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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
'' visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questdes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
Sumario
pdg.

FINALMENTE PUEBLA ! 89

Quem és tu, ó hemem ?

O HOMEM... PURO MACACO 91

Fanatismo em nossos dias:

E O SUICIDIO COLETIVO NA GUIANA ? 100

Mais urna vez em foco:

E A VIRGINDADE DE MARÍA ? 113

Anseio dos cristaos:

A QUANTAS VAI O ECUMENISMO HOJE ? 117

LIVROS EM ESTANTE 131

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO :

"Conversas com um gorila": os animáis tém inteligencia?


— Médicos, psicólogos e teólogos discutem o transexualismo.
— Béncáo para unióes nao matrimoniáis.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Diregao e Rcdagao de Estéváo Bettencourt O.S.B.

Assinatura anual Cr$ 180,00

Número avulso de qualquer mes Cr$ 18,00

ADMINISTRAC/AO
REDAC.AO DE PR Livraria Misslonária Editora
„ . »„„,„, 9fi(8(! Rúa México, 168-B (Castelo)
Caixa Postal 2.666 20.031 Rio de Janeiro (RJ)
20.000 Rio de Janeiro (RJ) Tel.: 224-0059
FINALMENTE, PUEBLA!
Encerrou-se aos 12/02/79 a III Assembléia do Episco
pado Latino-americano reunido em Puebla de los Angeles
(México). Assim como houve grande expectativa em torno
dessa reuniáo, há atualmente variados comentarios sobre o
significado da mesma. — Notemos, porém, que qualquer refle-
xáo sobre a mensagem de Puebla supóe a publicagáo do res
pectivo documentário,... publicagáo que ainda depende da
aprovagáo final do S. Padre Joáo Paulo II. Como quer que
seja, podemos, de fonte limpa, transmitir aos nossos leitores
algumas linhas-mestras da mensagem de Puebla.
1. A palavra do Papa Joáo Paulo II proferida aos
27/01/79 na abertura da Assembléia teve caráter programá
tico; afastando posigóes extremadas, o Sumo Pontífice apon-
tou tres principáis temas ao estudo dos bispos reunidos:
Cristo, a Igreja e o homem.
a) Cristo: nao um Cristo meramente humano, arauto
de teses políticas, mas o Cristo que é Deus feito homem para
levar os homens a plena comunháo com Deus.
b) A Igreja: nao mera sociedade de pessoas dispostas
a construir um Reino de Deus terrestre, mas realidade divino-
-humana instituida por Cristo para anunciar aos povos a Boa-
-Nova em toda a sua amplidáo.
c) O homem... A Assembléia de Puebla pode ser carac
terizada como um dcbrugar-se pastoral dos bispos sobre a
condigno do homem no continente latino-americano. As mais
variadas situagóes tanto dos habitantes dos campos, das este-
pes, das cordilheiras e das florestas, como dos moradores das
gigantescas cidades foram consideradas com profundo cari-
nho. Ao ver multidóes em condigoes de vida infra-humana, os
bispos repetiram as palavras de Cristo: «Tenho compaixáo
dessa multidáo,... pois nao tém o que comer» (Me 8,2s).
Todavía a perspectiva dos nossos pastores nao foi meramente
económica, sociológica ou política, mas, sim, evangélica: levou
em conta, antes do mais, os criterios da fé. Esta denuncia as
injustigas e o pecado de maneira decidida, e chama todos os
homens á conversáo. Reduzir o Evangelho a instrumento de
revolugáo social seria trair o Senhor.
O documentário de Puebla muito insistiu na dignidade
do homem — tema hoje amplamente apregoado. A digni
dade do homem, porém, para o cristáo, está vinculada ao
misterio do homem... Ora misterio difere de problema: pro
blema é um sistema que encontra a sua sol
reto equacionamento dos seus componente;
misterio é um sistema que só tem solugáo

— 89 — i
em valores transccndcntais ou em Deus. Isto quer dizer que
qualquer tese que reduza o homem a mero problema, nao
levando em conta o seu aspecto de misterio e transcendencia,
renega o próprio homem.
A Igreja em Puebla quis optar de preferencia pelos
pobres. Esta palavra, na intengáo dos bispos, tem acepgáo
ampia. Pobres sao todos quantos se acham longe da Boa-
-Nova; neste contexto, a pobreza mais radical é o pecado,...
pecado que infelizmente ocorre na realidade de todos os ho-
mens, independentemente da sua classe social; pobre, portanto,
é a pessoa drogada, que tem o seu semblante desfigurado
pelo vicio; pobre é a crianc.a abandonada nao tem pai ne.*n
máe para defendé-la; pobre é o médico que ganha dinheiro
praticando o aborto; pobre é o funcionario público que se
enriquece á custa do bem comum... Como se compreende,
muitas vezes a miseria moral está associada á miseria mate
rial; por viverem em condigóes económicas infra-humanas,
muitas pessoas sao vítimas da miseria moral. Por isto a
Igreja nao pode deixar de encarar com grande empenho tam-
bém a pobreza material. Na verdade, muitos e nobres valo
res humanos deixam de se desabrochar por causa da pobreza
material; nao raramente a imagem de Deus no homem é
deturpada por causa da indigencia física de muitas popula-
Cóes. Daí o apelo da Igreja a que cada cristáo e cada país
latino-americano procurem resolver o problema do subdesen-
volvimento moral e material que afeta o nosso continente.
2. Ainda convém notar duas tomadas de posigáo dos
bispos em Puebla:
a) A Assembléia disse um Nao decidido a toda e qual
quer ideología, ou seja, á análise marxista da sociedade (da
qual se servem alguns teólogos da libertacáo) como também
ao capitalismo liberal (que permite a subordinagáo do ser
humano ao capital) e, ainda, á ideología da Seguranca Na
cional (que ocasiona a inseguranga dos cidadáos sacrificados
á seguranza do Estado).
b) O termo ao qual tende a libertacáo de que tanto
falam correntes teológicas modernas, foi definido em Puebla:
trata-se de libertar o homem para a comunháo com Deus,...
comunháo que se deve exprimir de maneira concreta numa
justa ordem social, mas que fica sendo o objetivo principal
de toda a libertagáo crista.
Aguardemos ulteriores noticias de Puebla! Por ora so
mos gratos ao Senhor pelo feliz éxito da Assembléia, penhor
de nova e sadia fase da historia da Igreja latino-americana.

E.B.

— 90 —
Ano XX — N« 231 — Marco de 1979

Quem és tu, ó homem ?

o homem... puro macaco?


Em sínleso: Em nossos dias varios autores tendem a negar diferen
ciado especifica entre o homem e o macaco. Ao lado desses, outros há
que a sustentam. Na verdade, devem-se apontar dlferengas características
e ¡nsuperáveis entre o ser humano e os irracionais: além da linguagem,
já abordada em PR 226/1978, pp. 423-434, citam-se o senso moral e o
censo religioso. O homem é um ser capaz de medir o alcance de seus
atos; por isto é sujeito de responsabilidade, de direitos e deveres. Ele se
senté outrossim obrlgado a procurar o sentido da sua existencia presente
(luta, trabalho, sofrimento, morte...); por Isto aspira aos valores trans-
cendentais ou ao Absoluto, que é o próprio Deus. A crenga no além ou no
encontró com a Divindade é urna das mais antigás características do ser
humano, manifestada no sepulramento dos morios e na arte das cavernas
da pré-r.istória.

Mesmo os atous de nossos dias reproduzem categorías religiosas


revestidas de rótulos leigos ou secularizados; o marxismo, por exemplo,
supóe a expectativa messiánica do judaismo e adota-a dentro de parámetros
materialistas e meramente humanos. Tenham-se em vista outrossim as supers-
ticoes, as místicas, os "absolutos" ou deuses (ídolos) a que estáo sujeitos
os "ateus".

Comentarlo: Em nossos dias regislra-se forte tendencia


a despojar o ser humano de todos os predicados que sempre
foram tidos como características exclusivamente suas. Char
les Darvvin (f 1882) insinuava que o ser humano nao vem a
ser senáo um macaco aperfeigoado; Freud (f 1939) gloria-
va-se de haver reduzido o homem a joguete de instintos
cegos, ao passo que a filosofía estruturalista decompóe o
homem cm elementos estruturais sem conteúdo especifico;
proclama assim a morte do homem, como passo conseqüente
á morte de Deus.

O tema assim proposto é de alto interesse. Eis por que


nos voltaremos para ele, procurando: 1) catalogar expressoes
recentes desse despojamento do horriern; 2) refietir corrí obje-

— 91 —
4 «PEftGUNTE E RESPONDEREMOS» 231/1979

tividade serena sobre tal tendencia a fim de averiguar se é


ou nao o resultado de auténticas pesquisas. Verificaremos que
tal posicáo despojadora é preconcebida, encontrando seus des
mentidos em íatos concretos da realidade dos tempos pas
cados e de hoje.

1. As afirma;5es reducionistas *
Citaremos tais dizeres láo somente a fim de evidenciar
quáo longe tém ido o ceticismo e as tentativas de degradar
o ser humano.

Salvador E. Muría em 1974 apresentava o homcm como


«nada mais do que um produto (muito especial, sem dúvida)
de urna serie de puros acasos e de inexoráveis necessidades»
(cf. ILsben — das unvoilendente Experiment. München 1974);
retomava assim a tese do biólogo francés Jacques Monod.

Em 1974, Theo Lobsack escrevia ser o homem «urna


jogada errónea da natureza».

Em 1071, Herberí Wcndt publicou em Hamburgo um


livro com o titulo Der Affc sfoht auf (O macaco se levanta),
tencionando assim definir sua posicáo filosófica.

Em 1968, I. Schwideüdcy afirmava, a respcilo do homem,


tratar-se de «um macaco que conseguiu falar».

Em 1968, Desmond Morris designava o homem como


mero macaco, que atribuiu a si mesmo o pomposo nomo de
homo sapiens.

Em 1965, J. Huxley classificava o homem como «um pro


duto de improvisaeóes da genética e da historia, cheio de
erros e atabalhoamentos».

Em 1959, J. Müller dizia ser o homem «um macaco um


pouco melhorado as pressas».
Pode-se observar, alias, que tais tendencias nao sao total
mente novas. Já na década de 1870 Ernest Haeckel se esfor-
gava por desvalorizar o homem, tirando-lhe a impressáo de
ser algo de singular e inédito no conjunto dos seres vivos.

i Por "reduclonismo" entendemos a tendencia a reduztr o homem


ao nio-homem, ou seja, a negar os predicados específicamente humanos.
Isto redunda em fazer do homem um macaco áperfelcoado.
As cltacSes que abalxo taremos, sSo tiradas do artigo de Wolfgang
Kuhn mencionado na bibliografía & p. 09.

— 92 —
O HOMEM... PURO MACACO?

O materialismo dos autores modernos leva-os a admitir


que já ñas partículas mais elementares da materia existem
os traeos que geralmente sao tidos como característicos ou
típicos do ser humano: assim, por exemplo, já que o homem
tem consciéncia psicológica, deveria haver premissas dessa
consciéncia na materia inanimada; o hidrogénio já conteria
fodas as informac.5es necessárias para que, alravés das leis
da natureza, se desenvolvesse a realidade humana hoie exis
tente. Tal é o ponto de vista de H. v. Ditfurth (1974), ao
qual faz eco H. J. Bogen em seu livro Mensch aus Materie
(O homem a partir da materia); este autor pretende deduzir
da materia inanimada tudo o que dentro do homem haja de
«novo»; considera ele a" materia como aleo de «táo gran
dioso. .. que se pode crer tenha a potencialidade de produzir,
em determinadas circunstancias, complexas estruturas como
sao as células sensitivas, os neurónios e até mesmo formas
de comportamento humano». Cf. Zusammerihange. IHamburg
1974, pp. 9-11.

Todavía, ao lado de tais vozes, outras se levantam nara


rontradizer-lhes. Citemos a do físico Walter Heitler (19741.
Este julga que o surto de novas categorías de ser por vía
de evolucáo constituí um problema aínda nao resolvido. O
peneticista Th. Dobzhansltv rejeita a tese seerundo a anal áto
mos ou Dartíeulas subatómicas seriam portadores de rudi
mentos de vida, consciéncia ou vontade. Afirma que a evo
lucáo produz realidades novas e que este' é o seu mais interes-
sante aspecto:

"Periódicamente os seres em evolucfio transcendem a si mesmos, Isto


é, produzem novos sistemas com novas propriedades — propriedades que
nos sistemas anteriores nao se encontravam nem mesmo sob a forma de
minúsculas sementes" (Intelligenz. München 1975, p. 124).

A oripem do vívente em meio aos nao viventes e o


surto do humano no mundo dos animáis irrpcionais sao,
para Dobzhansky, «as duas mais grandiosas oxDressSes da
transcendencia na historia da evolugáo» (ib. p. 125).

Perguntamo-nos: quem teria razáo? Os que negam urna


diferendagáo específica, indelével, entre o homem e os ani
máis inferiores?... Ou os que desejam confundir ou identi
ficar o homem e o macaco?

A estas questóes responderemos gradativamente.

— 93 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 231/1979

2. Onde estóo as diferengas específicas ?

Para distinguir radicalmente o homem e os macacos


superiores, poderíamos, entre outros, apontar, como em PR
226/1978, pp. 423-434, o fenómeno da linguagem, que é típi
camente humano c nüo se acha rcproduzido pelos animáis.

Nesie campo de pesquisas, novos resultados tém sido


registrados nos últimos tempos.

O chimpanzé e o gorila nao podem falar nem aprender


a falar linguagem sonora desenvolvida, como demonstram to
das as tentativas até agora realizadas. A razáo disto é, antes
do mais, a configuracáo do cránio e do aparelho bucal des-
ses animáis. Em conseqüéncia, os experimentadores tém pro
curado ensinar aos chimpanzés e aos gorilas alguns sinais,
que se assemelham aos da linguagem dos surdo-mudos. A
aprendizagem surtiu efeitos, como se depreende do relatório
publicado por Francine Patterson com o título Conversations
with a Gorilla em National Gcniíranliic, vol. 154, october 1978,
pp. 438-465 (a este tema, alias, voltarcmos oportunamente
om PR). Experiencias anteriores á de Francine Patterson
foram levadas a termo por cientistas como R. Fouts, Gardner,
Rumbsrger, Gilí, Glaserfeld...; os resultados foram positi
vos... Todavía D. Ploog em 1972 verificava que. mesmo
(liante de tal éxito, se devem registrar profundas difereneas:
a comunicacáo entre animáis e a linguagem usada pelos ho-
mens nao diferem entre si apenas por diversidade de erraus
de perfe'cáo dentro da mesma pretensa linha homogénea,
mas supóem estruturas físicas e psicológicas essencialmente
diversas: o homem é, por sua natureza mesma, um ser rlado
p r-ulturn ou pro-programado para n cultura, como diz Eibl-
-Eibesfeldt: o mesmo nao se pode dizer a resneito dos ani
máis inferiores ao homem, que sao dados a repetir e imitar
o aue véem, sem poder criar algo que dependa de lógica c
raciocinio.

