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A CONSPIRAÇÃO PARA SALVAR SÓCRATES
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Ebook426 pages5 hours

A CONSPIRAÇÃO PARA SALVAR SÓCRATES

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About this ebook

Uma jovem académica recebe um fragmento de um diálogo que refere um encontro entre Sócrates e um estrangeiro, que o visitou na prisão antes de beber a cicuta. Este propõe-lhe resgatá-lo e deixar um clone no seu lugar. Outras personagens entram também em contacto com esse diálogo , entre eles um inventor que criou uma cadeira para viajar no tempo. Irá Sócrates ser salvo? Quem vai sobreviver àquela corrida contra o tempo?

LanguagePortuguês
PublisherBadPress
Release dateOct 24, 2015
ISBN9781507123942
A CONSPIRAÇÃO PARA SALVAR SÓCRATES

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    A CONSPIRAÇÃO PARA SALVAR SÓCRATES - Paul Levinson

    A CONSPIRAÇÃO PARA SALVAR SÓCRATES –  autoria: Paul Levinson; tradução para Português (PT): Vasco Bento

    Críticas a A Conspiração Para Salvar Sócrates:

    ...diversão desafiante... – Entertainment Weekly

    Suspense DaVinciano. – New York Daily News

    Uma «partida» leve e envolvente... Satisfaz com elegância e simplicidade a circularidade inerente às viagens no tempo, cujos paradoxos Levinson associa à filosofia grega. – Publishers Weekly

    Levinson tece uma história fascinante... Uma premissa intrigante com personagens credíveis e atenção ao detalhe histórico fazem deste livro uma escolha excepcional... Altamente recomendado. – Library Journal

    A história da viagem no tempo de um ser pensante. Senti-me como se estivesse lá. – SF Signal

    Prova que um excelente entretenimento pode e deve ser intelectualmente respeitável – um glorioso exemplo para todos nós. – Brian Stableford

    Tecido de forma intrincada e intrigante, montes de diversão, e extremamente desafiante para o pensamento. – Stanley Schmidt

    Levinson apresenta um dos livros mais peculiares que já encontrei. Uma leitura muito recomendável. – Matt St. Amand

    Paul Levinson traz robustez intelectual e carinho pelas suas personagens deliciosamente construídas para esta originalíssima história de viagens no tempo... juntando todas as pontas num final que é emocionalmente satisfatório e extremamente comovente. A Conspiração Para Salvar Sócrates vai desafiar o pensamento muito tempo depois de os leitores terem terminado o livro, e aí muitos poderão querer pegar nele e reler, para saborear as suas voltas e reviravoltas. – Pamela Sargeant, SF Weekly

    TABELA DE CONTEÚDOS

    Capítulo 1

    Capítulo 2

    Capítulo 3

    Capítulo 4

    Capítulo 5

    Capítulo 6

    Capítulo 7

    Capítulo 8

    Capítulo 9

    Capítulo 10

    Capítulo 11

    Capítulo 12

    Apêndice

    ––––––––

    DEDICATÓRIA

    Para a Tina, que frequentemente conspira para me salvar.

    ––––––––

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço a David Hartwell e a Moshe Feder pelas sugestões editoriais detalhadas e aprofundadas, em relação à edição original deste romance, publicada pela Toy Books em capa dura em 2006 e em capa mole em 2007. Obrigado também ao Larry Ketchersid da JoSara Media, pelo apoio técnico e encorajamento na preparação deste e-livro. É uma versão de autor deste romance, na qual restaurei não só algumas das palavras originais mas também um final alargado.

    Agradeço especialmente, também, a Joel Iskowitz pela ilustração da capa, e a Nicholas Frota por desenhar o mapa. Ambos fizeram um trabalho exemplar, apesar do pedido tardio.

    Henry Magid (1917-1979), o meu professor de filosofia no City College of New York quando eu era um caloiro em 1963, foi o primeiro a despertar o meu interesse por Sócrates e Platão e o meu amor perene pelo Mundo Antigo. Tenho encucado sobre histórias com o Sócrates, de uma forma ou de outra, desde então.

