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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Esteváo Tavares Bettencourt, osb
(in memorisun)
APRESENTAQÁO
DA EDKJÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propoe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.


Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
índice
PAR.

AÍNDA O JOGO DA BOLA 425

No torvellnho de hoje :
O CRISTAO : PORTADOR DE INSEGURANQA OU DE CERTEZA ? .. 427

Na Idade Moderna da historia :


PROTESTANTISMO : VISAO PANORÁMICA 441

Récenles dúvidas :
A COMUNHAO NA MAO 463

Do livro ao filme:
"O PEQUEÑO PRINCIPE" 466

LIVROS EM ESTANTE 3? Capa

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO ;

Parapsicología e fenómenos mediúnicos. — Aínda a exis


tencia do demonio. — Um chefe de empresa pode manter-se
cristáo ? — "Roma, cidade aberta" no cinema.

Em PR 187/1975, p. 324, linha 20, queira ler: sendo


ambigua, já que pode significar tanto o amor de

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatural anual Cr$ 50,00

Número avulso de qualquer mes Cr$ 5,00


Volumc encadcrnado do 1974 Cr$ 70,00

EDITORA LAUDES S. A.
REDACAO DE PR ADMINISTRACAO
Calxa Postal 2.666 Rúa Slo Rafael, 38, ZC-09
ZC-00 20.000 Rio de Janeiro (RJ)
20.000 Rio de Janeiro (RJ) Tels.: 268-9981 e 268-2796

No Rio, á Rúa Real Grandeza, 108, a Ir. María Rosa Porto


recebe pedidos de assinatura da revista. Tel.: 226-1822.
aínda o jogo da bola
O editorial de PR de setembro pp. referia a parábola do
jogo da bola: a felicidade consiste em receber e passar adiante
a bola do jogo; se me quero isolar e guardar a bola exclusiva
mente para mim, atirando-a contra a parede de minha casa,
verifico que o jogo já nao tem graga nem sentido; enganei-me
ao procurar assim a felicidade.

Eis, porém, que alguém indaga: «Mas quem passa mesmo


a bola? E onde é que a passam? Eu iria correndo lá conviver
com eles!»

A pergunta é bem compreensível, pois a verdadeira gene-


rosidade parece flor rara na térra.

— Diante da questáo, observemos logo que, apesar de


tudo, existem pessoas e grupos que procuram lealmente passar
a bola e experimentar assim a genuína felicidade. Verdade é
que tudo que é humano, é limitado; isto, porém, nao impede
que haja busca sincera de desprendimento pessoal e dedicagáo
ao próximo. Tais pessoas e grupos sao talvez menos conheci-
dos do que os obreiros do mal, pois, via de regra, o bem nao
faz alarde de si, ao passo que o mal é, de pronto, noticiado.

Como quer que seja, os mestres responderiam ainda de


outro modo: «Nao esperes encontrar o grupo feito para iniciar
o jogo da bola. Comega tu mesmo, langando em torno de ti
amor e bondade. Nao se trata de distribuir riquezas (coisa
rara), mas de dares um pouco do teu tempo, da tua capacidade
de ouvir e de colaborar... Semeando e plantando, colherás,
pois pode haver grande potencial de energía latente, no cora-
cáo das pessoas aparentemente mais empedernidas; talvez só
precisem de quem comece ou as catalise». Sao palavras de
S. Agostinho:

"Sé bom, e encontrarás os bons. Se, porém, fores mau,


julgarás que todos sao maus. Ora ¡sto é mentira; enganar-te-ás.
Sé bom, e o bem nao te ficará oculto. O semelhante ocorre
ao semelhante" (serm., ed. Morin 501).

Este texto afirma que, apesar das experiencias em contra


rio, ainda se pode crer que cada qual colhe o que semeia:
semeando amor, colherei amor, como também coHierei descon-
fianga e frieza se eu semear desconfianga e frieza.

— 425 —
O mesmo S. Agostinho, fazendo eco á sua gente, mencio-
nava a lamúria táo freqüente no século V como nos nossos
días: «Os tempos sao maus, os tempos sao penosos — eis o
que dizem os homens». E que respondía o mestre? — «Viva
mos bem, e os tempos seráo bons. Nos somos os tempos.
Quais formos nos, tais seráo os tempos» (serm. 80,8). Esta
observagáo valiosa bate na mesma tecla: Nao te lamentes, de
ánimo abatido e bragos cruzados. Quanto mais te lamuriares,
mais te imbuirás de urna «filosofía» discutível e envenenada.
Nao te desesperes procurando quem te dé a máo; comeca por
estender a máo como puderes, e verás que transformarás os
teus ambientes e os teus tempos. Podes muito mais do que
julgas; és capaz de iniciar a tua renovacáo e a de muita gente!

Nao há dúvida, para comegar o jogo da bola ou para ser


bom quando julga que os tempos sao maus, todo ser humano
tem de vencer urna resistencia natural. Com efeito, passar a
bola ou mesmo dar-se significa sair de si, romper o seu isola-
mento; mas, esse mesmo dar-se, somos inclinados a conside-
rá-lo muitas vezes, consciente ou inconscientemente, como um
risco ou urna ameaga. Amar é sempre abrir-se. E abrir-se é
arríscar-se. Ora o medo inibe. E o natural egoísmo procura,
antes de tudo, seguranca. Se o instinto de seguranca preva
lece em alguém, esse alguém nunca chegará a amar verdadei-
ramente. E, sem amar, nao 'há quem atinja a plenitude da
vida e da felicidade. A desconfianca tranca a pessoa dentro
de si mesma e a faz definhar. Querendo salvar-se, ela tudo
perde.

Vé-se, pois, que a conquista da felicidade envolve um risco:


o risco de nos abrirmos para os outros e comegarmos a lhes
passar a bola. É certo que quem se abre, expóe-se ao perigo
de ser invadido e explorado. Todavía esse risco (que nao é
certeza) ainda é preferível á certeza de que, nao me abrindo,
eu me atrofiarei e murcharei em mim mesmo.

«Senhor, faze que eu veja!» (Le 18,41). Se tenho cons-


ciéncia de que por mim nada posso, nada consigo renovar ou
transformar, saiba eu, com igual conviecáo, que, com a tua
graga e por chamado teu, posso crer na possibilidade do «im-
possível» e na realizagáo da utopia!

E. B.

_ 426 —
PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XVI — N' 190 — Ourubro de 1975

No torvelinho de hoje:

o crista o: portador de insesuranca


ou de certeza?
Em síntese: Urna das crlses mals fundamentáis do homem de hoje
ó a incerteza ou insegu ranea frente á verdade. Em todos os setores do
saber (ciencia, filosofía, teología), sfio tais e tantas as novas teorías que
um certo ceticlsmo se apodera de multas pessoas; mesmo os fiéis crlstfios
exclamam por vezes: "Nao sei mais em que crer I Nao ouso mals enslnar
catecismo I"
Dlante do problema aflrma-se que o crlstáo nfio pode ser cético nem
relativista. Ele tem grandes certezas capazes de orientar a vida de lodo
homem :

— certezas da Inteligencia: o sonso comum apreende espontanea-


mente os principios capltals da filosofía (principio de Identldade, de nfio-
-contradlcfio, de razáo suficiente, de causalldade...). A Inteligencia, na
base de tais principios, é apta a elaborar urna filosofía que transcende o
concreto material, ou seja, a metafísica, a qual atinge Deus e os valores
esplrltuals;

'-? certezas da fe: os escritos do Novo Testamento Incutem fre-


qüentemente a verdade como objeto da Revelacfio Divina; Cristo velo
para dar lestemunho da verdade (cf. Jo 19,37). As proposicOes da fé,
reveladas por Deus, tem como garantía a Infallbllldade do próprlo Deus.
Elas foram reveladas em linguagem humana (com os vocábulos "Pal, Fllho,
amor, bondado, corpo..."); donde se segué que as verdades da fé
podem e devem ser penetradas pela inteligencia; a fé nfio está desligada
da Inteligencia humana; caso Isto venha a se dar, arrisca-se a degenerar
em crendlce, subjetivismo, emotividade sentimental...

Mals aínda: a verdade está ligada ao amor e vice-versa. Ela deve


ser dita, sempre que as circunstancias o exljam, mas dentro dos moldes
do respeito ao próximo e da humildade. Também se observe: a verdad»
nao depende da eficacia material que ela proporcione aos homens. Há
urna eficacia decorrente da rellexfio, da medltacSto e do estudo, pois o
homem nfio ó motor nem máquina, mas é misterio, que em sua Intimidado
secreta concebe os maravilhosos efeitos da sua atlvldade prátlca.
A certeza frente á verdade fundamenta a esperance crista e expele
desánimo ou abatlmento.
• • •

Comentario: Vivemos hoje urna época de incertezas e


inseguranga, nao só nos setores económico, político, social...,
mas também no do pensamento. Em grande parte, a crise do

— 427 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

mundo presente é crise de certezas. Onde está a verdade?


Aínda se pode falar de verdade, principalmente quando se trata
de ciencias humanas (Moral, Direito, Filosofía, Religiáo...) ?
Mesmo os cristáos se sentem atingidos pela onda de insegu-
ranca no tocante as verdades da fé. Tal inseguranga, desagra-
dável e angustiante como é, suscita desánimo e desespero em
muitos. Alias, de modo muito oportuno, o S. Padre Paulo VI,
ao anunciar o Ano Santo em 9/V/73, indicou como um dos
almejados frutos desse Ano a reconquista da confianca na inte
ligencia e na verdade:
"A concepcSo essenclal do Ano Santo é a renovacáo interior do
homem : do homem que pensa, e, ao pensar, vé que perdeu a certeza da
verdade;... do homem que trabalha e, ao trabalhar, se dá conta de se ter
extrovertido a tal ponto que já nSo conserva a posse bastante do próprio
coloquio pessoal; ... do homem que goza e se diverte e que ... chega
a sentir-sé bem depressa entediado e desiludido por tudo isso. é necessárlo
reconstruir o homem ; e isto, a partir de dentro para fora" (Paulo VI,
aos 9/V/73).

Diante desta realidade, parece oportuno dedicarmos algu-


mas reflexóes ao problema que assim se póe e as respostas
que se lhe possam dar.

1. Por que a incerteza?


É necessário, antes do mais, procurar catalogar as princi
páis causas da inseguranca do homem contemporáneo frente
á verdade e, especialmente, as verdades da fé. Eis as que se
podem recensear:

1) O pulular de novas idéias. No campo das ciencias


naturais, as idéias deslocam-se para setores cada vez mais
novos: a materia como energía, a existencia da antimatéria, a
possibilidade de vida em outros planetas, a engenharia gené
tica. ..

Algo de semelhante se dá também no setor da teología:


— a exegese bíblica vem sendo renovada pelos dados da
arqueología, da lingüística, da paleografía e de outras ciencias,
de modo que já nao se ensina a criacáo do mundo em seis
dias de vinte e quatro horas, a formacáo do homem direta-
mente a partir do barro, a origem da mulher a partir da cos-
tela do homem; os Evangelhos também sao entendidos de novo
modo mediante o método da historia das formas1:

1 O magisterio da Igreja nSo recusa a aplicacSo deste método dentro


de certos limites; cf. InstrucSo da Pontificia Comissáo Bíblica de 21 /IV/1964.

— 428 —
O CRISTAO : INSEGURANCA OU CERTEZA ? 5

— a teología sistemática ou dogmática tem sido elabo


rada com recurso a conceitos da filosofía moderna; donde
novas teorías (nem sempre ortodoxas) sobre a presenga de
Cristo na Eucaristía, sobre «Cristo, Deus e Homem», sobre a
Igreja...;

— a psicología, a sociología levam a se interpretar o fenó


meno religioso, sugerindo mesmo novos (e nem sempre exa-
tos) conceitos de Moral (pecado, consciéncia, ética da situa-
Cáo...).

Estas condigóes de mudanga do saber natural e da teo


logía deixam nao poucas pessoas perplexas. Julgam estar em
um túnel escuro, no qual tudo é incerto; nao sabem mais em
que crer. Quem exercia o magisterio, diz por vezes: «Nao
quero mais ensinar catecismo, nao sei o que ensinar nem como
ensinar».

2) A própria razáo humana tem sofrido descrédito nos


últimos decenios. Desencadeou-se forte onda de antiintelec-
tualismo sobre a Europa e a América, devida a urna reagáo
contra o abuso da razáo ou o racionalismo; o existencialismo,
rejeitando a metafísica, exprime bem essa atitude antiintelec
tual \

Em conseqüéncia, os movimentos religiosos novos que sur-


gem nos Estados Unidos e na Europa («Jesús Freaks», «The
people of Jesús», «Os Meninos de Deus»...) sao inspirados
por um fervor emotivo pouco racional, pouco iluminado pela
inteligencia e o bom senso.

Esse antiintelectualismo religioso também está ligado á


penetragáo das religióes orientáis no Ocidente. Geralmente
estas crenoas falam profundamente ao senso místico dos ho-
mens, mas professam certo descrédito ou ceticismo frente á
razáo.

Significativo é o inquérito realizado pela revista «Psycho-


logy To-Day» e comentado em PR 185/1975, pp. 191-203.

1 Nestas páginas atribuimos equivalencia a razBo a Inteligencia. Inte


ligencia é a faculdade com que o espirito apreende a verdade. No homem
a inteligencia depende dos sentidos e das coisas vislveis; por Isto só
apreende a verdade aos poucos ou discursivamente. Em conseqüéncia, a
inteligencia no homem também se chama "razfio"; esta ó urna Inteligencia
que discursa ou raciocina.

— 429 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

Juntamente com a afirmagáo de que Deus nao morreu, mas


apenas mudou de enderezo, situando-se no íntimo do homem,
foi averiguada a grande voga do subjetivismo religioso, das
místicas orientáis, dos fenómenos parapsicológicos, etc.

A afirmagáo nao rara de que «todas as religióes sao boas»


é outra expressáo de antiintelectualismo. Na verdade, todos os
sistemas religiosos ensinam a fazer o bem e evitar o mal, mas
nao coincidem entre si ao elaborarem a teología, ou seja, ao
conceberem Deus, o seu plano, a sua Providencia, a sorte final
do homem, etc. Nao haveria verdades e erros intelectuais no
setor religioso? Este se reduziria apenas a fazer o bem e evi
tar o mal?

3) Na vida pública, os homens tém muitas vezes a im-


pressáo de que os jomáis mentem, a publicidade mente, os
discursos mentem. Em suma, a palavra é instrumento de po
der mais do que expressáo da verdade.

O descrédito em relagáo á verdade faz que os homens em


geral valorizem mais a sinceridade. É fácil ouvir-se dizer que
tanto faz ser católico como protestante como marxista, pois o
que importa é a sinceridade com que alguém vive a sua filo-
sofia ou a sua crenga.

Daí também se segué que nao há ética objetiva. Nao se


pergunte se é lícito ou ilícito ser traficante de maconha, ter-
rorosta ou memoro de «máffia» internacional. O que importa,
é o caráter corajoso e antiburgués com que alguém realiza
qualquer dessas atividades. Nao ser vítima de preconceitos é
o programa de muitos cidadáos.