Nota-se tambóm o.ur os chimnanzés Dodem transmitir


uns aos outros certos artificios: assim na linha japonesa Ko-
shima, que nao é habitada por seres humano, urna fémea de
macaco descobriu certa vez que, para limnar batatas, nao é
necessário esfreeá-las entre as máos. mas basta mergulhá-las
na ácna e lavá-las. Quatro anos "íais tarde, a metade do**
individuos do grupo a que pertencia tal fémea, praticava o

— 94 —
O HOMEM... PURO MACACO?

rito de lavar as batatas; no decorrer de dez anos, 71% dos


membros do grupo haviam adotado tal costume por via de
imitacáo. Deve-se, porém, observar que esta propagagáo de
artificio nao se deve ao desejo de educar, ensinar ou de comu
nicar aos semelhantes alguma novidade; ela se assemelha
muito mais á difusáo por contagio ou por imitagáo.

Dito isto, importa realcar outros tipos de diferenoa espe


cífica que distanciam entre si o homem e o macaco.

3. O senso ético

Já Charles Darwin em 1871 procurava enumerar os


caracteres que distinguem o ser humano de maneira típica,
permitindo assim estabelecer a linha divisoria entre o homem
e o animal inferior. Dizia entáo:

"Sem restrlcSo, subscrevo a tese dos especialistas que afirmam que,


dentre todas as diferengas existentes entre o homem e o animal inferior, o
senso moral ou a conscléncia ó a mals Importante" (Die Abstammung des
Menschen, p. 144).

Observagóes efetuadas em pessoas surdas e cegas de


nascenca revelaram que ao homem a consciéncia é inata, ou
seja, anterior a qualquer experiencia.

Somente o homem tem a nocáo do bem e do mal. So-


mente o homem pode tornar-se réu ou culpado. Em conse-
qüéncia, só o homem tem responsabilidade.

A responsabilidade, por sua vez, supde liberdade de opcáo,


faculdade esta que falta aos animáis inferiores.

Nao há dúvida, o animal tem urna bondade espontánea,


a qual se manifesta principalmente no instinto materno; toda
vía nao se pode dizer que essa bondade resulte de urna opcáo
consciente. É inconsciente e indeliberada; o animal reage
espontáneamente a certos estímulos como é o da prole ou dos
filhotes. O ser humano também reage espontáneamente a
tais estímulos; haja vista como as criangas gostam de brincar
com bonecas, cachorrinhos, coelhinhos, etc. Todavía, á dife-
renga dos animáis, o homem é capaz de proceder contra os
seus instintos; assim fazendo, ele se perverte ou... segué
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 231/1979

um ideal e cultiva valores que ele julga superiores a satisfa-


gao proporcionada pelos instintos. So o homem pode assu-
mir certas atitudes aparentemente paradoxais ou antitéticas
aos instintos: a paciencia, a misericordia, o amor aos inimi-
gos, a compaixáo e a benevolencia com os criminosos e per
versos; tais virtudes estáo fora do alcance dos animáis, mas
elas nao sao sobre-humanas; sao, ao contrario, profunda e
típicamente humanas.

Mais: o animal nao é capaz de assumir deveres ou com-


promissos; nao se lhe podem impor normas, mesmo que se
lhe imponha determinada aprendizagem. Por isto também a
educagáo é fenómeno específicamente humano; sem educagáo
nao só o psiquismo do homem é prejudicado, mas também o
próprio desenvolvimento biológico e corporal do homem sofre
detrimento.

Tais ponderagóes evidenciam como o senso moral carac


teriza o ser humano, distinguindo-o específicamente dos ani
máis, e colocando o homem em posicáo singular no reino dos
viventes.

Examinaremos agora outra característica.

4. O marco religioso

Dividiremos o nosso estudo em duas partes: 1) capaci-


dade de refletir, 2) o fenómeno religioso propriamente dito.

4.1. A capacidade de reflefir

Aínda ao estudar as diferengas entre o ser humano e


os animáis inferiores, Darwin apontava a consciéncia que o
homem tem de si mesmo: esta é a chamada consciéncia psi
cológica, á diferenca da consciéncia moral'.

Quais as conseqüéncias deste fato?

iA consciéncia moral é faculdade que temos, de julgar o que con-


vém ou nSo convém fazer em vista da consecucSo do nosso flm supremo;
a consciéncia manda, a consciéncia aprova, a consciéncia censura nossos
atos moráis.

— 96 —
O HOMEM.;. PURO MACACO?

1) Por sua consciéncia psicológica, o homem é capaz


de refletir sobre si mesmo, sobre o seu presente, o seu pas-
sado e o futuro. Essa capacidade de refletir é característica
do ser humano, pois só este é sujeíto de recordagáo propria-
mente dita; com efeito, um animal pode reconhecer o seu
patráo ou determinados objetos quando estes Ihe sao apre-
sentados de novo; mas somente o homem pode recordar-se
de pessoas ausentes e de acontecimentos já ocorridos. Visto
que os animáis nao conseguem isto, vivem quase exclusiva
mente no presente como vivem os bebés.

2) É precisamente a capacidade de recordar realidades


ausentes que permite a formacáo de conceitos universais e
de urna linguagem tal como o homem possui: linguagem que
exprime nogóes universais, como homem, crianga, belo, justo,
injusto..., recorrendo aos mais diversos sons (francés, russo,
chinés, bantu, tupi, etc.).

3) Notemos outrossim: um ser para o qual só existe o


presente imediato, nao pode cultivar a historia, como o ho
mem a cultiva...

4) ... Nem pode ter responsabilidades, porque nao pode


prever as conseqüéncias de determinado comportamento seu...

5) ... Nem pode ter Roligiao como o homem tem,


visto que a Religiáo póe o homem em contato com a trans
cendencia ou com valores históricos e trans-históricos. A Re
ligiáo vem a ser, pois, um sinal típico e inconfundível do ser
humano. Detenhamo-nos um pouco mais sobre esta afirmagáo.

4.2. O fenómeno religioso

O senso religioso, pondo o homem em contato com valo


res transcendentais, exprime-se, entre outras maneiras, atra-
vés da crenga na vida postuma. É por isto que, desde os
remotos tempos da pré-história, o ser humano sepulta os
seus mortos. Os animáis irracionais, diante dos seus seme-
lhantes exánimes, experimentam sentimentos mistos de medo,
inseguranga, curiosidade, intranqüilidade... Mesmo a fémea
do macaco, apesar do seu instinto materno, nao se preocupa
com o sepultamento do filhote falecido: após a morte deste,
ela ainda procura insistentemente alimentá-lo, carrega-o para
diversos lugares,... mas, logo que o cadáver entra em decom-
posigáo e as características físicas do filhote se váo extin-
guindo, ela abandona o cadáver em qualquer lugar e nao
mais se interessa por ele.

— 97 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 23V1979

Ora entre os homens a atengáo aos mortos é urna carac


terística das mais antigás.

Os fósseis do homo erectas (devidamente identificado)


encontrados na Europa e na Asia atestam esta verdade. O
homem de Neandertal, por exemplo, sepultava seus mortos
na posigáo de quem está dormindo, com a cabera pousada
sobre urna pedra; sobre o cadáver langava pó de ocre, que
tem a cor da vida (pardo, amarelo, vermelho, castanho...);
junto ao defunto colocava alimentos, armas, instrumentos
diversos e figuras ornamentáis, que Ihe serviriam na viagem
para o além... O homem de Cromagnon também adotava
tais costumes. Estes atestam a fé numa vida postuma ou
numa realidade transcendente.

Chamam outrossim a atengáo dos estudiosos as pinturas


encontradas ñas cavernas da pré-histórla: representam moti
vos da caga ou da magia. Ora todo cultivo da arte está origi
nariamente associado á Religiáo: esta sempre inspirou os pin
tores, os poetas, os músicos...

Ora a Religiáo, voltada para os valores transcendentais,


é certamente urna característica do espirito; ela é táo antiga
quanto o homem, pois se manifesta desde a pré-história até
hoje, e nunca foi cultivada pelo animal irracional. A exis
tencia, no homem, de sentimento religioso e de expressóes
correspondentes abre um hiato entre o ser humano e o ma
caco, hiato este que nao foi superado ou transposto até hoje.
Nem há possibilidade de superacáo, visto que a Religiáo supóe,
nc ser humano, a realidade do espirito ou da alma espiritual,
ao passo que o principio vital dos irracionais é meramente
material. É a alma espiritual ou nao material que faculta ao
homem ter expressóes de si que transcendem os dados con
cretos, materiais, a que está confinado o ser irracional. Pela
religiáo, o homem se eleva aos valores invisíveis e ao Infi
nito, procurando assim a resposta ás suas aspiracóes mais
espontaneas que sao aspiracóes á Verdade, ao Amor, á Jus-
tica, á Vida, & Felicidade sem limites. É táo somente através
¿o caminho da Religiáo e da Mística que o homem encontra
os verdadeiros bens para os quais foi feito e dos quais o ani
mal irracional nao tem a mais pálida nogáo.

A Religiáo é inspirada pela necessidade que o homem


experimenta, de dar sentido á sua vida ou de justificar, pe-

— 98 —
O HOMEM... PURO MACACO? 11

rante a sua consciéncia, a sua luta, o seu trabalho, o seu


sofrimento e a sua morte. Na verdade, se nao existem valo
res transcendental que respondam as aspiragóes congénitas
de todo homem, a presente realidade é vazia e frustrativa;
o homem se torna um absurdo, perdido em meio as coisas
passageiras que o cercam. E o homem-absurdo seria urna
excecáo no conjunto do universo, visto que este reflete ordem
e harmonía — expressóes de urna Inteligencia Suprema.

Em nossos dias, a Religiáo continua sendo um fator tipico


da inteligencia humana. Mesmo os que se dizem ateus, culti-
vam o Absoluto sob formas leigas ou secularizadas; é o caso
do comunismo, ao qual o judeu KarI Marx deu a estrutura
de um messianismo sem Deus; o proletariado sacrificado na
luta de classes seria o Messias, que, morrendo, prepararla o
surto de um homem novo, morigerado e pacifico. As cate
gorías religiosas do judaismo foram transpostas por Kai'l
Marx para o plano da sociología e da política; sobreviyem,
porém, no esquema de pensamento marxista. — O marxismo
cultua religiosamente certos valores meramente humanos ou
profanos; este esquema caricatural já nao satisfaz a muitos
cidadáos soviéticos, que hoje em dia se afastam do marxismo
e das suas pantominas para procurar a verdadeira fé e autén
ticas expressóes religiosas. O senso religioso, inato em todo
homem, vem de novo á tona apesar das tentativas do erradi-
caffáo a que o marxismo o submeteu. Este fenómeno bem
evidencia quanto o senso religioso é característico do ser
humano. Sao sempre válidas as palavras de S. Agostinho
(t 430): «Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e inquieto é o
nosso coracáo enquanto nao repousa em Ti» (Confis&óes I 1).

Atraído irresistivelmente pelo Senhor Deus, o homem


«ateu» de nossos dias cria suas místicas, seus «absolutos»,
seus deuses, suas supersticóes, que inadequadamente lhe fazem
as vezes do único Deus.

A propósito citemos a bibliografía donde retiramos grande parte do


material deste artigo:

KUHN, WOLFGANG, Der Mensch — nur ein nackter Affe? In Stlmmen


der Zelt, jull 1978, pp. 479-489.

OVERHAGE, P., Spraehexpeilmente mit Schlmpansen, In SHmmen der


Zelt, mal 1978, pp. 325-332.

PATTERSON, FRANC1NE, Conversallons wtth a Gorllla, in Nattonal Geo-


graphlc, vol. 154, n"? 4, october 1978, pp. 438-465.

— 99 —
Fanatismo em nossos días:

e o suicidio coletivo na guiana ?

Em sinlese: O presente artigo comeca por apresentar um esbogo


biográfico do pastor Jim Jones e breve crónica de sua obra (Templo do
Povo) na California e em Jonestown (Gulana). Este homem parece ter
sofrldo de megalomania paranoica, pofs se Julgava Igual a Deus. Consegulu
impor reglme drástico aos seus adeptos na Gulana. Tal fato chegou aos
ouvidos do deputado Leo Ryan, que houve por bem investigar a realldade
numa visita a Jonestown; Ryan, porém, foi assassinado juntamente com
membros de sua comitiva, pois tencionava atender aos pedidos de crentes
que desejavam trocar Jonestown pelos Estados Unidos. Ciento de que o
estilo de vida de Jonestown fora devassado, Jim Jones ordenou o suicidio
coletivo dos seus adeptos mediante envenenamento — prática esta ¡é varias
vezes dantes ensalada, a titulo de teste de fldelldade ao pastor.

As ocorrénclas da seita "Templo do Povo" na Gulana significan» o


fanatismo que resulta da crise da inteligencia contemporánea. O senso reli
gioso, ¡nato em todo homem, traduz-se em aberracfies se nao é orientado
pela Inteligencia. Oal a importancia da Instrucáo religiosa a ser ministrada
ao homem contemporáneo; esta necessidade se Impoe especialmente no
Brasil, onde o povo, profundamente religioso, está sujeito a confundir fé,
crendice e supersticáo e asslm degenerar em suas expressSes religiosas.

Comentario: O mundo inteiro ficou fortemente impres-


sionado pela noticia de que aos 18 de novembro de 1978 urna
multidáo de crentes (926, como apurado posteriormente) come-
teram suicidio coletivo sob a orientagáo drástica do líder reli
gioso protestante Jim Jones em Jonestown na Guiana. O
fanatismo ocorria em pleno século XX, dito «o sáculo das
luzes e da desmitificagáo». Embora os jomáis tenham ampia-
mente divulgado o fato, é importante tentar aqui reconstituir
a trama dos acontecimentos e emitir algumas reflexóes a
propósito.