    Mesmo nesta Era da Internet, há coisas que só se podem encontrar em estantes físicas. A biblioteca Walsh da Fordham University tinha numa dessas estantes uma edição rara, de 1849, por Smith:

    Dictionary of Greek and Roman Biography and Mithology. (Dicionário Biográfico e Mitológico Greco-Romano) que provou ser uma valiosa leitura de apoio quando eu escrevia este romance.

    Adicionalmente, The Trial of Socrates (O Julgamento de Sócrates) de I.F. Stone, que tive na minha própria biblioteca desde a sua primeira edição em 1988, foi particularmente esclarecedor e útil.

    Mas o maior dos agradecimentos vai para a minha esposa Tina Vozick, para os nossos filhos Simon e Molly e para os seus cônjuges Sarah e Carlos, pelas longas conversas e pela inspiração para esta edição digital.

    CAPÍTULO 1

    (Atenas, 2042 DC)

    Ela rasgou o papel a meio, depois rasgou as metades, e depois rasgou novamente o que sobrou, em bocadinhos e pedaços da história que poderia ter sido...

    Sierra Waters tinha lido uma vez que, anos atrás, pensava-se que os homens faziam amor pelo gozo que dava e as mulheres faziam amor pela sensação de relação. Sierra sempre fez tudo pelo gozo. Não tinha sensação de relação, exceto com o seu trabalho.

    O que a deveria ter tornado a pessoa ideal para esta missão.

    Ainda assim, a pessoa ideal teria seguido o plano. Estava escrito no único material que podia sobreviver décadas, talvez mais, sem bateria, que apenas necessitava da luz do sol para ser lido, ou a lua numa noite aprazível ou uma chama bruxuleante quando não havia lua. Papel. Uma invenção maravilhosa. Fino e duradouro. E ela tinha-o desfeito em pedaços, abriu a palma da mão e ofereceu-o ao vento para dispersar em direções irreversíveis.

    (Antes, Nova Iorque, 2042 DC)

    Sierra era uma estudante de doutoramento na Old School, no coração de Manhattan. A sua especialidade era a antiga Atenas ou mais precisamente, a adoção do alfabeto fonético jónio por Atenas, cerca de 400 AC- o brotar dos dentes de Cadmo (N.T. Fundador e primeiro rei de Tebas, foi o responsável pela introdução do alfabeto fenício em Atenas), como sugeriu Marshall McLuhan- e o seu impacto no futuro do mundo.

    Um tópicozinho bonito, arrumadinho e gerível, tinha comentado Thomas O’Leary, um membro do seu Comité de Doutoramento, de mau humor. Mas concordou em ajudá-la, de qualquer modo. Estava habituado a pesquisas incomuns. Ele próprio era um excêntrico, um académico independente sem filiação universitária. A Old School tinha a tradição de acolher esses peritos externos nos seus Comités de Doutoramento.

    Sierra estava a fazer progressos na sua dissertação- 72 de 250 páginas previstas para o documento, escrito no espaço de meio ano- quando Thomas a chamou ao seu gabinete, mesmo na esquina da Fifth Avenue e da 18th Street, num fim de tarde húmido de Novembro. Ele tinha uma cópia de um estreito manuscrito, apenas algumas páginas num dossier gasto de papelão amarelo. Sopesou-o, como para avaliar a sua importância intelectual. Pela sua expressão facial, parecia ser bastante importante. Fê-lo deslizar sobre a secretária carunchosa, de carvalho, até Sierra. Ela tinha sentimentos ambíguos sobre isto – era sem dúvida um artigo de qualquer espécie com que o Thomas se tinha cruzado e considerou relevante para a sua dissertação. Sierra odiava a ideia de ter de repensar e reescrever alguma parte do seu trabalho nesta altura. Por outro lado satisfazia-a descobrir nova informação. O seu coração bateu com mais força.