Apregoa-se também a contestagáo sem meta definida ou


a contestagáo pela contestagáo. Tenha-se em vista o filme «A
Chinesa» de Godart.

Diante dos fatos assim sumariamente recenseados, per-


gunta-se: seráo a inseguranga e a incerteza frente a verdade
atitudes positivas, indicio de progresso da mente? Correspon-
dem elas ao genuino pensamento cristáo?

2. Que cfízer?

1. Há quem julgue que, realmente, o estado de busca


incerta é a condigáo normal do cristáo e mesmo de todo ho
mem. Há tendencia hoje em dia a exaltar a procura e a inda-

— 430 —
O CRISTÁO : INSEGURANCA OU CERTEZA ? 7

gagáo mais do que a descoberta; e, em oposigáo as «respostas


feitas e prontas», acentua-se o náo-saber humilde (que pode
também ser falsamente humilde). Na escola, o professor seria
aquele que procura com os alunos e aprende com os mesmos;
nao teria respostas nem certezas definidas frente as interro-
gacóes dos discípulos.

2. Tal, porém, nao é a posigáo crista. Notemos as pala-


vras de Cristo referentes á verdade:

"Nascl e vim a este mundo para dar testemunho da verdade. Todo


aquele que é da verdade, ouve a minha voz" (Jo 19,37).

Infelizmente, Pilatos, que perguntou logo: «Que é a ver


dade?», se retirou sem esperar resposta.

Estas palavras mostram que o Cristianismo está ligado a


verdade, e nao apenas á procura da verdade e a sentimentos
vagos. Os textos bíblicos que exaltam a verdade e sua mani-
festagáo aos homens, poder-se-iam multiplicar; cf. Jo 14, 6.17;
15, 26; 16,13; 17,17.19. Em conseqüéncia, deve-se afirmar:
nao é possível a um cristáo ser cético ou relativista, ou seja,
professar apenas incertezas ou semi-certezas.

O cristáo deve possuir a coragem humilde de afirmar que


tem certezas... E as tem em dois planos:

— no plano da fé... Esta possui um conteúdo intelec


tual; professa certas verdades — verdades mais firmes do que
as da ciencia, que por vezes oscila, ao passo que a fé tem seu
fundamento na Revelacáo ou na Palavra de Deus;

— no plano da razáo. A fé, tendo um conteúdo intelec


tual, dirige-se á inteligencia do homem. Este é capaz de apre-
ender as verdades naturais, racionáis, e de tentar penetrar com
seus conceitos no ámago das verdades sobrenaturais, reveladas.

I. Kant negou a metafísica ou o conhecimento natural de


Deus e da alma. Todavía, sendo cristáo, julga dever postular,
em nome da razáo prática, tres verdades indispensáveis para
que o homem leve urna vida moral: a liberdade, a imortali-
dade da alma e Deus. Assim na sua «Crítica da razáo prá
tica» Kant restaurou como postulados as verdades religiosas,
que, segundo ele, a razáo pura nao pode atingir. Esta atitude
de Kant, embora errónea, bem mostra como a fé crista nao

— 431 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

dispensa a fungáo da inteligencia nem as certezas da metafí


sica. O cristáo que negué o valor da razáo, tende a afirmar
as suas conclusóes por outra via, como fez Kant.

A fé nao pode ser um sentimento cegó, independente das


luzes do raciocinio; caso se dissocie da razáo, corre o risco de
transformar-se
— ou em mística subjetiva, sentimental, irracional;
— ou em puro fideísmo: a fé nao teria base alguma no
saber ou na ciencia;
— ou ainda em dogmatismo e totalitarismo, que pretende
impor-se por autoridade.
É também o uso sadio da razáo que permite distinguir
verdadeira e falsa fé, como também fé e crendices.

Estas afirmagóes exigem ser aprofundadas. É o que fare-


mos abaixo sob os dois sucessivos títulos.

3. Inteligencia: valor e capactdade


Procurando mostrar a importancia e a capacidade da inte
ligencia, procederemos em duas etapas.

3.1. O semo comum

Em todo ser humano existe o que se chama «o senso


comum» ou também o que se poderia clamar «o instinto da
razáo». Isto quer dizer: todo homem réf-onhece espontanea-
mente certos principios e alguns conceitos evidentes por si
mesmos, principios e conceitos dos quais os homens costumam
depreender ulteriores nocóes e as normas do seu comporta-
mentó moral.

Dentre esses principios, podem-se citar:

— o principio de identidade: «Todo ser é ele mesmo»,


«todo ser é algo de determinado», «todo ser é um e o mesmo»:
assim a carne é carne, a madeira é madeira;
o principio de nao contradicjLo: «O mesmo ser nao
pode, simultáneamente e sob o mesmo aspecto, ser e nao ser
o que ele é>; o Sim nao é o N5b;
— o principio de razáb suficiente: «Tudo que existe, tem
sua razáo de existir». Isto quer dizer: todo ser tem o que

— 432 —
O CRISTAO : INSEGURANCA OU CERTEZA ? ^_9

lhe é necessário para ser; se nao o tivesse, o ser se identifi


caría com o nao ser. Onde há agua, por exemplo, suponho
hidrogénio e oxigénio, e nao carbono ou nitrogénio;

— o principio de substancia: «O que é, é uno e idéntico


sob as suas maneiras de ser múltiplas e transitorias». Por
exemplo, o mesmo eu atravessa toda as variadas fases da sua
existencia desde a infancia até a velhice;

— os principios da causalidade e finalidade: «Tudo que


vem a ser, exige urna causa eficiente e final» ou ainda: «Toda
multiplicidade ou todo composto pede urna causa». É essa
causa que justifica a composigáo de elementos que em si mes-
mos nao tém razáo para se combinar, ou que por si sao indi
ferentes á composigáo; assim o oxigénio e o hidrogénio exis-
tem «de per si»; se os encontramos combinados na agua, supe
rnos urna causa que os uniu entre si;

— o principio de inducao: «A mesma causa natural, ñas


mesmas circunstancias, produz necessariamente o mesmo
efeito». Por exemplo, o calor dilata o ferro. Sim; se urna
causa natural A, ñas mesmas circunstancias, produzisse ora o
efeito B, ora o efeito C, a mudanga de efeito nao teria razáo
suficiente ou nao teria explicagáo. Este principio nao consti
tuí objegáo á liberdade de arbitrio do homem, pois este nao
é urna causa natural, determinada por si a produzir um só
efeito;

— o primeiro principio da razáo prática: «Faze o bem,


evita o mal». É este um ditame que todo e qualquer homem
ouve em seu íntimo, anteriormente a qualquer sistema de
Moral.

Esses principios encerram em si, germinalmente, as linhas


de solucóes de todos os grandes problemas da Filosofía e do
homem que pensa. Sao estes principios que nos permitem esta-
belecer nítida distingáo entre o ser e o nao ser, entre a ver-
dade e o erro, entre o belo e o feio, entre o bem e o mal.
Permitem-nos penetrar no misterio do homem e sondar as
questóes relativas a sua origem e á sua finalidade. Permitem
mesmo chegar ao conhecimento de Deus como Ser primeiro,
absoluto, nao causado, e causa de todos os demais seres. Se
pairasse a minima sombra de dúvida sobre as nogóes do senso
comum, nao haveria possibilidade de ciencia (pois esta supóe
tais nogóes e as desenvolve) nem de tecnología nem de vida
social ordenada e harmoniosa.

— 433 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

O senso comum é, pois, a filosofía espontánea que até os


mais rudes dos homens exercem; é anterior a qualquer sistema
filosófico, pois ele se encontra no fundo de todas as conscién-
cias independentemente de pesquisa científica; as suas nogóes
aflorara a inteligencia e se impóem por sua evidencia.
As verdades apontadas pelo senso comum (e atrás pro
postas) nao podem ser provadas diretamente, porque qualquer
demonstragóes as suporia válidas e já as utilizaría. Mas podem
ser provadas indiretamente, ou seja, pela demonstragáo de que,
negadas essas verdades, nao é possível raciocinar nem cultivar
a ciencia, nem dialogar na sociedade. Estas afirmagóes sao
táo verídicas que a própria teología as supóe e abona, como
veremos abaixo.

3.2. A teología em favor da razáo

A própria fé e a sua penetragáo teológica supóem as ver


dades do senso comum. Quando a fé e a teología se exprimem,
utilizam tais verdades; o que quer dízer: servem-se da inte
ligencia. É o que o Apostólo reconhece na sua carta aos
Romanos:
"O que de Deus se pode conhecer, ó para eles (pagSjos) manifestó,
pois Deus Iho manifestou. Desde a crlacao do mundo, as suas perfelcSes
Invislvels, tanto o seu eterno poder como a sua Dlvindade, tornam-se vlsl-
veis quando as suas obras sfio consideradas pela inteligencia, de modo
que n9o se podem desculpar" (1.19s).
Fazendo eco a estas palavras bíblicas, ensina o Concilio
Vaticano I (1870):
"A Santa Mfie Igreja assegura e ensina que Deus, Principio e Fim
de todas as coisas, pode ser conhecldo pela luz natural da razfio humana
a partir das coisas criadas; pois o que nele há de invisivel, a partir da
crlacao do mundo manifesta-se á Inteligencia através das suas obras"
(Denzinger-Schoenmetzer, Enquirldlo n? 3004 ; cf. 3026).
Mais tarde, aos 8/IX/1870, Pió X na encíclica «Pascendi»
referia-se aos modernistas nos seguintes termos:
"Os modernistas Identifican) o fundamento da fltosofia religiosa com
o agnosticismo. Este ensina que a razao humana está totalmente envolvida
em fenómenos, ou seja, pela aparéncia e a face sensfvel das coisas; a
razfio nfio terla nem o direlto nem o poder de ultrapassar essa face ex
terna da realldade. Por consegulnte, nao é capaz de se elevar até Deus
e de reconhecer a existencia do mesmo através das coisas vislveis. Da(
se segué aínda que Deus nao pode ser objeto de ciencia, como também
nfio pode ser sujelto da historia. Em vlrtude destas aflrmacSes entende-se
fácilmente o que vém a ser a teología natural, os motivos de credibilidade,
a revelacfio externa. Os modernistas recusam iBto tudo e o Identificam com
o Intelectualismo" (Dz.-Sch. n? 3475).

— 434 —
O CRISTAO : INSEGURANCA OU CERTEZA ? 11

O que interessa nestas declaracóes do magisterio da Igreja,


é a reivindicagáo do valor da inteligencia ou da razáo humana.
A inteligencia concebe a verdade, procurando formulá-la em
conceitos táo claros quanto possivel, conceitos objetivos que
todos os homens mediante a sua razáo podem reconhecer, em
oposigáo 'ás nocóes vagas que os sentimentos místicos e as
intuigóes subjetivas exprimem mal. É a razáo — idéntica em
todos os homens — que liberta o homem do subjetivismo
— variável de pessoa a pessoa — e que permite a convergen
cia de todos em torno das mesmas verdades naturais ou sobre-
naturais.

3.3. A dignidad© humana

Todo homem tem certas aspiragóes inatas; assim a de


viver — e viver sem fim, com repulsa á morte (que é antina
tural); a de encontrar a felicidade sem temor algum, o amor
sem mésela de traigáo, a justiga sem derrogacóes, e também
... a Verdade, a Verdade sem sombra de erro ou inseguranga.
A sede de verdade nao se deriva de um capricho arbitrario,
mas é algo de congénito em todo homem.
Ora, se o homem nao tem capacidade natural (mediante
os sentidos e a inteligencia) de atingir a verdade, deve-se dizer
que é um ser absurdo; é frustrado pela própria natureza. To
davía esse absurdo-frustragáo nao parece ser admissível, se
consideramos que os outros apetites naturais do homem encon-
tram a sua resposta na natureza: o olho, feito para a luz, tem
a luz como resposta; o ouvido tem o som; os pulmóes tém o
ar; o aparelho digestivo tem o alimento... Se, pois, as aspira
góes. ou necessidades biológicas do homem (comuns com as
de outros viventes inferiores) tém sentido ou valor (nao sao
absurdas), como seriam absurdas as aspiragóes superiores e
mais típicas do homem, entre as quais está a aspiragáo á ver
dade? Deve, pois, haver a verdade e a possibilidade de que o
homem a perceba mediante as suas facuidades naturais; em
caso contrario, ele seria urna contradigáo viva em meio ao
conjunto de harmonías e correspondencias que o cercam neste
mundo.
2. Com relagáo especial á metafísica, observemos o se-
guinte: se o homem nao pudesse ultrapassar as coisas concre
tas, para conceber os valores universais, seria prisioneiro do
espago e do tempo ou também prisioneiro de si mesmo e de
suas próprias concepgóes. Nao seria capaz de atingir a Deus

— 435 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

e aos valores espirituais nem de reconhecer o seu destino


eterno. Seria, pois, urna coisa entre muitas coisas. A morte
da metafísica vem a ser a morte do homem.

É por isto que na presente crise da humanidade se faz


mister reafirmar a importancia da inteligencia e do uso da
inteligencia, langados em descrédito por motivos já anuncia
dos as pp. 428-430.
Em relagáo á fé, a razáo é a estrada reta que nos faz
penetrar dentro da verdade. Essa estrada se curva, conti
nuando o seu rumo para dentro da verdade. A razáo já nao
acompanha a vertente, mas tem certeza de que a verdade nao
termina quando sua perspicacia termina; a razáo mesma indica
que existem verdades que ela nao atinge por si mesma e que
sao as verdades da fé. Estas estáo em continuidade com as
proposicóes da razáo, como se depreende da figura abaixo:

V
V
E £
A
Q 0
D
A
D
E
PAZAO

\
— 436 —
O CRISTAO : INSEGURANCA OU CERTEZA ?. 13

A fé, pois, vem a ser um estágio do conhecimento abo


nado (náb, pbrém, demonstrado) pela própria razáo.
Vejamos agora o que se refere as

4. Certezas da fé

A fé é a adesáo á Palavra de Deus, que tem um conteúdo


de verdade. É a inteligencia humana que diz Sim ou Nao a
essa Palavra-Verdade. Todavia a fé nao é algo de mera
mente intelectual: Deus que se. revela, pede a adesáo do ho-
mem todo (vontade, afeto, conduta de vida). Assim reza o
Concilio do.Vaticano II na sua Constituigáo «Dei- Verbum»:

"Ao Deus que se' revela, deve-se a obediencia da fó, pela qual o
homem livremente se entrega todo a Deus, apresentando ao Deus revelador
um obsequio pleno do Intelecto e da vontade, e dando voluntarlo assenti-
mento á verdade por Ele revelada" (n1? 5).

Embora as verdades da fé sejam transcendéntais (Deus,


seu designio de salvagáo, a vida eterna ), elas nos foram
comunicadas mediante conceitos tirados da nossa experiencia
sensivel e intelectual (Pai, Filho, Amor, Misericordia, Justiga,
salvagáo...). Por isto as verdades da fé podem ser penetra
das e ilustradas pela inteligencia *.