1. Quem era Jim Jones ?

Jim nasceu na cidadezinha de Lynn (1.360 habitantes)


no Estado de Indiana (U.S.A.). A regiáo era teatro das
atividades do Ku-Klux-Klan, organizagáo secreta e terrorista

— 100 —
SUIODIO COLETIVO NA GUIANA 13

norte-americana; o pai de Jim tomava parte nos encontros


semanais da seita. •

Filho único, Jim fez sua primeira profissáo religiosa com


pouco menos de dez anos, quando a Sra. Myrtle Kennedy o
levou para a igreja protestante do Nazareno. Via-se Jim car-
regando a sua Biblia para o templo, no cumprimento dos
seus deveres religiosos. Mostrava desde entáo ser um líder,
dotado de temperamento forte; era capaz de reunir amigos
em torno de si e ditar-lhes o que deviam fazer. Dizia ter tido
visóes do inferno, onde os pecadores eram punidos para sem-
pre — o que impressionava e atemorizava profundamente os
ouvintes. Embora fosse violento, tinha especial benevolencia
para com os animáis (gatos, cachorros, macacos, camundon-
gos...), chegando a realizar rituais funerarios em favor de
animáis falecidos.

Aos dezoito anos, casou-se com Marcelina Baldwin, enfer-


meira do Hospital onde também trabalhava. Comegou a cur
sar a Universidade de Indiana em Boomington; todavía fez
curso intermitente, interessado que estava pelos misteres de
pregador e líder religioso. Só ao cabo de dez anos conseguiu
graduar-se em pedagogía. Após haver-se filiado a denomina-
cao protestante «unitaria» e á metodista, resolveu finalmente
fundar sua igreja própria, com o nome de «Christian As-
sembly of God» (Assembléia de Deus crista). Situada em
regiáo pobre do Estado de Indiana, essa igreja crescia em
número de adeptos mediante distribuicáo de alimentos e pro
cura de empregos para a populacáo local. Para ganhar di-
nheiro, Jim houve por bem comprar micos que ele revendía
por US$ 29 (prego unitario); com isto conseguiu 50.000 dóla
res, que ele aplicou na compra de urna antiga sinagoga
situada em meio a populacáo negra.

Jim teve um filho, mas adotou oito outros, inclusive ne


gros e coreanos. Desta forma manifestava seus principios anti-
-racistas, que ele defendía na qualidade de chefe da comissáo
de direitos humanos da cidade de Indianópolis.

Em 1961, o pastor Jim teve urna visáo (como ele rela-


tava), na qual tomou consciéncia de que Indianópolis seria
destruida por urna explosáo nuclear. Impressionado, resolveu
emigrar: lera, numa revista, urna lista de localidades tidas
como imunizadas contra urna guerra nuclear,... localidades

— 101 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 23V1979

entre as quais estava a cidade de Belo Horizonte (MG, Bra


sil). Decidiu entáo vir para o Brasil com sua mulher e tres
filhos; após experimentar Belo Horizonte, verificou que a
capital mineira nao lhe oferecia as oportunidades almejadas;
por isto transferíu-se para o Rio, onde lecionou na escola
norte-americana, dando provas de amor aos pegueninos e
desamparados.

Entrementes, a igreja em Indianópolis (que tomara o


nome de Templo do Fovo) carecia de lider carismático; do
seu lado, a esposa de Jim sentía saudades da patria. Por isto
Jim resolveu regressar aos Estados Unidos. Füiou-se entáo
á denominacáo dos «Discípulos de Cristo», onde foi ordenado
ministro em 1964. Contudo nao se sentiu bem em Indiano-
polis por causa dos preconceitos racistas e mesquinhos que
lhe pareciam prejudicar a populacáo. Emigrou entáo para a
California, estabelecendo-se em Mendocino Countey, ao norte
de San Francisco; levava consigo mais de cem adeptos, além
de notável quantia de dinheiro (Marcelina Jones depositou
100.000 dólares no Banco de Ukiah, próximo á igreja de
Jones na California).

Em sua nova sede, Jim passou a desenvolver extraordi


naria atividade; nao somente pregava em todos os arredores,
mas sustentava ampio servigo social para atender aos neces-
sitados da regiáo; para atrair gente ao culto religioso e á
igreja, recorría k música e á danca. Principalmente a popu-
lagáo negra afluía ao Templo do Povo (mais de 80% dos
freqüentadores deste eram negros); o pastor os instruía nao
só na doutrina do Evangelho, mas também em temas sociais
e políticos; ensinava a fazer demonstracóes de protestos,
abaixo-assinados e movimentos de massa, propaganda elei-
toral em favor de certos candidatos políticos, etc. Levava os
seus adeptos a centros de «peregrinacáo», como era, por exem-
plo, a casa de Myrtle Kennedy, a primeira orientadora espi
ritual de Jim...

Os homens públicos e governantes se deixavam impres-


sionar profundamente pela acáo propagandista do pastor do
Templo do Povo... O Vice-presidente Walter Móndale reco-
nheceu o auxilio que Jim lhe prestara na campanha eleitoral
de 1976 e convidou-o a viajar em seu aviáo particular. Certa
vez Jones tomou parte favorável num comício organizado por
Rosalyn Cárter, enviando-lhe centenas de adeptos; em con-

— 102
SUICIDIO COLETTVO NA GUIANA 15

seqüéncia, recebeu urna nota de agradecimento em papel


oficial da Casa Branca, com o apelativo «Dear Jim» e a
letra de próprio punho da esposa de Cárter. Jones asseve-
rava ter recebido cartas de aplausos dos senadores Humbert
Humphrey e Henry Jackson, entre outros personagens impor
tantes.

O número de adeptos do Templo do Povo foi-se ele


vando. ..; Jim Jones dizia que eram 20.000. Todavia os atos
de culto e o clima no Templo foram-se tornando cada vez
mais estranhos. O pastor pretendía curar pacientes cancero
sos «extraindo-lhes o cáncer», que nada mais era do que
moela de galinha ensangüentada. Cedeu á megalomanía. Sao
palavras de seu ex-companheiro de militancia, o pastor Case:

"Jim deixou de afirmar que era a reencarnacáo de Jesús e comegou


a asseverar que ele era o próprio Deus. Dizla ser o Deus vivo que fez o
céu e a térra".

Certa vez, diante de urna assembléia reunida, Jim Jones


atirou a sua Biblia ao chao e exdamou: «Muíta gente está
olhando para isso em vez de olhar para mim!»

Jones ordcnava aos seus fiéis que vendessem ao público


estampas com o seu semblante a fim de «espantar o mal».
Pedia aos seus adeptos que depositassem nos cofres do Tem
plo as suas pequeñas economías e os proventos, arrecadando
com isto um montante que, a quanto se julga, chegava a
US$ 15.000.000. A disciplina dentro da seita tornava-se cada
vez mais rígida, incluindo mesmo o recurso ao espancamento.

Essas atitudes nao deixavam de provocar certas decep-


góes por parte dos fiéis; nao obstante, o fascínio exercido
pelo líder superava as hesitares suscitadas.

2. A tragedla final

2.1. A fundando na Guiaría

No comec.0 de 1977, Jim Jones resolveu fazer urna fun-


dagáo de sua seita na Guiana, estabelecendo-se perto da fron-
teira da Venezuela numa clareira da floresta, que tomou o

— 103 —
16 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 231/1979

nome de Jonestown; a propriedade territorial da seita abran-


gia cerca de 900 acres.1

Entrementes espalhava-se mais e mais a fama de que


os membros da seita eram física e moralmente dominados
pelo pastor. Na nova colonia, os fiéis eram impelidos ao tra-
balho mais por meio de golpes e extorsáo do que por amor
fraterno. Estes fatos eram revelados por pessoas que conse-
guiram fugir da comunidade, embora sentissem que sua vida
corría perigo por causa disto. Artigos publicados ñas revistas
norte-americanas «New West» e «Examiner» de agosto de
1977 confirmaram tais noticias: muitas vezes os fiéis eram
repreendidos por Jones diante da comunidade reunida e espan-
cados com chicotes ou com batedores de roupa por terem
cometido infracóes á regra comum, ou seja, por terem fumado
ou cedido a distragóes durante algum sermáo de Jim. Urna
mulher acusada de ter vivido urna aventura amorosa com um
membro da seita foi compelida a praticar relacóes sexuais,
na presenta de toda a comunidade, com um homem que ela
repudiava. Para doutrinar as criancas, o pastor recorría a
eletrodos amarrados aos bragos e as pernas dos pequeninos:
em tais circunstancias, as criangas recebiam a ordem de sor-
rir cada vez que se pronunciasse o nome do líder da seita:
todos tinham a obrigacáo de atribuir a Jones o apelativo de
«pai».

2.2. A intervenjáo de Leo Ryan

Tais fatos chegaram ao conhecimento do deputado demó


crata Leo J. Ryan. Um amigo, chamado Roberto Houston,
da «Associated Press», disse a Ryan que seu filho Bon, de
33 anos, fora encontrado morto junto á ferrovia de San Fran
cisco, no lugar onde trabalhava, precisamente um día após
ter abandonado o Templo do Povo. Embora as autoridades
policiais afirmassem que o rapaz morrera em conseqüéncia
de um acídente, Houston sustentava o contrario, lembrando
que o pastor ameagava de morte aqueles que apostatassem
da seita. Alias, semelhante assergáo era confirmada por fami
liares de outros membros do Templo do Povo.

O deputado Leo Ryan dirigiu-se entáo ao Departamento


de Estado, a fim de pedir um inquérito a respeito dos maus

iO acre ó urna medida agraria equivalente a 4.046,84 ma.

— 104 —
SUICIDIO COLETIVO NA GUIANA 17

tratos infligidos a cidadáos norte-americanos em Jonestown.


A Embaucada norte-americana em Georgetown enviou -dele
gados seus á colonia de Jim; estes, de volta, relataram ter
entrevistado cerca de 75 membros da seita; nenhum, porém,
manifestara o desejo de ser repatriado. Esta averiguacáo e
— mais — a lei de liberdade de culto norte-americana eram
suficientes para sustar o inquérito iniciado.

O resultado nao satisfez a Ryan. Este escreveu a Jones,


dizendo-lhe que varios cidadáos norte-americanos haviam ma
nifestado ansiedade a respeito dos seus familiares existentes
em Jonestown. Jones pediu a seu assessor Mark Lañe que
respondesse ao parlamentar (Lañe tornara-se famoso por
suas teorías a respeito de conspiragóes e assassinatos políti
cos). Ora Lañe, em sua réplica, asseverava que os membros
do Templo do Povo haviam sido constrangidos a fugir dos
Estados Unidos por causa de «perseguigáo religiosa»; insi-
nuava outrossim que Ryan estava interessado em urna «cagada
as bruxas». Caso a pressáo continuasse, a seita de Jones teria
de se transferir para algum país que nao tivesse relacdes
amigas com os Estados Unidos (provavelmente Rússia ou
Cuba). Por último, Lañe pedia que Ryan nao fosse por ora
á Guiana,. visto que ele nao estava livre para acompanhar o
deputado. Ryan recusou esperar. Entáo Lañe dispós-se a
guiá-lo em sua visita a Jonestown.

Ryan reuniu oito jornalistas e varios familiares de mem


bros da seita, decididos a dissuadir a estes de permanecer no
Templo. A comitiva seguiu de aviáo, chegando a Port Kai-
tuma, a seis milhas de Jonestown. Logo se transferiram para
a colonia do pastor, onde foram saudados com amáveis sor-
risos de Jim.

A colonia de Jonestown ofereceu maravilhosa acomida


aos visitantes. Os repórteres inspecionaram o pavilháo cen
tral, que servia tanto de escola como de saláo de assembléias;
foram ver a serra mecánica, a biblioteca com seus 10.000
volumes, a creche muito asseada, onde as enancas eram pro
tegidas por cortinados contra os mosquitos. O ponto alto da
visita foi a tarde passada no pavilháo central da colonia,
quando os membros da comunidade executaram pegas musi-
cais (em rock e jazz) e cantaram vibrantemente. O próprio
Ryan deixou-se impressionar, pois no fim da sessáo declarbu
á assembléia: «Pelo que acabo de ver, há muita gente aquí

— 105 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 231/1979

que julga estar vivendo o segmento mais feliz da sua vida».


O auditorio aplaudiu com veeméncia; Jones de pé comandava
as palmas. Ele, alias, dizia aos jornalistas: «Aqui as pessoas
encontraram a felicidade pela primeira vez em sua vida».

Em conversas particulares, porém, Ryan mostrou-se reser


vado: achava que nao poucos dos membros da assembléia
eram animados por alegría pouco natural. Alguns dos cren-
tes chegaram a exprimir-lhe insatisfagáo.

2.3. O desfecho

Aconteceu que o correspondente Dom Harris da NBC


perguntou a Jim Jones o que pensar de certos rumores se
gundo os quais a colonia de Jonestovvn estava poderosamente
munida de armas. Jones irritou-se logo e exclamou: «Que
mentira atrevida! Até parece que estamos sendo agredidos
por mentiras! Estou derrotado! Estou perto da morte!»

Assim desfazia-se a fachada de Jonestown. Um dos resi


dentes da colonia passou as máos do jornalista Harris um
bilhete em que dizia: «Quatro de nos desejam partir!» Ryan
recebeu outras declaracóes de pessoas que desejavam regres-
sar aos Estados Unidos. Interrogado a respeito desses casos,
Jones respondeu: «Cada qual é livre para vir e ir-se»... To-
dayia esta atitude magnánima foi logo contraditada pelo pró-
prio pastor; «Eles querem tentar destruir-nos... Eles sem-
pre mentem quando nos deixam!» Mais tarde, os repórteres
foram informados, pelos sobreviventes do suicidio, de que Jo
nes resolverá colocar entre os desertores alguns falsos com-
panheiros, que os atacariam durante a viagem de retorno aos
Estados Unidos.

Os acontecimentos se precipitaran!. Quando Leo Ryan


discutía com Jim Jones as possibilidades de levar consigo os
desertores, um dos membros da seita, chamado Don Sly, che-
gando-se por tras de Ryan, segurou-o pelo pescólo com urna
de suas máos e tentou matá-lo com um faca na outra; dois
companheiros de Jones demoveram o assaltante, empedindo-o
de cometer o assassinio, enquanto Jones assistiu impassível,
sem interferir.

■ O golpe deixou Ryan aparentemente calmo, mas alarmou


os jornalistas e familiares visitantes. Nao obstante, prosse-

— 106 —
SUICIDIO COLETIVO NA GUIANA 19

guiram as providencias necessárias á partida. Finalmente, a


caravana seguiu para Port Kaituma, onde se achava o aero-
porto, com dois avióes á disposigáo.

Pós-se entáo a questáo de saber como fazer embarcar


tanta gente nos dois aparemos existentes, dos quais um era
taxi aéreo Cessna com lugar para cinco passageiros apenas.
Após as primeiras dúvidas, o deputado, os jornalistas e a
grande maioria dos fugitivos encaminharam-se para o aviáo
maior (Otter). De repente, porém, a pista foi atravessada por
um trator que puxava um reboque; neste, tres homens arma
dos puseram-se a atirar sobre o grupo prestes a embarcar
assim como sobre o aparelho maior. Morreram assim Ryan,
Don Harris e outros dois jornalistas, além de urna senhora
da seita, Patricia Park, que se dispunha a fugir. No mínimo,
dez outras pessoas ficaram feridas.