    Abriu o dossiê. Olhou para Thomas, que a observava atentamente, a boca ligeiramente contraída, uma longa caneta baloiçando dos seus dedos como um cigarro de plástico. Aparentemente esteve esquecido por uns tempos, pelo menos desde os ’20, disse. Emergiu recentemente no Millenium Club na 49th street – o bibliotecário deles descobriu-o numa velha prateleira, entalado entre as tralhas do costume."

    Os 2020’s?, perguntou Sierra.

    Thomas sorriu. Bem, podiam ter sido os 1920’s, no que respeita ao clube – foi fundado nos 1870’s. Mas o bibliotecário tem a certeza que não estava lá antes de 2023 – essa foi a última vez que fizeram um inventário exaustivo dos seus bens – e o prefácio diz algo sobre a datação por carbono do original.

    Então não é uma falsificação óbvia. Caso contrário não mo estaria a mostrar, certo?

    Thomas meneou a cabeça. Até agora parece-me muito bom.

    Sierra voltou a olhar para o documento. Grego antigo no lado esquerdo, tradução inglesa no lado direito. Essa era a suposição lógica – que o grego era o original e o inglês era a tradução, não o contrário. Não só porque era grego antigo. Mas também porque as palavras que tinha à sua frente aparentavam ser um fragmento de um diálogo Platónico, representando o seu mentor, Sócrates. Nunca tinha visto isto antes, disse Sierra.

    Thomas meneou outra vez. Aparentemente, nem a maioria do resto do mundo.

    ***

    Sierra saiu do duche quente, enfiou-se no roupão de banho e enroscou-se no sofá com um chá de especiarias e o novo diálogo socrático. Não tinha título nem tradutor indicado mas parecia-se muito com Benjamin Jowett, o grande vitoriano de Oxford que tinha traduzido tanto de Platão para inglês. Já tinha lido pelo menos cinco vezes.

    A primeira página continha um prefácio, assinado apenas «Ed» que era quase de certeza uma abreviatura de «Editor», não Edward, Edwin ou Edmond. "O seguinte é a tradução de um manuscrito autoidentificado como tendo sido escrito por Platão. A datação por carbono-14 (método aperfeiçoado) situa o papiro e a tinta em cerca de 400 DC – a data da criação deste manuscrito, não a data do texto original (que, se Platão fosse de facto o seu autor, seria muito anterior). O manuscrito foi desenterrado em escavações perto de Alexandria, Egito, na primeira década do século XXI.

    Sierra encostou a cara na chávena de chá morna e as costas e pescoço contra o sofá. O sofá embrulhou-se em volta dela, sabia tão bem, tão reconfortante, e – Não, ainda estava um pouco sonolenta, da noite anterior, e Sierra não queria sentir-se assim tão relaxada, agora. Correu a mão pela aresta e sacudiu o controlo de leitura. Os contornos ajustaram-se subtilmente. Sentiu-se enérgica, fortalecida. Virou a página.

    ––––––––

    INTERVENIENTES NO DIÁLOGO: Sócrates; Andros, visitante

    CENÁRIO: A Prisão de Sócrates

    SÓCRATES: Que horas são?

    ANDROS: A aurora rompeu há pouco.

    SÓC: Eu devia estar a dormitar, não o vi entrar.

    ANDR: Você estava de facto a dormitar quando eu cheguei.

    SÓC: Veio levar-me para o meu destino? Estou desejoso. Mas pensei que me seriam permitidos mais um dia ou dois.

    ANDR: Estou aqui para o levar para o seu destino. Se realmente for essa a sua vontade.

    SÓC: Acabei de dizer que é. Posso criticar o Estado mas não quero ter a presunção de estar acima dele.

    ANDR: O destino que lhe vim oferecer pode ser diferente daquele que supõe.

    SÓC: Diferente? Eu nunca aceitaria uma vida que me impedisse de louvar o bem e denunciar o mal. E colocar-me a mim próprio distanciado do Estado, pôr-me-ia precisamente nessa situação comprometedora.

    ANDR: Mas aceitaria a morte por mãos que sabe serem injustas.