Disto tudo decorre que a fé possui suas certezas. Essas


certezas tém . ..-

— fundamento objetivo em Deus: é Deus, a Suma Ver


dade, o autor da Palavra Revelada; Ele nao se engaña nem
nos engaña; ...

— fundamento subjetivo no fiel, ou seja,


na inteligencia, que, penetrando a Palavra Revelada,
percebe mais agudamente o seu conteúdo e o distingue de eren-
dices, supersticóes, emoedes religiosas, etc.2;

1 Notemos, alias, o segufnte: os conceitos e as palavras que nos


transmitem as proposlcñes da fé, sao simultáneamente verídicos (dao-nos
a conhecer o que é oculto em Deus} e misteriosos (s9o incapazes de abar
car de manelra plena a Realldade Divina que eles enunclam).. .

2 A Inteligencia também compete examinar os motivos de credlbllldade


oú as credenclaís qué'determinada próposl$ao pbssa ter. Elá'procura res
ponder as pergurttaá: "Por que crer em iá\ artigó 7", "PóV qué ser católico
e hSo protestante ?", "Por que ser crlstfio, e"nao' budista7?"- ■ ' '
14 «PERGUNTE E RESPONDERKMOS> 190/1975

na vontade e no modo de viver do fiel. Sim, o ato de


fé depende, em grande parte, da liberdade interior de cada um
e da sua isengáo de paixóes, oonsoante a palavra do Senhor:
«Bem-aventurados os que tém o coracáo puro, porque veráo a
Deus» (Mt 5,8).

A título de ilustracáo, interessa citar o testemunho de


Adlous Huxley no seu livro «Filosofía Perene». Depois de afir
mar que há certas verdades metafísicas e místicas que todos
os povos intuem e professam, observa:

"é fato, confirmado e reconflrmado durante os dola ou tres mil anos


de historia religiosa, que a Raalldade última nSo é clara e ¡mediatamente
apreendlda senáo por aqueles que se flzeram pobres de espirito e puros
de coracfio... Se nao tormos santos ou sabios, o melhor que podemos
fazer no campo da metafísica, é estudar as obras dos que alcancaram
esses estágios e que, por terem modificado o seu modo slmplesmente
humano de ser, foram capazes de um conheclmento malor do que o pura
mente humano" ("Filosofía Perene". Rio de Janeiro 2 1973, p. sS).

Como se compreende, ao falar de certezas da fé, é neces-


sárfo nao exagerar, ou seja, nao querer atribuir firmeza e infa-
libilidade a certas proposicóes que na verdade nao as mere-
cem. Assim, pois:

— evitemos a «inflacáo dogmática», ou seja, confundir


as verdades da fé com proposicóes teológicamente certas, mas
nao claramente contidas no depósito da Revelacáo (a funcáo
do anjo da guarda, María Medianeira de todas as gragas...);

— evitemos canonizar também a doutrina deste ou da-


quele teólogo ou Doutor da Igreja, como se tudo o que ele
disse fosse intocável;

— evitemos também identificar as proposigóes absoluta


mente certas da fé (partes integrantes da Revelacáo Divina)
com teorías e hipóteses sujeitas a discussóes;

— o cristáo, por conseguinte, tem certezas nao só de


razáo, mas também de fé. S. Agostinho forjou a expressáo
«as máos da fé» K Utilizando esta imagem, podemos dizer:
embora caminhe no claro-escuro desta vida, o cristáo coloca
as máos de sua fé ñas máos de Cristo e deixa-se guiar por

1 Falando dos judeus que querlam prender Jesús, diz o S. Doutor:


"Non eum apprehenderunt, quia manus fldel non habuerunt. — Nao o
prenderán), porque nao tiveram as máos da fe" (In lo Ir. 48, PL 35, 1756).

— 438 —
O CRISTAO : INSEGURANCA OU CERTEZA ? 15

Ele,... por Ele de quem dizem as Escrituras: «Deus, que ha


bita urna luz inacessível, ninguém O viu. Somente o Filho
Unigénito que está no seio do Pai, O revelou» (Jo 1,18).

Frente as mútiplas teorías e hipóteses que o poderiam


abalar em questóes de fé e teología, o cristáo nao hesita:
ele ouve a voz do magisterio da Igreja, especialmente a do
S. Padre, que constantemente se pronuncia a respeito dos
assuntos discutidos pelos teólogos. Seria preciso valorizar com
particular estima essa voz da Igreja, que semanalmente ofe-
rece aos fiéis o auténtico pensamento de Cristo.

Resta aínda dizer breve palavra sobre o trinomio:

5. Verdade, amor e eficacia

1. A verdade (também a verdade da fé) é inseparável


do amor, como insinúa o Apostólo Sao Joáo:

"A grasa, a misericordia e a paz estejam convosco da parte do Pal


6 do Cristo Jesús, o Fllho do Pal, na verdade e no amor" (2 Jo 3).

A caridade diz respeito as pessoas; é o amor benévolo e


cristáo para com o próximo. A verddde diz respeito as idéias
e á realidade que estas atingem. Ora um perfeito amor ao
próximo e total fidelidade á verdade sao valores cuja obser
vancia tem causado embaraco aos homens através dos sáculos.

É preciso, porém, afirmar que verdade e amor nao sao


incompatíveis entre si. Dizia S. Agostinho: «Amemos aquele
que erra, e odiemos o erro». No diálogo, a palavra franca
(mas bem ponderada) por parte de cada um dos interlocuto
res é servico de amor que um presta ao outro. O recelo de
desagradar ao próximo nao deve levar um cristáo a ocultar
ou atenuar a verdade, desde que esta deva ser dita por inteiro
para o bem do próprio próximo. As palavras «amar» e «agra
dar» nem sempre se conciliam entre si. Amar, muitas vezes,
consistirá em dizer a verdade com humildade (desde que eu
tenha certeza de que há necessidade de dizer a verdade, da
qual nao duvido) e respeitar o modo de pensar do próximo;
este tem sua consciéncia, que nao deve ser violentada nem
espezinhada. No diálogo o amor exige que se evitem a lin-
guagem contundente, a ironía e qualquer sentimento passio-
nal; caso nao se faga isto, nao se presta servigo nem á verdade
nem ao amor.

— 439 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

2. O pensamento contemporáneo é muito propenso a


avaliar as coisas segundo a sua eficacia ou produtividade; tal
é a tendencia da tecnocracia e da sociedade do consumo. Ora
a verdade nem sempre é fator direto de produgáo e consumo.
Por isto ela corre o risco de ser menosprezada ou mesmo
distorcida.

Frente a este problema, observemos que há diversos tipos


de eficacia; esta nao se reduz apenas 'á fabricacáo e constru-
cáo de objetos visíveis; existe também a eficacia na reflexáo,
na meditagáo.no estudo, pois o homem nao é máquina produ-
tora; é, sim, um ser misterioso, que tem seus segredos e sua
intimidade é que oferece aos seus semelhantes os tesouros de
verdade, amor, dedioagáo e produgáo que ele concebe em seu
íntimo. Quem se preocupa apenas com eficacia e produtivi
dade materiais, arrisca-se a cair na ineficacia e no vazio, pois
nao leva em conta a realidade típica do ser humano, que nao
é motor, mas, sim, misterio.

Eis algumas reflexóes sobre a verdade e a certeza que dai


decorre para o cristáo. Este nao perde a seguranza que Cristo
lhe comunica; antes, sente-se incitado a oferecé-la ao mundo
inseguro. Mais: com a certeza está ligada a esperanga, que
deve ericher o coragáo de todo discípulo de Cristo.

Bibliografía:

A. Buzzi, "IntroducSo ao pensar". Petrópolls 1972.

J. Danlélou, "A crlse atual da Inteligencia". Caxlas do Sul 1970.

Ed. Prado de Mondonga, "O mundo precisa de Filosofía". Rio de


Janeiro 1968.

J. Marltain, "Le paysan de la Garonne". París 1966 (em traducfio


portuguesa).

R. Garrlgou-Lagrange, "Le sens commun". París 1922.

E Gllson, "Chrlstlanisme et Phllosophle". París 1936.

Editorial "Le certezze del cristiano", em "La Civiltá Cattollca" n? 2985,


2/XI/1974, pp. 209-215.

440 —
Na Idade Moderna da historia:

protestantismo: visao panorámica

Em slntese: O artigo tanta apresentar sumariamente cada Igreja ou


selta protestante dentre as mals Importantes no mundo ou as mals atuantes
no Brasil.

É básica, no caso, a dlstlncfio entre "Igreja" e "selta". "Igreja"


designa as denominacoes protestantes que conservaram ap- Ríenos algumas
das grandes linhas do patrimonio tradicional crlstfio. "Selta", áo contrario,
signnica urna reforma da Reforma, que se distancia cada vez mais da
linha central do Cristianismo; tal grupo tem geralmente índole pesslmlsta,
Julgando estar o mundo Intelro corrupto— o que redunda em agresslvldade
e polémica contra a Igreja e, ás vezes, contra .as próprlas denomlnacCes
protestantes.

Na prátlca, nao é fácil distinguir, em cortos casos, Igrejá e selta.


A titulo de esquema de trabalho, recenaeamos entre as Igrejas: o Luté-
ranlsmo (séc. XVI), o Caivinismo-zvlngllanlsmo (sóc. XVI) e o Angllcanlsmo
(séc. XVI); após estas Igrejas ciásslcas dentro do .Protestantismo, vém a
Igreja Presbiteriana (séc. XVI/XVII), a Congregaclonal (séc. XVll), a Batista
(séc. XVll), a Metodista (séc. XVIII). Dentre as saltas, enumeramos os
Quakere (séc. XVll), os Mórmons (séc. XIX), a Ciencia Crista (séc. XIX), o
Exérclto da Salvacfio (séc. XIX), os Adventistas '(seo. XIX), as Testemunhas
de Jeová (séc. XX), os Amigos do rtomem (séc. XX) e os Pentecostais
(séc. XX).

Nesse conjunto dlstlnguem-se correnies: a da estruturacSo da Igreja


(eplscopallsmo, presblterlanismo, congregaclonal Ismo); a do Pletlsmo (Me-
todlsmo, Pentecostallsmo, Exérclto da SalvagSo); a do Adventismo (Adven
tistas, Testemunhas de Jeová, Amigos do Homem), que. é tambóm corrente
de volta ao Antigo Testamento; a dos "entusiastas" mais liberáis no tocante
á doutrina dlssldente (Mórmons, Ciencia Crlstfi, Ouakers).

Em suma, o panorama deste artigo fol concebido como Instrumentó


de trabalho, que poderá ser completado e aperfelcoado.

Comentario:' Nao é raro na vida' contemporánea ouvir


falar de denominares evangélicas como a batista,, a meto
dista, a episcopal, a adventista, a pentecóstal..: Nao é fácil
situar de imediato tal ou tal déáignagáo no conjunto xlds gru
pos religiosos cristáos. Eis porque, de maheirá serena e objé-'
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

tiva, nos propomos atender a urna solicitagáo feita aPRno


sentido de elaboramos um «catálogo» das denominagóes
evangélicas hoje mais esparsas no mundo ou mais freqüentes
no Brasil. A tarefa, por certo, é ardua, mas pode tornar-se
útil ao menos como ponto de partida, para ulterior e melhor
elaboracáo do catálogo.

1. Duas obsérvaseos preliminares

1. Os termos «protestante» e «evangélico» costumam ser


utilizados como sinónimos. A palavra «protestantismo» tem
sua origem no fato seguinte: em 1529, durante a campanha
de reforma luterana, a Dieta de Espira (Alemanha) resolveu
que nao se fariam mudanzas religiosas na Alemanha até a
reuniáo de um Concilio ecuménico; por conseguinte, católi
cos e luteranos ficariam ñas posigóes até entáo assumidas.
Este decreto provocou o protesto de seis principes e quatorze
cidades imperiais aos 19 de abril de 1527. Daí o nome de
«protestantes» que lhes foi dado. O substantivo «protestan
tismo» só entrou em uso no séc. XVIII, passando a designar
todos os cristáos reformados que se opóem a Roma. Todavía
tal nome geralmente nao é aceito por aqueles cristáos refor
mados que nao desejam acentuar suas divergencias em relacáo
a Roma, como, por exemplo, os anglicanos. Os Estados pro-
testatários da Dieta de Ausgburgo designaram-se a si mesmos
como «Estados evangélicos» ou «Estados cristáos».

Em suma, hoje a palavra «Protestantismo» designa o con


junto das oonfissóes cristas que de algum modo se prendem á
Reforma empreendida no continente europeu por Lutero, Cal-
vino, Zvínglio... no séc. XVI.

2. A fim de esbogar o panorama dessas confissóes,


faz-se mister, antes do mais, distinguir entre Igrejas (ou, me
lhor, comunidades eclesiais) 1 e seitas.

1é improprio usar o plural da palavra "Igreja", pois na realldade só


existe urna Igreja fundada por Jesús Cristo: é a que se estabelece sobre
a Rocha de Pedro. Por Isto há quem falo de "comunidades ecleslais" para
designar os grupos religiosos disidentes da Igreja Católica. Neste estudo,
seguiremos o uso do Concillo do Vaticano II, que em seu decreto sobre o
Ecumenlsmo tala de "Igrejas e comunidades eclesiais separadas no Ocl-
dente" (ver, por exemplo, c. III rfi 18).

— 442 —
VISAO DO PROTESTANTISMO 19

Por «Igrejas protestantes» entendem-se os blocos dissiden-


tes do Catolicismo que conservaram varias das grandes linhas
do auténtico Cristianismo; sao o Luteranismo, o Calvirdsmo-
-zvinglianismo, o Anglioanismo e denominacóes próximas.

Por «seitas protestantes» entendem-se «dissidéncias de dis-


sidéncias» que se afastaram de tal modo da linha central do
Cristianismo que as vezes ja nao podem ser ditas «cristas».
Nutrem espirito pessimista, as vezes polémico e fortemente
proselitista.

Na realidade concreta, nao é fácil dizer se tal ou tal deno-


minagáo é propriamente Igreja ou seita. O espirito das seitas
se encentra também em certas «Igrejas protestantes», como
elementos tradidonais se acham em certas seitas (a estima dos
oarismas do Espirito no pentecostalismo seria auténtica se nao
estivesse associada a divagacóes da fantasía e ao cultivo de
fenómenos que muitas vezes sao meramente psicológicos; cf.
PR 172/1974, pp. 155-165).

Eis o quadro que servirá de esquema de trabalho a este


panorama:

Luteranismo
Reforma calvinista-zvingliana
Anglicanismo (Igreja ponte?)