Os sobreviventes do ataque passaram urna noite horrível


em um bar próximo ao aeroporto; julgavam que os homens
armados (emissários de Jim Jones) fossem procurá-los para
terminar o morticinio. Declararam, mais tarde, que Jim Jo
nes dizia ter recebido autoridade do Governo guiano para
matar quem quer que tentasse fugir.

2.4. Cadáveres e cadáveres!

Entrementes, em Jonestown repetia-se urna cena (dessa


vez, porém, em termos fatáis) que nao era rara naquela
colonia.

Com efeito. Havia na comunidade as chamadas «noites


brancas». Os alto-falantes ressoavam despertando do sonó
todos os residentes, que eram convocados para o pavilháo
central. Lá Jones fazia-lhes urna prédica sobre a «beleza da
morte»; a seguir, colocavam-se em fila e dispunham-se a rece-
ber urna bebida venenosa, que eles tomariam preparando-se
para morrer. Acontecía, porém, que a determinada altura dos
acontecimentos o pastor declarava que a bebida nao era vene
nosa e que o exercicio estava encerrado, pois todos tinham
sido aprovados no teste de fídelidade. Acrescentava, contudo,
que, se algum dia a colonia viesse a ser atacada de verdade,
o «suicidio revolucionario», já assim ensaiado, tornar-se-ia
realidade, e nao mero ensaio ou simulacáo.

— 107 —
20 . cPERGUITTE E RESPONDEREMOS» 231/1979

Ora ñas fatídicas horas que se sucederam á partida de


Ryan e companheiros, toda a populagáo de Jonestown foi
convocada para o pavilháo central. Os acontecimentos assim
se sucederam, segundo o testemunho de Stanley Clayton,
jovem de 25 anos, e de companheiros que conseguiram sobre-
viver á tragedia.

Clayton estava na cozinha da colonia preparando ervi-


lhas, quando a sirene tocou: um guarda, armado de pistola,
entrou lá, e, mostrando a arma, chamou a todos para o lugar
de reunióes, pois Jones ordenara os preliminares para o sui
cidio. Urna mulher, chamada Christiane Miller, pós-se a pro
testar, dizendo que tinha o direito de fazer da sua vida o
que bem lhe agradasse. Todavia guardas armados a segura-
ram e levaram a Jones, que tentou convencé-la de que devia
morTer.

Em seguida, um carro entrou no pavilháo. Os homens


que dele saltaram, foram ter com Jones, e este anunciou que
Ryan morrera, e, por conseguinte, era preciso executar o plano
preconcebido. As amas deveriam encarregar-se de preparar,
sem demora, a pogáo para as criancas; dos adultos quem qui-
sesse escapar, seria castrado e torturado pelo exército guiano.

As amas comecaram entáo a retirar as criancas das


máos de suas máes; todavia muitas destas estavam dispostas
a dar o veneno aos seus filhos e a bebé-lo espontáneamente.
A fim de coagir e apressar os adultos, que se mostravam um
tanto lentos para obedecer, os guardas da colonia intervieram,
impelindo-os a ir beber a pocáo venenosa.

Sentado em posigáo elevada ou em seu trono, Jones nao


deixava de exortar a multidáo, proclamando que «todos have-
riam de encontrar-se de novo em outro lugar».

Ocorreu entáo um certo tumulto, pois as criancas chora-


vam e os adultos estavam confusos. Apesar disto, a ordem
se restabeleceu e o processo foi-se desenrolando: cada mem-
bro da seita aproximava-se de um grande recipiente de metal
posto no centro do pavilháo para haurir a bebida mortífera;
alguns caminhavam de bracos dados com seus familiares. O
médico da colonia, Dr. Larry Schacht, de 30 anos, colocara
tranquilizantes dentro da pogáo, de modo a amenizar os efei-
tos dolorosos do veneno. Cada individuo, tendo bebido, aínda

— 108 —
SUICIDIO COLETIVO NA GUIANA 21

sobrevivía cinco minutos, as vezes manifestando tremendo


mal-estar físico e moral, e finalmente expirava. Os cadáveres
foram-se justapondo no chao do pavilháo e nos arredores,
com intumescencias que os deformavam.

Quanto a Jones, nao se sabe exatamente como faleceu.


Foi encontrado aos pés de sua cátedra no pavilháo central
da colonia, com urna ferida provocada por bala na cabeca;
um revólver jazia perto. A autopsia revelou que o pastor
nao bebeu o veneno nem morreu de cáncer (como ele dizia
que havia de morrer). Tudo leva a crer que se tenha suici
dado com um tiro.

Eis o depoimento que a propósito escreveu o repórter


Neff, da revista norte-americana «Timé», referindo-se a sua
chegada a Jonestown:

"O prlmelro cadáver que aviste!, fol o de um homem, de costas para


c'ma, com as felgSes inchadas e o busto Intumescido como se fosse um
balSo. Depols vi mais cadáveres, que Jaziam num patio. Estavam desfigura
dos pela inchacio, mas tlnham olhar tranquilo cómo se estivessem recon
fortados por terem morrldo segurando os seus familiares. Quase todos
tlnham o semblante como o de quem está misteriosamente adormecido.

Dobrel urna esquina, e apareceu-me a enorme multidáo de cadáveres.


O mau chelro era acabrunhante; e o quadro, horrlvel. Nao havia slnais de
violencia nem de sangue... A distancia, avistavam-se tres cfies mortos por
envenenamento. Junto á estrada, em grande galota, achava-se Mr. Muggs',
o gorila de estlmacfio da comunldade, morto a tiros. Em área arborizada,
estava a casa de Jones, com suas tres pecas. Havia cadáveres esparsos
pelas tres salas, alguns sobre camas, outros no chSo. A tranqOllldade era
violada apenas pelo miado de um gato fora do portSo de entrada."

O oficial Skip Roberts, da policía guiana, disse a Neff


que os primeiros esquadróes policiais que chegaram a Jones-
town, encontraram a casa de Jones saqueada e um grande
cofre aberto e vazio. Das vítimas que jaziam na casa, duas
haviam sido baleadas: um guarda-costas de Jones e a esposa
de Jones — Annie Moore. A mor parte dos oito homens que
supostamente tomaram parte na emboscada do aeroporto,
também jaziam envenenados na casa.

As primeiras buscas em Jonestown descobriram a exis


tencia de US$ 500.000 dólares em caixa, muitos cheques ban-
cários, certa quantidade de ouro e cerca de 870 passaportes.
Dizia-se, porém, que Jones guardava US$ 3.000.000 na coló-

— 109 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 23V1979

nia; em conseqüéncia, pergunta-se se nao houve furto de


dinheiro.

Eis, em sintese, a historia do fim da colonia do Templo


do Povo na Guiana. Os acontecimientos, impressionantes como
sao, lovam-nos a urna

3. ReflexSo final

Durante semanas após o suicidio coletivo em Jonestown,


foram sendo divulgadas noticias a respeito da pessoa do pas
tor Jim Jones e do tipo de vida que levavam os seus adeptos.
O regime drástico a que era submetida a comunidade e todo
o contexto dos acor :ecimentos fináis da colonia sugerem algu-
mas consideraedes.

3.1. Fdnc::!smo

Nao há cúvida, os residentes da colonia do Templo do


Povo estavam fanatizados... O fanatismo é urna atitude cega
ou irracional, provocada por forte emotividade. Sempre houve
fanatismo no decorrer da historia da humanidade. Com efeito,
nao raro o senso religioso, inato em todo homem, deixou de
ser controlado pela razáo e degenerou em expressóes cegas
(tenham-se em vista alguns grupos medievais, os jansenistas
do séc. XVH...). Todavía em nossos dias o fanatismo é espe
cialmente fomentado pela crise da inteligencia. Sim; o ho
mem só valoriza a sua inteligencia no setor das ciencias ditas
«exatas» e da tecnología; quando, porém, se trata de analisar
o próprio homem e seus valores incomensuráveis (como a
sede de verdade, de vida, de felicidade, de amor...), a inte
ligencia é posta em descrédito; muitos professam o relati
vismo e o ceticismo, pois tais valores nao podem ser «calcula
dos» mediante régua, esquadro, compasso, prancheta...

Em conseqüéncia dessa crise da inteligencia, falta fre-


qüentemente o diálogo entre os homens. Na verdade, o diá
logo é o intercambio inteligente entre duas pessoas que pro-
curam a verdade e o bem. Ora, se nao há diálogo, há vio
lencia, há imposigáo, há dogmatismo, como precisamente se
verifica em nossos dias.

— 110 —
SUICIDIO COLETTVO NA GUIANA 23

O fenómeno da obediencia rígida, que terminou com sui


cidio coletivo em Jonestown, enquadra-se bem dentro de tal
contexto. É exprcssáo de atitude emotiva, irracional e faná
tica. Na verdade, o senso religioso é dos mais veementes que
existam no ser humano; se é desligado da razáo, pode deso-
rientar-se por completo e traduzir-se de maneira aberrante,
como ocorreu na Guiana.

Sendo assim, percebe-se o imenso valor que sempre teve,


e hoje especialmente tem, a boa formacáo religiosa dos fiéis.
É importantissimo que cada um conhega exatamente o que a
fé professa e o que ela nao professa,... que cada qual possa
distinguir, urna da outra, fé e crendice ou supersti^ao. Quem
conhece bem o Evangelho, jamáis acreditará que o suicidio
coletivo seja sinal de fideúdade ao Senhor Deus. De modo
geral, se houvesse mais estudo da Palavra de Deus, formu
lada na Biblia e na Tradigáo crista, haveria menos seitas,
menos líderes fanáticos, menos falsos profetas... E os que
aparecessem como tais, encontrariam menos adeptos.

O Brasil é especialmente vulnerável por esses chefes


«carismáticos», visto que a populagáo brasileira é profunda
mente religiosa, mas pouco instruida. Fácilmente a religiosi-
dade natural da nossa gente se traduz em aberragoes, como
acontece nao raro nos terreiros de religióes afro-brasileiras e
alhures. É notorio que, em 1977, um homem afogou oito
crianzas na praia do Ipiranga (BA) em nome das crengas da
seita «Universal Assembléia dos Santos»; na Serra do Ca-
verá (RS), a jovem Eliane, de 16 anos de idade, permaneceu
tres dias «pregada á cruz»... Eis por que urge instruir o
povo brasileiro e, de modo especial, instrui-lo ñas verdades
da fé.

3.2. Insatisfajao e anseíos

Pode-se dizer também que a atitude dos crentes do Tem


plo do Povo exprime a insatísfafiáo do homem moderno, satu
rado pela civilizagáo tecnológica e ansioso por encontrar urna
resposta mais profunda para as suas aspiragóes á vida e á
felicidade. As mensagens que falam do além e propóem valo
res transcendentais, encontram grande ressonáncia em muitos
cidadáos contemporáneos. Apenas é de se lamentar que, como
dito, tais aspiragóes nao sejam orientadas pelo estudo das ver
dades da fé.

— 111 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 231/1979

Os Estados Unidos tém sido o berco de numerosas seitas


modernas fanáticas, embora tenham urna populagáo de certo
nivel cultural. Isto se entende pelo contexto histórico do povo
norte-americano:

Os Estados Unidos da América foram povoados, em


grande parte, por refugiados da Inglaterra. Com efeito, pro-
fessando arengas protestantes diferentes das do anglicanismo
ou da «High Church», estes procuravam abrigo na América
do Norte. Em conseqüéncia, a historia religiosa dos Estados
Unidos é marcada pelo surto e o declínio de grupos dissiden-
tes e de seitas «car-asmáticas», um tanto fanáticas, que se váo
multiplicando; aquelas que declinam, sao substituidas por
outras que váo surgindo...

Esse fanatismo religioso é compatível com o grau de cul


tura do povo norte-americano, pois tal cultura é tecnológica
e profissionalizante, nao, porém, religiosa. Muitas vezes hoje
em dia, enquanto a cultura dita «científica» atinge elevado
nivel, a formacáo religiosa permanece infantil.

Assim o suicidio coletivo de Jonestown vem a ser mais


um síntoma da saturagáo pela tecnología de que sofre o ho-
mem moderno. É um apelo a que o ser humano reconsidere
a sua corrida para a produgáo, o consumo e o dinheiro, e
se lembre de que os valores materiais existem para que o
homem seja mais homem, mais cultor da inteligencia e dos
valores espirituais, e assim se torne imagem mais translúcida
do Senhor Deus.

Na confeccSo deste artigo multo nos valemos dos noticiarlos de Jomáis


e revistas, com recurso especial ao n? de "TIME" de 4/12/78, pp. 10-22.
Recomendamos também a leltura do artigo de G. Marches!: Suicidio cotletttvo
In Guyana. Un trágico caso di fanatismo, In La Ctvlllá Cattollca, a. 127,
n? 3084, 16/12/78, pp. 575-581.

Em tempo: KRAUSE, CHARLES, O massacre da Gulana. Ed. Record,


Rio de Janeiro 1978.

— 112 —
Mais urna vez em foco:

e a virgindade de maria ?

Em slntese: A maternldade virginal de María, sempre professada


pelos fiéis católicos, tem sido posta em dúvlda últimamente. Em vista de
fatos concretos ocorridos na Espanha e atendendo a solicltacSo Instante de
seus fiéis, os bispos espanhois publicaran) em 19/04/1978 urna nota que
reafirma tal artigo de fé. É o texto dessa Declarado que abaixo val publi
cado com breves comentarios: a profissSo de fé na virgindade de Maria
tem seus fundamentos na Tradlcfio oral e escrita do povo de Deus, TradlgSo
da qual o Magisterio da Igreja é o porta-voz autentico. Ademáis, o assunto
n§o pode ser penetrado filosóficamente nem elucidado empíricamente, mas
é ilustrado pela próprla nogfio de EncarnacSo do Fllho de Deus: o Eu de
Jesús era o da segunda Pessoa da SS. Trlndade; o Fllho do Pal Eterno,
devendo tornar-se homem, preclsava tfio somente de mfie que Ihe desse a
natureza humana. Maria recebeu, pols, do próprlo Deus o Fllho que ela
gerarla como Filho do Pal portador da natureza humana.
A maternldade virginal de María asslm é um slnal de que o Fllho de
Deus quis penetrar no género humano na sua qualldade Inconfundfvel de
Filho de Deus e nao como ser meramente humano.

