (1Cor 15,44); quanto ao Espirito,
pode ser, para SSo Paulo, o Espirito Santo (cf. Rm 5,5) ou a parte superior
do homem, que se distingue da carne (cf. 1Cor 5,5; 2Cor 7,1; Cl 2,5. . .).
Donde se vé que a triparticao "Corpo, Alma, Espirito" nao se pode basear
numa pretensa antropología bíblica.

191
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 311/1988

tura oriental ou africana, é de crer que as descricóes do além teriam variado


sensivelmente, pois recorreriam a imagens e concepcoes próprias da cultura
local.

Ainda notamos as seguintes impropriedades:

As tres Pessoas Divinas (Pai, Filho e Espirito Santo) nao constituem


urna so Pessoa, mas umasó natureza ou urna só substancia (p. 131).

O monotei'smo judeu nao comeca no ano 3.000 a.C, mas, sim, por
volta de 1850 a.C, com a vocacao do Patriarca Ábralo. Cf. p. 129.
Em síntese, o livro do Dr. Evaldo é interessante e útil, quando se de-
tém no campo da Psicología; todavia no tocante á escatologia ou aos últimos
acontecimentos da vida humana, é falho. De resto, verifica-se que a temática
relacionada com a morte e o além se presta fácilmente a concepcoes fanta
siosas, especialmente em nosso pai's, onde o Espiritismo e outras correntes
de pensamento tém difundido as mais diversas teorias sobre a vida postuma.
É importante que os fiéis católicos evitem o ecleticismo, e adquiram clareza
sobre as proposicoes da fé relativas á morte e ao além.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

* * *

NOTA

AÍNDA O "TERCEIRO SEGREDO DE FÁTIMA"

Ainda há órgaos da imprensa que exploram a temática do "Terceiro


Segredo de Fátima", disseminando pavor ou sensacionalismo no grande pú
blico.

A instancia que poderia falar abaleadamente sobre o assunto, ou seja,


o magisterio da Igreja, tem-se calado a respeito, como que tencionando nao
alimentar curiosidade ou interesse pelo "Segredo de Fátima". Este fato já
tem sido comentado em PR; ver 292/1986, pp. 410-418. Neste número im
porta citar ainda um testemunho esclarecedor da questao, a saber: as pala-
vras de Pauto VI, que, em 13/05/1967, esteve em Fátima: perante um mi-
Ihao de fiéis, exortou-os a nao esperar revelacoes sensacional, porque "já foi
proclamado tudo o que serve a nossa vida e a nossa paz". E acrescentava:
"O quadro do mundo e das suas sortes apresenta-se imenso e dramático. E"
o. quadro que Nossa Senhora nos aponta, o quadro que contemplamos com
olhos estupefatos, mas sempre confiantes, o quadro ao qual responderemos
sempre — e nos o prometemos — segundo a admoestapao que María SS. mes-
ma nos transmitiu: 'Fazei oracáo e penitencia!' ".
(continua na p. 158)

192
LIVROS EM LINGUA ESPANHOLA

1. Biblia Vulgata - Biblia Sacra luxta Vulgatam Cíe-


mentinam. Nova Editio — Colunga — Turrado. 7a.
Ed. 1985. BAC Cz$ 5.800,00

2. Textos Eucaristicos Primitivos — Edición Bilingüe de


los Contenidos en la Sagrada Escritura y los Santos
Padres, con introducciones y notas por Jesús Solano,
S.l.
1? Vol. Hasta Fines del Siglo IV. BAC. 1978 - 755p.
2? Vol. (último) Hasta el fin de la época patrística
(s. VII-VIII).
BAC. 1979. 1010p. - 02 Vols Cz$ 8.400,00

3. Dios y el Hombre - La Creación por Salvador Verges.


Historia Salutis, Serie de Monografías de Teología
Dogmática. BAC. 1980 - 679p Cz$ 4.200,00

4. La Biblia y el Legado del Antiguo Oriente - El entor


no cultural de la historia de salvación por Maximilia
no García Cordero. BAC. 1977. - 708p Cz$ 3.400,00

5. Los Evangelios Apócrifos — Colección de textos grie


gos y latinos, versión crítica, estudios introductorios
y comentarios por Aurelio de Santos Otero. 5a. ed.
BAC. 1985. 705p '. Cz$ 4.600,00

6. Conceptos Fundamentales de Filosofía - Krings,


Baumgartner y Wild
1? Vol. Absoluto Espacio, 1977 - 674p. - Herder.
2? Vol. Especulación - Orden. 1978. 710p. Herder.
3? vol. Palavra - Voluntad. 1979- 725p. Herder.
03 Vols „. . ; Cz$ 15.200,00

7. Historia de la Filosofía - Guillermo Fraile. 1? Vol.


Grecia y Roma Cz$ 5.200,00

• 8. Historia de la Filosofía - Guillermo Fraile. 2? (1?) El


cristianismo y la filosofía patrística. Primeira escolás
tica. 2? (2?) Filosofía judía y musulmana. Alta esco-
lática: desarrollo y decadencia. (02 vols.) Cz$ 9.500,00

9. Código de Derecho Canónico - Edición bilingüe co


mentada por los profesores de Salamanca. 5? ed. re
vista. BAC. 1985. 950p Cz$ 7.050,00

10. Nuevo Derecho Canónico, Manual universitario -


Lamberto de Echeverría (Salamanca) 2? ed. 1983.
BAC 625p . Cz$ 5.600,00
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Já renovou sua assinatura de P. R. para 1988?

CZS 1.000,00

1. O MISTERIO DO DEUS VIVO - P. Patfoort O.P., tradugao de D. Cirilo


Folch Gomes. — É um tratado de "Oeus Uno e Trino", para professores
e Alunos de Teología, de orientadlo tomista e de índole didática. O Au
tor, Pe. Albert Patfoort, é professor da Pontificia Universidade de Santo
Tomás de Aquino, em Roma. 230 págs Cz$ 450,00

2. A VIDA QUE COMECA COM A MORTE, - D. Estévao Bettencourt.


Problema muito espontáneo de todo homem, de qualquer época ou civili-
zagao. É o da sorte que toca a cada um depois da vida presente: Para on
de vamos? Qual o termo final da Historia?
3a ed. (1963), (Ed. AGIR), 320 págs CzS 400,00

3. VIDA E MI LACRES DE S. BENTO (Livro II dos Diálogos do Papa Sao


Gregorio Magno). Sao Gregorio viveu durante anos segundo a Regra de
S. Bento e a recomenda franca e insistentemente como vida de perfeicao.
3a ed. 118 págs Cz$ 200,00

4. A REGRA DE SAO BENTO, tradugao de D. Joao Evangelista Enout, do


original latino, formato menor, somente os 73 capítulos, sem notas expli
cativas, com datas para leitura em cada dia do ano. A Regra é um código
de vida monástica, composto há mais de 14 sáculos, que até hoje é vivido
em centenas de mosteiros de monges e de monjas em todo o mundo
74 págs Cz$ 100,00

5. GREGO BÍBLICO, de autoría de Irma Cristina Penna de Andrade, OSB.


Nao é urna Gramática clássica. é um instrumento para quem desejar apri-
morar sua cultura bíblica. É um caderno de 213 páginas, manuscrito di
ligentemente pela autora e xerografado. Os exemplos apresentados para
o estudo da língua grega sao extraídos dos textos bíblicos, urna ¡niciapao
ao estudo do Novo Testamento CzS 150,00

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