Igrejas protestantes Presbiteranismo


Congregacionalismo
Metodismo
Igreja Batista

Qnakers ou Sociedade dos Amigos


Mórmons
Exército da Salvagáo
«Christian Sdence» (Ciencia Crista)
Seitas
Adventistas
Testemunhas de Jeová
Amigos do Homem
Pentecostais

Diante deste quadro pode-se dizer que eomente as tres


denominacóes midáis sao «reformas» da Igreja Católica: a
Luterana, a Calvinista-zvingliana, a Anglicana. As demais Já

— 443 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

sao «reformas da reforma» em primeira, segunda ou terceira


instancia, como se verá abaixo.

Examinemos esquemáticamente a origem e as caracterís


ticas de cada urna dessas denomiriacóes.

2. VisSo panorámico: Igrejas

Comegaremos pelas Igrejas para abordar, a seguir, as sei-


tas protestantes.

2.1. Luteranismo

Origem: Em 1517, Martinho Lutero (1483-1546) em Wit-


tenberg proclamou 95 teses referentes as indulgencias e á
justificagáo.

Doutrina: Baseia-se em alguns artigos decisivos:

— a Biblia, única fonte da doutrina da fé. Rejeita-se a


Tradigáo.

— Somente a fé justifica, sem as obras. Fé entende-se


principalmente em sentido de confianza, em oposigáo, de certo
modo, 'á razáo (o antiintelectualismo luterano se explica como
reagáo á Escolástica medieval, que se tornara decadente no
séc. XV).

— Somente a graga torna o homem aceito a Deus. A


graga encobre o pecado, que continua residindo dentro do
homem.

— Só existe o sacerdocio comum dos fiéis; nao se reco-


nhece, pois, o sacerdocio ministerial ou hierárquico.

— O homem nao é dotado de livre arbitrio, mas de servo


arbitrio, segundo interpretagáo dada a Rm 7,15.

— A Igreja do Credo é a comunháo espiritual e invisível,


de todos os fiéis que vivem realmente o Evangelho. A Igreja
visivel, organizada, tem sua razáo de ser, mas nao é de origem
divina.. Por conseguinte, a Igreja visivel nao é sacramento,
nem é distribuidora da graga, mas é únicamente urna comu
nháo de homens que se reúnem em torno da.Palavra.

— 444 —
VISAO DO PROTESTANTISMO 21

Livros hastióos: Os tres símbolos de fé da antiga Igreja


(Símbolo apostólico, Símbolo hiceno-constantinopolitano, Sím
bolo atahásiano), Pequeño e Grande Catecismo de Lutero
(1529), Confissáo de Augsburgo (1530) e Apología da Con-
fissáo de Augsburgo, Artigos de Schmalkalde (1536), Fórmula
de Concordia (1577), que reconciliou a escola teológica lute
rana- de Weimar e Jena com a de Wittenberg.

Organizaba©: Os luteranos, em grande parte, acham-se


hoje em día reunidos em comunidades ou Igrejas que consti-
tuem a Federacáo Luterana Mundial, com sede em Genebra.
Além disto, existem Igrejas Luteranas livres, que nao partici
pará da Ceia do Senhor celebrada pela Federagáo Luterana
Mundial, pois julgam que esta nao é suficientemente ortodoxa;
existem Igrejas Luteranas livres na Alemanha, no Missouri
(U.S.A.) e na Australia.

O Luteranísimo conserva a hierarquia episcopal.

2.2. Igreja Calvirtfeta-zvingliana Reformada

Origem: Joáo Calvino (1509-1564), tendo nascido de fami


lia católica, na juventude sofreu influencias luteranas, em con-
seqUéncia das quais «se converteu» em 1533-1534. — Em 1541
estabeleceu-se definitivamente em Genebra e passou a organi
zar a «Igreja Reformada» com meticulosidade severa.

Uurico Zvínglio (1481-1531) empreendeu a reforma reli


giosa em Zurique, seguindo as idéias de Lutero e Calvino.
Morreu na batalha de Kappel, em que os cantóes de tendencia
reformada lutavam contra os católicos. Sucedeu-lhe Bullinger
como chefe religioso.

Em 1549 Bullinger e Calvino se uniram mima só «Igreja»,


tendo por base o «Consentimento Tigurino», que fazia conces-
sóes ao Calvinismo no tocante á doutrina sobre a Ceia do
Senhor.

Doutrina: Calvino é mais racional do que Lutero. Adota


os principios fundamentáis do reformador alemáo, acrescen-
tando-lhes o «Soli Deo gloria» (Gloria táo somente a Deus).
Este principio exprimía a consciéncia que Calvino tinhá do
Absoluto de Deus,... consciéncia que o levava a afirmar que
Deus predestina os homens ao inferno (doutrina, alias, que os
calvinistas hoje nao mais professam).

— 445 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

Livros fundamentáis: «Instituicáo da Religiáo Crista» de


Calvino (1536-1541); contení oitenta capítulos em quatro livros,
constituindo verdadeira «Suma», em que se propóe o contraste
entre a Reforma e a Igreja Católica.

Catecismo de Heidelberg (1541), Confissáo de Fé de la


Rochelle (1559), Confissáo Helvética de Bullinger (1564).

Organizará©: A Igreja Calvinista nao tem bispos, mas é


governada por presbíteros, que constituem Conselhos locáis,
distritais, sinódais...

O Calvinismo hoje é representado na Franca e na Ho


landa pela Igreja Reformada; na Grá-Bretanha assumiu a
forma do presbiterianismo (ver adiante). Encontra-se tam-
bém na Holanda, na Hungría e na América (muitas vezes,
como presbiterianismo).

A organizacáo eclesiástica zvingliana, consolidada por Bul


linger, continuou na Suíga alema (sem bispos).

2.3. Anglicanismo eu EpiscopaUsmo

As opinióes sobre o Anglicanismo divergem tanto fora


como dentro da própria Comunháo Anglicana.

Os mais conservadores dos anglicanos (ditos «anglo-cató-


licos») declaram que a Igreja da Inglaterra nunca apostatou
da fé na Igreja indivisa de Cristo apresentada na S. Escritura
e conservada pela Tradicáo dos Padres e dos Concilios Ecumé
nicos («Declaration of Faith», 1922).

Todavia os anglicanos protestantizantes afirmam que o


Anglicanismo constituí urna Igreja Reformada.

Oficialmente, a Igreja Anglicana pretende ser interme


diaria entre o Catolicismo e o Protestantismo. Na realidade,
porém, o Anglicanismo pode ser tido como forma de Protes
tantismo, que tem suas modalidades próprias.

Origem: Em 1531, Henrique VIH (1491-1547) fez-se reco-


nhecer pelo Parlamento como «Chefe da Igreja Inglesa». Plei-
teava o divorcio de Catarina de Aragáo, que Roma nao lhe
concedeu.

— 446 —
VISAO DO PROTESTANTISMO 23

Em 1534, o Parlamento votou a «Lei da Supremacía», pela


qual o reí era «o único e supremo chefe da Igreja da Ingla
terra».

Em 1549, sob Eduardo VI deu-se a publicacáo do «Prayer


Book».

Em 1562, foram promulgados os <Tiinta e nove Artigos»


de fé da Igreja da Inglaterra.

Dontrina: O Anglicanismo adota principios básicos do


Protestantismo, entre os quais a Escritura como única norma
de fé. A «High Church» (anglo-católicos) conserva ainda
grande estima pela Tradlcáo (inclusive pela Liturgia), ao passo
que a cLow Church» (a Baixa Igreja) sofreu forte influencia
protestante. A Conferencia de Lambeth em 1920, como órgáo
central do Anglicanismo, promulgou o quadrilátero de Lam
beth, que equivale a urna declaragao de principios:- Somente
a Escritura como norma de fé, fidelidade ao Simbolo dos Apos
tólos e ao de Nicéia, aceitacáo do Batísmo e da Eucaristía
apenas, valor do episcopado e da sucessáo apostólica.

De modo especial, a influencia calvinista fez-se sentir cada


vez mais sobre o Anglicanismo. As relagóes entre a Igreja
Católica e os anglicanos se tornaram também cada vez mais
alvissareiras nos últimos tempos.

Organizagáo: Em vez de Igreja Anglicana, há quem fale


de «Comunháo Anglicana». Esta significa o vinculo que existe
entre comunidades autónomas esparsas pelos cinco continen
tes, tendo sua origem na Inglaterra; o grau de jurisdigáo que
essas comunidades exercem urnas sobre as outras, é, por vezes,
meramente nominal.

A Comunháo Anglicana tem seus bispos (daí chamar-se


também «episcopaliana»). Todavía a Igreja Católica nao reco-
nhece a validade das ordenacóes anglicanas, pois estas depen-
dem todas de Mateus Parker (1559), que reiniciou a hierar-
quia extinta na Inglaterra em condicdes discutiveis e dúbias;
cf. PR 187/1975, pp. 294-301.

Foi dos grupos reformados da Inglaterra que procedeu a


maioria das divisóes e subdivisdes (nao conformistas, «dis-
senters») do Protestantismo, como se verá abaixo.

— 447 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

2.4. Presbfterianismo

Origem: A Escocia teve como reformador John Knox


(1505-1572), que estudara em Genebra e, imbuido de princi
pios calvinistas, introduziu em sua patria as doutrinas e a orga-
nizagáo do Calvinismo (1539). Aboliu, portante, a fungáo dos
bispos que ainda estava vigente, e estabeleceu urna constitui-
gáo presbiteriana (com pastores, presbíteros, diáconos).

Na Inglaterra mesma, o Ato de Uniformidade em 1559


impds urna Liturgia anglicana unitaria. Contra esta medida,
insurgiram-se grupos de anglicanos, que preferiam a simplici-
dade do culto calvinista. Passaram a fazer oposicáo á religiáo
oficial, propugnando urna Igreja «pura de fermento papista» e
«conforme a Escritura». Duramente perseguidos, desde 1567
comegaram a organizar igrejas próprias dé tipo calvinista, pres
biteriano. Donde os nomes de «puritanos» («dissenters») e
«presbiterianos» que lhes foram dados.

Os presbiterianos puritanos comegaram em 1617 a emi


grar para os EE.UU., onde se foram espalhando mais e mais.

Organiza^áo: Os principios da teología presbiteriana sao


os do Calvinismo. O que caracteriza tal denominagáo, é a sua
organizagáo eclesiástica. Os presbiterianos faram-se dividindo
em alas independentes urnas das outras, estando varias délas,
desde 1877, congregadas na Alianga Reformada Mundial (an-
tiga «Alianga Mundial das Igrejas Presbiterianas»), com sede
em Genebra. As divisóes se devem a pontos de vista funda-
mentalistas (a Biblia interpretada ao pé da letra) ou liberáis.

2.5. Congregacionalismo

Origem: Os puritanos ingleses mais radicáis vieram a


rejeitar a constituigáo presbiterial e sinodal da Igreja; afir
mando a plena autonomía de cada comunidade (ou congre-
gagálo) de crentes.

Já em 1580 o clérigo anglicano Robert Browne pregava


a segregagáo de um grupo de cristáos fervorosos, que ficariam
independentes de qualquer imposigáo doutrinária ou discipli
nar. Sériam todos iguais entre si é livres na interpretagSo da
Biblia. Ó sistema de Browne érá fortemente individualista.
Browne foi preso, e voltou finalmente a seu lugar na Igreja

— 448 —
VISAÓ DO PROTESTANTISMO 25

Anglicána. Mas as suas idéias foram reassumidas por John


Greenwood, Henry Barrow é Francis Johnson, que em 1592
fundaram urna comunidade de independentes congregaciona
listas. Estes foram perseguidos; obligados a deixar o país,
estabeleceram-se na Holanda em 1608; ai ficaram doze anos,
ao fim dos quais um grupo de cem congregacionalistas embar-
cou para os EE.UU., na qualidade dé «pilgrim fathers»; o
navio; «Mayflower» eni 1620 os deixou no porto de Piymouth.
Ulteriormente perseguidos na Inglaterra, os presbiterianos e
congregacionalistas emigráram entre 1620 e 1640 para a Amé
rica do Norte.

Em 1833 deu-se o cisma entre congregacionalistas unita


rios e trinitarios ortodoxos.
•<

Com o tempo, a tendencia a se unirem em Federacáo fez-se


notar entre os congregacionalistas, apesar da sua Índole forte-
mente individual. Em 1891, fundou-se o «International Con
gregational Council». Em 1957 as «Congregational Christian
Churches» e a «Evangélica! and Reformed Church» se uniram
na «United Church of Christ». '

Doirtrina: Os congregacionalistas professam os grandes


principios do Calvinismo, do qual se diferenciam únicamente
por sua organizagáo eclesiástica. Esta supóe a autonomía de
cada cbngregacáo local para se governar mediante seus repre
sentantes eleitos.

2:6. Metodismo

Origem: Prende-se ao movimento pietista protestante, que


percorreu a Europa no séc. XVII, sob a inspiragáo do luterano
Jacob Spener (1635-1705), alsaciano. Tendía a piedade afe-
tada, nutrida por rigorismo moral; incutia a leitura diaria da
Biblia, a oraffáo pelos inimigos em lugar de discussóes; pro-
curava promover a salvacáo do próximo, inclusive a dos pagaos
ñas térras do Novo Mundo. Dos pietistas é que procederam
os missionários protestantes de povos longínquos.

No séc. XVm, o Anglicanismo passava por urna fase de


apatía e indiferenca; o relaxamehto moral e a filosofía deísta
o minavam. Conscientes disío, os irmáos anglicarios' John
(1703-1791) e Charles (1707-1788) Wesley fundaram em 1729
urna" associacáo de estudahtés, chamada «Clube Santo» ha

— 449 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

cidade de Oxford, com o intuito de cultivar a virtude e a


devocáo: seguiram serio programa de oracóes, jejuns, boas
obras, comunhóes freqüentes, vida regrada...; por isto recebe-
ram dos seus condiscipulos a alcunha irónica de «metodistas».

Aos irmáos Wesley, desejosos de pregar, as autoridades


anglicanas recusaram o pulpito e a comunháo. Em conseqüén-
cia, os irmáos fundaram cápelas para a sua «Sociedade dos
Renovados». Aos poucos, os metodistas se separaram oficial»
mente da Igreja oficial da Inglaterra.

Em 1735, Joáo Wesley parthi para os EE.UU. a fim de


pregar o Evangelho aos peles-vermelhas da Georgia; mas só
conseguiu tornar-se pastor de um grupo de colonos, que o acha-
ram muito rigoroso. Wesley entáo voltou para a Inglaterra,
onde em quarenta anos percorreu a cávalo 400.000 km, cha
mando á conversáo milhares de ouvintes. O metodismo se pro-
pagou rápidamente para fora da Europa em missóes diversas.

Doutrina: Segué os 39 Artigos do Anglicanismo, reduzi-


dos a 25 por John Wesley. Acentúa a acáo imediata do Espi
rito Santo na conversáo, o contraste do cristáo fervoroso com
o mundano. Conserva a fungáo dos bispos.

O Metodismo conheceu varias cisóes, que hoje em dia váo


sendo superadas. Assim, pouco após a morte de Joáo Wesley,
separaram-se os «metodistas novos». Em 1810, os «metodistas
primitivos». Em 1830, os «metodistas protestantes». Em 1836,
originaram-se as «United Methodist Free Churches». Nos dece
nios seguintes registraram-se novas divisóes, perfazendo um
total de vinte denominacóes metodistas.