Comentario: A proposigáo de que Maria foi Virgem e


Máe, é professada pelos fiéis católicos desde remotas épocas.
Últimamente, porém, está sendo objeto de debates, pois há
quem queira interpretar tal artigo de fé em sentido metafó
rico — o que equivale a negar a sua realidade física. Entre
outros, chamaram a atencáo recentemente dois teólogos espa
nhois: o Pe. Xavier Pikaza, da Universidade de Salamanca, e
o Pe. José Ramón Scheiffer, da Universidade Deusto, perto
de Bilbao. O primeiro publicou o livro Los origines de Jesús.
Ensayo de CristoJogia bíblica (Editora Sigúeme, Salamanca
1976) ao passo que Scheiffer é autor do artigo La vieja Navidad
perdida. Estudio bíblico sobre la infancia de Jesús em Sal
Terrae (1977), pp. 835-851.
O Pe. Pedro Arrupe, Superior Geral da Companhia de
Jesús, á qual pertence o Pe. Scheiffer, refutou o artigo em
pauta. Nao obstante, o seu autor, em novo escrito, declarou
sustentar integralmente a tese proposta.
O caso incitou os fiéis católicos de Espanha a enviar
petigóes a seus bispos no sentido de reafirmaren? a constante
doutrina da fé: 4.000 assinaturas foram recolhidas em Ma
drid, e 10.000 em outra diocese da Espanha, solicitando tal
intervencáo do episcopado. Esse movimento contribuiu para

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26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 23V1979

que a Comissáo dos Bispos da Espanha encarregada da Dou-


trina da Fé publicasse urna nota largamente difundida pelos
jomáis da Espanha confessionais e leigos. É este documento
que PR oferece ao público brasileiro, na certeza de que o
assunto interessa também aos Bispos e ao povo de Deus em
geral na nossa patria.

1. A palavra dos Bispos espanhois


"A Comissio Episcopal para a Doutrina da Fé, diante da inqulelude
ocasionada ao Povo de Deus por certas publicacoes, julga ser seu dever
pastoral recordar cuanto segué :

1. A doutilna da vlrglndade de María é de fé segundo a mals vene-


rável e antlga Tradicáo da Igrefa, da qual é porta-voz o Concilio do Vati
cano II: 'Em sua fé e sua obediencia, a bem-avenlurada Virgem María gerou
na térra o Filho do Pal, sem conhecer homem algum, sob a acSo do Espirito
Santo' (Const. Lumen Gentlum n? 63).

2. Esta Comlssfio Episcopal pede aos teólogos tenham sempre em


mente a regra estabeleclda pelo Concilio: 'Visto que a S. Escritura deve
ser Ilda e interpretada segundo aquele mesmo Espirito pelo qual fot redigida,
para apreender com exatidao o sentido dos textos sagrados deve-se levar
em conta o conteúdo e a unldade de toda a Escritura, asslm como a Tra-
dicao viva da Igreja Inteira e a analogía da fé' (Const. Del Verbum n? 12).
3. Sempre que se abordar o misterio da concepcao virginal na
pregacSo, na catequese ou em quatquer escrito, dever-se-á expor claramente
a fé comum da Igreja, a ftm de que n3o haja confusSo em meló ao povo
de Deus.
Para que a concepcao virginal de Jesús se]a bem compreendlda e
valorizada, é mtster seja apresentada no quadro do misterio total da salvacao,
de modo que tomem todo o devldo relevo a gratuldade da Iniciativa de Deus
na EncamacSo, a realldade do misterio de Jesús, verdadelro Deus e ver-
dadeiro homem, e o papel todo especial de María na dispensado da salvacSo.
4. Convém, alias, lembrar que:
a) a concepcao virginal de Jesús nao Implica sentido pejoratlvo para
a vida conjugal pratlcada no matrimonio;
b) a dimlnuicSo da estima de tal misterio levarla os fiéis a perder
a 8enslbi!idade aos elementos mals centráis da fó o da vida crista.
Madrid, 1? de abril de 1978".

Este texto merece breve comentario.

2. Refletincfo. . .

1. Como se vé, a virgindade de María nao é assunto


que possa ser elucidado com recursos da filosofía ou de cien
cias empíricas, mas vem a ser estritamente tema de fé. Por
isto, a Comissáo episcopal, ao propor de novo tal artigo, nao
recorre senáo á Palavra de Deus reveladora e ao auténtico

— 114 —
. A VTRGINDADE DE MARÍA 27

órgáo de interpretagáo dessa Palavra que é o magisterio da


Igreja.

Por conseguirte, professar a maternidade virginal de Ma


ría é questáo de coeréncia. Quem eré em Cristo e na Igreja,
eré outrossim em tudo aquilo que a Igreja professa como
artigo de fé.
2. Os autores que negam a maternidade virginal de
María, apoiam-se em nova maneira de entender os textos
bíblicos sobre os quais se firma a profissáo desse artigo de
fé. A propósito citaremos um trecho da Declaracáo que por
ocasiáo do mesmo debate emitiu a Sociedade Mariológica
Espanhola:
"A fé na maternidade virginal de Marta, a Igreja a colheu nos escritos
do Novo Testamento. É exprassa nos anuncios faltos a María e a José.
No prlmelro (Le 1,26s) é explícitamente afirmada a vlrgtndade de Marta por
ocaslfio da Anunclacfio. Dols elemento* estüo no centro da mensagem:
a futura malemldade de Marta e o caráter virginal dessa maternidade. Este
6 realcado pela pergunta de María e a resposta do anjo.
No anuncio a José (Mt 1, 18-25), a concepcao virginal é pressuposta.
O objetivo da mensagem do anjo é precisamente o de levar a José a certeza
da tntervencao divina e, consecuentemente, dar-lhe a saber o seu papel e
a sua mlssáo no plano de Deus. Todavía o evangelista transmite um por
menor interessants, como que para afastar um possivel sentido da palavra
vlrgem que nao correspondería á realldade: 'Antes que tlvessem coabl-
tado...'. Na realtdade da concepcao virginal o evangelista vlu o «imprí
menlo da profecía de Isaías a respelto da Vlrgem Máe (Is 7, 14) e conclutu
reafirmando a vlrgtndade de Marta durante todo o lempo que precedeu o
nasclmento de Jesu3. Chamamos também a aten;§o para o falo de que a
mudanca de construcSo gramatical na genealogía (Mt 1,16} nao é casual.
O evangelista nao somonte nlo recorre á aflrmacSo normal, que terta sido:
'José, de Marta, gerou Jesús', mas, por um 'aoristo divino' ('da qual fot
gerado Jesus'Q, designa a Intervengo Inesperada e sobrenatural de Deus.
Por um outro procedlmento, sao Lucas, na sua genealogía de Jesús (3,23),
exclulu a Intervencao de José ('era fllho, Julgava-se, de José1)1'.
Ademáis é de notar que a S. Escritura nao pode ser
interpretada independentemente dos ensinamentos da Tradigáo
oral, que lhe é anterior e que continua a ressoar através dos
séculos no testemunho do magisterio da Igreja. Quem se
afasta da Tradigáo oral, mutila a própria Palavra de Deus e
arrisca-se as mais variadas e subjetivas interpretagóes, como
se pode averiguar ñas denominacóes cristas procedentes da
reforma de Lutero. É o que lembra o texto da Constituigáo
Dei Verbum do Concilio do Vaticano II citado no item 2 da
nota dos bispos espanhois.
3. Na falta de razóes filosóficas e empíricas, pergun-
ta-se: haveria alguma razáo teológica que explique e justi
fique a crenca na maternidade virginal de María?

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28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 23V1979

Sim. Notemos, antes do mais, que a crenga na virgindade


de María nada tem que ver com as proposigóes dos mitos
pagaos; os cristáos eram muito ciosos da sua identidade em
meio ao imperio Romano pagáo e por isto acautelavam-se
severamente contra toda infiltracáo de mitos no depósito da
sua fé; tenham-se em vista, por exemplo, os textos das car
tas pastarais em que S. Paulo adverte contra tendencias a
confundir fé e mito ñas comunidades da metade do sáculo I:
1 Tm 1,4; 4,7; 2 Tm 4,4.

Precisamente porque tencionavam evitar qualquer trai-


gáo ao Evangelho, os antigos cristáos abstinham-se de parti
cipar de festividades ou cerimónias cívicas ou sociais do Im
perio que pudessem ser tidas como adesáo á mentalidade reli
giosa paga. Foi tal atitude que lhes valeu os apelidos de
ateus (renegadores dos deuses do Imperio) e misántropos e,
conseqüentemente, a perseguigáo movida pelo Imperio Ro
mano. Nao se entende, pois, que desde os primordios da his
toria da Igreja tenham professado a virgindade de Maria se
esta era urna proposigáo tomada de empréstimo do paganismo.

Positivamente falando, dir-se-á que a maternidade virgi


nal de Maria decorre da própria realidade do misterio da En-
camagáo. Com efeito, Jesús, o filho de Maria, era o Filho
de Deus que assumiu a natureza humana. Em Jesús, havia
urna só pessoa, que era a segunda da SS. Trindade; cssa pes-
eoa tinha um Pai no céu; nao necessitava, pois, de outro Pai,
ou seja, de um genitor terrestre, mas, encarnando-se, preci-
sava apenas de urna genitora, ou seja, daquela que lhe daría
a natureza humana. O que Maria recebeu em seu seio, foi-
-lhe dado pelo próprio Deus; é o Filho do Pai eterno, ao qual
ela deu a natureza humana.

Com outras palavras: a maternidade virginal de Maria


significava que o Senhor Deus quis suprir diretamente as
fungóes do genitor na concepgáo de um filho; significa con
seqüentemente que o Filho de Deus quis penetrar no género
humano de maneira própria e característica, na sua quali-
dade e dignidade inconfuridível de Filho de Deus, e nao como
ser meramente humano.
Sao estes pontos de doutrína que ilustram e justificam
em termos teológicos a realidade da maternidade virginal de
Maria.
A propósito mais ampias reflexoes podem ser encontra
das em PR 180/1974, pp. 471-480.

— 116 —
Anselo dos cristfios:

a guantas vai o ecumenismo hoje ?

Em slnlese: O presente artigo reproduz o conteúdo de urna confe


rencia proferida pelo Pe. Gerardo Beckés, professor do Pontificio Ateneu
S. Anselmo e da Universidade Gregoriana, de Roma, quando de sua passa-
gem pelo Rio de Janeiro em 1978.

Aprésente as origens do ecumenismo em 1910. Somente em 1949 a


Igreja Católica reconheceu tal movlmento, pols até entSo ele parecía ser
algo de puramente filantrópico, sem dar a devida énfase ás verdades da fé;
era urna forma de panciistiantsmo, como dizia o Papa Pió XI. O Concilio
do Vaticano II, mediante o decreto "Unltatls Redintegratlo", fomentou a par-
ticlpacfio dos teólogos e dos fiéis no ecumenismo, valendo-se de urna vIsSo
de Igreja menos apologética do que a até entfio vigente e mala bíblica:
03 irmfios separados estfio em comunhfio Imperfelta com a única Igreja do
Cristo, que subsiste em plenltude na lgre|a Católica Apostólica Romana.
O ecumenismo pretende precisamente, como movlmento Inspirado pelo
Espirito Santo, favorecer a plena comunhfio das comunidades separadas com
a Igreja de Cristo.

Em vista disto, tém-se Instituido encontros de teólogos que vlsam a


refletlr sobre a estrutura e a organizacfio da Igreja, asslm como sobre pon
tos que aínda separam os cristáos entre si. Multo alvissarelros tém sido os
coloquios angllcano-católlcos e luterano-católicos sobre a Eucaristía e os
ministerios na Igreja. Com especial énfase, nos coloquios Interconfesslonals
tem sido focalizado o conceito de catollcldade. Esta nfio significa totalidade
geográfica ou étnica, mas totalidade ou plenitude (o pléroma paulino) dos
melos de salvacfio de que dispde a Igreja de Cristo. A catollcldade tem a
sua dlmensSo sócio-cultural, que a leva a respeltar a dlversidade de expres-
sSes dentro da unldade da fé e a unidade da fé dentro da variedade de
expressSes que as diversas culturas dfio a esta.

Comentario: O ecumenismo é movimento ocorrente entre


os discípulos de Cristo a fim de restaurar a unidade crista
violada através dos tempos. Entre os fiéis católicos e pensa
dores de outro Credo ou Filosofía, o movimento de aproxima-
cáo nao se chama «ecumenismo», mas pode ser dito «diálogo
inter-religioso» ou «inter-filosófico». Para se entender o sen
tido do ecumenismo leve-se em conta o seguinte:

a) No sáculo V separaram-se da plena comunháo da


Igreja os nestarianos e monofísitas, por nao aceitarem respec-

— 117 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 231/1979

tivamente as sentencas dos Concilios de Éfeso (431) e Calce


donia (451) a respeito de Jesús Cristo. Hoje em dia os nes-
torianos quase já nao existem, por terem voltado numerosos
á comunháo da Igreja universal em 1552. Os monofisitas
subsistem no Egito (coptas) e na Abissínia, perfazendo um
total de cerca de 6.000.000 de fiéis.

b) No sáculo XI (1054) deu-se a ruptura do Patriar


cado de Constantinopla em relacáo ao de Roma por motivos
mais nacionalistas e políticos do que propriamente teológicos;
a atitude de Constantinopla encontrou seguidores entre diver
sas comunidades cristas do Oriente (Grecia, Bulgaria, Rumé-
nia, Rússia...); o bloco que hoje assim existe, é chamado
ortodoxo por ter guardado a reta fé nos sáculos V-VII, quando
grassavam as heresias do Nestoríanismo e do Monofisismo.
Calcula-se em 150.000.000 ou 200.000.000 o número de fiéis
ortodoxos em nossos dias. Do ponto de vista da fé e da teo
logía, estáo muito próximos dos cristáos do Ocidente.

c) No século XVI, a partir de 1517, ocorreu <o cisma


protestante, encabegado por Martinho Lutero, Joáo Calvino
e Ulrico Zvinglio; os motivos da ruptura foram nao apenas
teológicos, mas, em grande parte, nacionalistas e circunstan
ciáis, de tal modo que hoje em dia se verifica que as diver
gencias entre os protestantes e os demais cristáos nao sao
táo grandes quanto se julgava nos sáculos XVI e XVII. O
bloco protestante conta atualmente 260 milhóes de membros
aproximadamente.

A consciéncia de que a divisáo é contraria ao espirito do


Evangelho tem-se avivado entre os cristáos do século XX, a
ponto de suscitar forte tendencia a reconstituir a unidade
desintegrada. O Concilio do Vaticano II (1962-1965) deu notá-
vel impulso a este movimento, dito ecuménico (isto é, univer
salista).