    SÓC: Ah, então está realmente aqui para me persuadir a não morrer. É esse o destino que deseja que eu evite?

    ANDR: Sim.

    SÓC: Não é o primeiro interessado em fazer-me essa proposta.

    ANDR: Eu sei.

    SÓC: Tal proposta é obviamente muito recomendável.

    ANDR: Sim.

    SÓC: Mas dir-lhe-ei o que digo a todas essas almas nobres: por muito atrativa que essa proposta seja para mim, não posso aceitá-la. Porque tal iria implicar o meu envolvimento num mal pelo menos tão grande como o daqueles que desejam pôr um fim à minha vida. Isso iria dizer que estava a mentir quando anteriormente mantive a crítica ao Estado, para ser levado a sério, exigia uma derradeira aceitação da autoridade do Estado, por muito falível que seja. A minha fuga agora, evadindo-me desta autoridade, transformaria tudo numa mentira.

    ANDR: Imagine que eu lhe dizia que você podia sair desta prisão sem fugir à autoridade do Estado?

    SÓC: Eu diria que está a sonhar e faz mal em tentar um velho com um sonho impossível. Como poderia sair daqui sem mostrar desprezo pela decisão do Estado de que devo morrer aqui?

    ANDR: E se o seu corpo morresse aqui mas o senhor não?

    SÓC: Quer dizer que a minha alma iria viver mas a minha essência material morreria? Há quem reivindique que os dois – alma e corpo – são inseparáveis. E quando um morre, o outro também deve morrer. Nega isso?

    ANDR: Queria dizer que a sua essência material e a sua alma seriam salvas e viveriam. E outra essência material sua iria morrer aqui, sem nenhum espírito.

    SÓC: Como podia isso ser? Está a sugerir que a minha alma irá habitar em outro corpo?

    ANDR: Não. Estou a afirmar que ambos os corpos – um com a sua alma, o outro sem – seriam seus.

    SÓC: Tanto quanto eu sei, o meu corpo material é único – só existe um de mim, não dois.

    ANDR: Alguma vez viu gémeos?

    SÓC: Sim. Ambos parecem ter o mesmo corpo físico à nascença, garanto-lhe. Está a dizer-me que há um gémeo de mim cuja existência desconheço? Mesmo assim, nesta idade – a minha idade – provavelmente não pareceríamos exatamente iguais. O mundo desgasta os nossos corpos de maneiras diferentes.

    ANDR: Não, que eu saiba a sua mãe não o teve a si e a um gémeo. Mas está a ver onde isto pode levar?

    SÓC: Não, não estou. Porque mesmo que eu tivesse um gémeo e mesmo que ele estivesse disposto a trocar de lugar comigo aqui, nesta hora tardia, e a morrer no meu lugar quando o navio de Delos chegar, não seria correto da minha parte permitir que isso acontecesse. Seria um indiscritível ato de cobardia da minha parte, um ato de maldade sobre o corpo e a alma do meu irmão. Isso seria bastante pior que simplesmente escapar.

    ANDR: Sim, seria, sem dúvida. Mas e se fosse apenas o seu corpo que fosse deixado no seu lugar? E se ele não fosse realmente seu irmão – não nascido da sua mãe? E se ele não estivesse verdadeiramente vivo – apenas uma cópia perfeita do seu corpo, de todas as formas menos uma? E se esse corpo não tivesse alma? Então não seria propriamente inteligente nem estaria completamente vivo.

    SÓC: Deixando de parte, por um momento, a impossibilidade do que me está a propor, para onde me levaria?

    ANDR: Algures perto de Ítaca e Siracusa.

    SÓC: Mas esses sítios não estão próximos um do outro. Como pode um terceiro lugar – o seu destino – ser perto de ambos?

    ANDR: No meu mundo eles estão próximos.

    SÓC: Ainda assim, está no meu mundo, onde Ítaca e Siracusa não estão perto uma da outra.

    ANDR: Sim.