Finalmente em 1932 a grande maioria dos metodistas


ingleses uniu-se na «Methodist Church».

Os metodistas exercem intensa atividade no campo social


caritativo e ñas missóes.

2.7. Anabotistas e Balistas

Origem: Os batistas dizem-se oriundos de Sao Joáo Ba


tista e, por isto, nao aceitam ser enumerados entre os protes
tantes. Na verdade, porém, deve-se notar que, embora tenha
havido na historia da Igreja alguns surtos de cristáos que só

— 450 —
VISAO DO PROTESTANTISMO 27

queriam batizar adultos e por imersáo, os batistas nao estáo


históricamente e doutrinariamente filiados a tais grupos, mas,
sim, ao movimento anabatista do séc. XVI.

a) Os anabatistas, chefiados por Tomás Münzer, julga-


vam que Lutero nao era suficientemente radical. Por isto
apregoavam sua reforma própria, cujo sinal seria o batísmo
exclusivo de adultos; rebatizavam, pois, os fiéis que lhes ade-
riam, merecendo assim o nome de «anabatistas» (ana = de
novo, em grego). Tai movimento foi violentamente combatido
por Lutero e Zvmglio, de modo que seus membros se disper-
saram pela Europa, a partir de 1525.

Todavia o movimento anabatista ramificou-se em diver


sas denominagóes: Menonitas (de Meno Simons, fl559), Ir-
máos Hutterianos (de Tiago Hutter), Igreja dos Irmáos, Igreja
dos Irmáos Evangélicos Unidos e Igreja Batista.

b) O clérigo anglicano John Smyth (f 1617) nao se con-


formava com a branda reforma anglicana... Por isto em 1604
fundou urna comunidade dissidente em Gainsborough (Ingla
terra). Todavia foi obligado a exilar-se com os seus compa-
nheiros na Holanda, viveu em casa de um padeiro menonita,
que o convenceu de que era inválido o batísmo ministrado as
crianzas. Smyth entáo conferiu a si mesmo um segundo ba
tísmo, de cujo valor, porém, comecou a duvidar em breve. Em
conseqüéncia, seus companheiros, por eles anteriormente con
vencidos da tese anabatista, o expulsaram da comunidade! Em
1612, um grupo de seus discípulos voltou á Inglaterra e lá fun
dou a primeira igreja dita batista (nao mais anabatista). Essa
comunidade se foi estendendo, enquanto seus membros rece-
biam da Holanda teses de teología calvinista.

Emigraram também para os Estados Unidos a fim de esca


par á perseguicáo. Hoje existem cerca de vinte seitas batistas,
que estáo unidas na «Alianca Batista Mundial»; entre outros,
contam-se os batistas calvinistas, os batistas congregacionalis-
tas, os batistas primitivos...

Dontrina: Os batistas professam a teología calvinista, com


a diferenca, porém, de que só batizam adultos, e apenas por
imersáo.

Cada comunidade batista é independente. O poder reside


na assembléia dos fiéis, que elege os seus pastores e diáconos.

— 451 —
28 .. «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» Í90/1975

Ulteriores esclarecimentos sobre os batistas se encon-


tram em PR 7/1957, pp. 38-41; 3/1958, pp. 106-112; 6/1958,
pp. 229-235.

Passemos agora ao exame de ramificagóes protestantes


ainda mais recentes e características.

3. Vistió panorámica: seitas

Distinguiremos oito principáis seitas derivadas das Igrejas


protestantes.

3.1. Os «Quakers» (ou Sociedade dos Amigos)

Origem: O anglicano John Fox (1624-1691) aderiu por


certo tempo aos batistas. Depois, convenceu-se de que rece
bera urna iluminagáo especial e, a partir de 1649, comecou a
percorrer a Inglaterra vestido como profeta e reunindo seus
seguidores numa «Sociedade de Amigos» ou de «Filhos da Luz».
O povo lhes deu o nome de «quakers», visto que falavam e
oravam em estado convulsivo (to quake = tremer, sacudir-se).

Fox foi aprisionado oito vezes. Conseguiu, porém, ir aos


Estados Unidos em viagem missionária (1670-1673). William
Penn (t 1718) lá fundou em 1682 o Estado «quaker» que dele
tem o nome (Pensilvánia).

Doutrina: A principio, os «quakers» nao tinham dogmas


nem sacramentos; o elemento decisivo sería a «luz interior»
dada diretamente por Cristo a cada crente. Nao admitiam igre
jas constituidas, nem ministros ou pastores, já que julgavam
estar no fim dos tempos. Até hoje pregam moral severa; rejei-
tam toda especie de divertimentos, a pena de morte, o servico
militar, os juramentos, os dízimos... O culto é realizado sem
estrutura definida, de acordó com a inspiracáo dos partici
pantes.

Robert Barclay em 1676 procurou dar á seita idéias dou-


trinárias sistemáticas. Esta tendencia aos poucos foi provo
cando divisóes entre os «quakers», de modo que hoje existem
os «quakers molhados», os «combatentes», os «livres», etc.

Influencia: Foi ampia. Empenharam-se pela aboligáo da


escravatura, pela reforma das prisóes, pela reórganizacáo das

— 452 —
VISAO DO PROTESTANTISMO , 29

instituigóes caritativas, pela igualdade política de homens e


mulheres, etc. Desde 1780 libertavam seus escravos e ajuda-
vam os outros a fugir. . .

Tornaram-se enérgicos homens de negocios, que no comer


cio impunham o prego fixo. Propugnaram a separacáo da
Igreja e do Estado e exercéram notável influencia na elabora-
cáo da Constitüigáo dos Estados Unidos.

3.2. Os Mórmons ou lgre|a de Jesús Cristo dos Santos


do Último Día

Origem: O fundador da seita é Joseph Smith, nascido nos


EE.UU., de familia presbiteriana, em 1805. Morreu em 1844,
linchado pela multidáo.
Declarou ter recebido revelagóes entre 1820 e 1829, me
diante as quais pode descobrir e traduzir o «livro de Mórmon»,
que se tornou para Joseph Smith um apéndice á Biblia. O
livro continha a historia de duas tribos «de Israel»: os jare-
ditas (cf. Gn 5,18) e os lamanitas (cf. Gn 4,19-24). Desapare-
ceram da Biblia, porque, conforme tal «revelagáo», cedo demais
(após a dispersáo da Torre de Babel) emigraram para a Amé
rica. Os lamanitas (maus, de pele bronzeada) deram origem
á raga india; os jareditas (bons e de pele branca) foram exter
minados pelos outros. Felizmente, antes de morrer, o seu reí
Mórmon pode escrever algumas crónicas em placas de ouro,
que ele enterrou e que Joseph Smith em 1827 encontrou no
topo de urna colina por indicagáo do anjo Moroni. O texto
estava escrito em lingua estranha, que Smith chámoü «egipcio
reformado». O próprio Smith nao sabia decifrá-lo, mas Mo-
roni lhe deu duas pedras mágicas com as quais Smith fez a
tradugáo, que estava terminada em 1829. A ninguém era lícito
ver o livro, sob pena de morrer. Para traduzi-lo, J. Smith se
colocava atrás de urna cortina com a cabega dentro do seu
chapéu, e ditava a versáo ao secretario, que era o rude cam-
ponés Martín Harris. Um belo día, o anjo Moroni retirou defi
nitivamente o livro. .

Os mórmons sofreram o odio popular; peregrinaram por


dois anos no deserto, e finalmente estabeleceram-se na regiáo
de Utah, as margens do Lago Salgado. Ai seu novo. chefe¡
o carpinteiro Brigham Young (tl877), fundou urna teocracia.
O Congressó norte-americano criou para a seita o territorio de
Ütah, do qual foi nomeado governador B. Young (185Ó).

— 453 —
30 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

Em 1812 declararam obrigatória a poligamia. Esta, po-


rém, foi condenada pelo governo da Uniáo, que desde 1882 a
combateu enérgicamente. Hoje em dia os mórmons já nao a
praticam.

Dotrtrina: Como se vé, os mórmons já nao podem ser con


siderados urna seita crista proprlamente dita, pois tém sua
«revelagáo própria». Propóem teses assaz imaginosas, das
quais se segué até mesmo o racismo. Distinguem-se pelo seu
espirito proselitísta, que lhes garantiu extraordinaria expansáo
entre os «gentíos» (cristáos e nao cristáos).

Ulteriores indicagóes sobre os mórmons encontram-se em


PR 67/1963, pp. 297-304.

3.3. Exérdto da Solvojáo

Origem: Deve-se a William Booth (1829-1912) e á sua


consorte Catarina (11890).

Booth foi pastor metodista. Mas em 1861 rompeu com a


sua Igreja. Em 1865 fundou a «Missáo Crista», a qual se
transformou em Exército pacifico, que visava ao atendimento
das populagóes mais desamparadas. Os «soldados» e «oficiáis»
de Booth foram, a principio, multados e encarcerados por causa
das suas manifestacóes ruidosas, mas em breve se sentiram
reconhecidos como cristáos cheios de fé e caridade.

O Exérdto da Salvagáo (de inicio, chamado «Exército


Aleluia») sabe que «é difícil salvar um homem que tenha os
pés molnados» (Booth). Por isto apregoa a trilogia: «Sopa,
sabáo, salvagáo», e organiza obras de assisténcia material.

Doutrina e organizac&o: O Exército da Salvagáo nao pre


tende ter doutrina original no seio do Protestantismo nem se
apresenta como Igreja.

Professa a justificagáo pela fé ñas Escrituras, a neces-


sidade de conversáo experimentada pessoalmente, o dever do
testemunho missionário. Liga-se & corrente pietísta; proclama
a alegría que provém da abnegagáo e da certeza de poder cola
borar na transformagáo de todo homem. Insiste fortemente no
testemunho pessoal a ser dado ao operario, ao vendedor de
loja,- ao vadlo da rúa, ao freqüentador de teatro e do «music-
-hall» (Catarina Booth).

— 454 —
VISAO DO PROTESTANTISMO 31

Os discípulos de Booth organizam-se segundo o modelo do


exército inglés, de modo que todos tém um título militar: gene
ral, coronel, comandante, capitáo, auxiliar... Esses oficiáis sao,
em grande parte, mulheres. Apresentam-se severamente disci
plinados, inclusive pelo uso de uniforme.

Trazem bandeira azul (santidade), vermelha (salvacáo pelo


sangue de Cristo), com estrela de ouro (o Espirito Santo). A
sua divisa é «Sangue e Fogo» (o sangue de Cristo e o fogo do
Espirito Santo).

O culto varia de regiáo a regiáo. Fazem reunióes ao ar


livre com cantos, bandas de música, exortacóes; movem a sen-
sibilidade e o afeto dos ouvintes, proferindo testemunhos de
conversáo e confissóes públicas.

O Exército da Salvacáo difundiu-se largamente, máxime


nos ambientes populares, atingindo até os leprosos da India e
os condenados a trabalhos toreados na Guiánia.

3.4. Gftnda Crista («Chrtstlon Setene»»)

Origem: A fundadora da seita é a Sra. Mary Baker (1821-


-1910), nascida nos EE.UU. de familia congregacionalista. Ca-
sou-se com o Coronel Glover em 1843; tendo enviuvado, espo-
sou o Dr. Daniel Patterson em 1853, de quem se divorciou para
casar-se com Mr. Eddy.

Em 1866, a Sra. Mary foi «milagrosamente» curada: caira


sobre o gelo em Lynn (Massasuchetts), e foi isenta de seus
ferimentos depois que o.médico a. declarara incurável! Emeon-
seqüéncia, comecou a tecer consideracóes filosófico-religiosas,
que se encontram no volume «Science and Health» (Ciencia -e
Saúde), datado de 1875: somente o espirito, nao a materia,
tem realidade; toda doenca, portante, pode ser curada por um
remedio espiritual, ou seja, a oracáo. O pecado é resultado
de um erro de pensamento; deve ser superado mediante o reto
conhecimento ou a reforma do entendimento. Esta se obtém
pelo tratamento ou pela «oracáo em Ciencia Crisis», realizada
pelos (as) «praticantes» da Ciencia Crista. Cristo foi um
grande terapeuta espiritual; trouxe urna mensagem, que se
tornou desconhecida, mas que a Sra. Mary Baker redescobriu.

A fundadora da seita transmitía seus ensinamentos con-


cementes aos métodos da Ciencia Crista, cobrando trezentos
dólares por sete licóes.

— 455 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

Doutrina: A Ciencia Crista também nao merece p título de


crista, pois reduz o Cristianismo a urna filosofía voltada para
as curas de doencas. Chega mesmo a prpfessar o panteísmo,
como se Deus fosse tudo em tudo.

O cientismo tem sua sede central em Bostón (U.S.A.),


onde reside o Conselho dos Dirigentes da Igreja; este se encar-
rega de aprovar os «praticantes», professores e enfermeiros
que trabalham em nome da Ciencia Crista.

3.5. Adventistas

Origem: William Miller (1782-1849), de confissáo batista,


calculou, na base de textos bíblicos (cf. Dn 8,5-11), que a
segunda vinda de Cristo se daria entre 21 de margo de 1843 e
21 de marco de 1844; o Senhor iniciaría entáo um reinado de
mil anos sobre a térra, com a exaltagáo dos bons e a condé-
nacáo dos maus.

Todavia, tendo falhado o cálculo, S.S. Snow o refez, pre-


dizendo a volta de Cristo para 22 de outubro de 1844. Já que
também esta prévisáo nao se cumpriu, o entusiasmo de muitos
discípulos arrefeceu. Contudo aos 25/IV/1845 Miller résolveu
fundar, com os seguidores fiéis, urna Igreja própria, que pro-
fessaria (sem indicar data) a iminéncia da segunda vinda de
Cristo.

A Sra. Ellen White, que em 1846 se casou com o pregador


adventista James White, résolveu reforcar a obra de Miller.
Em conseqüéncia de «revelacóes», afirmaya que aos 22/X/1844
Cristo comecara a examinar o valor dos homens defuntos,
aprovando ou reprovando cada um deles. Quando essa obra
gigantesca acabasse, os vivos passariam por semelhante julga-
mento é o fim do mundo estaría próximo. A Sra. White tam
bém incutiu vivamente a observancia do sábado.

Assim se firmou a denominacáo adventista do Sétimo Día,

Doutrina: Os adventistas professam as crencas fundamen


táis das igrejas batistas, acrescentando-lhes elementos próprios,
como sao:

A morte física introduz as almasnum estado.de sonó,, do


qual despertaráo no dia da ressurreicáo; entáo os bons ressus-

— 456 —
VISAO DO PROTESTANTISMO 33

citaráo e reinaráo mil anos com Cristo; os maus so ressusci-


taráo após o remado de mil anos para ser aniquilados junta
mente com Satanás.