A marcha para a unidade toma diversos aspectos: ñas


carnadas populares parece dificultada pela falta de cultura
teológica e histórica, que leva os fiéis a tomar ou atitudes de
indiferenca ou posicóes extremadas (seja em favor, seja em
contrario da restauracáo da unidade). No Brasil as tenden
cias ecuménicas se ressentem de tal lacuna por parte do povo
cristáo, de modo que tém sido até agora pouco eficientes.
— Na verdade, o ecumenismo está longe de ser tendencia a

— 118 —
ECUMENISMO HOJE 31

relatívizar as proposicóes de fé, como se nao houvesse ver


dades de fé propriamente ditas. Também nao é tendencia a
nivelar todas as religióes ou confissóes religiosas entre si,
como se pouco importasse a pertenca a urna confissáo reli
giosa reconhecida como verdadeira. Positivamente o ecume-'
nismo procura reunir os cristáos separados entre si, ppopon-
do-lhes as verdades que Cristo revelou e que sao intocáveis;
tais verdades foram guardadas integras e incólumes até hoje
na Igreja que o Senhor fundou e quis confiar ao ministerio
de Pedro e dos Apostólos; a estes e aos seus sucessores legí
timos Jesús prometeu: «Éstarei convosco até a consumagáo
dos sáculos» (Mt 28,20). É, pois, na linhagem de Pedro e
dos bispos que estáo em comunháo com Pedro que se acha
o depósito sagrado da Revelacáo. Compete, porém, á Igreja
Católica, governada por Pedro, fazer brilhar as verdades reve
ladas de tal maneira que todos os irmáos as possam reco
nhecer.

Se entre os leigos cristáos o ecumenismo suscita proble


mas de incompreensáo, deve-se reconhecer que entre teólogos
o diálogo tem sido fecundo e alvissareiro. É precisamente
esta faceta do movimento ecuménico que as páginas subse-
qüentes intencionam apresentar sumariamente. Referem o
conteúdo de urna palestra proferida no Rio de Janeiro pelo
Pe. Gerardo Beckés O.S.B., professor de teología no Ponti
ficio Ateneu S. Anselmo e na Universidade Gregoriana de
Roma. O texto foi revisado pelo próprio mestre, a quem a
redacáo de PR exprime a sua sincera gratidáo.

1. O documento conciliar sobre a unidade : signif¡cac.áo

O Concilio do Vaticano II promulgou importante documento,


dito decreto «Unitatis Redintegratio», sobre a restauracáo da
unidade crista. — O alcance deste texto só pode ser avaliado
caso se reconstitua o respectivo paño de fundo ou a historia
das origens do movimento.

1.1. Surto do movimento ecuménico

Em 1910, por ocasiáo de urna Conferencia Mundial das


Missóes Protestantes realizada em Edimburgo (Escocia), foi
posta em relevo a desagradável impressáo que aos nao cris-

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32 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 231/1979

táos causava a pregagáo do Evangelho por parte de missio-


nários que divergiam. entre si,... e divergiam por razóes his
tóricas, as quais em absoluto nao interessavam aos nao cris-
táos. A vista disto, o bispo anglicano Charles Brent resolveu
organizar urna sociedade em que todas as confissóes se encon-
trassem para confrontar as suas posigóes; esperava com isto
atingir a uniáo dos crístáos divididos.

Sobreveio a primeira guerra mundial (1914-1918), após a


qual a Conferencia de Edimburgo deu seus primeiros frutos.

Estimulado pelas calamidades da guerra, o bispo lute


rano sueco Nata Soderblom deu inicio em Estocolmo a um
movimento de índole prática intitulado «Life and Work» (Vida
e Agáo), movimento que recebeu seus estatutos em 1925.
Como diz o nome, a nova obra procurava a uniáo dos cris-
táos no terreno prático da agáo social internacional, nao se
ocupando muito com divergencias na fé, na liturgia e na orga-
nizagáo da Igreja; Soderblom professava o ditame: «A dou-
trina divide, mas o servigo une». O Cristianismo era assim
concebido como fator de progresso social e como resposta as
aspiragóes pacifistas dos homens.

Em 1927, após os devidos preparativos, entravados por


dificuldades varias, o bispo anglicano Brent conseguiu cons
tituir, numa assembléia reunida em Lausanne (Suíga), o mo
vimento «Faith and Order» (Fé e Disciplina) 1; este vol-
tava-se para questóes tanto de fé como de organizagáo da
Igreja, pois Brent afirmava, com razáo, que a Igreja nao é
simplesmente urna sociedade de beneficencia e obras promo-
cionais, mas vem a ser essencialmente urna comunidade de
fé na mensagem divina de salvagáo.

Em 1937 tiveram lugar um Congresso internacional de


«Fé e Disciplina» em Edimburgo e outro de «Vida e Agáo»
em Oxford, ambos bem sucedidos, pois os seus participantes
manifestavam a consciéncia de que a Igreja nao é apenas um
movimento moralizador, mas «um outro mundo, todo sus
penso á recepsáo da Palavra de Deus pela fé».

Finalmente após a segunda guerra mundial, isto é, em


1948 na cidade de Amsterdam (Holanda) os dois movimentos
«Vida e Agáo» e «Fé e Disciplina» se fundiram no chamado

iTambém dito "Fé e Constltul?3o" ou "Fé e Ordem".

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ECUMENISMO HOJE 33

«Conselho Mundial das Igrejas» (CMI). Da grande assem-


bléia entáo realizada participaram 400 delegados oficiáis de
150 comunidades eclesiais autónomas, a professar um total
de aproximadamente trinta Credos. Estavam ausentes as sei-
tas antitrinitárias (como a das Testemunhas de Jeová) e
alguns grupos importantes, como os batistas do Sul dos Esta
dos Unidos da América, os luteranos do Missouri... A As-
sembléia houve por bem assumir urna posigáo doutrinária
definida, rejeitando qualquer concepgáo meramente prática ou
social do Cristianismo. Com efeito, para pertencer ao Con
selho Mundial das Igrejas seria necessário professar a fé em
«Jesús Cristo Filho de Deus e Salvador do mundo». Nao pou-
cos membros das diversas confissóes haviam-se pronunciado
contrariamente a esta fórmula, julgando-a estreita demais ou
incapaz de satisfazer aos irmáos que nutrem dúvidas sobre a
divindade de Cristo; preferiam a profissáo de fé em «Cristo
Senhor e Salvador» (omitida a men;áo da Divindade); tal
sugestáo, porém, nao encontrou aceitagáo por parte da assem-
bléia de Amsterdam.

A profissáo de fé adotada pelo Conselho Mundial das


Igrejas teve importancia capital, pois suscitou mudanca de
atitude da Igreja Católica frente ao ecumenismo.

1.2. O reconhetfnrento por paite da Igreja Católica

Antes do Congresso de Amsterdam, a Santa Sé proibia


aos fiéis católicos a participagáo no movimento ecuménico.
A razáo deste gesto foi explicada em 1929 pelo Papa Pió XI
na sua encíclica «Mortalium ánimos»: o ecumenismo entáo
ocorrente era tido como agáo de interesses meramente sodais,
destituidos de profissáo de fé definida; pelo que merecía ser
condenado como «Pancristianismo» (indiscriminado uso ou
abuso do nome «Cristianismo»).

Todavía, pouco depois da assembléia de Amsterdam, ou


seja, em dezembro de 1949 o Papa Pió XII sancionou a Cons-
tituigáo «Ecclesia Catholica» da Congregagáo do Santo Ofí-
do, que permitía aos bispos do mundo inteiro delegar sacer
dotes para tomarem parte no diálogo ecuménico. Estava assim
iniciado o processo de crescente abertura da Igreja Católica
para o movimento ecuménico... abertura que deveria ocorrer
em fidelidade á mensagem de Cristo, sem concessSes ao rela
tivismo ou a perspectivas meramente humanas.

— 121 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 23V1979

Novo passo na mesma diregáo foi efetuado pelo Papa


Joáo XXm, que em 1960 fundou o Secretariado para a Uni-
dade dos Cristáos, confiado á orientagáo do Cardeal Agosti-
nho Bea S.J., cuja profunda formacáo bíblica o credenciava
singularmente para o diálogo. — O mesmo Papa Joáo XXIII,
alias, convidou delegados nao católicos que, na qualidade de
observadores, assistiram as sessóes do Concilio do Vaticano II.

Como resultado de longos estudos e debates dos padres


conciliares, foi promulgado aos 21/11/1964 o decreto «Uni-
tatis Redintegratio», UR (Restauracáo da Unidade), que logo
em seu proemio reconhece o movimento ecuménico como ge-
nuína obra do Espirito Santo 1) baseada na profissáo de fé
no Deus Trino e em Jesús Cristo Senhor e Salvador e 2) des
tinada a restaurar a unidade visivel da Igreja. Eis as pala-
vras do próprio texto conciliar:

"A restauracáo da unidade entre todos os crfstfios é um dos objetivos


principáis do Sagrado Sínodo Ecuménico Vaticano Segundo. O Cristo Senhor
fundou tima só e única Igreja. Todavía mullas comunhBes cristas se apre-
senlam aos homens como sendo a heranca verdadeira de Jesús Cristo.
Todos, na verdade, se professam discípulos do Senhor, mas tém pareceres
diversos e andam por camlnhos diferentes, como se o próprio Cristo esll-
vesse dividido. Esta divtsfio, sem dúvlda, contradlz abertamente á vontade
de Cristo e se constituí em escándalo para o mundo, como também prejudlca
a 8anUssima causa da pregacSo do Evangelho a toda criatura.

No entanto, o Senhor dos secutes, que sabia e pacientemente continua


realizando o propósito de sua grasa em favor de nos pecadores, nestes últi
mos tempos comecou por derramar mais abundantemente sobre os cilstfios
separados entre si a compuncáo de coráceo e o déselo de unlao. Muitos
homens, por toda a parte, sentlram o Impulso desta graca. E lambém, por
obra do Espirito Santo, surglu entre os nossos irmfios seperados um moví*
mentó sempre mais ampio para restaurar a unidade de todos os crtstios.
Este movimento de unkiade ó chamado 'movlmenlo ecuménico'. Dele parti-
clpam os que Invocam o Deus Trino e confeseam a Jesús como Senhor e
Salvador, nao só Individualmente, mas lambém reunidos em assemblélas...
Quase todos, embora diversamente, desejam urna Igreja de Deus una e vlsí-
vel, que seja verdaderamente universal e enviada ao mundo intelro, a flm
de que o mundo se converta ao Evangelho e asslm eeja salvo para a glóila
de Deus" (UR 1).

Pergunta-se agora:

1.3. Qual a base doutrinal para o reconhecimenfo ?

Deve-se indicar nova maneira de focalizar a Igreja, ma-


neira menos apologética do que a que fora elaborada em con-
seqüéncia da reforma do séc. XVI, e mais bíblica.

— 122 —
ECUMENISMO HOJE 35

A visao apologética identificava a Igreja de Cristo com


a organizagáo visivel da Igreja Católica Romana; só reco-
nhecia como membro da Igreja quem professasse a mesma
fé, recebesse os mesmos sacramentos e obedecesse aos mes-
mos pastores, como ensinava S. Roberto Bellarmino no séc.
XVII. Em tal perspectiva, os protestantes e ortodoxos eram
considerados como estranhos á Igreja de Cristo.

A visao bíblica é um perneo diferente. Distingue na Igreja


de Cristo varios elementos essenciais; a adesáo a Jesús Cristo,
a fé na Palavra de Deus e na sua mensagem (uso das Escri
turas Sagradas), o Batismo, os outros sacramentos, o minis
terio apostólico, o episcopado, o Papado... Com efeito, todos
estes elementos sao apontados pelos escritos do Novo Testa
mento como integrantes da Igreja de Cristo. Em conseqüén-
cia, quem professa todos estes elementos está em comunháo
perfeita com a Igreja de Cristo; tal é o caso dos fiéis católi
cos apostólicos romanos. Quem, porém, professa alguns ou
apenas um de tais elementos (como, por exemplo, a té na
Palavra de Deus), está em comunháo imperfeita com a Igreja
de Cristo,... comunháo imperfeita que deve ser levada &
plenitude ou á perfeigáo mediante a grasa de Deus, da qual
o movimento ecuménico pode ser o instrumento válido. — As-
sim a nova perspectiva eclesiológica nao fala tanto de mem-
bros da Igreja, mas, sim, e muito mais, de diversos graus de
comunháo com a única Igreja de Cristo (que se realiza e
subsiste de modo pleno e perfeito na Igreja Católica Apostó
lica Romana).

Note-se que o reconhecimento de diversos graus de comu


nháo nao atinge apenas os fiéis individualmente, mas tam-
bém as comunidades reformadas como tais (a luterana, a
anglicana, a calvinista e outras). A Igreja é a medianeira da
salvagáo adquirida por Cristo em favor dos homens. Ora,
esta fungáo, a Igreja Católica Romana a preenche de maneira
plena e total; mas tal fato nao excluí que outras comunidades
eclesiais a realizem de certo modo, na medida em que pos-
suem algum ou alguns dos elementos constitutivos da única
Igreja de Cristo; essa modalidade, embora respeitável, ainda
é deficiente ou imperfeita, carente de ser levada á perfeigáo
ou plenitude.

Sao os elementos eclesiais comuns a duas ou mais comu


nidades cristas que fundamentan! urna certa comunháo (koi-
noonia) entre essas comunidades. Ora precisamente o movi-

— 123 —
36 . «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 231/1979

mentó ecuménico procura reconhecer tais elementos comuns


e desenvolvé-los, a fim de tornar perfeita a comunháo imper-
feita existente entre as comunidades separadas e a Igreja
Católica Apostólica e Romana. Tal é a doutrina que se de-
preende do decreto UR n' 3:

"Na una e única Igreja de Deus, Já desde 09 primordios, surgiram algu-


mas clsSes, que o Apostólo censura como gravemente condenáveis. Dlssen-
sSes mai3 ampias, porém, nasceram nos sáculos posteriores. Comunidades
nao pequeñas separaram-se da plena comunhSo da Igreja Católica, algumas
vezes nao sem culpa dos homens de ambas as parles. Conludo os que agora
em tais comunidades nascem e sSo imbuidos na fé em Cristo nao podem
ser a'gSIdos do pecado da separacáo, e a Igreja Católica os abraca com
fraterna reverencia e amor. Aqueles que créem em Cristo e foram devldamente
balizados estáo constituidos nuina certa comunhfio, embora nao perfeita,
com a Igreja Católica. Com efeito, as discrepancias vigentes, sob diversas
formas, entre e!es e a Igreja Católica — quer em questSes doutrlnais, e ás
veze3 tamben) disciplinares, quer acerca da estrutura da Igreja — criam
nao poucos obstáculos, por vezes multo graves, a plena co.munh3o ecle
siástica. Ora o movlmento ecuménico visa a superar esses obstáculos. Os
limaos, jusVficados no Batismo pela fé, sao incorporados a Cristo e, por
Isto, com razSo ornados com o nome de CrlstSos e merecidamente reco-
nhecidos pelos fllhos da Igreja Católica como Irnidos no Senhor.