    SÓC: De que forma é o seu mundo diferente do meu, que faz com que Ítaca e Siracusa estejam próximas?

    ANDR: O meu mundo é o futuro.

    SÓC: Está a dizer-me que a sua cidade é mais avançada em termos de transporte do que esta e possuem aí novos meios de deslocação, algum navio rapidíssimo que permite viajar mais rapidamente entre Ítaca e Siracusa e é por isso que alega que estão próximas?

    ANDR: Existem novos meios de transporte no meu mundo mas eles não são a razão mais profunda por que eu afirmo que as duas cidades estão próximas.

    SÓC: Cidades? Ítaca é uma ilha, não uma cidade.

    ANDR: Sim, neste mundo. No seu mundo. No seu tempo.

    SÓC: O seu tempo é diferente do meu? Diferente deste tempo? E é a isso que se referia quando disse que o seu mundo é o futuro?

    ANDR: Sim.

    SÓC: Alega que viajou para aqui, do futuro? Perdoe-me. Aprecio a sua visita a esta hora muito tardia. Mas só um deus ou um mentiroso alegaria tal coisa. E os meus amigos Atenienses que me sentenciaram ficariam satisfeitos em dizer-lhe o que eu penso sobre os deuses.

    ANDR: Asseguro-lhe que não sou um deus nem um mentiroso.

    SÓC: Viajar de uma época para outra não pode ser o mesmo que viajar de um sítio para o outro no mesmo tempo. Eu penso que os dois – Tempo e Espaço – são muito diferentes.

    ANDR: Isso é verdade.

    SÓC: Eu não percebo como tal viagem através do tempo pode ser possível.

    ANDR: Podemos voltar a essa questão posteriormente e pensarmos agora como eu o poderei ajudar, sendo essa viagem possível?

    SÓC: Tenciona continuar a partir de uma premissa impossível? Suponho que tal conversa é melhor do que pensar na cicuta.

    ANDR: É aí que eu quero chegar, precisamente.

    SÓC: O seu mundo é, então, o mesmo que este mundo, com a exceção que o seu mundo é no futuro?

    ANDR: Diria que sim, no geral, sim.

    SÓC: Então, sendo isso verdade, saberia que de facto morri – que morrerei nos próximos dias. Porque isso é efetivamente o que tenciono fazer.

    ANDR: Sabemos, no meu mundo, que um corpo identificado como pertencendo a Sócrates morreu após a ingestão de cicuta. Eu estou aqui para o convencer que esse corpo não tem de ser o seu.

    SÓC: Até agora porém, apenas posso estar grato pela sua ingenuidade e boas intenções, não posso dizer que esteja persuadido.

    ANDR: Posso continuar a tentar?

    SÓC: Se quiser.

    ANDR: Observemos novamente então, a natureza das almas e da vida e examinemos, por favor, a natureza das cópias. Concorda que podia ser feita uma estátua de si, de tal modo semelhante que pudesse ser confundida consigo se vista à distância?

    SÓC: Sim, já vi estátuas assim de outras pessoas. Quando pintadas de cores de matiz apropriado, podem bastante facilmente ser confundidas com o ser humano que personificam, principalmente quando vistas sob uma luz esbatida, à hora do lusco-fusco ou antes da aurora ou, como diz, à distância.

    ANDR: Ótimo. Acha possível, então, que poderia ser feita de alguém – de si – mas constituída não de pedra mas de uma matéria viva?

    SÓC: Sim, já vi ocasionalmente trabalhos feitos com perícia, desse género, feitos não de pedra mas de madeira. É a isso que se refere?

    ANDR: A réplica que tenho em mente para si seria constituída de algo mais próximo da madeira do que da pedra, sim.

    SÓC: Mas ninguém, num exame aproximado, poderia confundi-la comigo, ou com o meu corpo. A madeira é um material que já não está vivo; o meu corpo ainda está vivo. Suponho que haveria mais semelhança entre a madeira – material outrora vivo numa árvore – e o meu corpo, estando morto e já não vivente.

    ANDR: Sim.