Os adventistas se interessam muito pela saúde, pois Ellen


White recebeu «revelagóes» a respeito do corpo como templo
do Espirito Santo. A abstinencia de carne e de fumo é geral-
mente praticada pelos adventistas. Ao difundirem suas recei-
tas de higiene, estes cbstumam apregoar o anuncio de que o
fim do mundo está próximo.

Em suma, o adventismo assinala, dentro da historia do


Cristianismo, um estranho retorno a proposigóes do Antigo
Testamento, proposigóes que o Novo Testamento elucidou e
reformulou (sonó das almas após a morte, reinado milenar de
Cristo, restauragáo do paraíso terrestre materialmente enten
dido, observancia do sábado, proibigáo de certos alimentos...).

Esta tendencia ao Antigo Testamento se prolongaría na


seita que abaixo consideraremos. — Sobre os Adventistas ve-
jam-se ulteriores dados em PR 182/1975, pp. 70-80.

3.6. Testemunh«_de Jeová

Origem: O fundador é Charles-Taze Russel (1852-1916),


nascido em Pittsburg (U.S.A.) de familia presbiteriana. Em
1870 tornou-se adventista. Como tal, refez os cálculos refe
rentes á segunda vinda de Cristo, que ele assinalou para 1874
(ano em que Russel se separou do Adventismo oficial); depois,
indicou-a para 1914 e, finalmente, pata 1918. Infelizmente,
porém, Russel faleceu em 1916.

O seu sucessor foi p juiz Rutherford, que, tendo ido á Eu


ropa em 1920, ai anunciou o inicio da idade de ouro para 1925.
Esse novo líder da seita, até entáo dita «dos Estudiosos da
Biblia», fez que tomasse o nome de «Testemunhas de Jeová».
Rutherford morreu em 1942.

Atualmente as Testemunhas tém seu centro principal em


Brooklyn (Nova Iorque), onde sao editados dois jomáis, tam-
bém traduzidos para o portugués: «Torre de Vigía» e «Desper-
tai-vos!» •■''■- •■•■•' •■ • '•• ■' " ■■

— 457 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

Doutrina: As Testemunhas acentuaran! o retorno ao An-


tigo Testamento, a ponto de negarem a SS. Trindade; chamam
Deus pelo apelativo Jeovah, forma tardía e errónea do nome
Jahweh. Cf. PR 31/1960, pp. 291-293.

Jesús Cristo seria apenas criatura. Esta afirmagáo faz


cair por térra todo o edificio do Cristianismo.

A mor parte dos homens está sob o jugo de Sata desde


a queda de Adáo e Eva. Em 1914, Jeová se tomou rei; deu-se
entáo tremenda batalha no céu, em conseqüéncia da qual o
diabo e seus anjos foram precipitados sobre a térra. Sata,
furioso, tentou destruir a humanidade mediante a primeira
guerra mundial, a gripe espanhola e numerosos terremotos.
Os homens que doravante «tomarem partido pela teocracia»
(Testemunhas de Jeová), nada teráo a temer.

Até mesmo as diversas religioes da humanidade sao obras


de Sata, segundo as Testemunhas. Estas se opóem outrossim
ao servico militar e <á transfusáo de sangue (pois, conforme
a Biblia entendida pelos semitas, no sangue está a vida e a
vida é propriedade de Deus só).

As Testemunhas batízam por imersáo em rios. Comemo-


ram anualmente a morte de Cristo a 14 de Nisá, ocasiáo em
que comungam apenas os «eleitos» (que correspondem aos
144.000 crentes salvos do Apocalipse).

O poder de penetragáo da seita tem sido enorme, alimen


tado, em grande parte, pelos recursos da moderna técnica.

3.7. Os Amigos de Homem

Origem: Em 1920 Alejandre Freytag (1870-1947), ñas-


cido em Badén (Alemanha), separou-se da seita dos «Estu
diosos da Biblia» (Testemunhas de Jeová); era diretor da seita
em Genebra. Publicou entáo o livro intitulado «A divina reve-
lagáo», em que manifestava a consciéncia de ser «o mensa-
geiro do Eterno», predito pelo profeta Malaquias (3,1). Em
1922, o mesmo autor editou «A mensagem á humanidade»; em
1933, «A vida eterna». Deu assim inicio á sodedade dos «Ami
gos do Homem».

Quando Freytag morreu em 1947, os seus discípulos divi-


diram-se em dois ramos: o suíco e o francés, aquele sob a

— 458 —
VISAO DO PROTESTANTISMO 35

diregáo de Ruffer (com sede no castelo de Cartigny), este sob


Bernard Sayerce (com sede em París).

Doutrina: É a mesma nos dois ramos. Encontra-se bási


camente nos tres livros do fundador.

Rejeitam a SS. Trindade. Identifican! o Espirito Santo


com um ñuido vital material. A sua nocáo de Cristo Salvador
(nao Deus) se torna imprecisa e sentimental.

Professam a ressurreigáo dos mortos, para viverem o mi


lenio com Cristo sobre a térra. Após o que, haverá o aniqui-
lamento dos maus e o paraíso terrestre para os bons; o.céu
ficará para os 144.000 eleitos («pequeño rebanho» do Evan-
gelho).

O único pecado é o egoísmo, causa de todas as doengas.


A seita nao realiza culto propriamente dito, mas reunióes
de meditacóes, exortacóes e cantos (sem leitura da Biblia nem
oracóes comunitarias). Celebra a S. Cela urna vez por ano,
na época da Páscoa.

A organizagáo da seita é assaz frouxa; existem «andaos»


que dirigem as comunidades locáis.

Os «Amigos do Homem» constituem o último rebento dos


Adventistas. Situam-se, pois, extremamente longe da linha
central do Evangelho e do Cristianismo.

3.8. Penteeostois

Origem: Está ligada ao reavivamento de Holiness (Santi-


dade), oriundo entre os metodistas do sáculo XDC nos EE.UU.
Em 1900 o pastor metodista Charles F. Parham, que aderia ao
reavivamento, suscitou entre os seus alunos de escola bíblica
a idéia de que o sinal seguro de auténtica conversáo e vida
no Espirito Santo seria o dom das linguas ou a glossolalia. Esta
idéia provocou a formacáo de grupos que, cultivando urna pie-
dade mais intensa e entregando-se assiduamente á oracáo,
comecaram a falar linguas e experimentar o «batismo no Es
pirito»; o carisma era geralmente transmitido por ünposigáo
das máos de um pastor.

Os núcleos de tais crentes batizados no Espirito foram-se


espalhando pelo Texas, principalmente sob a direcao de um
pastor de cor chamado W. J. Seymour.

— 459 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

As comunidades metodistas e batistas tomaram distancia


do movimento. Os iniciadores deste nao tinham a intengáo'de
fundar nova denominacáo crista; apenas queriam suscitar um
revival ou reavivamento ñas comunidades protestantes. Quando,
porém, se viram rejeitados por estas, passaram a constituir
congregagóes próprias, ditas «pentecostais».
Nenhuma denominagáo protestante está sujeita a se divi
dir e subdividir tanto como a dos pentecostais — o que se
entende, já que as raizes e forgas impulsoras do movimento
sao assaz subjetivas.

Já em 1906 o. Pentecostalismo se propagava pela Europa,


comecando pelas nacóes escandinavas, donde passou para a
Grá-Bretanha e o resto do continente. Atingiu também rápi
damente a África e a América Latina. No Brasil, os pente
costais constituem 75% da populacáo protestante, ao passo
que em 1930 nao perfaziam senáo 9,5% do protestantismo bra-
sileiro. Entre nos dispóem-se em tres grupos:

a) Assembléia de Deus, que veio em 1911;

b) Congregarlo Crista do Brasil, que teve inicio em 1909


na colonia italiana do Brás (Sao Paulo), por obra de Luis
Francescon, emigrante italiano que veio dos EE.UU.;
c) Pentecostais independentes, grupos oriundos em 1950,
entre os quais está a Cruzada «Brasil para Cristo» chefiada
pelo pastor Manoel de Mello, que se desligou da Assembléia
de Deus e iniciou o Movimento da «Tenda Divina».

Registram-se ainda: a Cruzada de Nova Vida, a Igreja da


Renovagáo, a Igreja da Restauracáo, o Reavivamento Bíblico,
o Evangelho Quadrangular Pentecostal, o Cristo Pentecostal
da Biblia, a Igreja Pentecostal Unida, a Igreja Evangélica
Pentecostal, a Igreja Pentecostal Jesús Nazareno, a Cruzada
Nacional de Evangelizacáo...
Dontrina: O Pentecostalismo professa o Credo das comu
nidades reformadas fundamentallstas (tendentes á interpreta-
gáo literal da Biblia). ■
Acentuam os quatro ángulos da pregagáo: «Jesús salva,
Jesús cura, Jesús bauza, Jesús volta».
Insiste no «batismo do Espirito Santo» e nos carismas
(dom das linguas, dom das curas) que, mediante á impqsigáo
das máos, acompanhavam a vinda do Espirito Santo sobré os
primeiros cristáos. -.--... -

— 460 —
VISAO DO PROTESTANTISMO 37

O culto pentecostal tem nota entusiasta, popular, podendo


realizár-se em praga pública. O batismo é conferido por
imersáo.

A organizagáo das comunidades é assaz fíexivel, pois dizem


que a institucionalizacáo mata o Espirito. Cada assembléia se
governa sob a guia de um pastor por ela eleito.

Outros dados-sobre o Pentecostalismo protestante se acham


em PR 176/1974, pp. 347-353.

4. Conclusao

Duas reflexóes afloram no fim deste percurso panorámico:

1) As denominagóes protestantes se podem agrupar


segundo grandes correntes assim concebidas:

a) Há as que diferem entre si quase táo somente por


motivos de organizagáo da Igreja. Tais sao o Episcopalismo,
o Presbiterianismo, o Congregacionalismo.

b) Há as que se derivam do movimento pietista do séc.


XVII ou de um movimento posterior; Metodismo, Exército da
Salvagáo, Pentecostalismo.

c) Há os que propugnam a volta ao Antigo Testamento


e, conseqüentemente, a iminéncia da consumagáo dos tempos
com milenarismo: Adventismo, Testemunhas de Jeová, Amigos
do Homem.

d) Há os que se entregam á imaginagáo desabrida: Mór-


mons, Ciencia Crista, Quakers.

Muitas das denominagóes protestantes tém seu foco prin


cipal nos EE.UU. por um fator singular: o Estado unido á
Igreja (episcopaliana) na Inglaterra perseguiu os dissidentes,
provocando a emigragáo destes para a principal colonia inglesa,
que era a América Setentrional. Foi lá que os contestatarios
encontraram seu clima de liberdade e se multiplicaran!.

2) A existencia de divisóes entre os cristáos é um fato


que vem provocando o escándalo entre os próprios cristáos.
Verdade é que há aqueles que cada vez mais enveredam pelas
vias do subjetivismo e da fantasía, esfacelando progressiva-
mente o patrimonio cristáo; sao os fundadores e membros das
seitas. Mas há também — em número crescente — pessoas

— 461 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 190/1975

e blocos que se interessam cada vez mais pela restaurado da


unidade; tem-se constituido grupos interconfessionais de estudo
e diálogo, a fim de superar aos poucos as divergencias; veri-
fica-se que muitas destas sao devidas a circunstancias ou rea-
góes contingentes características de urna fase da historia, de
tal modo que reafirmar tais divergencias hoje em dia Ja nao
tem sentido. Urna reflexáo serena sobre vocábulos «nevrál-
gicos» ou controvertidos mostra que católicos e protestantes
nao divergem entre si ñas proporcóes outrora apregoadas;
assim os principios básicos do Protestantismo «Somente a Es
critura, Somente a fé, Somente a graca» sao entendidos de
novo modo por católicos e protestantes sem que se traía a
verdade ou se fagam «adaptagóes» indevidas.

Todavía os cristáos sinceros fazem votos para que os pro-


gressos do verdadeiro ecumenismo se váo acentuando sempre
mais. Isto só será possível se cada discípulo de Cristo tiver a
intencáo de se converter cada vez mais ao Senhor em pureza
de coracáo e de vida. A docilidade interior ao Espirito Santo
dissipará preconceitos e permitirá que o Espirito faga a sua
obra em todos aqueles que nao tenham outro desejo senáo o
de servir ao Evangelho e ao Reino de Deus.

Que Ele, o Senhor mesmo, conceda tais disposigóes a


todos os seus fiéis h

Bibliografía:

S. Mooy, "Problemas ecuménicos na Igreja e ñas Igrejas". Sao


Pauto 1963.
ColecSo "Vozes em Defesa da Fé": perto de SO fascículos que
tratam das seitas e sociedades religiosas contemporáneas em resumos pre
cisos e substanciosos. Petrópolls 1959.
Blhlmeyer-Tuechle, "Historia da Igreja", vol. 3. SSo Paulo 1965.
B. Munlz de Souza, "A experiencia da salvacao". SSo Paulo 1969.

J. K. van Baalen, "O caos das seitas". Sao Paulo 1974.


G. Tavard, "Le Protestantismo". Col. "Je sais-Je crols" rfl 137,
París 1958.
— "L'lnsurrectlon protestante et le renouveau cathollque", ib. n? 76.
Paris.
A. Toledano, "L'AnglIcanisme", ib. n? 138. París 1957.
M. Colinon, "Le phénoméne des sectes au XXe. slécle", n? 139.
París 1959.
H.-Ch. Chóry, "L'offensive des sectes". París 1954.
De la Brosse, Henry, Rouillard, "Dictionnaire de la Fol Chrétlenne",
t. II : "L'HIstoIre". Paris 1968.

— 462 —
Recentes dúvldas:

a comunhao na máo

Nos últimos meses tem-se debatido a prática da entrega


da S. Eucaristía na máo do fiel comungante. Enquanto há
aqueles que se regozijam com a licenca para tanto recebida
de Roma, outros há que se mostram contrarios ao uso dessa
faculdade, como se fosse urna derrogagáo a valores sagrados
e a intengóes da Santa Sé.

Diante da questáo, nada mais salutar do que o recurso ao


documento-fonte a partir do qual se introduziu tal prática no
Brasil. Trata-se de urna autorizagáo de Roma comunicada
oportunamente a cada prelado diocesano pela Conferencia Na
cional dos Bispos do Brasil. Eis o respectivo texto:

Rio de Janeiro, 25 de marco de 1975


P.-C. N? 513/75

Senhor (Arce)Blspo
Respeltosas saudades

Oe Bísdos présenles á XIV Assembléta GeraJ da CNBB reunida em


llaicl SP de 19 a 27 de novembro de 1974, aprovaram, por mate de duas
tercas partes dos votos, que se pedlsse a Santa Sé llcenca para que os
mesmos Blspos, em suas respecHvaa Dloceses, pudeasem autorizar a dla-
trlbuicao da comunhao na máo.

A Sagrada Congregacfto para o Culto Divino, por Decreto de 5 de


marco do corrente, concedeu a autorfeacfio solicitada, de acordó com as
normas da Instrucáo "De modo Sanctam Communtonem mlnistrandi , de
29 de mato de 1969, e a carta anexa á mesma, dirigida aoe Presidentes
das Conferencias Eplscopals (A.A.S. 61 — 1969 — pp. 541-547).