Ademáis alguns — e até multos e eximios — elementos ou bens com


os quals a Igreja é edificada e vivificada, podem existir fora do ámbito da
Igreja Católica: asslcn a Palavra escrita de Deus, a vida da graca, a fé,
a esperanca, a carldade e oulros dons Interiores do Espirito Santo e ele
mentos vlsfvels. Tudo tsso, que provém de Cristo e a Cristo conduz, per-
tence por dlrelto a única Igreja de Cristo.

Os limaos separados de nos realizan* também nao poucas ac5es da


reHglSo crista. Estas podem, sem dúvida, por varios modos, conforme a
condlcSo de cada Igreja ou comunidade, produzir realmente a vida da graca.
Devem mesmo ser lidas como aptas a abrir as portas a comunháo salvadora.

Portante, mesmo as Igrejas e Comunidades separadas, embora creía


mos que tenham deficiencias, de forma alguma estSo destruidas de signifi
cado e importancia no misterio da salvacáo. O Espirito Santo nao recusa
empregá-las como melos de satvacSo, errAora a vlrlude desses derive da
plenitud» da graca e verdade confiada á Igreja Católica.

Contudo os Irmfios de nos separados, tanto os Individuos como suas


Comunidades e Igrejas, nao gozam daquela unldade que Jesús Crfeto quis
prodigallzar a todos aqueles que regenerou o convjvllicou num aó corpo e
em novldada de vida e que as Sagradas Escrituras e a venerável TradigSo
da Igreja professam. Somonte através da Igreja Católica de Cristo, auxilio
geral de saivacSo, pode ser atingida toda a plenltude dos melos de salvacSo.
Oremos lair.bém que o Senhor confiou todos os bens do Novo Testamento
ao único colegio apostólico, á cuja frente está Pedro, a fhn de constituir
na térra um só corpo de Cristo, ao qual é necessátio que se Incorporem
plenamente todos os que, de alguma forma, pertencem ao povo de Deus".

— 124 —
ECUMENE5MO HOJE 37

Em suma, é tal concepgáo de Igreja que torna possivel


á Igreja Católica o reconhecimento do ecumenismo e, conse-
qüentemente, a realizado do diálogo ecuménico.
Vejamos agora:

2. Como se tem desenvolvido o diálogo ?

Após o Concilio do Vaticano II tornaram-se assaz inten


sos os contatos e o diálogo entre a Igreja Católica e as comu
nidades eclesiais nao católicas. Esse dialogo vem-se desenvol-
vendo de duas maneiras, ou seja, em termos gerais e em ter
mas mais específicos ou bilaterais.

2.1. Diálogo geral

Pratica-se o diálogo geral quando diversas comunidades


eclesiais se reunem por meio de seus representantes legítimos
para estudar algum tema de interesse comum. É o que o
Conselho Mundial das Igrejas vem promovendo em assem-
bléias cuidadosamente preparadas e planejadas.

1) Algumas dessas assembléias tém caráter estríta-


mente teológico, devendo-se principalmente á iniciativa da
Comissáo «Fé e Constituiffáo». Tal foi o que ocorreu em
Montréal no ano de 1963, quando as confissoes cristas reu
nidas por meio de seus representantes debateram o tema
«Igreja Católica Universal como comunháo de igrejas locáis»,
chegando a conclusóes muito positivas ou convergentes. Foi
também o que se deu em Louvain (1971), onde o tema abor
dado foi «A unidade da Igreja e a do género humano».

As questóes estudadas nos encontros teológicos referem-se


geralmente á estrutura e a unidade da Igreja. Antes mesmo
que a Igreja Católica partidpasse de tais encontros, haviam
os protestantes e ortodoxos chegado a evidencia de que a uni
dade da Igreja

— nao é meramente interior, espiritual ou invisível, mas


deve ter suas notas características, visiveis, como a profissáo
da mesma fé e a participagáo nos mesmos sacramentos;

— 125 —
38 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS? 23V1979

— nem é a unidade de urna confedera^ao, na qual diver


sas comunidades cristas se encontrariam vinculadas por liames
ora mais íntimos, ora mais frouxos;

— nem é a unidade resultante do intercambio ou da


permuta de certos valores, como se fosse desejável que um
cristáo participasse, em determinados dias, da celebracáo euca-
rística da Igreja Católica e, em outros, do culto protestante.

Rejeitando tais tipos de unidade, os cristáos nao cató


licos se tém mostrado convictos de que a unidade da Igreja
é a de um corpo orgánico, vívente, chamado «o corpo de
Cristo», caracterizada pela mesma profissáo de fé e pela
mesma vida sacramental. Como condicáo para que tal uni
dade se realize, vé-se que é necessário o ministerio apostólico,
ou seja, a fidelidade ao pastoreio entregue por Cristo aos
Apostólos e por estes aos seus legítimos sucessores. É este
ministerio que há de garantir a unidade da fé e a da vida
sacramental.

2) Além dos ampios encontros destinados ao estudo


teológico, tém-se registrado assembléias gerais do Conselho
Mundial das Igrejas, que visam principalmente a aplicar á rea-
lidade pro-tica os pontos debatidos pelos encontros de nivel
doutrinário. Dignas de nota foram, por exemplo, a III assem-
bléia do CMI em Nova Delhi (1961), que versou sobre o
tema «Jesús Cristo, a luz do mundo», a IV assembléia reu
nida em Upsala na Suécia (1968), tendo seu interesse cen
trado no tema «O Espirito Santo e a catolicidade da Igreja»,
a V assembléia realizada em Nairobi (Quénia) no ano de
1975, sobre «Jesús Cristo nos liberta e nos une».

2.2. Diálogo bilateral

O diálogo bilateral entre duas comunidades eclesiais é


preferido pela Igreja Católica, visto que possibilita aborda-
gem mais especifica e fecunda dos pontos que interessam aos
interlocutores.

O mais fecundo intercambio teológico da Igreja Cató


lica tem ocorrido com os anglicanos. Produziu duas impor
tantes Declaracóes: a de Windsor, sobre a Eucaristía, e a de
Cantuária, sobre o ministerio apostólico. Estes dois documen
tos atestam surpreendente convergencia de ambas as partes
sobre os temas considerados. Todavía nao se pode deixar de
mencionar seria dificuldade no diálogo entre católicos e

— 126 —
ECUMENISMO HOJE 39

anglicanos (ou, de modo geral, cristáos nao católicos): en


guanto os teólogos católicos propóem a mesma doutrina
representativa da Igreja Católica (apesar da variedade aci-
dental de escolas teológicas do Catolicismo contemporáneo),
os teólogos nao católicos nao representam sempre a sua comu-
nidade eclesial, mas, por vezes, a sua posigáo pessoal ou a
de certas correntes da sua comunidad» (os prcprios bispos
anglicanos nem sempre concordam entre si, mesmo em assun-
tos de fé). O coloquio com os teólogos católicos estimula,
sem dúvida, os nao católicos a procurarem a unidadc da sua
doutrina.

O ponto mais nevrálgico de todos, no diálogo ecumé


nico, em geral fica sendo o ministerio apostólico e o primado
de Pedro ou, segundo terminología recente, o «munus petri-
num», o oficio de Pedro. Contudo mesmo a tal propósito
vém-sR desenvolvendo serios esforcos: assim, por exemplo. aos
5/03/74 foi publicada a Declaragáo «O primado do Papa.
Pontos de convergencia» da autoría de teólogos católicos e
luteranos dos Estados Unidos da América: o conteúdo deste
documento é altamente ir.teressante e alvissareiro, como se
node depreender da resenha apresentada em PR 183/1975.
Eis. por exemplo, o que se lé logo no prólogo de tal Dec?a-
racáo:

"Entre os luteranos asslstimos a urna tomada de consciencla cada vez


matft viva da necesstdade de un ministerio especifico para conservar i
unldade da Igrela e a sua mlssfto universal, enmianto os católicos expe'l-
mentam cada vez malí a neeessidade de urna compreensSo mais matizada
da funcSo do Papado na ícela universal. Luteranos e católicos podem atjva
comecar a encarar a posslbilidade de um acedo e esperar encontrar solu-
cSes para problemas que outrora pareciam Insolúvels. Cremos que Deus
chama nossas Igrejas a se aproximaren!, e oramos para que esta Dteclaracüo
comum sobre o primado papel seja uma etapa em demanda dessa meta"
(el. PR 183/1975, p. 99).

Em suma, verifica-se que os teólogos das diversas con-


fissóes cristas tém procurado exprimir a sua fé em fórmulas
que possam obter o consentimento de todos os cristáos. Esta
tarefa implica purificacáo das mentalidades de parte a parte
e das respectivas linguagens: enauanto os católicos se véem
obrigados a fazer eco mais assíduo aos textos bíblicos, os
protestantes redescobrem ñas Escrituras certos pontos que
lhes tém escapado (a real presenca de Cristo na Eucarhtia,
por exemplo).

Resta agora indagar:

— 127 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS;» 231/1979

3. E quaís as perspectivas do movimento ecuménico ?


Partamos de ura fato importante: em 1968 realizou-se a
VI assembléia geral do Conselho Mundial das Igrejas em
Upsala. Contava com a presenca de 800 delegados de um
total de 230 comunidades eclesiais; eram 2.000 os respectivos
participantes, entre os quais muitos católicos. No ato de aber
tura, foi lida urna carta do Papa Paulo VI, que, saudando
muito fraternalmente a assembléia, foi aplaudida pelos^ pre
sentes durante cerca de cinco minutos, em demonstragáo de
viva simpatía pe!o Pontífice Romano. Pós-se entáo a per.
gunta: seria conveniente que a Igreja Católica se tornasse
membro efetivo do Conselho Mundial das Igrejas? — A res-
posta dada pela assembléia foi negativa. E por qué? — Por
que a Igreja Católica é a mais numerosa de todas as comu
nidades eclesiais cristas; se, pois, se lhe quisesse dar o devido
lugar no CMI, ela provocaría a ruptura do equilibrio das
representacóes eclesiais — o que seria inoportuno. Ficou,
pois, assentado que, mesmo sem se tornar membro do CMI,
a Igreja Católica colaboraría com este na procura da uni-
dade; em conseqüéncia, foram logo escolhidos nove (hoje sao
quinze) teólogos católicos para integrar a Comissáo «Fé c
Constituigáo»; desta forma os católicos passaram a coopsrar
diretamentc na promocáo do diálogo teológico interconfes-
sional.

A Assembléia de Upsala houve por bem aprofundar o


tema «O Espirito Santo e a Catolicidad^ da Igreja», che-
gando a conclusóes que váo abaixo sintetizadas.

3.1. Catolicidade da Igreja

Embora a palavra catolicidade como tal nao ocorra ñas


Escrituras Sagradas, ela é de origem antiqüíssima ñas obras
cristas, visto que foi utilizada já por S. Inácio de Antioquia
(f 107). Ela nao significa, nc. mente da antiga Tradicáo
(que os estudiosos em Upsala quiseram reavivar)
— nem universalidade Rcocráfica, ou seja, difusáo do
Evangelho por todas as partes do globo;
— nem universalidade étnica, isto é, adesáo de todos os
povos á mensagem evangélica,
nem universalidade histórica, isto é, transmissáo do
pregáo do Evangelho através de todos os sáculos.

— 128 —
ECUMENISMO HÓJÉ 4i

A catoliddade, pois, da Igreja nao tem, no contexto do


diálogo ecuménico, significado quantitativo, mas, sim, quali-
tativo. Ela exprime a plenitude ou totalidade da salvagáo,
da graca e do Espirito Santo contida na Igreja de Cristo.
Tal sentido do termo corresponde ao que Sao Paulo entende
por pléroma (plenitude) ñas cartas aos Colossenses (cf. 1,19;
2,10; e aos Efésios (cf. 1,23; 3,19; 4,13).

Em conseqüéncia, os onze Apostólos e María SS. no dia


de Pentecostés eram a Igreja Católica (portadora da pleni
tude da salvagáo); cf. At 2,1-4. Os tres mil fiéis convertidos
pela primeira pregagáo de Pedro também representavam a
catolicidade da Igreja (cf. At 2,41). — É essa catolicidade
ou plenitude que deve procurar a unidade da Igreja esparsa
palo mundo inteiro, como urna forga que age de dentro para
fora no corpo vivo da Igreja. Em virtude deste principio,
muitos teólogos afirmam que o nome da unidade hoje é cato-
licidadc.