    SÓC: Mas mesmo assim, seguramente que ninguém iria confundir uma réplica de mim, feita de madeira, por muito exata que fosse, com o meu corpo morto.

    ANDR: Não – ninguém confundiria os dois. Mas no caso da madeira, consegue imaginar um ramo arrancado da árvore, que ainda estivesse parcialmente vivo?

    SÓC: Sim. Podia ser mergulhado na água e talvez vivesse por algum tempo. Ou, dependendo da árvore, o seu ramo podia ser enterrado no solo, onde poderia ganhar raiz e eventualmente dar origem a uma nova árvore.

    ANDR: Exatamente. Agora, supõe que seria possível que a carne exista nessa mesma relação com o seu corpo, como um ramo recentemente arrancado de uma árvore?

    SÓC: A carne arrancada de um corpo vivo está para esse corpo como o ramo arrancado de uma árvore está para essa árvore?

    ANDR: Sim.

    SÓC: Mas o ramo não poderia ser confundido com nada a não ser com uma árvore. Nem a carne seria confundida com um corpo inteiro, morto ou vivo.

    ANDR: Isso é verdadeiro. Mas tal como esse ramo, devidamente plantado e se fosse da espécie certa de árvore podia produzir uma árvore inteira, admitiria que a carne, tirada de um corpo e devidamente tratada, podia crescer até se tornar um corpo inteiro?

    SÓC: Quer dizer, inserir um braço decepado num solo especial, de maneira a que se forme um corpo inteiro? Nunca ouvi tal coisa, exceto nas histórias dos deuses e já sabe a minha opinião acerca dos deuses e dos homens e das suas histórias.

    ANDR: Está familiarizado com a história de Cadmo, que criou soldados através de dentes de dragões semeados no solo?

    SÓC: Sim. Na melhor das hipóteses é um mito útil.

    ANDR: Imagine que eu lhe dizia que uma das coisas em que o meu mundo é diferente do seu é que podemos tornar realidade algumas dessas histórias míticas?

    SÓC: Consegue criar soldados a partir de dentes de dragão?

    ANDR: Não mas conseguimos criar dragões a partir de dentes dragão, se os dentes tiverem sido preservados da forma correta. Chamamos-lhes DinossaurosLagartos Horrendos. Por vezes conseguimos retirar algo dos dentes – a sua essência – e inseri-los num tipo de solo muito especial.

    ***

    Sierra suspirou. Era aí que terminava o fragmento. Leu novamente o Prefácio.

    Soou a campainha da porta de baixo. Raios. Quem seria àquela hora da noite? Olhou para o relógio. 00:17 / 4 de Abril de 2042. Tocou num dispositivo no sofá e clicou no ecrã de polímeros, situado na parede mais afastada. Cristo – tinha-se esquecido completamente do Max – Não, por acaso não esqueceu. Não era suposto ele ter voltado a Nova Iorque antes da noite do dia seguinte.

    A campainha soou novamente. Ela praguejou, pousou o diálogo e pressionou a abertura automática da porta.

    Ele subia as escadas do seu prédio brownstone (N.T. Casas de vários andares, feitas de uma pedra castanha, muito populares na costa leste dos Estados Unidos) e apareceu à porta numa questão de segundos.

    Ela tirou os olhos do ecrã e caminhou para o antiquado óculo da porta. Espreitou através dele, só para se certificar.

    Teve de admitir que o Max tinha bom aspeto.

    Abriu a porta.

    Ele entrou com um sorriso de orelha a orelha, um presente numa mão e uma garrafa de vinho na outra.

    Pensei que voltavas amanhã, disse Sierra.

    "Tive um upgrade para STH, disse o Max, ainda a sorrir. Longa história, voo curto – 45 minutos no ar!"

    Não sabia que tinham serviço hipersónico na Islândia, disse Sierra. Apercebeu-se que a sua própria voz também soava um pouco gélida.