É, pols, concedida a todos os Ordinarios de Lugar do BrasB a licenca


de autorizar em suas respectivas clrcunscrlcfies edesléstlcae a distribuido
da comunhao na meo dos fiéis, mas Ifio somente dentro daa condlofio» esla-
belecldas nos documentos supracltados, a saber:

1. Cada Blspo deve decidir se autoriza ou nfio em sua Dlocese a


introducao do novo rito, e Isso com a coadicfio de que haja preparacao
adequada dos fiéis e que se aféate todo perlgo de Irreverencia.

— 463 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

2. A nova manelra de comungar nSo deve ser imposta, mas cada


fiel conserve o dirello de receber a comunhBo na boca, sempre que preferir.

3. Convém que o novo rilo seja Introduzido aos poucos, come?ando


por pequeños grupos, e precedido por urna adequada catequese. Esta
visará a que nao dlminua a fé na presenta eucarístlca, e que se evite
qualquer perigo de profanacáo.

4. A nova maneira de comungar nao deve levar o fiel a menosprezar


a comunháo, mas a valorizar o sentido de- sua dlgnidade de membro do
Corpo Místico de Cristo.

5. A hó3t¡a deverá ser colocada sobre a .palma da máo do fiel, qua


a levará á boca antes de se movimentar para voltar ao lugar. Ou entilo,
embora por varias razfies isso nos pareca menos aconselhável, o fiel apa-
nhará a hostia na patena ou no ciborio, que Ihe é apresentado pelo minis
tro que distribuí a comunhSo, e que assinala seu ministerio dizendo a
cada um a fórmula: "O Corpo de Cristo". É pois reprovado o costume de
deixar a patena ou o ciborio sobre o altar, para que os fiéis retlrem do
mesmo a hostia, sem apresentacáo por parte do ministro. É também Incon
veniente que os fiéis tomem a hostia com os dedos em pinga e, andando,
a coloquem na boca.

6. É mlsler tomar cuidado com os fragmentos, para que nao se


percam, e instruir o povo a seu respeito. É preciso, também, recomendar
aos fiéis que tenham as máos limpas.

7. Nunca é permitido colocar na máo do fiel a hostia já molhada


no cálice.

8. Os Blspos que introduzlrem o novo rito em suas Dioceses deveráo


apresentar, dentro de seis meses, um relatórlo á Sagrada Congregacáo
para o Culto Divino sobre os resultados colhidos.

So mediante o respeito destas sabias condlgfies, podere.mos aguardar


os frutos que todos desejam desta medida.

A experiencia da distrlbulcáo da comunháo na mSo, em varios pontos


do país, revelou pontos negativos, que deverlo ser cuidadosamente elimi
nados. Asslm, alguns ministros deram na mSo do fiel a hostia já molhada
no cálice, enquanlo oulros, para ganhar lempo, colocaram na própria ntSo
varias hostias, fazendo-as escorregar rápidamente, urna a urna, ñas máos
dos fiéis, como quem dlst.-ibui balas ás criancas.

Ao que ficou exposto ácima, acrescentamos que urge, em primeiro


lugar, fazer a preparacSo dos ministros que dlslrlbuem a Eucarislia, Presbí
teros ou Leigos, pois desta preparacáo dependerá decisivamente a dos fiéis.

Fazendo votos para que o novo modo de distribuir a comunháo venha


trazer beneficios em nossas Dioceses, nos subscrevemos

t Alofslo Lorschelder
Presidente da CNBB

t Clemente José Carlos Isnard


Presidente da Comissao Nacional de Liturgia

— 464 —
COMUNHAO NA MAO 41

A este texto propomos os seguintes comentarios:


1) Nao há dúvida de que a licenga da S. Sé concedida a
5/III/75 e notificada no Brasil a 25/IÜ/75 representa o autén
tico pensamento da autoridade suprema da Igreja. É á luz
dessa licenga que se devem considerar os anteriores documen
tos da Santa Sé concementes 'á Comunháo na máo. O pró-
prio decreto de 5/IÜ/75 refere-se a urna Instrucáo e urna
Carta datadas de 1969, deduzindo daí as diretrizes concretas
para a distribuigáo da Eucaristía na máo.
2) Observem-se, dentre essas diretrizes, dois tópicos de
especial importancia:
— é preciso preparar o clero e os fiéis para a prática do
novo rito, a fim de que se conserve sempre o máximo respeito
á S. Eucaristía;
— é necessário tomar cuidado para que nao se percam os
fragmentos da Eucaristía que possam ficar aderentes á máo
ou aos dedos do fiel comungante. Por isto o mesmo deve exa
minar as máos depois de haver ingerido a sagrada partícula e
consumir os resquicios que eventualmente ai tenham ficado.
3) O motivo pelo qual se permite a Comunháo na máo,
é o desejo de restaurar urna praxe outrora usual na Igreja e
ainda condizente com o significado de ceia sacrificial que tem
a S. Eucaristía.
4) Se algum Bispo ou sacerdote verifica que se dáo abu
sos na execugáo da nova praxe, tome as devidas providencias
ou suprima-a na sua diocese ou na sua igreja.
5) Diante de táo manifestó pronunciamento da Santa Sé,
o fiel católico nao duvida de que seja plenamente lícita a dis
tribuigáo da Eucaristía na máo, desde que o bispo de sua dio-
cese a autorize (licito nao quer dizer reoomendável ean todos
os casos!). Impugnar o documento de Roma e a execugáo res-
peitosa do mesmo significa impugnar a própria autoridade da
Tgreja. Nao é atitude que se possa conceber em um filho da
S. Igreja; este nao se distancia de seus legítimos pastores e é
decididamente fiel á Santa Sé. Se pessoalmente alguém pre-
fere receber a S. Eucaristía na boca, tem a liberdade de o
pedir.
6) É, pois, para desejar que
— sacerdotes e fiéis se empenhem em guardar toda a reve
rencia ao SS. Sacramento do altar nos lugares em que ele á
distribuido na máo;
— todos se unam em torno da Santa Sé numa atitude de
unidade e coesáo.

— 465 —
Do livro ao filme:

"o pequeño príncipe"

Em síntese: O livro "O Pequeño Príncipe" de Antoine de Saint-


-Exupéry está sendo exlbido sob forma de filme cinematográfico.

O enredo do livro, em estilo poético, insinúa elevada filosofía de vida,


abrindo os olhos do leitor para os valores do amor dedicado, da renuncia
em favor do ser amado, da candura de urna crlanca, da beleza da natu-
reza... Por contraste, píe em foco as figuras decepcionantes de perso-
nagens que vivem á procura de poder, prestigio, dinheiro, louvores va-
zios, etc. A leitura do livro é altamente positiva, principalmente para quem
sabe levar a termo o pensamento do autor, por vezes mais insinuado do
que explicitado.

O filme acompanha o enredo do livro, mas adapta-o ao estilo cine


matográfico. Tais adaptacoes nao foram fetizes por tres motivos: 1) certas
cenas seguem as regras dos filmes musicais norte-americanos, em que pre-
ponderam dancas e "palhacadas" qu eem "O Pequeño Príncipe" estfio fora
de propósito; 2) os cortes feitos para reduzir o enredo á duracSo media
do filme delxaram de lado passagens portadoras de valioso conteúdo
filosófico; 3) em especial, a cena da bailarina sensual que representa a
rosa, desloa por completo do teor do enredo concebido por Salnt-Exupéry.

O filme tem seu mérito ao menos por despertar a atencfio do público


para o livro homónimo, que seria para desejar fosse lido por todos quantos
assistam (e mesmo nSo assistam) ao filme "O Pequeño Principe".

Comentario: Está em nossos cinemas o filme correspon


dente ao livro «O Pequeño Príncipe» («Le Petit Prince») de
Antoine de Saint-Exupéry. Tem a direcáo e produgáo de Stan-
ley Donen, que apresenta como principáis protagonistas Ri
chard Kiley (o piloto) e o menino Steven Warner (o pequeño
príncipe).

Visto que o livro em foco se tornou famoso (existe em


tradugáo brasileira), o filme vem chamando a atencáo do pú
blico. É o que justifica o comentario abaixo, no qual propo-
remos primeiramente o conteúdo do livro, para, depois, refletir
sobre o filme como tal.

— 466 —
«O PEQUEÑO PRtNCIPE> 43

1. O livro e seu significado

Antoine de Saint-Exupéry foi um aviador e escritor, que


em todas as suas obras revelou notável delicadeza de espirito
e grande sensibilidade para os valores humanos (que sao tam-
bém cristáos), mas nao chegou a aderir propriamente ao Cris
tianismo.

Em «O Pequeño Príncipe», o autor imagina um piloto (o


próprio Saint-Exupéry) constrangido, por urna avaria de mo
tor, a descer no deserto. Ai, enquanto se acha a fazer os neces-
sários consertos, se defronta com um menino, que traz as insig
nias de príncipe. No decorrer da conversa que assim se inicia,
o menino misterioso narra que veio de outro planeta, onde dei-
xou urna rosa (a qual tinha grande estima) e tres vulcóes( dos
quais um extinto). Comecou a viajar para aprender, parando
em seis asteroides antes de chegar á Térra. Em cada aste
roide, o príncipe encontra um único habitante, que Saint-
-Exupéry caracteriza usando de fina sátira,... sátira cujos
efeitos sao altamente construtivos.

No primeiro asteroide (325), vivía um rei, cioso de domi


nio e prepotencia; na falta de súditos humanos, dizia que as
estrelas lhe obedeciam. Nao podendo reduzir o pequeño prín
cipe á qualidade de subalterno ou cativo seu, deixou-o partir
como seu «embaixador».

No segundo asteroide (326), havia um homem vaidoso.


Vivendo a sos no seu planeta, andava á procura de admirado
res. Quis fazer do pequeño príncipe um desses bajuladores.
Todavía o menino decepcionado nao permaneceu junto a ele.

No terceiro asteroide (327) achava-se um beberráo, que


bebia para esquecer que tinha vergonha... de beber. Após
breve diálogo, o pequeño príncipe, perplexo, deixou-o a sos.

No quarto planeta (328), encontrava-se um homem de


negocios, que só pensava em números e propriedades. Contava
as estrelas do céu, que ele dizia serem posse sua. A crianga
perguntou-lhe para que serviam as estrelas. «Para ser rico»,
respondeu; — «E para que te serve ser rico?» — «Para com
prar outras estrelas». O pequenino observou que os objetos
de sua posse (um agazalho, por exemplo) tinham sempre uti-
lidade para ele, pois ele os usava. O homem de negocios, po-
rém, se contentava com a ardua tarefa de contar e contar de

— 467 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

novo, para, eventualmente, depositar em bancos. Táo somente!


— «A gente grande é sempre estranha!», repetía o pequeño
principe após cada urna de sua visitas e experiencias nos aste
roides.

O quinto planeta (329) era ocupado por acendedor


de lampeáo na via pública. Esse homem teria sido despre-
zado pelo rei, pelo vaidoso, pelo beberráo e pelo negociante,
porque era o único que nao se ocupava consigo mesmo; era o
único que nao parecia ridículo e que se poderia ter tornado
amigo do menino. Todavía o seu planeta era pequeño demais
para comportar dois habitantes! Por isto, mais urna vez se
foi o principe.

O sexto asteroide (330) era muito maior do que os outros.


Lá morava um escritor de livros de geografía. Após breve
conversa com este personagem, o menino verificou que se inte-
ressava exclusivamente por realidades «nao efémeras» como
sao as montanhas e os océanos; nao tinha sensibilidade para
avaliar urna flor,... aquela flor que o menino deixara saudo-
samente em seu planeta de origem. Por isto o príncipe partiu
mais urna vez, já em demanda da Térra por indicagáo do pró-
prio geógrafo.

Aquí na Térra o pequeño, caindo no deserto, encontrou


primeiramente urna serpente, que lhe revelou o poder mortí
fero do seu veneno; ela o poderia fazer regressar ao seu pla
neta de origem, caso o príncipe se aborrecesse na Térra. Ten-
do-se despedido do estranho animal, o menino entrou mais
adiante por um roseiral. Finalmente apareceu-lhe urna raposa,
que lhe ensinou como cativá-la: viesse ter com ela todos os dias
á mesma hora, aproximando-se de cada vez um pouco mais.
«Sao necessários ritos». O pequeño príncipe cativou-a real
mente, de modo que, quando mais tarde se quis despedir déla,
a raposa lhe disse: «Tu te tornas para sempre responsável por
aquilo que cativaste». Ela lhe manifestou também o seu se-
gredo: «Só se vé bem com o coráceo. O essencial é invisível
aos olhos... Foi o tempo que perdeste com a tua rosa, que
a tornou táo importante para ti».

A seguir, o pequeño príncipe encontrou um vendedor de


pílulas: quem tomasse urna délas por semana, nao precisaría
mais de beber; a economía de tempo daí resultante seria for-
midável: poupar-se-iam cinqüenta e tres minutos por semana.
Ouvindo isto, exclamou o menino: «Se eu tivesse cinqüenta e

— 468 —
«O PEQUEÑO PRINCIPE» 45

tres minutos á mirvha disposigáo, eu me encaminharia suave


mente em diregáo de uma fonte de agua».

Já corría o oitavo dia desde que o piloto caira no deserto;


entrementes o pequeño príncipe lhe havia contado as suas peri
pecias. Todavia as provisóes de agua do aviador se haviam
esgotado; foram-se, pois, ele e o menino á procura de um pogo
no deserto. Disse o pequenino: «O que torna belo o deserto,
é que ele oculta um poco em algum lugar». — «Sim, disse o
piloto, trate-se da casa, das estrelas, ou do deserto, o que faz
a sua beleza é invisível!» O mais importante é sempre invisível.

Terminado o uso da agua, o piloto voltou ao seu aparelho


no intuito de terminar-lhe o conserto, enquanto o menino
voluntariamente ficou á distancia. Desejava ele encontrar a
serpente que lhe anunciara a eficacia do seu veneno; quería
deixar a térra e voltar ao seu planeta de origem; a mordida
do animal poderia proporcionar-lhe este objetivo. Ora, com
efeito, a picada da serpente colocou o pequeño príncipe em
estado de morte lenta. Percebendo-o finalmente, o piloto afli-
giu-se, mas nao pode evitar o desaparecimento daquela vida
que se lhe tornara táo cara e que deixava sobre a térra ape
nas o seu pequeño corpo.

O livro se termina com um convite a que o leitor saiba


contemplar os céus, onde há estrelas; destas poderia descer á
Térra mais uma vez o pequeño príncipe, o portador de tanta
sabedoria misteriosa...!