3.2. Dimensóes da catolicidade

A ulterior elaboragáo do conceito de catolicidade leva os


teólogos a reconhecer nesta nota da Igreja quatro dimensóes
características:

a) (limcnsao sócio-cultunil. Esta implica unidade da fé


na divcrsidade das expressdes da fé e diversidade de expres-
sóes na unidade dos valores essenciais. É isto que diferencia
a unidade almejada de urna uniformidade indesejável para a
Igreja de Cristo. Existente em lodos os continentes do globo,
a Igreja deve saber encontrar na cultura de cada povo e de
cada regiáo as diversas formas da sua fé e da Liturgia. Isto
quer dizer, entre outras coisas, que, como atualmente sao
aceitos na Igreja Católica o rito bizantino, o melquita, o maro-
nita, o romano e outros, no futuro também poderáo encon
trar aceitagáo o rito luterano, o anglicano..., sem prejuízo
para a validade da celebracáo. Como existe urna organizasáo
eclesial confiada preponderantemente a clérigos, poderá em
certas regióes a Igreja confiar novos e novos ministerios a
leigos, ficando, porém, todas as funcóes eclesiais (clericais ou
leigas) vinculadas ao sucessor de Pedro, em auténtica comu-
nhño com a Igreja Romana. Estas perspectivas nao vém a ser
senáo aplicagóes do famoso axioma: «Ñas coisas essenciais
(da fé e da organizagáo da Igreja), naja unidade. Ñas coisas
acidentais, haja liberdade. Em tudo, porém, naja caridade»
(cf. UR n< 4).
— 129 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 231/1979

b) Dimensao histórica. Requer-se continuidade histórica


entre a fé dos Apostólos e a que a Igreja hoje professa. A
conservagáo da mesma fé será assegurada pelo ministerio de
Pedro e de seus sucessores. Pode-se mesmo dizer que a suces-
sao apostólica é a cháncela que autentica a fé apostólica ou
verdadeira, assim como a fé apostólica é o conteúdo da suces-
sáo apostólica. Em outros termos ainda: a sucessáo apostó
lica é, de certo modo, sacramento (sinal portador e trans-
missor) da fé apostólica1.
c) Dimcnsáo eclcsial. As diversas comunidades cristas,
conservando seus próprios valores legítimos e suas tradigóes,
devem convergir numa única comunháo, constituindo urna so
Igreja.
d) Dimeiiiáo cósmica. Essa comunháo deverá ter reper-
cussáo sobre o género humano ou sobre o mundo inteiro,
contribuindo para unir todos os homens com Deus e entre si.
É, alias, o que ensina a Constituigáo «Lumen Gentium» no
seu n» 1: «A Igreja é o sacramento da unidadG dos homens
com Deus e uns com os outros». Exercendo assim a sua dupla
missáo — a vertical e a horizontal — a Igreja coloca a cruz
no centro do universo e da historia.
Nao faltam em nossos dias organizagóes que visam a unir
os homens entre si, provocando a convergencia dos valores
dos diversos povos em prol do bem comum; tenham-se em
vista, por exemplo, a ONU, as sociedades internacionais de
esportes, música, cultivo da ciencia, etc. O que falta a tais
sociedades para preencherem a sua finalidade de unir real
mente os homens, é o Espirito do Senhor, que dá eficacia
transcendental aos esforcos sempre limitados das criaturas.
Ora a Igreja é vivificada precisamente pelo Espirito de Deus
para poder tornar-se a alma do mundo, ou seja, a forga dina-
mizadora dos valores da humanidade. Na verdade, a Igreja
nao existe para si, mas para transmitir a todos os homons as
riquezas da mensagem e da vida que o Senhor Deus Ihe quis
confiar.
Eis as perspectivas que se abrem ao movimento ecumé
nico em nossos dias. Eis a vocagáo a que os cristáos, reuni
dos na catolicidade da Igreja, sao chamados, mais do que
nunca, nos tempos atuais.
EstSvao Bsttencourt O.S.B.

'A razáo de táo categórica afirmativa encontra-se ñas palavras de Cristo


aos Apostólos: "Eis que estarei convosco até a consumagáo dos séculos"
(Mt 28,20). Fot, pots, aos Apostólos e aos seus sucessores até o fim dos
tempos que o Seníior qüs asnogurar a sua infalível assistdncia.

— 130 —
livros em estante
A Fé da Igreja, por Michael Schmaus, vol. IV — A lgre]a, um misterio
de fé. Tradugfio de Freí Alvaro Machado Silva. — Ed. Vozes, PetrSpolis
1976, 160 x 230 mm, 236 pp.

Michael Schmaus é um dos grandes teólogos contemporáneos. Publi-


cou um compendio de Teología Dogmática (ou Sistemática) com o titulo
"Der Glaube der Kirche", que a Ed. Vozes vem traduzlndo. Depols de
haver tratado dos fundamentos da Teología, de Deus em sua Unidade e sua
Trlndade e de Cristo, o autor considera neste vol. IV a Igreja como misterio
de fé, que continua o misterio do Verbo Encarnado. Schmaus encara ai
também as questSes modernas da Eclesiologla, como sejam o papel dos
leigos, o primado e a infalibilidade do Papa, o sacerdocio ministerial das
mulheres, o celibato do clero. Nestas diversas abordagens o teólogo alemáo
é fiel porta-voz da igreja, apto a satlsfazer ao leftor desejoso de informacSes
seguras sobre as manelras como s§o discutidos os temas da fé e encami-
nhados para a sua solugSo. Já tivemos ocasISo de apreciar os volumes
anteriores de Schmaus em PR 199/1976, p. 324; 205/1977, p. 45.

Fazemos votos para que a publicagáo da obra intelra chegue em breve


a seu termo.

Jesús político e Ilbertac3o escalológlca, por J. E. Martlns Térra, R.


Lalourelle, B. Kipper, O. Cullmann, L. Sabourjn, E. Dhanls, A. Vanhoye.
Serie bíblica n? 6. — Ed. Loyola, SSo Paulo 1979, 140x210 mm, 143 pp.
Este livro é urna coletánea de artlgos de grandes mestres nacionals e
estrangelros, coordenada pelo Pe. Joño Evangelista Martins Térra S. J..
Trata do candente tema da liberlagfio, procurando reconstituir a genulna
face e o auténtico pensamento de Cristo a respelto. Na verdade, o livro
aborda tanto a Cristologla bíblica como a teología da llbertagSo.

O primelro artigo, da autoría do Pe. R. Latourelle, procura mostrar os


criterios para se distinguir o Jesús histórico do Jesús da fé e concluí muito
favoravelmente ¿ autentlcidade dos Evangelhos. Hoje nSo se repetiría o que
Bultmann dizia em 1926: "De Jesús de Nazaré n§o se sabe nada ou quase
nada". O artigo é extremamente importante para se firmar a credibilidade
dos Evangelhos.

O segundo capitulo é da lavra do Pe. Baldufno Kipper S. J., de SSo


Leopoldo (RS): multo exato o criterioso, o autor mostra que Jesús nfio fol
um revolucionario político, um guerrllhelro ou um político profissional; nfo
obstante, a sua pregagáo tem urna dimensSo política, porque questiona o
poder quando este tende a se divinizar e absolutizar.
O. Cullmann Interroga: "Teve Jesús propósitos de reforma política?".
Ao que responde negativamente, e acrescenta ao fim do seu artigo: "Dlrl-
gi-me nestas linhas quer aos católicos, quer aos protestantes. De fato, tanto
uns como outros estáo igualmente ameagados pelo perigo da politizagao.
Se o encontró ecuménico se dá ao nivel da politlzagSo, é um falso ecume-
nismo, que nSo somente compromete a causa da unidade, mas favorece tam
bém o processo de descristianizag&o do mundo. A fungao atual do verda-
defro ecumenismo, diante deste perigo, deve consistir em opormo-nos con
juntamente a esta reducto arbitraria do Evangelho, para dar ao Estado
o servigo que somos chamados a dar-lhe, com o testemunho de que possut-
mos o mandato" (p. 92).

— 131 —
4£ «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 231/1979 ^

L. Sabourin S.J., professor no Instituto Bíblico de Roma, estuda a


ressurreicao de Lázaro (Jo 11) e afirma a hlstorlcidade da mesma. Bem
evidencia assim ser arbitrarla a tese de Alfons Weiser, que propos a inter
pretado contraria em seu livro "O que é mllagre na Biblia"; cf. PR 224/1978,
pp. 319-334.

O. Pe. Edouard Dhanis S.J. aborda a ressurreicao corporal de Jesús;


afirma a historicidade do fato e aborda o valor teológico do mesmo.

L. Sourin S. J. comenta com sólida piedade as palavras de Jesús


na Cruz. E os PP. Vanhoye e J. E. Martins Térra comentam o sacerdocio
de Cristo segundo a epístola aos Hebreus.

Como se vé, o livro em foco é rico em conteúdo teológico e apolo


gético. Vem a propósito neste momento de hesltacoes sobre temas básicos
da fé (ressurreicao de Jesús, fidelldade histórica dos Evangelhos, escatolo-
gia e teología da libertacSo, etc.). Apenas lamentamos nao haja urna página
de Sumarlo no Inicio ou no fim da obra, a fim de propor em relance os títu
los dos diversos capítulos do livro. Mas isto nSo faltará na próxima edicio 1

As teologías do nosso tempo, por Battista Mondin. — Ed. Paulinas, S3o


Paulo 1979, 130x200 mm, 226 pp.

O Pe. Battista Mondin é professor de Universidades eclesiásticas em


Roma. Vem-se dedicando ao estudo do pensamento católico e do ateísmo
em nossos dias. Dai o lancamento do Interessante livro aqui posto em pauta.

O autor distingue cinco correntes teológicas em nossa época:


1) a renovacáo teológica ocorrida após a primeira guerra mundial
(1914-18); procurava abastecer-se copiosamente da S. Escritura e dos es
critos patrlsticos. Os seus principáis expoentes foram Chenu, Congar, Da-
nlélou, De Lubac, Guardinl ... (da parte católica) e Karl Barth, Brunner
(da parte protestante). Esta corrente aínda subsiste no Catolicismo e muito
influiu na redacSo dos documentos do Concillo do Vaticano II.
2) A teotdgia "radical" ou "da morte de Deu9". Os seus arautos,
geralmente protestantes, seguem a filosofía neopositivista: Deus seria um
nome sem significado ou urna realidade morta para o homem contempo*
raneo. Dai a necessidade de se reconhecer a "morte de Deus", o que
significa que os crlstáos devem vtver como se Deus nSo existisse ou secu-
larizadamente, a fim de poderem entrar em diálogo e colaborag&o com os
seus semelhantes Indiferentes ou ateus (a fé, no caso, só existiría em caráter
privado ou no intimo dos cristáos, sem manifestagóes especificas).
3) A teología da esperanca recebeu o seu nome a partir do livro
de Ernst Bloch : Das Prlnzlp Hoffnung (O principio Esperanca). PropSe
urna vlsfio otimista da historia, preconizando a Utopia, ou seja, a consecucfio
de um bem-estar terrestre com que sonham todos os filósofos e sociólogos.
Bloch seguiu de perto Karl Marx, mas, em vez de repudiar a ReligiSo, atribuí
a esta papel Importante na tarefa de construir um futuro melhor; a religi&o
contribui para projetar o homem em demanda do seu futuro dentro da
própria realidade terrestre. Os principáis cultores deste modo de pensar sSo
W. Pannenberg (protestante), J. B. Metz (católico, que dá orlentacfio cató
lica ás llnhas de Bloch), Harvey Cox (batista)...
4.) A teología da "praxis". Em vez de servir-se de algum sistema filo
sófico para penetrar a Palavra de Deus, os mentores desta corrente partem

— 132 —
da praxis (acio) política, social, económica... Julgam que na acSo é que
deve emergir o sentido da palavra de Deus. Esta, mais do que um canal de
verdades, seria urna fonte de acSo e transformacáo. A expressSo mais conhe-
cida desta corrente teológica é a "teoiogia da libertado" (ao menos em al-
guns de seus variados matizes), a qual também é, por vezes, "teoiogia da
revolugao". Seus principáis (autores s3o Gustavo Gutiérrez, Hugo Assman...

5) A teoiogia da cruz faz da cruz o principio de interpretado de toda


a historia da salvacSo e de todo compromisso prático. Visto que a cruz signi
fica renuncia, humilhacáo, morte, esta corrente teológica sujeita ao severo
juizo da cruz as construcdes teológicas, as estruturas eclesiais, as iniciativas
concretas para verificar se permaneceram fiéis a Cristo até ao Calvario ou se
preferiram abandoná-lo com Pedro ou mesmo traí-lo com Judas. O principal
cultor desta escola teológica é J. Moltmann, que se inspira remotamente
em Martinho Lutero.

O livro de Mondin é informativo e útil. Nao há dúvida, poderia ser


ainda mais completo, levando em conta a teoiogia católica prop'riamente dita
posterior á segunda guerra mundial (1939-1945|) e principalmente após o
Concilio do Vaticano II (1982-65). Como quer que seja, é obra de valor,
como toda tentativa de visao panorámica é valiosa.

Conversas com o meu Senhor, por Joao Batista Megale. Colecao "Se-
mentes" — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1978.

O profeta que velo do deserto, por JoSo Batista Megale. Colecao "C¡-
dadáos do Reino". — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1978, 135x207 mm, 125 pp.
A experiencia de Deus, por Joao Batista Megale. Colecao "Juventude
e Crescimento na fé" n? 8. — Ed. Paulinas, S3o Paulo 1977, 110x190 mm
75 pp.

O Pe. Joáo Batista Megale ó um missionário claretlano de Belo Ho


rizonte. Tem-se dedicado a escrever llvros de espiritualidade, dos quais tres
váo ácima identificados.

O primeiro é urna antología de betas oracSes, formuladas a propósito


de temas da vida cotidiana (amizade, paciencia, inicio do día, Natal, etc.).
Tais livros de oracSo ensinam o leitor a rezar.

No segundo livro recenseado o autor comenta os textos do Evangelho


relativos a Joáo Batista, procurando dar sentido atual á figura do precursor
do Senhor: este terá sido um contestador da sociedade de consumo e um
auténtico mártir ou testemunha de Cristo.

No terceiro livro, mais denso do que os anteriores, o Pe. Megale


tenta falar de Deus e da uniáo com Deus a jovens, mediante estilo simples
e claro; propSe reflexóes que se vio concatenando, de modo a evidenciar
que Deus nao é urna palavra nem urna fórmula de Catecismo, mas, sim, o
grande Dialogante da criatura humana.

Parabens ao autor, que certamente deve encontrar ampia divulgacño


no público ledor, pols ó mestre em comunicar de manelra suave as ver
dades profundas referentes a Deus e á vida crista.
E.B.
• • •

SE ALGUÉM DESEJA DESFAZER-SE DE ALGUM NÚMERO


ATRASADO DE PR, QUEIRA INDICA-LO AO CORONEL JOA-
QUIM LAGOA (CAIXA POSTAL 11.730, CEP 01000 SAO
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DEUS NOS MANDOU SEGUI-LO, MAS PARA DAR-NOS A

SALVAQÁO. POIS SEGUIR O SALVADOR É PARTICIPAR DA

SALVAQÁO, E SEGUIR A LUZ É RECEBER A LUZ.

QUANDO OS HOMENS ESTÁO NA LUZ, NAO SAO


ELES QUE A ILUMINAM, MAS SAO ILUMINADOS E TOR-
NAM-SE RESPLANDECENTES PELA LUZ. NADA LHE PRO-

PORCIONAM, MAS RECEBEM O BENEFICIO DA LUZ E SAO

ILUMINADOS POR ELA. ASSIM É COM O SERVIQO A DEUS:

NADA LHE PROPORCIONA, NEM DEUS PRECISA DO SER

VIQO DOS HOMENS. MAS AOS QUE O SEGUEM E SERVEM,

DEUS CONCEDE A VIDA, A INCORRUPTIBILIDADE E A

GLORIA ETERNA...

SE DEUS SOLICITA O SERVIQO DOS HOMENS, É POR


QUE, SENDO BOM E MISERICORDIOSO, QUER BENEFICIAR
OS QUE PERSEVERAM EM SEU SERVIQO. TANTO DEUS
NAO PRECISA DE NADA QUANTO O HOMEM PRECISA DA

COMUNHAO COM DEUS.

É ESTA. POIS, A GLORIA DO HOMEM : PERSEVERAR E


PERMANECER NO SERVIQO DE DEUS".

S. IRENEU, CONTRA AS HERESIAS IV 13, 4-14

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