    Max não se deixou intimidar. "Bem, essa é uma parte da longa história. Um amigo de um amigo que estava na conferência a que fui, disse que eu podia ter um upgrade grátis – alguma promoção que a Islândia está a fazer – se eu apanhasse hoje um voo noturno. À exceção, claro, daquele pulo para a atmosfera e voltar, estava aqui em Nova Iorque muito antes de partir de Reiquejavique. Um timing espetacular – Pensei em fazer-te uma surpresa!"

    Sierra meneou. "Mau timing, para mim".

    interrompo alguma coisa?, perguntou o Max, finalmente compreendendo.

    Sim, mas não o que tu pensas.

    O Max sorriu outra vez. Oh, tenho a certeza que sei o que estou a interromper – a dissertação, certo? Olha, desculpa. Eu sei que tens trabalhado arduamente nela.

    Sierra olhou para ele. Sentia-se ligeiramente mal, agora. Ele apresentava-se comovente, ali em pé com o vinho e o presente. Está bem, entra lá, mas não por muito tempo.

    Foram até á mesa da cozinha. Max pousou o embrulho e a garrafa. Chegou-se a ela.

    Sierra tinha-se esquecido que só tinha vestido um robe, parcialmente aberto naquele sítio. Eram já duas, as coisas que esqueceu naquela noite – não, não se tinha esquecido da chegada do Max, ele veio um dia antes do previsto. Mas não se tinha apercebido do robe aberto antes do Max a ter abraçado por dentro do robe. A esquina do braço roçou-a em baixo do seio. A mão moveu-se lentamente em direção ao fundo das suas costas. Ela sabia que aquilo seria um pouco mais demorado do que não por muito tempo.

    ***

    Ela pô-lo a par daquela tarde tão bizarra, em interlúdios de conversação que se arrastaram por várias horas.

    O Millenium Club?, disse, entre o espanto e a reverência. Ainda me mantenho em contacto com um dos profes do meu Comité de Doutoramento - ele levou-me a almoçar lá no ano passado. Eles têm um depósito de Grego e Latim que rivaliza com o de Harvard. Max era, ele próprio, um professor assistente de Estudos Comparados na Fordham University e por meio dessa especialização tinha mais do que um conhecimento superficial do Mundo Antigo e dos seus meios de comunicação. "Sabes, nunca engoli essa, que o Sócrates se permitiu morrer quando Crito lhe dava uma maneira de escapar."

    Eu sempre achei o mesmo., disse Sierra, enquanto brincava distraidamente com o cabelo do Max. Porque não optares por viver e continuares a tua crítica e a tua filosofia? Mas tu sabes, viagens no tempo e clonagem – era isso que o «visitante» arengava – não estavam de modo nenhum disponíveis no tempo de Sócrates, fora da ficção científica.

    Viajar no tempo é uma fasquia muito alta em qualquer época., disse Max, Sem dúvida. Mas se alguma vez resultar em algum ponto do futuro, então as pessoas estarão aptas a regressar ao nosso tempo, ao tempo de Sócrates, qualquer tempo, provavelmente com a mesma facilidade – o tempo de destino não fará provavelmente diferença, uma vez que a tecnologia esteja disponível.

    Sierra ponderou acerca da questão. Bem visto... Eles andaram a trabalhar durante muitos anos num género qualquer de buraco de minhoca artificial, não andaram?

    Sim – baseando-se numas equações desenvolvidas por Kip Thorne, décadas atrás. Mas tanto quanto eu sei é tudo muito teórico.

    É melhor do que nada, disse Sierra, e beijou-lhe o pescoço. OK. E quanto á clonagem?