O livro que assim se encerra, é rico em insinuacóes, que


o leitor descobre ñas linhas e entre-linhas do texto e que com
grande alegría muitos e muitos já aprofundaram. Todo poeta,
ainda que escreva em prosa, sabe dizer muito mais do que
aquilo que os vocábulos conseguem explicitar. Nao é, pois, sem
motivo que tal obra (como, alias, outras mais) de Samt-Exu-
péry tem merecido profundo e ampio apreco do público inter
nacional. Constituí uma fina réplica ao afá de prestigio, poder,
dinheiro, que tanto caracteriza o mundo de hoje,... mundo
que, em conseqüéncia, perde a capacidade de compreender valo
res menos visiveis, riquezas nao materiais e os misterios da
natureza, que fala ao homem. Em outros termos: o livro des-
perta para o amor abnegado, a dedicagáo e para o ideal que
exige renuncia, a percepcáo daquilo que o universo — desde as
estrelas até as flores — quer dizer ao homem. Um cristáo que
leia esta mensagem, pode desenvolvé-la em sentido consentá-

— 469 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

neo com o Evangelho, que por certo ensina o primado do espi


ritual sobre o material, ensina a transparencia da natureza, a
presenga do Invisível através das criaturas visíveis.

Resta agora examinar a versáo cinematográfica de «O


Pequeño Príncipe».

2. O filme

A transposigáo do enredo do livro para a tela de cinema


ocasionou adaptacóes desse enredo, que os críticos discutem.

1. Antes do mais, pode-se notar que o filme, em seu


conjunto, fica sendo belo e vivaz: a figura encantadora e alta
mente artística do menino Steven Warner, que representa o
pequeño principe, o tipo forte e desembaracado de Richard
Kiley, o piloto, as paisagens do deserto (o filme foi reali
zado na Tunisia) constituem realmente notas de boa qualidade
artística da película. Percebem-se, através das cenas, algumas
das linhas da filosofía de vida que Saint-Exupéry quis comu
nicar mediante a sua obra: «Só se vé bem com o coragáo; o
essencial é invisível...». Verdade é que estes dizeres, em tra-
dugáo portuguesa, talvez se percam no conjunto e nao suscitem
a atengáo que lhes caberia... — Em suma, quem acompanha
a película, pode-se sentir, de algum modo, interpelado pela
graciosidade do que lhe é proposto.

2. Todavía é de lamentar que a adaptagáo cinematográ


fica tenha por vezes depauperado e até mesmo desviado o con-
teúdo do filme em diregáo da futilidade e do vazio. Tres pon
tos sugerem especiáis reparos:

1) Certas passagens do livro, serias e profundas, foram


transformadas no filme em cenas musicais cómicas e des
toantes do conjunto da mensagem de «O Pequeño Príncipe».
Em especial, notem-se as «brincadeiras» do piloto e do menino
junto á fonte de agua no oasis que encontram; as dangas
e palhagadas da raposa (que fica sendo raposo na interpre-
tagáo de Gene Wilder), as acrobacias iniciáis do piloto que,
decepcionado pelos homens, procura nos ares um espaco onde
fuja das convengóes da sociedade. Nessas secgóes o filme se
torna «banal», próprio para criangas que queiram rir... Nao
havia necessidade de que o diretor da película descesse a tal
nivel, que contrasta com a elevagáo geral da «estória» e da
filosofía propostas pelo livro. Tais cenas concorrem para que

— 470 —
«O PEQUEÑO PRÍNCIPE» 47

o espectador seja prejudicado, caso vá ver o filme sem ter pre


viamente lido o livro; mais difícilmente entáo perceberá qual
o intuito do escritor Saint-Exupéry ao redigir a sua obra.

2) Compreende-se que o filme, de duragáo necessaria-


mente limitada, aprésente um enredo abreviado em relacáo ao
livro. O itinerario do pequeño principe, por exemplo, passa no
filme pelos planetas de um rei, de um homem de negocios, de
um historiador e de um general; estas duas últimas figuras
foram introduzidas no roteiro da pelicula em lugar do bébado,
do vaidoso, do acendedor de lampeáo e do geógrafo. A razáo
da substituicáo é a intencáo de atualizar o enredo do livro,
fazendo-o abordar temas de nossos días: a desumanizacáo do
homem através da guerra, das armas, da mentira, da suges-
to, da propaganda... Tal intencáo é compreensível; todavía
pode-se perguntar se nao seriam igualmente significativas h'ojé
em día as figuras do bébado, do vaidoso e do acendedor de
lampeáo; principalmente esta última tem como nota original
denunciar o confuto entre o homem, a natureza e a máquina
(a vida do homem se torna cada vez mais desumana e anti
natural pelo ritmo sempre mais acelerado que o uso da má
quina lhe impóe). «A minha fungáo outrora era razoável,
diz o acendedor no livro. Eu apagava de manha e acendia a
noite... O planeta de ano para ano gira cada vez mais de-
pressa... Agora que dá uma volta por minuto, nao tenho
mais um segundo de repouso. Acendo e apago uma vez por
minuto».

3) A rosa do pequeño príncipe deixada no seu planeta de


origem significa o amor temo, delicado e dedicado que o me
nino alimenta em seu coragáo; é algo de puro. Essa rosa sim
boliza também o encanto que a vida toma quando posta em
contato com a natureza, dotada de beleza e insinuacóes. — No
filme, porém, a rosa é interpretada por uma mulher semi-
-encoberta por véus cor-de-rosa sobre um maió cor-de-carne,
e sempre filmada em fusáo com uma pétala de rosa. Essa
mulher deitada toma atitudes sensuais. Tal imagem nao é ins
pirada pelo texto do livro, mas, sim, pelo fato de que o filme
foi concebido como um musical que segué a tradigáo cinema
tográfica norte-americana: nos filmes de tal género, sao fre-
qüentes as atrizes que apresentam semelhantes posturas...
Tal adaptagáo representa de certo modo uma traicáo em rela
gáo ao livro e á mente que o inspirou; deve-se a «regras» de
cinematografía que o mau gosto concebeu e que o público

— 471 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 190/1975

ficou sendo indevidamente obrigado a aceitar, correndo o risco


de se viciar.

Observando tais desvirtuamentos do filme, Joáo Carlos


Avellar lhe faz restrigóes severas, que transcreveremos, pois
sao corajosas e nos parecem adequadas:

"Apesar da semelhan^a externa, as Imagens do filme raramente


dlzem as mesmas coisas encontradas no livro. O comportamento perse
guido na maior parte do tempo é o das acrobacias do número musical
do piloto e as distorc.6es fotográficas provocadas por objetivas grande
angular. O verdadeiro modelo nao é o livro, nem sua linguagem, nem seus
desenhos, nem sua historia, mas, sim, o antigo e viciado do espetáculo
cinematográfico.

Adaptar um texto para o cinema significa aínda hoje traduzir os


acontecimentos para um código visual já decifrado pelas pessoas que
procuram diversáo num filme. A repetido deste código crlou um hábito,
e urna considerável parcela do público atribuí maior ou menor qualidade
a um filme na medida em que ele obedeza ao comportamento tradicional.

É pouco provável, por exemplo, que a Imagem usada para criar a


rosa do pequeño principe seja a solu;8o mais adequada para encenar o
texto de Saint-Exupéry.

A Imagem nao se refere propiamente ao livro, mas á tradlpSo do


filme musical americano, onde um sem número de atrizes jé se apresen-
taram com fantasía semelhante para dancar como aquí: arrastar-se sen
sualmente no palco, levantar as pernas, jogar o busto para frente, entre
abrir a boca. Os filmes habituaram as pessoas a esquecer tudo o mais
durante a projecáo, a entrar num mundo de regras especiáis, e estas regras
é que devem ser atendidas" ("Jornal do Brasil", 19/VII/1975, cad. B. p. 2).

3) A propósito: Joáo Carlos Avellar, que certamente é


abalizado critico de cinema, julga que em todo o filme, «longa
monotonía como é», apenas se salva o episodio da serpente em
diálogo com o pequeño príncipe; Bob Fosse merecería pleno
louvor pelo seu modo de imitar tal animal através de sua
fala sibilada e sua extraordinaria expressáo corporal (bracos,
pernas, corpo inteiro lembrariam as configuragóes da ser
pente ...). — Reconhecemos a habilidade artística de Bob
Fosse no desempenho de seu difícil papel. Todavía julgamos
que tal papel está um tanto fora de propósito, pois muito se
aproxima de palhagadas que se véem em filmes cómicos. A
tal episodio conviria mais sobriedade a fim de que ficasse sem-
pre em relevo a índole profunda e graciosa do enredo de
«O Pequeño Príncipe».

Em suma, o filme «O Pequeño Príncipe» tem, sem dúvida,


o mérito de excitar de novo o interesse do público pelo livro

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homónimo, que, editado pela primeira vez em 1946, até hoje
vem sendo reeditado e conserva sua atualidade; o livro é fruto
de reflexáo sobre a nossa fase de historia, em que os bens
materiais tendem' a sobrepujar os valores humanos propria-
mente ditos e desumanizar o homem. É para desejar que os
espectadores do filme consigam chegar á compreensáo do
enredo do livro, tentando aprofundar as (poucas) insinuagóes
filosóficas da película em algum «cinefórum» ou compulsando
o próprio livro. O cristáo reconhecerá no enredo de «O Pe
queño Príncipe» um eco muito fiel qo Evangelho, que o cinema
tentou reproduzir, mas antes explorou em sentido, por vezes,
heterogéneo e superficial.

Estcvño Bettcncourt O.S.B.

livros em estante
Teología pa~a o crisISo de hoje. Vol. 1 : O cisláo no mundo atual,
por um grupo de pcofessores do Instituto Diocesano de Ensino Superior
de Würzburg. Versfio brasllelra sob a coordenado de P. Sllvino Arnhold.
— Ed. Loyola, S3o Paulo 1975, 286 pp. 157 x 230 mm.

Acaba de salr o volume ácima, primeiro de urna obra de dez volumes,


destinada a levar formacáo teológica aos fiéis católicos de hoje. Uma
equipe de professores da Faculdade Teológica do Coligió Crlsto-Rel, dos
padres jesuítas de SSo Leopoldo (RS\ encarregou-se da traduefio e da
amblentacao da obra no contexto brasileiro — o que se nota logo pelas
tadicacóes bibliográficas, que sao de obras brasileñas, escolhidas segundo
diferios didálicos, como também pela exposicao do que se]a a Religlosi-
dade Popular no Brasil, devlda a Frei Francisco Rotlm. A forma de curso
por correspondencia que tinha a edicáo alema, fci trocada, em portugués,
pela de um auténtico manual para uso das escolas e do leltor particular.

Este piimelro volume aprésenla questecs de antropología (o homem


é o destinatario da Revelacáo Divina), historia das Religióes e de Revé-
lacáo de Deus ao homem. As explanacdes sao sólidas e didáticas; vém
acompanhadas de queslionátios, c;uc (acilitam a aplicacáo do texto a
cursos de catequese e teología. O leitor apreciará, entre outras eclsas, a
riqueza de passagens e documentos citados pela obra, assim como o
estilo claro e acessível da mesma.

Fique aqui consignado um voto de louvor aos jesuítas de Sao


Leopoldo e das Edicoes Loyola pela publicacáo de táo importante obra,
que, como nos é prometido, deverá estar completa em traducSo portu
guesa dentro de dois ou tres anos.

Antropología do Antiga Testamento, por Hans Walter Wolff. TraducSo


de Antonio Steffen. — Ed. Loyola, Sao Paulo 1975, 336 pp., 140 x 210 mm.

Numa fase em que a atencáo dos estudiosos se volta para o homem


o suas profundidades (psicanálise I), aparece o livro ácima referido, que
traz para os pesquisadores as luzes do ponsamento semítico expresso nos
livros do Antigo Testamento.

Hans Wolff divide o seu estudo em tres partes :


1) O ser do hotnem, em que analisa os vocábulos bíblicos mals
ligados com a antropología (nephesh, basar, ruach, leb...); p6e asslm em
foco a fisiología e a psicología dos autores judeus;

2) O tempo do homem, capítulos que consideram as nocdes de


lempo, vida, nascimento, ¡uventude, trabalho, sonó, descanso, doenca,
cura, morte, esperanca... é de se lamentar aqui, nao tenha o autor levado
em conta os llvros deuterocanónicos do Antigo Testamento (especialmente
1/2 Me, Sb), que projetam luz inédita sobre a sorte postuma dentro do
judaismo; os livros deuterocanónicos (que os protestantes chamam "apó
crifos") sao, no mínimo, testemunhos da evolucáo do pensamento Israelita
pré-cristao.

3) O mundo do homem, secgSo que aprofunda os aspectos da vida


social do judeu antigo: homem e mulher, pais e filhos, irmáos, amigos e
inimigos, senhores e servas, sabios e nésclos, individuo e comunidade...
Os quadros descritos levam o leitor a reviver, do seu modo, as situagóes
concretas do homem de Israel anterior a Cristo.

O autor cita freqüentemente os textos bíblicos e os analisa judicio-


sámente, fornecendo ao leitor urna visao lúcida da materia elaborada. Por
vezes, entra em concepcóes do Novo Testamento, mas apenas em funcáo
de temas veterotestamentários. A antropología neotestamentária merecería
ser igualmente divulgada em língua brasüeira, de modo a se completar o
estudo de Hans Walter Wolff. De passagem diga-se : a bibliografía erudita
protestante concernente á Biblia é geralmente rica e útil ao exegeta;
todavía nao supre o lugar da bibliografía paralela católica, pois esta
costuma levar em consideracáo também os criterios da fé enslnada pela
Igreja.

Desejamos ainda recomendar a colecáo "Nossa Fé. — Teologia para


leigos", que consta de cinco volumes:

1) O homem na sua liberdade, por Jorg Splett. é urna antropología


filosófica dirigida á retlexao teológica: 151 pp., 140 x 210 mm.

2) Experiencia exlstencial e Religiáo, por Klaus Riesenhuber. Trata


do fenómeno religioso dentro do contexto das filosofías e das crencas
religiosas da historia. Obra ainda fortemente filosófica, destinada a ser
base para apofundamento teológico: 148 pp., 140x210mm.

3) A té no Deus Uno e Trino, por Leo Scheffczyk. Considera Deus


em sua vida íntima e em sua revelagáo. Preocupa-se principalmente com
o aspecto dialogal da Revelacáo: Golt für uns, Deus para nos ou por nos.
164 pp., 140 x 210 mm.

4) Jesús Cristo o Salvador, por Wilhelm Breunlng. Estuda a Cristo-


logia, a soteriologia e a doutrina da grasa (com relevo especial á asáo
do Espirito Santo): 124 pp., 140x210mm.

5) Urna Igreja para o mundo, por Félix Schlosser. Focaliza a Igreja


em sua vida concreta, com seus minístérios-vocacóes e sua missao no
mundo: 168 pp., 140x210mm.

A colecáo apresenta, ao lado das clássicas teses da teología cató


lica pontos de vista novos de teólogos católicos. Evita discussoes sutis ;
flxa-se na doutrina ortodoxa, levando em conta o pensamento moderno.
O nivel n8o é para principlantes ; supóe InlciacSo catequétíca e desejo
de aprofundamento da parte do leitor.
Edicfies Loyola, SSo Paulo 1972.

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