    Criar um gémeo do Sócrates? Max encolheu os ombros. "Quem sabe... Sócrates fala sobre cópias perfeitas no Cratylus. Um pouco reminiscente do teu diálogo. Eu sei que os antigos tinham muito mais conhecimentos do que lhes damos crédito. Perdeu-se tanta coisa quando ardeu a biblioteca de Alexandria – e aconteceu mais do que uma vez. Tendo em conta que eles não tinham laser, nem eletrão, nem mesmo microscópios analógicos. Mas sabiam de agricultura. Sabiam fazer seleção deliberada para melhorar as colheitas e o gado. Portanto, quem sabe o que eles saberiam – talvez eles soubessem como colocar um enxerto de células humanas nalgum tipo de meio, onde poderia desenvolver-se até se tornar um clone. De qualquer modo... mesmo que eles não soubessem nicles sobre clonagem, se este «Andros» fosse realmente do futuro, poderia ter trazido equipamento ligeiro com ele – hei, já temos disso hoje em dia."

    Sierra inclinou-se e beijou o Max, em cheio nos lábios. Ele tinha uma maneira própria de fazer o seguramente impossível parecer menos impossível. Era em alturas como esta que ela percebia porque o deixava entrar a meio da noite.

    ***

    Apresentou-se no escritório do Thomas na manhã seguinte. Os bibliotecários da antiga Alexandria não fazem referência a isto. Nem existe qualquer referência a alguém chamado «Andros», disse Thomas, estudando a sua cópia do fragmento, enquanto Sierra fazia o mesmo com a dela.

    O Jowett diz que as listas de Alexandria não são fiáveis, respondeu ela.

    Sim mas ele estava a dizer que incluem embustes e paródias, não que omitiam diálogos Platónicos verdadeiros.

    Inexato é inexato, insistiu. Mentiras por encomenda, mentiras por omissão, simples erros – vai tudo dar ao mesmo.

    Thomas anuiu, ligeiramente.

    O «Ed» é uma chave melhor do que os Alexandrinos, não é? continuou Sierra. Só temos a palavra dele – ou dela – sobre a datação por carbono. A tradução parece suficientemente precisa mas só nos podemos guiar pela palavra dada pelo Ed sobre as palavras gregas originais, também.

    Encontraste falhas em alguma parte da tradução?

    Nada de especial, respondeu Sierra, mas aqui e aqui, por exemplo. Apontou para dois sítios no manuscrito. «Constituída» é um pouco rebuscado, pseudointelectual. «Composta» teria sido suficiente.

    Thomas deu uma risadinha, aprovador. O tradutor é definitivamente um «ele», disse.

    Conhece-lo?

    Thomas meneou.

    É por isso que tem a certeza que não é uma falsificação?, perguntou Sierra.

    Eu vi o original, respondeu Thomas. "Ajudei na tradução. «Constituída», se bem me recordo, foi minha.

    ***

    Thomas preparou um chá verde torrado. Sierra deu um gole, apreciando tanto o aroma como o sabor.

    O manuscrito original era de cortar a respiração, continuou Thomas. Fiquei maravilhado por ter sobrevivido tanto tempo e em tão boas condições.

    Como é que conseguiram isso? perguntou Sierra.

    Esses Alexandrinos eram a nata da humanidade, nessa altura, respondeu Thomas. Que mistura que eram – cultura Grega, por via da Macedónia, situada no Egito sob ocupação Romana, na época. Tinham uma taxa de literacia que excedia tudo até ao nosso século dezanove. Eles tinham a base das imagens animadas na persistência do olhar nos brinquedos óticos. Tinham engenhocas a vapor. Heron de Alexandria inventou ambos. E aparentemente tinham técnicas de preservação de documentos em recipientes fechados a vácuo. Sobreviveram à oxidação mas não à estupidez humana que pegou fogo à sua grandiosa biblioteca. Mas este escapou.

    OK, então este manuscrito é real, pelo menos no que diz respeito à criação desta cópia em 400 DC. Mas como é que sabemos que a pessoa que fez esta cópia estava apenas a copiar e não a criar este fragmento – e a história maior, o que quer que fosse – do zero? Temos de admitir que mesmo que tivéssemos a certeza que Platão o escreveu, isso não quer dizer que a história seja verdadeira. Podia ser mais uma das ficções do Platão – outro mito da Atlântida, certo?

    Sim, concedeu Thomas. Todos esses pontos são pertinentes.

    Porque é que me pediu para ver este documento agora?

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